O princípio da Função Social da Propriedade na prática do Tribunal de Justiça de São Paulo: Formas de aplicação e interpretação adotadas

Share Embed


Descrição do Produto

O princípio da Função Social da Propriedade na prática do Tribunal de Justiça de São Paulo: Formas de aplicação e interpretação adotadas

Relatório de Pesquisa

Ramon Alberto dos Santos

São Paulo Dezembro/2014

Sumário 1. Introdução ................................................................................................................................. 4 2. Confiabilidade do Banco de Decisões do TJSP .......................................................................... 7 2.1. Diferença entre a quantidade de decisões no período de 2002 a 2004 e após 2005........ 7 2.2. Disponibilidade de todas as decisões proferidas no banco de dados do TJSP ou apenas de parte delas............................................................................................................................ 8 3. O instrumento de análise e catalogação de dados da pesquisa: Análise dos componentes da tabela do Excel .............................................................................................................................. 9 4. Universo de Casos objeto do presente relatório .................................................................... 10 4.1. Áreas do Direito................................................................................................................ 10 4.2. Tipos de Ações e Recursos ............................................................................................... 11 4.3. Tipo do Imóvel objeto da disputa .................................................................................... 12 4.4. Debates (ou ausência deles) entre os desembargadores – placar das votações............. 14 5. Análise Doutrinária .................................................................................................................. 15 6. Análise dos casos ..................................................................................................................... 19 6.1. Categorias de análise da Função Social da Propriedade nos acórdãos............................ 19 6.2. Análise das decisões em que a função social da propriedade foi utilizada de forma autoaplicável................................................................................................................................... 21 6.2.1. Função social da propriedade como destinação social dada a propriedade abandonada/transcurso de grande lapso temporal. .......................................................... 21 6.2.2. Função social da propriedade como livre circulação dos bens ................................. 29 6.2.3. Necessidade de regularização de posse irregular de ocupantes de imóvel de projeto habitacional popular (conflito com o Estado e não com o permissionário) ....................... 31 6.2.4. Análise da conjuntura jurídica, social e econômica como outros requisitos da liminar do artigo 927 do CPC ........................................................................................................... 32 6.3. Análise de grupos de decisões da categoria B ................................................................. 33 6.3.1. Normatividade da Função Social da Propriedade ..................................................... 33 6.3.2. Da possibilidade de Tutela do Direito de Propriedade mesmo diante do descumprimento da função social da propriedade ............................................................ 36 6.3.3. Verificação da Função Social da Propriedade e determinação da sanção pelo seu descumprimento – Competência ........................................................................................ 37 6.3.4. Casos de tentativa de utilização da Função Social da Propriedade de forma expansiva ............................................................................................................................. 39 6.3.5. Proibição da justiça social pelas próprias mãos ........................................................ 41 6.3.6. Decisões Criativas ...................................................................................................... 42

7. Conclusões............................................................................................................................... 43 8. Referências .............................................................................................................................. 47 9. Anexos ..................................................................................................................................... 49 9.1. Tabela com numeração dos casos ................................................................................... 49

1. Introdução A presente pesquisa teve como objetivo analisar qualitativamente de que forma o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reconhece e aplica o conceito de função social da propriedade, por meio da análise de acórdãos coletados dentro do lapso temporal que compreende os anos de 2002 até 2014. Para coleta das decisões estudadas na pesquisa efetuou-se uma busca no sítio do próprio Tribunal, no portal e-SAJ, através do serviço “Consultas de Jurisprudência”, selecionando o modo “Pesquisa completa”. Partimos do pressuposto de que a ementa de um acórdão revela os pontos mais importantes da decisão e, por esse motivo, optamos por filtrar a busca pelo campo “ementa”, de modo a selecionar apenas acórdãos que tivessem como central a questão acerca da função social da propriedade, pretendendose, assim, encontrar um debate mais aprofundado sobre o assunto. Determinamos, então, que constasse na ementa a expressão “função social da propriedade”, com aspas duplas1, selecionamos um campo para que apenas acórdãos de 2º grau fossem filtrados e, por fim, tomamos por data de julgamento o primeiro dia de cada ano até o último dia de cada ano, sucessivamente, entre 2002 e 2013, e até o dia 12 de agosto no ano de 2014. O procedimento utilizado pode ser visto na imagem a seguir, na pesquisa do ano de 20022:

1

A utilização das aspas duplas correspondem a função frase-exata, que possibilita o retorno de decisões com a frase exatamente como definida. 2 Esse procedimento teve de ser utilizado, pois o mecanismo de consulta de decisões do TJSP não autoriza buscas por intervalo superior a 12 meses.

4

Com essa busca, obtivemos os seguintes dados: a) 294 decisões no ano de 2002; b) 317 decisões no ano de 2003; c) 202 decisões no ano de 2004; d) 13 decisões no ano de 2005; e) 11 decisões no ano de 2006; f) 10 decisões no ano de 2007; g) 38 decisões no ano de 2008; h) 41 decisões no ano de 2009; i) 60 decisões no ano de 2010; j) 134 decisões no ano de 2011; k) 80 decisões no ano de 2012; l) 82 decisões no ano de 2013 e m) 45 decisões até o dia 12 de agosto de 2014. Os números apontados se referem à contagem que o próprio banco de dados faz, ou seja, ao pesquisar com os critérios apontados acima o sítio eletrônico efetua a busca e expõe os dados encontrados, indicando o número de acórdãos coletados, como se vê:

Entretanto, importante destacar desde logo que, por vezes, esse número não demonstra as decisões que realmente estão à disposição. Essa constatação ocorreu durante a criação do banco de dados próprio da pesquisa, montado a partirdo download dos casos filtrados pela busca, pois ao baixar esses arquivos, percebemos que alguns acórdãos exibidos nos resultados eram idênticos. Ou seja, o mesmo acórdão aparecia em duplicidade na busca e era contado duas vezes, como demonstramos abaixo:

5

Nesses casos, mantivemos apenas uma das decisões que aparecia em duplicidade e o número total a que chegamos de dados baixados foi de: a) 268 para o ano de 2002; b) 294 para o ano de 2003; c) 184 para o ano de 2004; d) 10 para o ano de 2005; e) 11 para o ano de 2006; f) 10 para o ano de 2007; g) 38 para o ano de 2008; h) 41 para o ano de 2009; i) 60 para o ano de 2010; j) 133 para o ano de 2011; k) 80 para o ano de 2012; l) 82 para o ano de 2013 e m) 41 até 12 de agosto de 2014.

Banco de Dados Completo Progressividade IPTU - 938

Outros Tributos - 58

Acórdãos analisados - 256

20% 5% 75%

Figura 1 – Autoria própria conforme banco de dados da pesquisa

Com os limites definidos acima, chegou-se ao universo total de 1.252 acórdãos dos quais 996 tratavam de questões tributárias (ITBI, IPTU e Taxas diversas), sendo 938 relacionadas apenas com a progressividade do IPTU3. Para o presente relatório, excluiram-se essas acórdãos referentes a matéria tributária, tendo-se focado no restante dos acórdãos, obtendo-se um total de 256 acórdãos, referentes a 255 decisões4, as quais 3

Diante dessa expressiva quantidade de acórdãos referentes a progressividade do IPTU, iniciou-se uma análise específica deles, que foi objeto de outro relatório, para compreender como a função social da propriedade aparecia nesse contexto e qual era o contexto relacionado com essa conexão. 4 Os acórdãos do Agravo de Instrumento nº 0110155-22.2013.8.26.0000 e do Agravo Regimental nº

6

foram

numeradas

e

encontram-se

disponíveis

para

download

neste

link:

http://goo.gl/AJD6Hk, junto com a planilha de análise de dados da pesquisa.

2. Confiabilidade do Banco de Decisões do TJSP Uma das preocupações metodológicas importantes enfrentadas durante a pesquisa referia-se a confiabilidade do banco de dados eletrônico de decisões do TJSP, afinal quando se fala em pesquisa de decisões judiciais esse é um dos pontos centrais 5 e que mais suscita desconfianças6 . Em decorrência disso, realizou-se contato com um dos supervisores da Secretaria de Tecnologia da Informação do Tribunal de Justiça de São Paulo que detinha conhecimentos acerca do banco de dados eletrônico de decisões para que fossem esclarecidas dúvidas acerca de dois pontos, os quais são abordados nos itens abaixo. 2.1. Diferença entre a quantidade de decisões no período de 2002 a 2004 e após 2005 Pela análise do número de casos encontrados na pesquisa entre os anos de 2002 a 2004 , em comparação, principalmente, com o casos encontrados no periodo de 2005 a 2009, constatou-se que havia uma enorme diferença na quantidade de casos encontrados. Por exemplo, no ano de 2002 foram coletadas 268 decisões e, em contrapartida, no ano de 2005 foram encontradas 10 decisões. Diante disso, perguntou-se ao supervisor se havia algum erro com o sistema ou se esse era realmente o universo de casos a ser proporcionado tendo em vista os critérios de busca. Ele respondeu que os acórdãos anteriores a 2005, referentes as decisões do Tribunais de Alçada Civil (TAC), sofreram de dificuldades para a alimentação do

0087170-59.2013.8.26.0000/50000 em verdade tratam-se da mesma decisão, razão pela qual foram contabilizados como uma mesma decisão, tendo os arquivos em .pdf sido numerados ambos com o número 206; é por esse motivo também que no banco de dados existem dois acórdãos com o número 206. 5 Veja, por exemplo, a pesquisa realizada no âmbito do STF e do STJ acerca da confiabilidade do banco de dados eletrônico de decisões judiciais disponibilizado: VEÇOSO, Fabia Fernandes Carvalho; et al. A Pesquisa em direito e as bases eletrônicas de julgados dos tribunais: Matrizes de análise e aplicação no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. Revista de Estudos Empíricos em Direito, v. 1, n. 1, 2014, 105-139. 6 Veja, por exemplo, os artigos publicados no sítio Consultor Jurídico por Otavio Luiz Rodrigues Junior e a resposta de Dimitri Dimoulis: Rodrigues Junior, O. L. Riscos de uma pesquisa empírica em Direito no Brasil. Consultor Jurídico, 07 ago. 2013. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2013-ago07/direito-comparado-riscos-certa-pesquisa-empirica-direito-brasil> . Acesso em: 10 nov. 2014; e DIMOULIS, D. Por uma visão mais plural da pesquisa jurídica. Consultor Jurídico, 30 ago. 2013. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2013-ago-30/dimitri-dimoulis-visao-plural-pesquisajuridica> . Acesso em: 10 nov. 2014.

7

campo “ementa”, durante o processo de transferência para o banco de dados unificado com as decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo (acórdãos após 2005). Nesses acórdãos dos TACs, desenvolveu-se um sistema eletrônico que, com base em alguns padrões textuais como o recuo geralmente dado à ementa e a diferença de fonte utilizada, identificava automaticamente a ementa, possibilitando a busca. Entretanto, conforme relatado pelo supervisor, devido a diferença no padrão dos documentos e a qualidade da imagem, há inconsistência no campo ementa dessas decisões anteriores a 2005. Exemplo disso é que quando se limita a busca pela ementa, nos casos antes de 2005, alguns resultados terão lido quase o texto todo da decisão e não apenas a ementa, efetivamente. Esse problema relatado, portanto, foi o causador da diferença quantitativa que encontramos nos acórdãos de 2002 a 2004 em comparação ao resultado da busca a partir de 2005. Com isso, excluí-se a possibilidade de questionamento da confiabilidade do universo de decisões encontrados, pois no período de 2002 a 2004 obteve-se mais acórdãos e não menos do que se encontraria com a metodologia de pesquisa utilizada (busca na ementa). Além disso, sendo o objetivo da presente pesquisa uma análise qualitativa dos acórdãos encontrados, não nos parece que uma variação a maior de acórdãos no referido período possa interferir nos resultados encontrados.

2.2. Disponibilidade de todas as decisões proferidas no banco de dados do TJSP ou apenas de parte delas Quanto a representatividade das decisões disponibilizadas no banco de dados eletrônico do TJSP, o supervisor informou que desde a implementação do sistema eletrônico no Tribunal em 2007, todas as decisões são registradas no sistema, conforme normas internas. Além disso, ele informou que o banco de dados é composto ainda por decisões digitalizadas desde o final de 1998, com alguma variação referente dependendo do tribunal, pois segundo ele cada tribunal de Alçada iniciou os trabalhos de digitalização de suas decisões em períodos diferentes. Assim, o TJSP iniciou a digitalização das decisões no final de 1998, o extinto 2º TAC em 1999 e o 1º TAC também por volta de 1998. Um detalhe interessante é que o 1º TAC migrou algumas decisões antigas de sua base, podendo ser encontradas desse modo, decisões de sua base anteriores ao ano de 1998. 8

No que trata a confiabilidade do mecanismo de busca das decisões, o supervisor informou que o sistema exibe todas as decisões encontradas, com base no índice indicado ou no texto pesquisado (campo "Pesquisa Livre"). Ele informou contudo que há que se considerar que a base não é homogênea, pois é fruto de migrações de quatro origens distintas, cada qual com seu nível de qualidade e quantidade de índices disponibilizados à época. Assim, pode ser que quando da pesquisa textual ou por determinado índice, algumas imagens podem não ser inseridas no resultado por problemas com a qualidade original das imagens, que acabaram por gerar textos imprecisos, ou ainda devido à ausência do índice utilizado para algumas decisões.

Desse modo, ressalvadas as limitações técnicas em relação as decisões digitalizadas mais antigas, e com exceção das decisões protegidas pelo segredo de justiça7, todas as decisões são disponibilizadas e acessíveis através do sistema de consulta completa de jurisprudência do sítio do Tribunal de Justiça de São Paulo.

3. O instrumento de análise e catalogação de dados da pesquisa: Análise dos componentes da tabela do Excel Para melhor estudar os acórdãos coletados para estudo na presente pesquisa, utilizou-se como ferramenta de criação de um banco de dados de análise o aplicativo Excel, tendo o intuito de produzir uma melhor sistematização das informações para as análises qualitativas realizadas.. A tabela produzida foi dividida em quatro grandes blocos, cada qual numa cor. No primeiro bloco da tabela foram específicadas informações classificatórias e de identificação dos acórdãos relacionadas com: número do acórdão 8, tribunal de origem9, número do processo, tipo de recurso ou tipo de ação originária no tribunal10, ação originária, pólo ativo e pólo passivo do recurso/ação originária, câmara julgadora, nº do voto do relator do acórdão, nome do relator, data de julgamento, comarca de

7

Essas, conforme o funcionário do TJSP “(...) não são exibidas no resultado da pesquisa, e não entram na contabilização de decisões encontradas” 8 Separou-se os acórdãos da amostra por uma numeração própria para facilitar a sua análise e referência na pesquisa. 9 Esse fato se dá pois até 2004 havia a divisão entre 1º e 2º Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo, e partir de 2005, com a extinção dos tribunais de alçada determinada pela Emenda Constituicional nº 45, esses foram integrados ao Tribunal de Justiça. Para mais informações veja: Tribunal de Justiça absorve Tribunais de Alçada em São Paulo. Conjur. 3 jan. 2005. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2005-jan-03/tribunal_justica_absorve_tribunais_alcada_sao_paulo>. Acesso em: 01 dez 2014. 10 Veja por exemplo os casos de Ação Rescisória (16, 136, 227) e a ADI (240)

9

conflito, imóvel urbano ou rural, imóvel público ou privado, área do direito, tema e subtema. Já no segundo bloco, buscou-se catalogar algumas informações processuais referentes ao recurso, a existência de liminares, a quem as decisões tinham sido favoráveis11 e a votação dos acórdãos, utilizando-se os seguintes critérios para coleta de dados: o recurso recebido com efeito suspensivo, caso envolve liminar,

liminar

concedida ou negada em primeira instância, liminar concedida ou negada em segunda instância, decisão do acórdão revogou a liminar de primeira instância, houve reforma da decisão de primeira instância, votação unânime ou por maioria, e se a decisão seguiu ou não o voto do relator. O terceiro bloco foi composto por informações referentes ao conteúdo da decisão do acórdão, tendo sido preenchidas informações acerca: da ementa do acórdão, da fundamentação da decisão, o acórdão se concentra em questões processuais, qual o problema de direito material debatido e se há legislação federal específica mencionada no acórdão. O último bloco foi dedicado para catalogar informações sobre como a função social da propriedade foi utilizada nos acórdãos, tendo como critérios: categorias, a decisão cita outro(s) acórdão(s) como fundamento de seu posicionamento sobre a função social da propriedade, a decisão menciona o fato de apenas o Estado poder garantir o cumprimento da função social da propriedade, se sim transcreva um trecho, e um campo para observações. O banco de dados está integralmente disponível na internet e pode ser encontrado nesse link: http://goo.gl/sPgAck

4. Universo de Casos objeto do presente relatório 4.1. Áreas do Direito As 255 decisões coletadas abrangem variadas áreas do direito, como direito Ambiental (35), Processual civil (22), Administrativo (13), Locatício (11), Urbanístico (7), abrangendo ainda Constitucional (4), Recuperação Judicial/Falimentar (4), 11

Nos acórdãos em que não se debatia questões referentes a propriedade de imóveis ou cuja disputa era entre dois proprietários, utilizou-se a expressão “não se aplica”

10

Propriedade Intelectual (3) e Consumidor. Dentro do esperado, a maior parte dos acórdãos trazia questões relacionadas a área de Direito Civil, somando 155 acórdãos. Áreas do Direito abrangidas pela Amostra 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0

155

13

35

4

1

1

11

22

3

3

7

Total

Figura 2 – Autoria própria conforme banco de dados da pesquisa

Essa variedade de áreas se dá pela própria natureza da função social da propriedade, que modifica-se de “de estatuto para estatuto, sempre em conformidade com os preceitos constitucionais e com a concreta regulamentação dos interesses em jogo12”. Desse modo, por exemplo, as “propriedades urbanas se submetem ao disposto no art. 182 da CF, e, mais mudentemente, ao que está regrado no Estatuto da Cidade, em que se regulamentou esse art. 18213”, enquanto que a propriedade rural deve “submeter-se ao que está no art. 186 da CF, preenchendo simultaneamente todos os requisitos, que estão regulamentados pela Lei nº. 8629, 25.2.199314”, e ainda pode-se encontrar a função social da propriedade como um dos fundamentos do “princípio da preservação da empresa, pedra angular da Lei n° 11.101/2005, (...) denominado pela doutrina de ‘função social da empresa’15”. 4.2. Tipos de Ações e Recursos Quando se observa os mecanismos processuais utilizados nos casos da amostra, temos que a grande maioria, 80,39% (205), são compostos por apelações, seguidos de 12,16% (31) de Agravos de Instrumento e 5,10% (13) de Embargos de Declaração. Tem-se ainda 4 tipos de ações originárias no Tribunal, que totalizam 6 acórdãos. 12

Temas de Direito Civil. Gustavo Tepedino. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 337 ALVIM, Arruda. A função social da propriedade, os diversos tipos de direito de propriedade e a função social da posse. In Sílvio de Salvo Venosa et al., 10 Anos do Código Civil – Desafios e Perspectivas, São Paulo: Atlas, 2012, p.578 14 Ibid. 15 Acórdãos 76 (Agravo de Instrumento 601.295-4/1-00), 160 (Agravo de Instrumento 011398445.2012.8.26.0000) e 161 (Agravo de Instrumento 0114685-06.2012.8.26.0000). 13

11

Tipo de Recurso/Ação Originária no Tribunal Mandado de Segurança

1

Arguição de Inconstitucionalidade

1

ADI

1

Rescisória

3

Embargos de Declaração

13

Agravo de Instrumento

31

Apelação

205

Figura 3 - Autoria própria conforme banco de dados da pesquisa

Extraíndo-se do do inteiro teor dos Acórdãos, o tipo de ação em primeira instância, chegou-se a alguns grandes grupos de ações, como 49 ações de Reintegração de Posse, 28 ações cívis públicas, 22 Embargos à Execução, 18 revisões/rescisões contratuais16, 17 de ações de Usucapião, 15 Reivindicatórias, e 11 ações de despejo. Juntando-se as ações petitórias e possessórias, chega-se a um conjunto de 32,94% (84) dos acórdãos, distribuídos conforme figura abaixo. Ações Petitórias/Possessórias Usucapião - 17

Reintegração de Posse - 49

Reivindicatória - 15

Imissão de posse - 2

Interdito Proibitório - 1

18% 58%

3% 1%

20%

Figura 4 – Autoria própria conforme banco de dados da pesquisa

4.3. Tipo do Imóvel objeto da disputa Ao se observar os acórdãos pelo tipo de imóvel objeto da disputa, tem-se que a grande maioria é composta por imóveis privados (200), com poucos casos de imóveis públicos (17), e alguns casos de imóveis pertencentes a Sociedades de Economia Mista (11) ou de imóveis públicos desafetados (2). 16

Dessas, 10 acórdãos tratavam de ações de rescisão contratual com pedido de reintegração de posse. Esses 10 acórdãos não foram incluídos na quantidade de ações de Reintegração de Posse, em virtude de abordarem no mérito questões contratuais.

12

Tipo de Imóvel: Público ou Privado? Público desafetado 1%

Público 7% Privado 78%

S.E.M 4% Não menciona 1% Não se aplica 9%

Figura 5 - Autoria própria conforme banco de dados da pesquisa

Quando se observa o local onde o imóvel está localizado, se no âmbito urbano ou rural, tem-se que a maioria (145) é composta por imóveis urbanos, com 48 casos de imóveis rurais. Tipo de Imóvel: Urbano ou Rural? Não menciona 15%

Urbano 57%

Não se aplica 9%

Rural 19%

Figura 6 - Autoria própria conforme banco de dados da pesquisa

Ainda em relação ao tipo de imóvel, ao se selecionar apenas casos em que houve esbulho possessório, totalizando 37 acórdãos, tem-se que 68% (25) deles envolvem esbulho de propriedades privadas, 13% (5) esbulho de propriedades de Sociedades de Economia Mista e 19% (7) casos de invasão de propriedade pública.

13

Casos de Esbulho por tipo de Imóvel 13%

- Privado

19%

- Público 68% - S.E.M.

Figura 7 – Autoria própria conforme banco de dados da pesquisa

Desses casos de esbulho, quando analisados a localização tem-se que 69,70% (23) são conflitos de propriedade urbana, sendo ainda que 48,48% (16) deles são casos concentrados na Comarca de São Paulo.

4.4. Debates (ou ausência deles) entre os desembargadores – placar das votações De início é preciso esclarecer: Não há debate. E esse é o ponto. Em 245 decisões, os casos foram decididos de forma unânime, e em apenas 10 casos as decisões foram por maioria (7 por maioria conforme o relator original e 3 por maioria conforme relator designado17). Desse modo, pode-se constatar que em as decisões analisadas em sua grande maioria não tiveram um debate ou enfrentamento de ideias, tendo sido decididas de forma uniforme sem divergências.

Votação 96%

Maioria Conforme Relator designado Maioria Unânime

3% 1% Figura 8 – Autoria própria conforme banco de dados da pesquisa

17

Nos termos do artigo 155 do Regimento Interno do TJSP: Art. 155. Vencido o relator no mérito ou na questão principal, ainda que em parte, caberá ao desembargador designado redigir o acórdão. § 1º Será designado relator, preferencialmente, o desembargador que primeiro expôs a tese vencedora. § 2º Publicado o acórdão, cessa a vinculação do relator designado para redigi-lo, salvo em relação aos embargos de declaração e ao juízo de admissibilidade dos infringentes.

14

Uma única exceção a essa ausência de um debate nos julgamentos colegiados acerca de pontos relacionados com a função social pôde ser encontrado no acórdão 215 (Apelação 0001767-64.2009.8.26.0291), no qual a divergência instaurada cingia-se no debate acerca de qual interpretação (se restritiva ou extensiva) da exigência da parte final do caput do art. 18318, da Constituição melhor se coadunava com a função social da propriedade. Deste modo, mesmo se analisando as decisões que foram decididas por maioria, chega-se a constatação de que em nenhuma decisão da amostra houve um debate entre os desembargadores acerca do que seria a função social da propriedade ou da forma de sua aplicação.Essa é uma observação importante, na medida em que os acórdãos coletados referem-se a votos de 141 relatores diferentes, decididos em 37 câmaras de direito privado, 14 câmaras de direito público, bem como câmaras especiais e câmaras do extinto tribunal de alçada diferentes.

5. Análise Doutrinária Antes de tecer conclusões acerca dos acórdãos aqui analisados, é relevante fazer uma análise de como a doutrina compreende a função social da propriedade, e principalmente como ela desenha as consequências pelo seu descumprimento. Não se buscou uma análise exaustiva e nem completa, mas sim uma busca com foco na relação entre a função social da propriedade e a garantia da propriedade no ordenamento jurídico brasileiro, e da possibilidade de sanção para além das hipóteses taxativamente previstas na legislação constitucional e infraconstitucional. Para André de Ramos Tavares, Fábio Konder Comparato, Fredie Didier Jr., Gustavo Tepedino, José Afonso da Silva, Luciano de Camargo Penteado, Rui Geraldo Camargo Viana, José Isaac Pilati19, a função social da propriedade não é uma mera limitação ao direito de propriedade, mas passa a ser elemento essencial da propriedade protegida constitucionalmente; caso não seja cumprida a função social, referida propriedade deixa de ser protegida pelo ordenamento jurídico, por essa abordagem. Trascreve-se abaixo trechos das obras dos referidos autores referente as consequências do não cumprimento da função social da propriedade: 18

Art. 183 (...) adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural PILATI, José Isaac. Propriedade & Função Social na Pós-modernidade. 3ª Edição. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2013. p. 80. 19

15

André de Ramos Tavares: “A propriedade só está garantida, como tal, na Constituição brasileira, nos termos do inciso XXIII, que prescreve: ‘a propriedade atenderá a sua função social’20” Fábio Konder Comparato: “O reconhecimento constitucional da propriedade como direito humano liga-se, pois, essencialmente à sua função de proteção pessoal. Daí decorre, em estrita lógica, a conclusão – quase nunca sublinhada em doutrina – de que nem toda propriedade privada há de ser considerada direito fundamental e como tal protegida. (...) Com relação aos demais sujeitos privados, o descumprimento do dever social de proprietário significa uma lesão ao direito fundamental de acesso à propriedade, reconhecido doravante pelo sistema constitucional. Nessa hipótese, as garantias ligadas normalmente à propriedade, notadamente a de exclusão das pretensões possesórias de outrem, devem ser afastadas. (...) Quem não cumpre a função social da propriedade perde as garantias, judiciais e extrajudiciais, de proteção da posse, inerentes à propriedade, como o desforço privado imediato (Código Civil, art. 502) e as ações possessórias. A aplicação das normas do Código Civil e do Código de Processo Civil, nunca é demais repetir, há de ser feita à luz dos mandamentos constitucionais, e não de modo cego e mecânico, sem atenção às circunstâncias de cada caso, que podem envolver o descumprimento de deveres fundamentais.21” Fredie Didier Jr.: “Ao possuidor, cuja posse não esteja em conformidade com os deveres que lhe são constitucionalmente impostos, não é deferida a tutela processual da posse. A justificativa é elementar: se a tutela processual da posse serve à tutela do titular do domínio, se esse domínio não é digno de proteção jurídica, porquanto em desacordo com o ‘modelo constitucional do direito de propriedade’, não poderá receber proteção o instrumento de realização desse mesmo direito: a posse. (...) Deste modo, pode-se afirmar que a Constituição de 1988 criou um novo pressuposto para a obtenção da proteção processual possessória: a prova do cumprimento da função social. Assim, o art. 927 do CPC, que enumera os pressupostos para a concessão da proteção possessória, deve ser aplicado como se ali houvesse um novo inciso (o inciso V), que se reputa um pressuposto implícito, decorrente do modelo constitucional de proteção da propriedade.22” Gustavo Tepedino: “A despeito, portanto, da disputa em torno do significado e da extensão da noção de função social, poder-se-ia assinalar, como patamar de relativo consenso, a capacidade do elemento funcional em alterar a estrutura do domínio, inserindo em seu ‘profilo interno’ e atuando como critério de valoração do 20

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 12a ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 557. COMPARATO, F.. Direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade. Revista CEJ, América do Norte, 112 12 1997. Disponível em: http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/123/166. Acesso em: 01 dez 2014. 22 DIDIER JR., Fredie. A função social da propriedade e a tutela processual da posse. Disponível em: . Acesso em: 01 dez 2014. 21

16

exercício do direito, o qual deverá ser direcionado para um ‘massimo sociale’. Daí decorre que quando uma certa propriedade não cumpre sua função social, não pode ser tutelada pelo ordenamento jurídico23” José Afonso da Silva: “O regime jurídico da propriedade tem seu fundamento na Constituição. Esta garante o direito de propriedade, desde que esta atenda a sua função social. Se diz: é garantido o direito de propriedade (art. 5º, XXII), e a propriedade atenderá a sua função social (art. 5º, XXIII), não há como escapar ao sentido de que só garante o direito da propriedade que atenda sua função social. A própria Constituição dá consequência a isso quando autoriza a desapropriação, com pagamento mediante título, de propriedade que não cumpra a sua função social.24” José Isaac Pilati: “(...) Nesses dois casos específicos (rural e urbano), qual é a sanção para o não cumprimento dos requisitos de função social? Em termos expressos, a desapropriação por interesse social por iniciativa do Poder Público e mediante pagamento em títulos. A função social esgotar-se-ia, como princípio e sanção, nesses efeitos? Não, certamente, porque a função social não é um apêndice da propriedade domínio do Código Civil e sim o contexto de todos os poderes exercidos no Brasil, sejam econômicos ou políticos ou quaisquer outros. E a sanção do não cumprimento da função social repercute em toda a amplitude do Direito e da tutela (...)25”.

Luciano de Camargo Penteado: “A propriedade constitucionalizada e protegida, ao fim e ao cabo, no sistema brasileiro, enquanto situação jurídica subjetiva ativa é apenas e tão somente aquela que atinja a sua função social. As propriedade socialmente disfuncionais encontram-se em situação de ilicitude lato sensu que ensejará, conforme os casos concretos e as condições objetivas, projeções jurídicas igualmente diversificadas26.” Rui Geraldo Camargo Viana: “Significa dizer que o proprietário terá seu direito de propriedade protegido desde e na medida em que cumpra o seu papel social. 27”

Marcos Alcino fez esse caminho também analisando o posicionamento de 23 autores28, que caminham no sentido de que a função social é elemento constitutivo da propriedade protegida constitucionalmente, tendo se questionado por fim qual seria o 23

TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 338-340. SILVA, José Afonso de (2011). Curso de Direito Constitucional Positivo. 34a ed. São Paulo: Malheiros. p. 270. 25 PILATI, José Isaac. Propriedade & Função Social na Pós-modernidade. 3ª Edição. LumenJuris. p. 121 26 PENTEADO. Luciano de Camargo. Direito das Coisas. São Paulo: RT, 2008. p. 190. 27 Os direitos reais no novo código civil. Rui Geraldo Camargo Viana. In: Princípios do novo código civil brasileiro e outros temas - homenagem a Tullio Ascarelli. Coord. Antonio Junqueira de Azevedo, Heleno Taveira Tôrres e Paolo Carbone. 2ª Ed. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 616. 28 TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. A Propriedade e a Posse: Um confronto em torno da Função Social. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. pp. 264-272. 24

17

significado das expressões de consequência disso para referidos autores: “Que sentido teriam as expressões: perda de proteção, desproteção, perda de tutela, perda de legitimidade, desmerecimento de tutela, desmerecimento de proteção, ausência de legitimidade?29” Continua o autor para dizer que “não é suficiente dizer que a propriedade perde a tutela ou a proteção do sistema se não indicar o efeito prático – social e econômico – que tal consideração permitir”30. Com exceção do próprio Marcos Alcino, Fábio Konder Comparato, Fredie Didier Jr., os outros autores mencionados não descrevem ou aprofundam as consequências de se compreender a tutela da propriedade dessa maneira. Esses outros autores nesse ponto parecem ser contraditórios, pois apresentam uma função social da propriedade ampla e potencialmente aplicável de forma autônoma em vários casos, mas ao aprofundar o estudo restringem seus debates aos dispositivos ou institutos jurídicos expressamente previstos na constituição ou na legislação infraconstitucional, como a desapropriação e a usucapião, e limitando o debate a forma como eles estão previstos. Luciano de Camargo Penteado, por exemplo, apresenta o caso decidido pelo TJSP na Ap. Civ. 212. 726-1/8 (rel. Des. José Osório, J. 16.12.1994) para exemplificar seu argumento de perda da proteção jurídica da propriedade, mas no restante do capítulo ao detalhar as sanções pelo não cumprimento da função social da propriedade silência sobre essa possibilidade.

Já autores como Orlando Gomes apresentam um posicionamento restritivo da função social da propriedade, mas coerente: “o preceito constitucional que atribui função social a propriedade não tem valor normativo porque não se consubstancia nas normas restritivas do moderno direito de propriedade, mas simplesmente se constitui no seu fundamento, na sua justificação31.” Francisco Eduardo Loureiro também adere a uma postura restritiva, pois além de a Constituião não haver previsto “negativa de tutela, ou da retirada de legitimação do mau proprietário”, referido entendimento sobre a a proteção da propriedade, negando “pura e simplesmente, qualquer ato de defesa do mau proprietário à agressão de terceiros significaria legitimar o reino da força, uma vez que, sendo os bens escassos em relação às necessidades do homem, seria inevitável a luta por sua apropriação32”. Se realmente entende-se por essas expressões uma perda da proteção estatal acerca das propriedades que não cumprem sua função social, restringindo portanto o 29

Idem., p. 272. Idem, p. 291. 31 GOMES, Orlando. Direitos Reais. 21ª Ed. Atualizador Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 123. 32 LOUREIRO, Francisco Eduardo. Art. 1.228. In Código Civil Comentado. Coord. Cezar Peluso. 8ª Ed. Barueri, SP: Manole, 2014. p. 1118. 30

18

direito de ação e defesa judiciais do proprietário, dois pontos são importantes: a) o primeiro refere-se ao fato de que a constituição “não cogitou, todavia de, negativa de tutela, ou da retirada de legitimação do mau proprietário 33”, previu a desapropriação mas não essa forma de restrição; e b) esse entendimento significaria um paradoxo com o atual desenho do instituto da desapropriação, pois não faria sentido o Estado indenizar a propriedade desapropriada que não estivesse cumprindo com a sua função social se não houvesse mais direito a tutela estatal da propriedade.34. Mas mesmo que superado estivesse esse debate, ainda restaria uma questão referente a normatividade do princípio da função social da propriedade: estaria ela limitada a restrita ao estabelecido pelo legislador ou seria um princípio a ser aplicado no caso concreto pelo aplicador? Ricardo Arrone e Gustavo Tepedino entendem que somente no caso concreto poderá o judiciário definir o cumprimento ou não da função social, não sendo possível definir “existência de fórmulas hábeis à sua précompreensão35”, pois a “funcionalização da propriedade privada à promoção de valores existenciais não se coaduna com tentativas simplificadoras de encontrar critérios apriorísticos de atendimento da função social36”. Essa leitura dos doutrinadores não é conclusiva, mas auxília na análise dos posicionamentos adotados nos acórdãos na medida em que apresenta o estado da arte do debate teórico sobre a função social da propriedade na doutrina. Passa-se então à análise dos acórdãos coletados na pesquisa.

6. Análise dos casos 6.1. Categorias de análise da Função Social da Propriedade nos acórdãos Durante a análise dos acórdãos, pôde-se dividir a utilização da função social da propriedade em três categorias: a) simples menção; b) descrição ou princípio legitimador; e c) princípio auto-aplicável.

33

Ibid. Luiz E. Fachin em seu artigo “Terras devolutas e a questão agrária” (Revista dos Tribunais, V. 629, Março/1988 , p. 56) chega a essa conclusão ao entender que se a propriedade rural se tornar função social, não haveria mais direito de propriedade sem função social e portanto não seria necessário indenização por parte do Estado para desapropriação de propriedades rurais nessas condições. 35 ARRONE, Ricardo. Os direitos Reais codificados no curso da constitucionalização do direito civil. In Os 10 anos do Código Civil – Evolução e perspectivas. Coord. Marcos Ehrhardt Jr. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012, p. 440 36 TEPEDINO, Gustavo. O princípio da função social no direito civil contemporâneo. 34

19

Do total de decisões, 38,04% se enquadram na categoria “simples menção”, apenas mencionando a função social da propriedade, sem qualquer aprofundamento sobre seu significado ou mesmo peso na fundamentação da decisão37. Já a grande maioria das decisões foram enquadrados na categoria “b”, nas quais a menção a função social da propriedade aparecia ora com um aprofundamento, uma descrição da interpretação e aplicação do princípio da função social da propriedade38, ora se extraindo um fundamento legitimador de algum instituto jurídico ou de alguma restrição a direito imposta pelo Estado39, mas sem uma utilização como princípio autoaplicável. E em um conjunto mais restrito, de 17 acórdãos, a função social da propriedade possuía uma autonomia normativa, no sentido em que era entendida como princípio constitucional diretamente aplicável ao caso concreto, sem a necessidade de regulamentação constitucional ou infraconstitucional, possibilitando ao magistrado flexibilizar o direito posto “excepcionamente, tal se faça necessário para assegurar a função social da propriedade”40, ou utilizar a função social da propriedade diretamente como um dos fundamentos da decisão.

Divisão dos Acórdãos conforme categorias 6,67%

Simples Menção - 97 38,04% 55,29%

Descrição ou Princípio Legitimador - 141 Princípio Auto-aplicável - 17

Figura 9 – Autoria própria conforme banco de dados da pesquisa

37

Como exemplo vide os acórdãos 9 (Agravo de Instrumento nº 1.128.908-2), no qual o Relator apenas menciona no relatório que o Agravante apresenta como um de seus argumentos “que se deve observar o princípio constitucional da função social da propriedade”, sem abordar novamente a função social da propriedade; acórdão 23 (Agravo de Instrumento nº 1.274.867-7), em que há apenas uma menção a função social da propriedade como um dos princípios balizadores da ordem econômica; e acórdão141 (Agravo de Instrumento n.º 0.093.436-96.2012.8.26.0000), no qual no penúltimo parágrafo o Relator argumenta que “por fim” não havia no caso afronta a função social da propriedade. 38 Como exemplo vide os acórdãos 15 (Apelação nº 788.678-0/0), 99 (Apelação nº 994.08.177540-2) e 245 (APELAÇÃO nº 9205986-80.2009.8.26.0000). 39 Como exemplo vide os acórdãos 58 (Apelação 800.205-5/7-00), Apelação 104 (Apelação n° 994.06.028078-1) e 237 (Apelação nº: 0022543-69.2009.8.26.0361). 40 ALVIM, Arruda. A função social da propriedade, os diversos tipos de direito de propriedade e a função social da posse. In Sílvio de Salvo Venosa et al., 10 Anos do Código Civil – Desafios e Perspectivas, São Paulo: Atlas, 2012, pp. 581-582.

20

6.2. Análise das decisões em que a função social da propriedade foi utilizada de forma auto-aplicável Passa-se agora a uma análise das 17 decisões em que o princípio da função social da propriedade teve uma aplicação autônoma na fundamentação da decisão, mesmo que não sendo o fundamento principal da decisão. Buscou-se encontrar alguns elementos fáticos que eram comuns aos casos, de forma a tentar encontrar padrões de aplicação e interpretação do princípio da função social da propriedade auto-aplicável. 6.2.1. Função social da propriedade como destinação social dada a propriedade abandonada/transcurso de grande lapso temporal.

Nas ações de reintegração de posse e reivindicatórias encontradas nesse grupo, dois são os elementos fáticos principais na argumentação do Relator quando apresenta a função social da propriedade: a destinação social dada a propriedade pelo(s) esbulhador(es)/ocupante(s), e o abandono/transcurso de grande lapso temporal da data de esbulho/ocupação e a insurgência do proprietário/possuidor. 6.2.1.1. Ações Reivindicatórias

- Acórdão 45 (Apelação nº 447.538-4/4): Em seu voto, o Relator, embora reconheça que os autores figuravam como proprietários do imóvel objeto da reivindicatória, o que portanto daria aos autores a proteção do art. 1228 do Código Civil, entendeu que a hipótese dos autos permitia excepcionar tal proteção devido a representar correta interpretação do vocábulo ‘reavê-la de quem quer que injustamente a possua ou detenha’ da parte final do art 1228, do CC, de 2002. Essa referência da norma protege a posse justa, assim compreendida a posse de qualidade tão extraordinária que seja permitido emparedá-la ao direito de propriedade ao qual se antepõe e, nesse instante, ressalta-se o disposto no art 5º, XXIII, da CF, quando afirma que "a propriedade atenderá a sua função social.

O Relator então entende que no caso concreto a destinação social dada pela requerida ao imóvel, do qual pagava as prestações do programa habitacional desde longa data, mesmo não sendo proprietária, afastou a posse injusta, tornando-a justa, e retirando o efeito da reivindicatória. Em sua fundamentação assim estabelece sua leitura da função social da propriedade: Não deve o Juiz imaginar que a função social da propriedade reflete um princípio que autoriza melhorar o sentido de terras improdutivas, permitindo a reforma agrária. Essa é uma das muitas utilidades, o que não descarta a

21

repercussão constitucional sobre as relações privadas, notadamente quando em foco a destinação de uma casa que foi construída e comercializada com recursos de financiamentos habitacionais.(grifo nosso)

Desse modo, o Relator negou provimento a apelação dos autores, devido a esses não terem provado a posse injusta da ré, em relação a qual havia prova de que ocupava “o imóvel desde quando iniciados os pagamentos das prestações”, sendo de se “concluir que sua posse, bem consolidada pela destinação familiar, se sobrepõe ao direito de propriedade que surge como uma mera aparência, uma ficção jurídica (...)”. - Acórdão 89 (Apelação nº 531.997.4/0-00): Nessa Ação Reivindicatória julgada parcialmente procedente, apelam os autores para que seja reformada a sentença afastando a indenização por benfeitorias construídas e a retenção delas pelos apelados. O Relator entende que no caso as construções dos réus devem ser entendidas como benfeitorias com direito a retenção pois os proprietários agiram de maneira desidiosa em relação ao seu imóvel, demorando quase oito anos para se manifestar definitivamente sobre o esbulho, indicando ainda que: Além disso, se os apelados não tivessem utilizado o lote ele provavelmente estaria destituído de qualquer função social, pois se os apelantes titubearam em repelir o esbulho de sua posse, é forçoso reconhecer que eles não iriam conferir qualquer destinação útil ao terreno. Dessa forma, os apelados, ao construírem residências - como necessidade de moradia -, e uma simples oficina - como forma de subsistência -, aumentaram o uso da coisa, tornandoa mais útil. Por isso, à luz do princípio da função social da propriedade, disposto na Constituição Federal artigos 5º, XXIII e 170, III, deve-se reconhecer que com a construção das residências e da oficina ocorreu o aumento da utilidade social do lote, devendo ser consideradas essas construções como benfeitorias úteis, e não acessões. A interpretação supra privilegia aqueles que utilizaram o imóvel de forma a confeccionar uma maior utilidade social ao mesmo, em detrimento daqueles que o utilizam de forma abusiva, ou mesmo, dos que o ignoram e não conferem nenhuma função que estabeleça mínimos benefícios à sociedade em geral. (grifo nosso)

- Acórdão 105 (Apelação nº 994.03.098351-6): Trata-se de Apelação interposta pelos réus em ação reivindicatória julgada procedente, a qual o Relator deu provimento para garantir a posse dos réus em detrimento do direito de propriedade dos autores. Os fundamentos trazidos pelo Relator concentram-se na ausência de má-fé da posse dos réus da ação reivindicatória e no transcurso de grande quantidade de tempo da ocupação, que “foi ocupado na década de 80”. Não fica claro, até esse ponto do acórdão, se o Relator está baseando a sua leitura jurídica dos fatos com base no princípio da função social da propriedade, mas é na parte final que seu posicionamento fica claro: 22

Ao contrário das disposições civis, que se desenvolvem no interesse do proprietário, a Constituição prestigia a função social da propriedade, visando o desenvolvimento urbano e os interesses da coletividade. Sob esse enfoque, a função social da propriedade implica um verdadeiro dever de uso para o proprietário, mediante aproveitamento da coisa. Do mesmo modo, a realidade urbanística não prescinde da utilização racional do solo, mormente no que toca ao acesso à moradia pela população de baixa renda. Em suma, as características excepcionais do caso permitem consagrar aos apelantes o direito à posse do bem, em detrimento do direito individual de propriedade dos apelados, que mal a exerceram. (grifo nosso)

Dessa maneira, o Relator nega a posse injusta dos réus em sede de reivindicatória41, diante da ausência de má-fé e do grande decurso de tempo da ocupação com destinação social, com base no princípio constitucional da função social da propriedade.

- Acórdão 129 (Apelação nº 9095494-55.2008.8.26.0000): Trata-se de Apelação interposta pela autora de ação reivindicatória julgada improcedente, na qual o Relator manteve a improcedência da ação. A Ementa da decisão indica bem o contexto do caso: Reivindicatória. Juízo petitório em que se discute apenas o direito à recuperação da posse, com base nos aspectos dominiais. Gleba de terra na qual se erigiu verdadeiro loteamento clandestino. Inércia dos proprietários para obstar situação juridicamente estável. Função social da propriedade aplicável ao caso, porquanto não se revela razoável autorizar reivindicação de todo um bairro que se formou na gleba rural. Irrelevância da falsidade dos documentos para o julgamento do caso. Posse justa dos réus da qual é possível aferir possível prescrição aquisitiva. Construções erigidas no imóvel. Animus domini comprovado. Ciência da apelante acerca da posse dos apelados. Improcedência da ação. Recurso desprovido. (grifo nosso)

Em sua fundamentação o Relator minimiza a legitimidade da apelante para pleitear a reivindicatória em decorrência de ser titular de apenas 1/10 do imóvel e de não haver “manifestação dos demais herdeiros condôminos, presumindo concordância com a situação já sedimentada”, entendendo assim que seria “inviável pretender a requerente desalojar todo um bairro, na simples condição de condômina, sem a participação dos demais herdeiros da família Jafet, titulares dos 9/10 restantes.”42

41

Diferentemente das ações possessórias, em sede de ações petitórias, a caracterização da posse injusta é ampla e genérica, bastando a ausência de justo título a justificar a posse; como exemplo vide: “O referido dispositivo legal fala em posse injusta. Tal expressão é referida em termos genéricos, significando sem título, isto é, sem causa jurídica. Não se tem, pois, a acepção restrita de posse injusta do art. 1.200 do mesmo diploma. Na reivindicatória, detém injustamente a posse quem não tem título que a justifique, mesmo que não seja violenta, clandestina ou precária, e ainda que seja de boa-fé. Não fosse assim, o domínio estaria praticamente extinto ante o fato da posse” (GONÇALVES, Carlos R. Direito Civil brasileiro: Direito das coisas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 212-213). Além disso, ao mencionar a ausência de má-fé, o Relator não afasta a aplicação do art. 524 do Código Civil de 1916, que é a base do código anterior para ações petitórias, apenas indicando aplicar-se ao caso a posse de boa-fé do artigo 491 do referido código. 42 Nos termos do artigo 1.314 do Código Civil essa interpretação não se sustentaria.

23

Prossegue o Relator indicando que “o fato de que a situação perdura por dez anos, sedimentando situação juridicamente estável”, não tendo os proprietários ou apelante em particular tomado qualquer providência para obviar a consolidação do loteamento clandestino (em qualquer momento anterior, a ação revindicatória teria alguma utilidade, mas atualmente a eficácia dos fatos consolidados é suficiente para repudiar qualquer direito de propriedade).(grifo nosso)

Tomando por base esse trecho final transcrito, o Relator citando Menezes de Cordeiro dá a entender que em sua concepção poderia ser aplicada na hipótese a figura da suppressio pela qual “a situação de um direito que, não tendo em certas circunstâncias sido exercido, por um determinado lapso de tempo, não mais pode sê-lo, por defraudar a confiança gerada.” Apos explicar o princípio da função social da propriedade, indicando que ele “ atua no conteúdo do direito” e que não seria “razoável propugnar pela procedência da demanda reivindicatória, o que resvalaria em desalojamento de todas as pessoas vítimas da inércia da autora e que compraram de boa-fé os lotes”, o Relator indica que às apelantes caberia se valer das “vias ordinárias contra o herdeiro eventualmente responsável pelas vendas pleiteando o quinhão que lhe é de direito”, e conclui seu voto indicando que: Em suma, a conclusão que aqui se estabeleceu decorre do princípio da função social da propriedade, devendo ser afastada qualquer pretensão fundada em direito dominial, quando presentes elementos que lhe privem da força dada pelo ordenamento jurídico. E mais, há ostensiva comprovação do animus domni para fim de reconhecimento da usucapião o que, entretanto, só poderá ser reconhecida em ação própria, servindo aqui, apenas como fundamento para afastar a pretensão reivindicatória da apelante.(grifo nosso)

- Acórdão 165 (Apelação nº 9170028-67.2008.8.26.0000): Trata-se de Apelação interposta pelos réus contra sentença que julgou procedente ação reivindicatória determinando a imediata desocupação do imóvel por parte dos requeridos e imitindo a autora na posse do bem. O Relator em seu voto deu provimento ao recurso para julgar improcedente a reivindicatória. Em seu fundamento o Relator lembra que o imóvel objeto da disputa é um bem dominical e que os réus “invocaram usucapião como matéria de defesa, uma vez que residem no imóvel de 250 m², de forma mansa, pacífica e ininterrupta, com animus domini, desde 1983, ou seja, há mais de 23 (vinte e três) anos”. Além disso, explica em seu voto que: É certo, pois, que esse imóvel, se não tivesse sido ocupado pelos réus, não teria cumprido, como deveria, a sua função social, e isso porque, desde que

24

passou a integrar o patrimônio da USP, em 1991, não lhe foi dada qualquer destinação específica e assim continua, uma vez que a autora não expõe exatamente que atividade seria exercida na residência. (...) Nesse passo, pode-se afirmar que, inobstante o fato de ser um bem público dominial, deixou a autora de dar cumprimento à sua função social, não merecendo, pois, a proteção constitucional da imprescritibilidade.(grifo nosso)

Ainda como fundamentação do seu posicionamento o Relator traz o voto de lavra

da

Des.

Lucila

Toledo

nos

Embargos

infringentes



9172311-

97.2007.8.26.0000/50000 (j. 22.05.2012): Doutrina recente, interpretando a Constituição de forma sistemática e teleológica, busca nos princípios a flexibilização de normas que, interpretadas literalmente, geram injustiças em determinadas circunstâncias. Nesse sentido, argumenta-se pela possibilidade de usucapião do bem público, com base na função social da propriedade. (...) O bem estatal deve se reverter de forma benéfica a toda sociedade, derivando daí a especial proteção conferida a ele pela Constituição. Assim, o bem público que não cumpre com sua função social não faz jus à proteção constitucional da imprescritibilidade. (grifo nosso)

Conclui o Relator pelo acolhimento da exceção de usucapião arguida em defesa, julgando-se improcedente a ação reivindicatória diante do tempo em que os apelantes residiam no imóvel, realizando benfeitorias necessárias e úteis e pagando o IPTU, e pelo fato de que o dono da coisa foi negligente “ao deixar de utilizá-la por muito tempo”. Apenas fazendo um ressalva: “o reconhecimento da exceção de usucapião como matéria de defesa e improcedência da reivindicatória não implica em aquisição de domínio do imóvel pelos requeridos”.

6.2.1.2. Ações de Reintegração de Posse

- Acórdão 65 (Apelação nº 1.003.905-3): Nessa Apelação do autor em Ação de Reintegração de Posse, o Relator negou provimento ao recurso mantendo a sentença de primeira instância indicando que ela “merece ser mantida por seus jurídicos e bem lançados fundamentos”. O Relator começa por indicar em seu voto que Ainda que a solução do litígio estivesse focada unicamente sobre a questão possessória - deixando de lado os reflexos oriundos da função social da propriedade e do direito de moradia - do imóvel disputado, o resultado seria o mesmo.(grifo nosso)

Em sua concepção o autor da ação, “apesar de contemplado em programa social de habitação, deixou o lote de terreno praticamente abandonado por mais de um ano e meio”, o que possibilitou a ocupação pela ré, a qual “deu destinação social ao imóvel e ali construiu sua moradia, além de pagar os impostos incidentes”. Conclui então o Relator: 25

Além de não provar a posse anterior sobre o lote de terreno disputado, a sentença realçou a falta de destinação social e protegeu o direito de moradia. Numa interpretação afinada com a realidade social e com os ditames da Constituição Federal, deu-se solução justa e adequada ao conflito. Concluindo-se, o ilustre magistrado JAIME SILVA TRINDADE demonstrou elevada sensibilidade social e aplicou adequadamente as normas constitucionais, notadamente aquelas relativas aos direitos fundamentais da propriedade (exercido com função social) e da moradia (direito social).

- Acórdão 66 (Apelação nº 1.129.712-0): No caso o Relator mantem a improcedência de Ação de Reintegração de Posse, diante da ausência de comprovação de posse antiga dos proprietários autores, que conforme indicam as provas dos autos teriam abandonado o imóvel, não havendo que se falar em esbulho praticado pelos réus Até esse ponto, o voto não consigna expressamente a função social da propriedade. Mas ao afastar a alegação dos autores de revelia dos requeridos, o Relator justifica que “a função social da propriedade, em casos como o dos autos, adquire especial preponderância”, trazendo duas decisões do TJSP para reforçar sua fundamentação, as quais demonstram ainda mais a aplicação autônoma intentada pelo Relator da função social da propriedade: REINTEGRAÇÃO DE POSSE - Acessão construída por terceiro de boa-fé há mais de 20 anos - Verificação de sobreposição de lotes quando da unificação dos terrenos - Ausência de erro ou equívoco do autor - Prevalência dos princípios da segurança Jurídica e da estabilidade - Função social da propriedade - Situação fática que suplanta a jurídica - Apelo desprovido (Apel 7242175-3, Rei Ramon Mateo Júnior, 17ª Câmara de Direito Privado, j 18 08.2008) (grifo nosso) POSSE PERDA ABANDONO DA COISA POR MAIS DE ANO E DIA NOVOS POSSUIDORES QUE DÃO NOVO APROVEITAMENTO À COISA ANTES ABANDONADA CARACTERIZAÇÃO DE MELHOR POSSE. INTELIGÊNCIA DO ART 520, IV, DO CÓDIGO CIVIL DE 1 916. PROTEÇÃO DE UM DOS ELEMENTOS DA PROPRIEDADE CONDICIONADA AO CUMPRIMENTO-DE SUA FUNÇÃO SOCIAL DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA REINTEGRAÇÃO DE POSSE JULGADA IMPROCEDENTE RECURSO PROVIDO (Apel 974 544-2, Rei Araldo Telles, 15a Câmara de Direito Privado, j 31 07 2007). (grifo nosso)

Referidos acórdãos, apresentam um posicionamento claramente autônomo ao princípio da função social da propriedade, indicando que o Relator, diante do caso concreto, em que estavam presentes tanto o abandono do imóvel pelos autores, quanto a ausência de esbulho, interpretou que os réus davam cumprimento ao princípio da função social da propriedade, e portanto entendeu que a aplicação dos efeitos da revelia a eles não estaria em consonância com referido princípio. - Acordão 68 (Apelação nº 7.080.408-7): Em seu voto o Relator, embora pareça se filiar a corrente que entende não poder ser a função social da propriedade “utilizada para dar amparo a toda e qualquer invasão, mormente porque ao Estado de Direito é que 26

compete a sua implementação”, reconhece no caso concreto que a decisão de primeiro grau que negou provimento a reintegração de posse diante do fato de o imóvel “ter sido abandonado por vários anos pela autora, não cumprindo sua função social”, deve ser mantida em seus termos. Segue sua fundamentação: Deveras, o caso retrata verdadeira colisão de direitos fundamentais, refletindo, de um lado, o direito à propriedade da autora e, de outro, o direito à moradia dos requeridos. Nesse vértice, impõe-se a otimização dos direitos em conflito, com o escopo de se assegurar a situação que evidencie o menor prejuízo aos direitos em contraste. Por isso, na espécie, a manutenção da situação fática determina a proteção possessória dos requeridos, notadamente pelo tempo das moradias construídas no terreno da autora (algumas delas de cinco anos - vide fls. 178/208). (grifo nosso)

Embora fique a impressão, pela leitura do trecho transcrito, que o Relator não está utilizando o princípio da função social da propriedade, a leitura do acórdão como um todo, tanto do relatório quanto dos parágrafos finais, demonstra seu posicionamento no sentido de que “as relações que tratam de propriedade e moradia devem prover prestígio que merece o princípio da função social da propriedade”. Por fim o relator mantém uma criação jurisprudencial do juízo de primeiro grau, determinando que “‘cabe ao município proceder sua desapropriação ou, se assim não o fizer, a autora requerê-la’”. - Acórdão 84 (Apelação nº 7237045-7): Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente ação de embargos de terceiro para levantar penhora efetuada em autos de execução sob matrículas de imóveis. Embora houvesse decisão judicial decretando a fraude a execução da partilha amigável que gerou a alienação dos imóveis ao embargante, o Relator afasta ela pois “a peculiaridade da demanda prescinde de solução simplista”. Dentre os seus fundamentos, o que é mais relevante no presente estudo é a parte final de seu voto: Impossível ignorar a função social dada aos imóveis para aplicar a lei friamente ao caso concreto. O parcelamento realizado pelo Embargante compõe-se de uma reserva legal, abertura de vias e instalação de equipamentos públicos e, ainda, um loteamento de aproximadamente 450 imóveis residenciais (fl. 112), dentre os quais, muitos já estão vendidos. Verifica-se aqui um conflito aparente entre o direito de crédito do Exeqüente Apelante e o direito de propriedade do Apelado e dos outros inúmeros adquirentes dos imóveis objetos do loteamento. A interpretação que se faz é no sentido de harmonizar as normas constitucionais e, solução não há outra, senão aquela em que a função social da propriedade deve ser privilegiada, conforme autoriza o artigo 182, § 2º da Constituição Federal, em detrimento do direito de crédito diurna única pessoa. Dessa forma a sentença merece ser mantida para liberar os imóveis objetos da presente ação da constrição determinada no processo executivo correlato.(grifo nosso)

27

- Acórdão 130 (Apelação nº 9130076-86.2005.8.26.0000): Trata-se de Apelação interposta pelo embargado contra sentença que julgou procedente ação de Embargos de Terceiro para excluir da execução de sentença de ação reivindicatória os associados da embargante. O Relator negou provimento a apelação. A situação de fundo do presente caso tem semelhanças com o acórdão 129 na medida em que os embargados autores na ação reivindicatória deixaram que um nascesse “um verdadeiro bairro na gleba disputada, sendo que um loteamento foi inteiramente implantado”, tendo-se aberto “vias públicas, devidamente oficializadas”, bem como sido vendidos “centenas de lotes a adquirentes de boa-fé, entre os quais os embargantes”. Em decorrência disso o Relator, de maneira semelhante ao Relator do acórdão 129, indica que a longa inércia traz consequências jurídicas, ocorrendo a figura da suppressio. Como argumento a favor de sua fundamentação o Relator cita a decisão em sede de Apelação Cível n. 212.726-1/8, confirmada Resp 75659/SP: (...) O princípio da função social da propriedade atua no conteúdo do direito. Entre os poderes inerentes são domínio, previstos no art. 524 do CC (usar, fruir dispor e reivindicar), o princípio da função social introduz um outro interesse (social) que pode não coincidir com os interesses do proprietário. (...) Assim, o referido princípio torna o direito de propriedade, de certa forma, conflitivo consigo próprio, cabendo ao Judiciário dar-lhe a necessária e serena eficácia nos litígios graves que lhe são submetidos. (...) O 'jus reivindicandi' fica neutralizado pelo princípio constitucional da função social da propriedade. Permanece a eventual pretensão indenizatória em favor dos proprietários, contra quem de direito. (grifo nosso)

Conclui dessa maneira o Relator que “não faz sentido que em execução de uma sentença proferida em ação petitória há mais de duas décadas relativa a uma gleba bruta, sejam desalojadas centenas de famílias que compraram e pagaram seus lotes de terceiro”, e que tendo ocorrido a revelia do embargado e presumindo-se a veracidade dos fatos trazidos pelos embargantes, tem eles “mais de vinte anos de posse contínua, sem oposição dos embargados e com ânimo de donos. Na realidade, a posse se tornou justa, porque os moradores, pela usucapião, já adquiriram a propriedade a título originário.” - Acórdão 158 (Apelação nº 0159938-90.2007.8.26.0000): Trata-se de Apelação apresentada tanto pela autora, Prefeitura do Município de São Paulo, quando pela ré, Associação dos Moradores da Vila Bianca, em face de sentença que julgou parcialmente procedente ação de reintegração de posse, para conceder a reintegração a prefeitura, mas negando o pedido de indenização feito por ela, bem como reconhecendo os direitos de retenção e ressarcimento à Associação, pelas benfeitorias necessárias e úteis que construiu no local. 28

O ponto principal do acórdão é a fundamentação esboçada pelo Relator para afastar a má-fé da ré e afastar o direito a indenização do município: Tais constatações não significam que a posse seja de boa-fé, como entendido na sentença recorrida. Não. Sob o ponto de vista estritamente formal, a má-fé e o esbulho pela Associação ficaram perfeitamente caracterizados desde 20/1/2003, mediante a notificação administrativa de fls. 21. Ocorre, no caso, que os efeitos legais da caracterização da má-fé ficam mitigados pelo objeto social da demandada e pelo tipo de uso que vem dando ao imóvel, autorizando um abrandamento na interpretação da lei. (grifo nosso)

Tendo em vista que o logradouro estava abandonado, não estando sendo utilizado como tal, e portanto sem destinação social, a ocupação dada pela associação de amigos de bairro, dando destinação social ao imóvel, deu cumprimento a função social da propriedade. Por esse motivo, mesmo em se tratando de imóvel público, o Relator entendeu que os efeitos legais da má-fé deveriam ser mitigados.

- Acórdão 201 (Apelação nº 0005454-82.2010.8.26.0495): Trata-se de Apelação interposta pela autora contra sentença que julgou improcedente ação de reintegração de posse. O Relator negou provimento ao recurso mantendo a sentença. A autora é proprietária do imóvel objeto da ação desde 1998, e pleiteou a reintegração na posse em face do réu que trabalhava na propriedade e que após o falecimento de seu pai e de um período em que teve de ficar afastada da propriedade, o réu invadiu imóvel. Dentre os fundamentos apresentados pelo Relator, ressalta-se os relacionados com a função social da propriedade: Já com relação à má-fé, resta afastada sua configuração também pelo abandono da proprietária. Mais uma vez, ainda que assim não fosse, estaria afastada tendo em vista tratar-se de posse-trabalho, pro labore, onde há atos que possibilitam “o exercício da função social da propriedade, visto que nela há construção de moradia ou investimentos econômicos, ...”, no caso em tela, ambos. Isso porque, com tais atos o recorrido possibilitou o exercício da função social da propriedade, ao contrário da recorrente, nos termos previstos no art. 6º da Magna Carta, o que afasta a má-fé original. (...) Assim, tem-se que, havendo cumprimento da função social da propriedade, através de trabalho, há boa-fé. Dessa forma, no caso em tela, tendo o recorrido construído sua moradia e tornado produtivo o imóvel da autora, abandonado, no mínimo por 3 ou 4 anos (segundo datas fornecidas pela própria recorrente), de rigor o reconhecimento da perda da posse daquela, por abandono, bem como a existência de posse pro labore pelo recorrido, que deu cumprimento à função social da propriedade. (grifo nosso)

O reconhecimento de que o exercício da função social da propriedade afasta a má-fé original da posse é um argumento com implicações importantes, aparecendo como um dos fundamentos desse acórdão.

6.2.2. Função social da propriedade como livre circulação dos bens 29

Em três acórdãos, a aplicação do princípio da função social da propriedade está alicerçada na defesa da livre circulação dos bens, e de que sem isso estar-se-ia violando a função social das propriedades envolvidas. Em dois desses acórdãos o princípio é utilizado como fundamento para desconstituir cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade constantes de doações de imóveis feitos à época do Código Civil de 1916, na medida em que essas restrições, após longo periodo de tempo em vigor, não mais se justificam, dificultando a livre circulação dos bens e retirando deles sua função social. No acórdão 151 (Apelação nº 0138201-65.2006.8.26.0000), após consignar que a averbação de restrição já subsistia há mais de 28 anos, o Relator indica que “(...) a situação em exame não está em consonância com o princípio da função social da propriedade, no sentido de que o longo período de incidência das cláusulas restritivas dificulta a livre circulação dos bens". Já no acórdão 213 (Apelação nº 0003658-11.2011.8.26.0531) o Relator, embora não tenha cancelado todos os gravames (tendo mantido o gravame referente ao imóvel que servia de domicílio a autora), seguiu a mesma fundamentação para cancelar os demais, admitindo interpretação mais flexível as restrições baseadas no art. 1.676 do Código Civil de 1916, “condizente à função social da propriedade e ao melhor aproveitamento do patrimônio”. E no terceiro acórdão, Acórdão 174 (Apelação nº 0015678-80.2002.8.26.0068), relacionado a uma ação de dissolução de condomínio, o bloqueio do desmembramento do condomínio por parte dos apelados (inviabilizando a livre circulação e utilização da propriedade), foi entendido como uma violação do princípio da função social da propriedade, implicando na prática de um ilícito por abuso de direito. Passa-se a uma leitura mais detalhada desse caso. Em linhas gerais a autora da ação de dissolução incorporou condomínio denominado Verte Ville em março de 1997, com a previsão de “construção de 3 módulos, contendo 3 edifícios com duas alas cada um, totalizando 126 unidades, além de um centro de convivência e lazer comum aos 3 módulos”. A autora construiu as obras previstas no módulo II, mas diante de mudanças no cenário imobiliário a incorporação dos outros dois módulos não seria viável, razão pela qual pretendia o “cancelamento parcial do projeto e parcelamento do terreno, com desmembramento das áreas destinadas à incorporação desses outros dois módulos”. Ocorre que os réus se negam a anuir com a dissolução e desmembramento.

30

Em seu voto o Relator reconhece o requisito trazido pelo artigo 43, IV, da Lei 4591/64 quanto a autorização unânime dos interessados no projeto de incorporação, mas entende que os apelados estavam abusando do seu direito, nos termos do art. 187 do Código Civil, pois mesmo tendo a autora tentado “de todas as formas resolver esse litígio antes de entrar no Judiciário”, e tendo ainda oferecido “várias vantagens aos apelados”, eles ainda assim “sem motivo relevante resolveram, por bem, não consentir que houvesse o desmembramento do condomínio”, sendo ainda que a “alegação de que haveria prejuízos em decorrência da desvalorização do imóvel, por si só” não bastaria pois a apelante arcaria com o pagamento de prejuízos decorrentes do desmembramento com a manutenção da sentença em relação as reconvenções. O Relator então apresenta uma conexão entre a propriedade sem função social e o abuso de direito: Nessa esteira, a função social da propriedade não é só uma norma estampada no Diploma Civil, mas é um alicerce previsto na Constituição Federal. Não se olvide, ainda, que o artigo 170, II, da CF preceitua que o exercício do direito de propriedade é fundamental para ordem econômica. Nessa esteira, pode-se dizer que os incisos XXI e XXIII do artigo 5º da Carta Magna estabelecem uma complementariedade, ou seja, a propriedade só será um direito fundamental enquanto ela tiver função social. Em outras palavras: a propriedade sem função social se transforma em ato ilícito por abuso de direito ou ‘ato emulativo’. Assim, a propriedade sem função social não se reveste de legitimidade. (grifo nosso)

Conclui então o Relator indicando que dessa maneira “analisando os diplomas supramencionados constata-se que a melhor interpretação, para esse caso, é a de que a função social da propriedade, prevista na Constituição Federal, e a vedação ao abuso do direito devem preponderar sobre a Lei 4.591/64”, sendo autorizada a dissolução do condomínio e respectivo desmembramento, sendo mantida a condenação da apelante nos termos das reconvenções para pagar a indenização devida pelo não cumprimento da obrigação.

6.2.3. Necessidade de regularização de posse irregular de ocupantes de imóvel de projeto habitacional popular (conflito com o Estado e não com o permissionário)

- Acórdão 205 (Apelação nº 0050056-40.2010.8.26.0405): Trata-se de apelação interposta pela autora contra sentença que julgou extinta ação de manutenção na posse. O Relator deu provimento ao recurso para manter os apelantes na posse do imóvel e ainda determinar a regularização de sua situação, para que figurem como permissionários do imóvel onde residem. 31

Os apelantes adquiriram de boa-fé imóvel pertencente a CDHU de morador que detinha a permissão para ocupá-lo. O Município de Osasco como demonstrado nos autos tem política de regularização da situação de moradores irregulares de imóveis de conjunto habitacional, mas no presente caso ao invés notificou aos apelantes para deixarem o imóvel. O Relator então fundamenta: O Conjunto Habitacional administrado pela Municipalidade de Osasco tem a precípua função de garantir a pessoas carentes o direito à habitação, como forma de cumprir a constituição Federal que estabelece a função social da propriedade, com um dos seus objetivos a serem perseguidos. Os atuais ocupantes são adquirentes de boa-fé e utilizam o imóvel como residência familiar. A possibilidade de retirada de uma família carente que necessita de moradia por conta de entraves burocráticos, é situação que deve ser evitada pela Municipalidade, uma vez que é muito mais fácil e rápido, regularizar a documentação das pessoas que já se encontram morando no conjunto habitacional, além de ser evitado constrangimento desnecessário, deve ser considerado que os imóveis dos Conjuntos Habitacionais administrados pelos Municípios tem a função precípua de proporcionar aos cidadãos mais carentes a possibilidade de moradia com qualidade, respeitando assim, o princípio da função social da propriedade, inserto na Constituição Federal. Desta forma, determina-se que seja regularizada a situação dos apelantes, com a solicitação da documentação pertinente, para figurarem como permissionários do imóvel em que residem. (grifo nosso)

Embora não haja um desenvolvimento maior acerca do princípio da função social da propriedade e do direito a moradia, fica claro que o posicionamento adotado pelo Relator tem eles como fundamentos jurídicos da decisão.

6.2.4. Análise da conjuntura jurídica, social e econômica como outros requisitos da liminar do artigo 927 do CPC

- Acórdão 60 (Agravo de Instrumento nº 631.989-5/7-00): Trata-se de Agravo de Instrumento contra decisão liminar que deferiu a reintegração de posse de área pública pertencente a CESP - Companhia Energética de São Paulo. O relator embora reconheça que a “posse de bens públicos e os atos de mera tolerância não induzam posse” e que “os bens públicos não estão sujeitos a usucapião”, dá provimento ao agravo de instrumento. Em sua fundamentação o Relator começa por descrever que: A proteção possessória deve, antes de tudo, ser vista como instrumento promovedor da paz pública, mormente ao se considerar função social da propriedade, prevista entre os direitos e garantias fundamentais da Nação no artigo 5°, inciso XXIII, da Constituição Federal. Assim, para a concessão de liminar para a reintegração de posse exige-se mais do que os requisitos do artigo 927 do Código de Processo Civil, pois, deve-se considerar toda a conjuntura jurídica, social e econômica envolvida.(grifo nosso)

32

Dessa maneira, em sua fundamentação o Relator expande os requisitos de análise do art. 927, tendo em seguida indicado que em decorrência da grande quantidade de réus existente era necessária uma “apuração minuciosa em dilação probatória, sendo bastante temerário, nesta fase reintegrar totalmente a posse à agravada”, e que mesmo a prática do esbulho não havia sido suficientemente comprovada pela agravada. Diante disso conclui o Relator para dar provimento ao agravo de instrumento: Em suma, não estão presentes todos os requisitos do artigo 927 do Código de Processo Civil, já que não comprovado efetivamente o esbulho, pois controvertido nos autos, e de outro lado deve ser levada em consideração a quantidade de famílias envolvidas e os direitos em confronto, que são a função social da propriedade, o direito de reflorestamento e o direito de moradia e vida digna e com saúde, de modo que a reintegração de posse não deve ser concedida antes do julgamento final da demanda.(grifo nosso)

6.3. Análise de grupos de decisões da categoria B Após a leitura de várias decisões da categoria B, pode-se chegar a padrões em relação a uma série de debates relacionados com a função social da propriedade, os quais tentou-se sistematizar nos subitens abaixo. Em sua maioria as referências são obiter dictum, ou seja não são elementos essenciais na fundamentação do posicionamento adotado pelo acórdão, mas servem como indicativo da opinião do Relator sobre a matéria.

6.3.1. Normatividade da Função Social da Propriedade

Em alguns acórdãos da categoria B pode-se verificar um posicionamento do Relator acerca de qual seria a normatividade da função social da propriedade, explicitando se ele compreende a função social da propriedade como norma programática ou legitimadora a ser implementada por meio da lei, ou princípio a ser definido no caso concreto ou ainda como elemento constitutivo da propriedade tutelada. Das decisões que compreendem a função social da propriedade como norma programática ou princípio destinado ao legislador, encontramos os acórdãos 8, 113, 114, 148, 156, 163 e 216. No acórdão 8 (Apelação nº 640.469-00/0), o Relator faz uma comparação da função social da propriedade com os direitos sociais do artigo 7º, para dizer que dessa maneira “trata-se de direitos e garantias do cidadão, deveres do Estado, ‘... em que o constituinte não regula diretamente os interesses ou direitos nela consagrados, limitando-se a traçar princípios a ser cumpridos peíos Poderes Públicos ...’ (‘Dicionário 33

Jurídico’, Maria Helena Diniz, vol. 3, Ed. Saraiva, 1998, pág. 371)”, concluindo assim tratarem-se de “normas programáticas”. No acórdão 156 (Apelação nº 0049446-60.2009.8.26.0000), o Relator indica que o princípio da função social da propriedade “tem por finalidade orientar a conduta do legislador, ao qual compete estabelecer os mecanismos legais mitigadores dos poderes classicamente conferidos ao proprietário”, destacando que: (...) o princípio da função social da propriedade não é fundamento para que, sem previsão expressa de lei, seja tirada a propriedade de quem a tem em quantidade em favor daqueles que nada possuem. (...) Não por outra razão o próprio constituinte cuidou de incluir dispositivos que desde já tornassem concreto o comando, como se vê nos artigos 182 e 183 da Carta Magna; assim também procedeu o legislador infraconstitucional, servindo como exemplo a elaboração do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001) e a inclusão de diversos dispositivos no Código Civil de 2002.(grifo nosso)

Nesse mesmo sentido é o posicionamento adotado pelo acórdão 113 (Apelação nº 0018099-34.2009.8.26.0606), no qual descabe falar em descumprimento à função social da propriedade no caso analisado, “pois sua eventual caracterização, como é curial, além de requerer tipificação legal das hipóteses (...), exige a abertura de ampla defesa àqueles a quem é imputado (inciso LV).” Introduzindo um outro ponto a essa mesma abordagem, o acórdão 114 (Apelação nº 9165066-11.2002.8.26.0000) além de indicar que a propriedade “em razão da função social, sofre limitações de várias naturezas, sejam aquelas atinentes ao direito de vizinhança, previstas no Código Civil de 2002, bem como as de ordem constitucional e administrativas”, apresenta um posicionamento sobre qual seria o papel do judiciário nessa questão: Cabe ao legislador ordinário resolver o justo equilíbrio entre o individual e o social. Ao Julgador, por sua vez, cumpre dirimir as dúvidas acerca da existência ou não de equilíbrio entre referidos interesses e extirpar eventuais excessos presentes no caso concreto sempre que se mostre necessária a medida.

Para o Acórdão 148 (Apelação nº 0002703-67.2007.8.26.0127), a normatividade da função social da propriedade urbana, é cumprida na medida em que o imóvel urbano esteja sintonizado com as diretrizes do Plano Diretor Municipal, e o seu descumprimento enseja a aplicação de “instrumentos urbanísticos específicos (edificação/parcelamento compulsório; IPTU progressivo no tempo; desapropriaçãosanção: art. 182, § 4º, da CF c.c. os arts. 5º a 8º do Estatuto da Cidade)”. Já para o Relator do acórdão 216 (Apelação nº 0003423-74.2006.8.26.0028), parece que em nenhuma hipótese poderia o judiciário aplicar diretamente a função social da propriedade pois não “cabe ao intérprete alargar os requisitos não previstos pelos legisladores constituinte e ordinário”, posicionamento compartilhado pelo acórdão 34

163 (Apelação nº 0001827-79.2004.8.26.0366), ao estabelecer que a função social da propriedade “não pode se sobrepor aos requisitos legais” (acórdão 163). Seguindo um caminho diferente, o Relator Renato Nalini em seus votos sobre a matéria de Reserva Legal43 estabelece que o preceito da função social “não é retórico, programático ou destituído de densidade jurídica”, indicando que na propriedade rural os requisitos para o cumprimento da função social estão previstos na Constituição. No acórdão 74 (Apelação nº 261.947-4/0-00), encontramos um posicionamento geral e um excepcional acerca da função social da propriedade. Assim, embora o Relator concorde com o argumento de que o princípio da função social da propriedade “tem como destinário o legislador”, ele também aceita que esse princípio pode ser aplicado pelo judiciário em alguns casos, ao consignar em seu voto que no caso analisado no acórdão 74 não se estava “diante de situações extremas não regulamentadas por lei, capazes de justificar a aplicação direta pelo Judiciário do preceito da função social da propriedade.” No mesmo sentido, indicando um aparente duplo posicionamento sobre a função social da propriedade temos o acórdão 67 (Apelação nº 1.270.251-3), no qual embora o Relator indique que a “ Constituição Federal apenas traçou diretrizes do que seria a função social, cabendo ao Magistrado definir o que, no caso concreto, ela realmente significará, pautando-se na ordem pública e no princípio da dignidade da pessoa humana”, em trecho imediatamente posterior ele menciona citação de Arruda Alvim, na qual o referido autor limita a função social da propriedade urbana aos dizeres do Estatuto da Cidade. Apresentando um posicionamento que se coaduna com a doutrina que entende a função social da propriedade como elemento constitutivo da propriedade tutelada, o acórdão 81 (Apelação nº 341.290.5/8) consigna que a função social da propriedade opera “internamente ao direito de propriedade, com um de seus elementos constitutivos, sem o qual não será plenamente garantida, não se confundindo, portanto, com meras limitações administrativas ao exercício do poder de polícia." Por fim, no acórdão 210 (Apelação nº 0002522-44.2009.8.26.0435), o Relator citando entendimento de Joel Dias Figueira Jr., apresenta a função social da propriedade como principal critério de análise dos casos de manutenção ou reintegração de posse: No entanto, não se pode olvidar da importância e destaque dados à função social da propriedade e da posse em nosso ordenamento, conforme menciona Joel Dias Figueira Jr., quando afirma: ‘o principal critério abalizador da 43

Veja, por exemplo, os acórdãos 117 (Apelação nº 0001909-10.2007.8.26.0430), 120 (Apelação nº 0005086-41.2010.8.26.0053) e 122 (Apelação nº 0475435-66.2010.8.26.0000).

35

manutenção ou reintegração de posse haverá de ser, indubitavelmente, a utilização sócio-econômica do bem litigioso e não mais o prazo de ano e dia de titularidade da posse. Portanto, substitui-se o critério puramente objetivo do parágrafo único do antigo art. 507 pelos critérios sóciopolíticos e econômicos ancorados na função social da propriedade que, em última análise, reside na própria posse. Não significa dizer, contudo, que os juízes não possam considerar em suas decisões, como elemento de formação de seus convencimentos, os 'títulos' de posse e/ou a sua respectiva data, ou, ainda que não possam, de ofício, utilizar-se do poder geral de cautela, autorizada expressamente pelos art. 798 e 799 do CPC, determinando, por exemplo, o sequestro cautelar do bem litigioso. O que estamos a afirmar é que o ponto norteador para a manutenção ou reintegração da posse haverá de ser a posse efetiva em consonância com as suas finalidades sociais e econômicas.’ (Código Civil Comentado, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2004, p. 1.116)

6.3.2. Da possibilidade de Tutela do Direito de Propriedade mesmo diante do descumprimento da função social da propriedade

Como mencionado no 5.1, para alguns autores o descumprimento da função social da propriedade implica em consequências jurídicas diretas, visto que a função social é requisito da propriedade constitucionalmente protegida, sem o qual essa perderia a sua tutela. Para outros, entretanto, não há qualquer previsão legal para se falar em perda da tutela da propriedade, devendo, o Estado fiscalizar e aplicar os instrumentos legais para o cumprimento da função social da propriedade. Dos seis acórdãos que abordam diretamente esse ponto, cinco posicionam-se pela possibilidade de tutela da propriedade, mesmo diante de possível violação da função social da propriedade (grifo nosso): Acórdão 42 (Apelação nº 1.009.214-1): “Em resumo, a tese brandida nas razões recursais, segundo a qual só pode ser protegida a posse de propriedade que esteja cumprindo sua função social subverte inteiramente o ordenamento, na exata medida em que confere não à União Federal, mas a terceiros, o poder de definir o que seja em cada caso concreto tal função social. Interpretação desse conteúdo é interpretação que conduz a absurdo e, em conseqüência, deve ser descartada.”

Acórdão 86 (Apelação nº 7.016.012-4): “Melhor sorte não lhe asiste no que tange à alegação de impossibilidade jurídica do pedido por descumprimento da função social da propriedade. (...) É certo, ainda, que se mostra sedutora a tese de que o não cumprimento da função social impede a proteção possessória da propriedade. Ocorre, todavia, que referida posição não é amparada pela análise mais profunda dos ditames constitucionais e legais. (...) Segundo porque o descumprimento da função social justificaria a desapropriação, por parte da autoridade pública competente e nos termos da lei, conforme art. 184 da Constituição Federal, salientando-se, inclusive, que é insuscetível de desapropriação, para fins de reforma agrária, a propriedade produtiva, nos termos do art. 185 da Carta Magna.” 36

Acórdão 125 (Apelação nº 9172942-51.2001.8.26.0000): “Sem embargo aos defensores da idéia de que o mau comportamento do proprietário implica na carência de legitimidade ao exercício do direito de propriedade, o princípio da função social não pode simplesmente ser oposto à este.”

Acórdão 131 (Apelação nº 9203235-96.2004.8.26.0000): “Não se nega a função social da propriedade, tampouco que os imóveis abandonados por longos períodos devam ter destinação mais proveitosa. Entretanto, no caso destes autos não há como se acolher a tese de que a função social deva suprimir o próprio direito de propriedade em toda sua amplitude, acobertando atos de invasão que, por algumas vezes, revestiu-se, inclusive, de violência, com o que não se pode coadunar.”

Ainda, é possível encontrar posicionamento semelhante no acórdão 156 (Apelação 0049446- 60.2009.8.26.0000) diante do afastamento por parte do Relator da alegação dos apelantes de que “quando uma certa propriedade não cumpre sua função social, não pode ser tutelada pelo ordenamento jurídico”, sob o argumento de que “o princípio da função social da propriedade não é fundamento para que, sem previsão expressa de lei, seja tirada a propriedade de quem a tem em quantidade em favor daqueles que nada possuem”, sendo a função social da propriedade, apenas princípio orientador da conduta do legislador. Já o acórdão 81 (Apelação nº 341.290.5/8), é incluído como única exceção, pois apresenta posicionamento de que a função social da propriedade opera “internamente ao direito de propriedade, com um de seus elementos constitutivos”, indicando o Relator que sem esse elemento constitutivo, a propriedade não poderia ser plenamente garantida.

6.3.3. Verificação da Função Social da Propriedade e determinação da sanção pelo seu descumprimento – Competência

Em uma quantidade maior, foi possível identificar em 9 acórdãos argumentos quanto a questão de quem detém a competência para verificar o descumprimento da função social da propriedade e aplicar a sanção cabível, tendo todos eles definido o Estado como único legitimado. Como exemplo, no acórdão 8 (Apelação 640.469-00/0), o relator estabelece que “quem deve garantir a utilização da propriedade com observância do cumprimento de 37

sua função social é o Estado” não cabendo imputar ao particular em ação privada o dever de observância da função social da propriedade, assim, “eventuais direitos decorrentes da ocupação de terras improdutivas devem ser postulados perante o Estado, e não o particular”. Abaixo segue transcrição dos trechos obtidos nos outros acórdãos:

Acórdão 42 (Apelação nº 1.009.214-1): “Compete ao Estado, se o caso e verificado e efetivo descumprimento aqui apontado, providenciar a desapropriação do bem (CF, art. 184) (...) DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR (...) Se está ou não sendo cumprida a função social da propriedade da autora, isso é irrelevante na espécie, visto que a presente demanda não é o palco adequado para ser encetada ou encenada discussão desse conteúdo. Não pode a apelada ficar à margem da proteção jurídica que o ordenamento a todos confere, até mesmo, para aparente pesar dos subscritores do recurso, aos proprietários rurais. O direito de propriedade, bem o sabe o apelante, tem matriz constitucional (Constituição da República, art. 5º, XXII). A propriedade que não cumpre sua função social pode ser desapropriada pela União Federal (art. 184, caput da Constituição da República). Isso significa, digressões acadêmicas à parte, que compete à União Federal verificar as hipóteses em que é cabível declarar por decreto determinado imóvel de interesse social, para fins de reforma agrária. Enquanto isso, é evidente que o proprietário e possuidor pode ser protegido de turbaçoes e esbulhos, partidos de quem quer que seja, pena de violação dos ditames legais incidentes, a que todos devemos respeito. O que não tem nenhum cabimento é a tentativa de conferir legitimidade à ação injurídica do réu, a pretexto de que o imóvel não cumpre sua função social.”

Acórdão 43 (Apelação nº 7023800-5): “A verificação e o reconhecimento dessa "função social" há de ser feita pelos meios regulares e por quem de direito, pois mesmo os direitos sociais não podem ser ilimitados, mas também sujeitos a conceitos, definições e regras, de modo a que se conciliem e se salvaguardem os interesses gerais.”

Acórdão 63 (Agravo de Instrumento nº 7.188.589-1): “é a lei - e não a vontade de um grupo de pessoas – que estabelece os mecanismos para se impor sanção à propriedade que não cumpre a função social”, sendo “o Poder Público – (e) não aquele grupo organizado – quem pode subtrair a propriedade de quem deixa de atender ao referido enunciado”.

Acórdão 87 (Apelação nº 7.236.839-5): “Descabe invocação da função social da propriedade, pois essa deve operar-se pela atuação do Poder Público, por meio de desapropriação por interesse social, segundo o art. 5º, XXIV, da Constituição Federal.”

Acórdão 125 (Apelação nº 9172942-51.2001.8.26.0000): “No mais, a seara da ação petitória não é a mais adequada para debater a ofensa ou abuso ao princípio da função social, especialmente quando não verificada de imediato a condição de abandono a justificar a ocupação. Como já se decidiu: ‘A invasão da propriedade urbana não 38

encontra respaldo na ordem jurídica. A discussão sobre a função social da propriedade compete ao Poder Público Municipal, estabelecendo e verificando seu cumprimento. Qualquer desapropriação há de ser realizada mediante prévia e justa indenização’ (RT 727/294)”.

Acórdão 154 (Apelação nº 0002447-29.2010.8.26.0642): “Por derradeiro, a questão atinente ao cumprimentou ou não da função social da propriedade é matéria de desapropriação, fugindo tal discussão ao espectro da presente lide.”

Acórdão 199 (Agravo de Instrumento nº 2018816-45.2013.8.26.0000): “Além disso, a posse é situação de fato e não está relacionada ao cumprimento da função social da propriedade. (...) A subutilização do imóvel pela agravada não legitima o esbulho possessório praticado. Ainda que se constatasse a inadequação do uso do solo ao Plano Diretor do Município, tal circunstância não autoriza aos agravantes, por meios próprios, dar-lhe um emprego mais socialmente relevante. Tal mister cabe ao poder público municipal, consoante autoriza o art. 182 da Constituição Federal (...). Nesse percurso, mesmo que o exercício do direito de propriedade não atenda ao seu fim social, tal fato não descaracteriza a posse justa da agravada (art. 1.200 do Código Civil), e, por conseguinte, não lhe retira o direito de defendê-la (art. 1.210 do Código Civil). A inadmissibilidade legal do exercício da justiça de mão própria em hipóteses é também evidenciada pelo artigo 2º, § 6º da Lei nº 8.629/93 (...)”

6.3.4. Casos de tentativa de utilização da Função Social da Propriedade de forma expansiva

Alguns dos casos analisados apresentaram situações em que a função social da propriedade foi apresentada como argumento de defesa em hipóteses que podem ser consideradas no mínimo como uma tentativa por parte dos advogados de “expandir” a aplicabilidade da função social da propriedade. No Acórdão 7 (Apelação nº 635.691-00/0), trata-se de Embargos à Execução, no qual o princípio da função social da propriedade teve sua incidência afastada como um dos fundamentos da decisão pois o relator entendeu que a (...) função social da propriedade não deve ser tirada da relação imóvel/proprietário, mas sim imóvel/comunidade. Em outras palavras, o uso do imóvel pelo proprietário deve ser adequado aos anseios da comunidade; (...) Não pode a embargante se valer de princípio que visa proteger terceiros para si própria, posto que, como visto, não foi este o objetivo do legislador constitucional. Portanto, nada obsta à penhora incidente sobre o único imóvel residencial da embargante, uma vez que não está protegida pelo bem de família e que não há ofensa alguma à sua dignidade.(grifo nosso)

No Acórdão 27 (Apelação nº 754396-0/9), o Relator em seu relatório indica que a Ré traz como uma de suas alegações que "ante a função social da propriedade, ninguém há de ser colocado na rua, despejado, sem lhe ser garantido o direito 39

constitucional de moradia”, tendo ele rebatido esse pleito com a seguinte fundamentação: Como é manifesto, eventual crise financeira da locatária inadimplente, desde março de 2000, não constitui força maior capaz de autorizar a inadimplência. Fosse assim, e nenhum despejo por falta de pagamento seria decretado, bastando ao locatário que alegasse, sem qualquer comprovação, como aconteceu nestes autos, que estaria enfrentando forte crise financeira, estando desempregada.(grifo nosso)

No Acórdão 34 (Apelação nº 1.002.016-0/9) houve também uma tentativa de aplicação da função social da propriedade para obstar “o exercício do direito de retomada pelo adquirente de imóvel alienado durante contrato de locação firmado anteriormente" observado o art. 8º da Lei 8.245/91, tendo o Relator afastado referida alegação. Ainda em sede de questões sobre locação, o Relator do Acórdão 56 (Apelação nº 1070699- 0/7) ao julgar apelação contra ação de despejo por denúncia vázia julgada procedente, afasta a aplicação da função social da propriedade como suscitada pelo apelante indicando serem “ irrelevantes para a solução da lide o fato de a locatária ser empresa com 16 (dezesseis) funcionários ou o princípio da função social da propriedade”. No Acórdão 47 (Apelação nº 918407-0/0), o Relator se baseia na função social da propriedade como um de seus fundamentos (embora não o principal) no sentido de garantir ao proprietário a possibilidade de manter animal de pequeno porte e inofensivo em sua propriedade condominial, afastando a proibição estatuída pelas regras do condomínio: Ainda que assim não fosse, a proibição, por si só, agride o direito de propriedade pertinente a cada morador que tenha direito de usar, gozar, fruir todos os elementos pertinentes à função social, inerente ao direito de propriedade, nos termos do artigo 5°, XXIII, da Constituição Federal.

“Princípio da função social da propriedade que não justifica a permanência dos réus em imóvel que não lhes pertence sem qualquer contraprestaçâo.” Com essa premissa veiculada na ementa, o Relator do Acórdão 53 (Apelação nº 7.007.833-4) negou provimento a apelação dos réus em ação reivindicatória proposta por instituição financeira que arrematou extrajudicialmente o imóvel que ocupavam desde 1987 através de "Instrumento Particular de Cessão e Transferência de Direitos", tendo sido indicado pelos réus/apelantes que eles pagaram os financiamentos do imóvel por 10 anos. Em seu voto o Relator decidiu que: Pode até ser que os apelantes tenham pagado o imóvel por mais de 10 anos, fato, aliás, que não foi documentalmente provado, mas isso não justifica a sua permanência no imóvel já arrematado pela apelada. Por isso, totalmente inútil

40

a prova pericial por eles reclamada, corretamente indeferida pelo juízo ‘a quo’. Ademais, função social da propriedade não é perdoar os inadimplentes, nem premiá-los com o direito de permanecer no imóvel que não lhes pertence. Em suma, é um princípio pelo qual o interesse público deve ter preferência sobre a propriedade privada, embora sem eliminá-la.

6.3.5. Proibição da justiça social pelas próprias mãos

Em sete acórdãos foi possível identificar uma expressa manifestação do Relator em relação a utilização da função social da propriedade como legitimadora de invasões de propriedades, negando essa possiblidade (grifo nosso): Acórdão 17 (Agravo de Instrumento nº 1.274.781-2): "Descabe a invocação da função social da propriedade. Quem atribui essa função aos bens, especialmente aos imóveis, é o Poder Público, a quem compete desapropriá-los, para destinação que mais atenda ao interesse coletivo. O particular não pode fazer justiça com as próprias mãos, invadindo um imóvel sob o falso pretexto de que ele não está sendo adequadamente destinado. Conduta como essa constitui crime, além de infringir a lei civil" Acórdão 29 (Apelação nº 7032920-1): “Ademais, o fato da propriedade não estar sendo utilizada ou ocupada, não outorga a estranhos o direito de nela adentrar, invadir e ocupar, sob o argumento de que, assim, estar-se-ia atingindo a função social da propriedade, pois, desta forma, a função social da propriedade estaria sendo banalizada, afrontando a paz social e, em especial, aos artigos 5º, caput, incisos XXII, XXIII, XXIV e 184, ambos da Constituição Federal de 1988.” Acórdão 30 (Apelação nº 967.795-8): “Alegação de improdutividade e de desvio da função social da propriedade sem a força de justificar o esbulho - Função social da propriedade a ser evocada noutras circunstâncias, sem legitimar justiça social pelas próprias mãos.” Acórdão 42 (Apelação nº 1.009.214-1): “Compete ao Estado, se o caso e verificado e efetivo descumprimento aqui apontado, providenciar a desapropriação do bem (CF, art. 184). O que não parece compatível com o estado de direito é a concordância das autoridades constituídas com atos de autotutela, destinados à realização de suposta justiça social pela força. Com esse tipo de ação não pode o Poder Judiciário concordar e muito menos compactuar.” Acórdão 43 (Apelação nº 7023800-5): “Irrelevante a alegação no sentido da ‘função social da propriedade’, porque isso não pode ser salvo-conduto para afronta a direitos alheios, nem justificativa para justiça de mão própria, por meio de invasões ou coisas do gênero.” Acórdão 127 (Apelação nº 9079293-27.2004.8.26.0000): “A função social da propriedade não legítima o exercício arbitrário das próprias razões, inexistindo autorização legal para invasão de terras particulares”

41

Acórdão 131 (Apelação nº 9203235-96.2004.8.26.0000): “Não se nega a função social da propriedade, tampouco que os imóveis abandonados por longos períodos devam ter destinação mais proveitosa. Entretanto, no caso destes autos não há como se acolher a tese de que a função social deva suprimir o próprio direito de propriedade em toda sua amplitude, acobertando atos de invasão que, por algumas vezes, revestiu-se, inclusive, de violência, com o que não se pode coadunar” Acórdão 148 (Apelação nº 0002703-67.2007.8.26.0127): "Quanto à função social (...) a correção de eventual disfunção social da propriedade se faz pelo caminho da aplicação de instrumentos urbanísticos específicos (edificação/parcelamento compulsório; IPTU progressivo no tempo; desapropriação-sanção: art. 182, § 4º, da CF c.c. os arts. 5º a 8º do Estatuto da Cidade). Nada, repita-se, justifica a invasão de terreno, sabidamente, alheio e, muito menos, a edificação em plena desatenção às posturas e à legislação municipal pertinente.”

6.3.6. Decisões Criativas

Foram encontradas ainda algumas decisões nas quais não ficou claro o posicionamento do relator em relação a função social da propriedade, se ele utilizou referido princípio como fundamento de sua decisão efetivamente, ou se na verdade a construção elaborada deu corpo a outros fundamentos, sem eles jurídicos ou não. O exemplo mais claro foi encontrado no Acórdão 37 (Apelação nº 983564-0/0), no qual a função social da propriedade é utilizada como o elemento axiológico do direito, numa leitura dos fatos por meio da Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale. Transcreve-se trecho da decisão: Direito é fato, norma e valor. O fato "foi", a norma "é", e a valoração axiológica "dever ser". A dimensão axiológica é independente, o "ser" e o "dever ser" são distintos. O valor é independente. Então, o raciocínio: (a) a construção do bem imóvel dos réus é o fato; (b) a norma é a restrição ao direito de construir, e; (c) o valor axiológico é a função social da propriedade sob a ótica da razoabilidade, sob a ótica da dignidade da pessoa humana inserida no contexto social - princípio fundamental constitucional (CF, art. Io, inc. III) -, que, para MIGUEL REALE, é o pressuposto de todos os outros valores. (...) A propriedade dos réus cumpre sua função social (CF, arts. 5º, inc. XXIII, 170, inc. III), cujo direito deve ser preservado. Referida norma do loteamento não pode sobreviver - no caso concreto - porque ingressou em rota de colisão com o princípio da razoabilidade, sob o ponto de vista da axiologia da Teoria Tridimensional do Direito, consoante a finalidade social da norma, das exigências do bem comum (LICC, art. 5º).

Seguindo um caminho diferente, o Relator do Acórdão 125 (Apelação nº 9172942-51.2001.8.26.0000), deu parcial provimento em ação reivindicatória que havia sido julgada improcedente em primeiro grau, afastando a improcedencia, diante da prova do direito de propriedade da apelante, mas apenas para aplicar ao caso a alienação 42

compulsória dos §§ 4º e 5º do artigo 1.228 do Código Civil – ocorre que na hipótese não estavam presentes todos os requisitos exigidos pelo § 4º, como bem fez constar o próprio Relator: Consigne-se que muito embora não se vislumbre todos os requisitos circunstanciais previstos no mencionado § 4º, a alienação compulsória tratada no dispositivo em comento, como uma nova modalidade prevista pelo legislador de perda da propriedade particular, vem em encontro ao interesse de todas as partes na presente reivindicatória.

O caminho percorrido pelo relator para chegar a essa conclusão é também interessante de ser refeito. Ele começa afirmando que o princípio da função social da propriedade não pode ser “simplesmente oposto” à propriedade, indicando que não concorda com a os “defensores da idéia de que o mau comportamento do proprietário implica na carência de legitimidade ao exercício do direito de propriedade” e que a “a seara da ação petitória não é a mais adequada para debater a ofensa ou abuso ao princípio da função social”, trazendo Acórdão para complementar sua fundamentação no qual consta que “a discussão sobre a função social da propriedade compete ao Poder Público Municipal, estabelecendo e verificando seu cumprimento. Qualquer desapropriação há de ser realizada mediante prévia e justa indenização”. Então, com uma mudança de fundamentação, no parágrafo seguinte ele estabelece: Conclui-se, pois, do contexto jurídico extraído dos autos, que o decreto de improcedência do pedido empresta solução do ponto de vista subjetivo à situação fática hoje verificada, haja vista a formação de núcleo populacional instalado e ausência de perspectiva de retomada pacífica do local, mas não condizente com o direito aplicável à situação posta em litígio Outrossim, malgrado a ocupação tenha se iniciado sem a característica da boa-fé, a considerar a peculiaridade da situação posta sub examine, relevada a circunstância que na data da prolação da sentença em novembro de 2.000, ou seja, há quase onze anos já havia cerca de 110 pessoas instaladas no local (fls. 1941/1943), número que provavelmente tenha muito se multiplicado nesse longo transcurso de tempo; contemplando-se, ainda, que durante o processado houveram tratativas entre a proprietária e ocupantes para venda das áreas ocupadas aos respectivos posseiros (fls. 1981); e, por fim, tendo-se em conta a inquestionável desvalorização do bem em razão do ocorrido, o que certamente impedirá à detentora do domínio emprestar-lhe destinação específica; entendo que a solução que melhor se amolda à espécie é aquela agora prevista nos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do CC (...)

7. Conclusões De início, uma grande conclusão da leitura das decisões é a de que não há no Tribunal de Justiça de São Paulo, como órgão colegiado, um enfrentamento de posições acerca do que seria o princípio da função social da propriedade, tendo em vista a 43

ausência de decisões por maioria que enfrentassem essa temática, com praticamente todos os acórdãos tido sido decididos de forma unânime. Mesmo nos acórdãos pertencentes a categoria de princípio auto-aplicável (6,67% dos acórdãos analisados), não há um debate entre os desembargadores sobre a função social da propriedade. Outro ponto importante, focando-se nas ações em que a função social da propriedade foi utilizada de forma auto-aplicável, é que alguns elementos factuais são recorrentes: abandono do imóvel por uma quantidade significativa de tempo e uma nova situação fática consolidada. A repetição desses elementos parece indicar que o entendimento de uma função social da propriedade auto-aplicável estaria conectado com a garantia de estabilidade e segurança jurídica nas relações jurídicas, na qual uma situação fática se sobrepõe a uma situação jurídica, indicando que a função social da propriedade nesses casos assumiu contornos de um usucapião atípico. O próprio discurso dos Relatores, indicando que a peculiaridade dos casos, a excepcionalidade da situação, parece indicar que eles menos entendem a função social da propriedade como requisito para a existência do direito de tutela da propriedade, como quer uma parte da doutrina, do que como uma exceção a ser usada em casos extremos. Ainda em relação a esse conjunto, um fato curioso é que alguns desembargadores aparecem como julgadores em mais de um caso da categoria “c”: Enio Santarelli Zuliani e Teixeira Leite (45, 130 e 174); Maia da Cunha (45 e 174); Grava Brazil e Piva Rodrigues (89 e 105); José Luiz Gavião de Almeida (89 e 205); Mauro Conti Machado (84 e 201); e Carlos Alberto Garbi (129 e 213). Essa repetição, somada a quantidade pequena de acórdãos encontradas seguindo esse posicionamento, parece indicar também que a aplicação da função social da propriedade como princípio autoaplicável no TJSP, está vinculada a um grupo minoritários de desembargadores dentro do Tribunal. Além disso, analisando todas as decisões, pode-se dividir o debate da função social da propriedade nos acórdãos em dois elementos: um referente a competência para pleitear e para aplicar sanção contra o proprietário diante do descumprimento da função social (questão de competência); e outro que tange a definição da normatividade da função social da propriedade, sendo ela contida, e portanto dependente do estritamente estipulado pelo constituinte ou legislador, ou seria ela auto-aplicável e portanto norma constitucional de aplicação direta, cujos contornos devem ser decididos no caso concreto? (questão de normatividade), podendo ainda ser incluído nesse questionamento sobre a normatividade do princípio da função social da propriedade, a 44

análise de se seria ou não esse princípio um requisito a ser cumprido para se poder falar em um direito a propriedade juridicamente tutelável. Da perspectiva de como o TJSP vem utilizando a função social da propriedade, o baixo número de decisões em que a função social da propriedade aparece como princípio auto-aplicável, pode ser visto como indicando, em relação a questão da normatividade, que: a) o Tribunal entende majoritariamente que o princípio da função social da propriedade não tem força normativa própria em relação aos particulares (eficácia horizontal), servindo apenas como norma programática e de defesa em relação ao Estado, sendo portanto dependente de definição constitucional ou infraconstitucional para aplicação em face do particular; ou b) A função social da propriedade já é delineada de forma suficiente nos vários institutos jurídicos que a dão concretude no ordenamento jurídico, como os tipos de usucapião, a desapropriação, as limitações administrativas e etc., e portanto não é necessário aplicar diretamente o princípio da função social da propriedade44. Soma-se a isso o fato de que das decisões restantes, 141 foram incluidas na categoria “b”, reconhecendo na função social um princípio legitimador ou descritivo de institutos jurídicos estabelecidos. Já no que tange a questão da competência, as decisões analisadas entendem em sua maioria que é o Estado (na figura do Executivo), o competente para pleitear e aplicar sanções pelo descumprimento da função social da propriedade45. Nas ações possessórias e petitórias que envolvem esbulhos ou ocupações a preocupação esboçada por vários Relatores em relação a “paz social” e a “justiça pelas próprias mãos”, parece ser um argumento relevante na escusa do TJSP em analisar a função social da propriedade como argumento de defesa, na medida em que poder-se-ia estar fomentando invasões e o aumento da insegurança e violência nas questões relacionadas a terra. Sendo o princípio da função social da propriedade, com força auto-aplicável, uma exceção e não uma regra, o TJSP indica que o caminho para realizar a função social da propriedade no ordenamento jurídico brasileiro é o institucional, através de uma atuação do Estado, seja como legislador ou como executor de políticas públicas. É preciso portanto aumentar o debate sobre a eficácia e eficiência das instituições estatais envolvidas nesse processo de concretude da função social da propriedade, tanto na 44

Veja-se, por exemplo, trecho do Acórdão 74 (Apelação 261.947-4/0-00), na qual em seu voto o relator consignou: “No caso concreto não estamos diante de situações extremas não regulamentadas por lei, capazes de justificar a aplicação direta pelo Judiciário do preceito da função social da propriedade.” 45 Veja-se, por exemplo, os acórdãos 43 (Apelação nº 7023800-5), 63 (Agravo de Instrumento nº 7.188.589-1) e 87 (Apelação nº 7.236.839-5).

45

fiscalização quanto na implementação das medidas sancionadoras do descumprimento da função social da propriedade. Ainda no que concerne a questão da competência pode-se analisá-la pelo viés da dos instrumentos jurídicos disponíveis, ou da falta deles. Poder-se-ia questionar acerca de quais seriam os instrumentos jurídicos disponíveis para fazer cumprir com a função social da propriedade no caso de demora ou ausência de atuação por parte do poder público? Se o Poder Público é o único legitimado para fazer cumprir a função social da propriedade, por exemplo através do IPTU progressivo no caso de propriedade urbana, e ele não institui o IPTU progressivo, fulminando toda a eficácia do iter previsto no art. 182, § 4º da Constituição Federal, qual deveria ser a postura do judiciário? Essas são questões que precisam ser debatidas e esclarecidas, pois sem debates aprofundados e completos sobre a função social da propriedade no direito brasileiro, com todos os pontos aqui suscitados pelas decisões, tende-se a manter o estado atual no qual a doutrina e o judiciário caminham com posições incompletas e em muitos aspectos contraditórias.

46

8. Referências ALVIM, Arruda. A função social da propriedade, os diversos tipos de direito de propriedade e a função social da posse. In Sílvio de Salvo Venosa et al., 10 Anos do Código Civil – Desafios e Perspectivas, São Paulo: Atlas, 2012. ARRONE, Ricardo. “Os direitos Reais codificados no curso da constitucionalização do direito civil”. In Ehrhardt Jr., Marcos (coord.). Os 10 anos do Código Civil – Evolução e perspectivas. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012. COMPARATO, F.. Direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade. Revista CEJ, América

do

Norte,

112

12

1997.

Disponível

em:

http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/123/166. Acesso em: 01 dez 2014. DIDIER JR., Fredie. A função social da propriedade e a tutela processual da posse. Disponível em:

. DIMOULIS, D. “Por uma visão mais plural da pesquisa jurídica”. Consultor jurídico, 30 de agosto de 2013. Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-ago-30/dimitridimoulis-visao-plural-pesquisa-juridica. GOMES, Orlando. Direitos Reais. 21ª Ed. Atualizador Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2012. LOUREIRO, Francisco Eduardo. Art. 1.228. In Código Civil Comentado. Coord. Cezar Peluso. 8ª Ed. Barueri, SP: Manole, 2014. PENTEADO. Luciano de Camargo. Direito das Coisas. São Paulo: RT, 2008 PILATI, José Isaac. Propriedade & Função Social na Pós-modernidade. 3ª Edição. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2013. RODRIGUES JUNIOR, O. L. Riscos de uma pesquisa empírica em Direito no Brasil. Consultor Jurídico, 07 ago. 2013. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2013-ago07/direito-comparado-riscos-certa-pesquisa-empirica-direito-brasil> SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34a ed. São Paulo: Malheiros, 2011. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 12a ed. São Paulo: Saraiva, 2014. TEPEDINO, Gustavo. “O princípio da função social no direito civil contemporâneo”. In NEVES, Thiago Ferreira Cardoso (org.). Direito & Justiça Social: por uma

47

sociedade mais justa, livre e solidária. Estudos em homenagem ao Professor Sylvio Capanema de Souza. São Paulo: Atlas, 2013. TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. A Propriedade e a Posse: Um confronto em torno da Função Social. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008 VEÇOSO, Fabia Fernandes Carvalho et al. “A pesquisa em direito e as bases eletrônicas de julgados dos tribunais: matrizes de análise e aplicação no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça”. Revista de Estudos Empíricos em Direito, n. 1, vol. 1, 2014. VIANA, Rui Geraldo Camargo. Os direitos reais no novo código civil. In: Princípios do novo código civil brasileiro e outros temas - homenagem a Tullio Ascarelli. Coord. Antonio Junqueira de Azevedo, Heleno Taveira Tôrres e Paolo Carbone. 2ª Ed. São Paulo: Quartier Latin, 2010.

48

9. Anexos 9.1. Tabela com numeração dos casos Nº 1 2

Tipo AP AI

Nº do Processo 621.955-00/0 1.134.618-0

Nº 129 130

Tipo AP AP

Nº do Processo 9095494-55.2008.8.26.0000 9130076-86.2005.8.26.0000

3

ED

1.065.579-9/01

131

AP

9203235-96.2004.8.26.0000

4

ED

1.069.762-0/01

132

AP

9218102-55.2008.8.26.0000

5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18

AI AP AP AP AI AI AP AP AP AI AP AR AI AI

744.848-00/3 768.955-00/2 635.691-00/0 640.469-00/0 1.128.908-2 1.058.517-8 801.286-00/1 802.459-00/6 809.995-00/1 1.214.043-9 788.678-00/0 1.235.160-5 1.274.781-2 1.286.977-9

133 134 135 136 137 138 139 140 141 142 143 144 145 146

AP AP AP AR AP AP AP AP AI AP AP AP AP AP

19

AP

860.276-8

147

ED

9072991-11.2006.8.26.0000 9182782-75.2007.8.26.0000 9131908-52.2008.8.26.0000 0258988-84.2010.8.26.0000 9057826-84.2007.8.26.0000 0013732-96.2010.8.26.0099 0008320-34.2011.8.26.0073 0073781-46.2009.8.26.0000 0093436-96.2012.8.26.0000 0003039-47.2004.8.26.0072 0005034-46.2008.8.26.0431 0015762-90.2008.8.26.0482 0044370-26.2007.8.26.0000 9213340-59.2009.8.26.0000 921943712.2008.8.26.0000/50000

20 21 22 23

ED AP AP AI

1.274.781-2/01 (caso 17) 784.634-0/2 841.724-0/3 1.274.867-7

148 149 150 151

AP AP AP AP

0002703-67.2007.8.26.0127 0124230-76.2007.8.26.0000 9205213-35.2009.8.26.0000 0138201-65.2006.8.26.0000

24

ED

1.267.787-3/01

152

AP

0048632-20.2001.8.26.0100

25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35

AI AP AP AP AP AP AP AI AP AP AP

1.337.708-5 894.287-6 754396-0/9 1.167.118-6 7032920-1 967.795-8 1011786- 0/0 7.039.524-7 1193.570-9 1.002.016-0/9 815505-0/0

153 154 155 156 157 158 159 160 161 162 163

AP AP AP AP AP AP AI AI AI AP AP

0000629-78.2008.8.26.0588 0002447-29.2010.8.26.0642 0007490-24.2010.8.26.0099 0049446-60.2009.8.26.0000 0124969-91.2008.8.26.0007 0159938-90.2007.8.26.0000 0075616-64.2012.8.26.0000 0113984-45.2012.8.26.0000 0114685-06.2012.8.26.0000 0001207-30.2011.8.26.0590 0001827-79.2004.8.26.0366 49

36 37 38 39 40

AI AP AP AP AP

1055857-0/0 983564-0/0 404.047-5/8-00 1007991-0/8 422.167-5/7-00

164 165 166 167 168

AP AP AP AP AP

41

AI

7180636-3

169

ED

42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54

AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP

1.009.214-1 7023800-5 7.068.890-1 447.538-4/4 1134754-0/0 918407-0/0 1173748-1 1235796-5 1256042-2 1264712-4 1267017-6 7.007.833-4 4 57.415-5/0-00

170 171 172 173 174 175 176 177 178 179 180 181 182

AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP

55

ED

728.237-5/0-01

183

ED

56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77

AP AP AP AP AI AP AI AI AI AP AP AP AP AP AP AP AP AI AP AP AI AP

1070699- 0/7 344.791-5/6-00 800.205-5/7-00 817.267-5/8-00 631.989-5/7-00 346.777-5/7-00 7127665-4 7.188.589-1 7.198.272-4 1.003.905-3 1.129.712-0 1270251-3 7.080.408-7 7242175-3 303.865-5/4-00 605.855-4/7 563.206-4/8-00 727.425-5/9-00 261.947-4/0-00 442.646-4/6-00 601.295-4/1-00 426.767-4/0-00

184 185 186 187 188 189 190 191 192 193 194 195 196 197 198 199 200 201 202 203 204 205

AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP AI AI AI AP AP AP AP AP AP

0121401-45.2009.8.26.0003 9170028-67.2008.8.26.0000 0133278-35.2002.8.26.0000 0224994-95.2006.8.26.0100 0330643-53.2009.8.26.0000 924432987.2005.8.26.0000/50001 0008500-74.2008.8.26.0099 9164808-88.2008.8.26.0000 0015270-74.2010.8.26.0047 0007565-10.2009.8.26.0322 0015678-80.2002.8.26.0068 0001621-77.2011.8.26.0024 0001834-25.2008.8.26.0142 0009762-58.2010.8.26.0400 0060104-80.2008.8.26.0000 0069839-58.2008.8.26.0576 9085015-37.2007.8.26.0000 9208980-81.2009.8.26.0000 0005037-14.2008.8.26.0168 026996482.2012.8.26.0000/50000 0126924-19.2008.8.26.0053 9000028-97.2010.8.26.0506 0000550-72.2011.8.26.0272 0000744-21.2012.8.26.0407 0005829-16.2009.8.26.0270 0002104-53.2000.8.26.0587 0002624-96.2004.8.26.0126 0003233-74.2009.8.26.0459 0004423-32.1996.8.26.0361 0007119-98.2010.8.26.0248 0008124-07.2010.8.26.0459 0162083-85.2008.8.26.0000 0001304-26.2011.8.26.0268 2021949-95.2013.8.26.0000 0043932-87.2013.8.26.0000 2018816-45.2013.8.26.0000 0005361-56.2009.8.26.0495 0005454-82.2010.8.26.0495 0008629-65.2009.8.26.0157 0023214-07.2011.8.26.0011 0035571-98.2007.8.26.0224 0050056-40.2010.8.26.0405

50

78

AI

654.583-4/9-00

206

AI

79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94

MS AP AP AP AI AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP

175.852-0/0-00 889.838.5/6-00 341.290-5/8-00 790.434-5/6-00 811.446-5/1-00 7237045-7 628.792-4/7 7.016.012-4 7.236.839-5 430.158.4/6-00 531.997.4/0-00 994.04.086838-9 991.03.073088-7 994.05.048513-3 994.09.240777-0 994.03.109848-7

207 208 209 210 211 212 213 214 215 216 217 218 219 220 221 222

AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP

95

AI

994.09.305758-6

223

ED

96 97 98 99

AP AI AP AP

990.10.417099-0 990.10.030516-6 990.10.020895-0 994.08.177540-2

224 225 226 227

AP AP AP AR

100

AI

994.09.319939-7

228

ED

101

AP

990.10.301026-4

229

ED

102 103 104 105 106 107 108 109 110 111 112 113 114 115 116 117

AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP

991.02.067648-0 994.05.101595-5 994.06.028078-1 994.03.098351-6 0120249-40.2008.8.26.0053 0487517-32.2010.8.26.0000 0000780-05.2004.8.26.0420 0123838-73.2006.8.26.0000 9058764-16.2006.8.26.0000 9197777-93.2007.8.26.0000 9218278-68.2007.8.26.0000 0018099-34.2009.8.26.0606 9165066-11.2002.8.26.0000 9131185-04.2006.8.26.0000 9148526-43.2006.8.26.0000 0001909-10.2007.8.26.0430

230 231 232 233 234 235 236 237 238 239 240 241 242 243 244 245

AP AP AP AP AP AP AP AP AP AP ADIn AP AP AP AP AP

0110155-22.2013.8.26.0000 E 008717059.2013.8.26.0000/50000 0005870-38.2008.8.26.0457 0133417-31.2009.8.26.0100 0000470-13.2009.8.26.0294 0002522-44.2009.8.26.0435 0013913-65.2007.8.26.0564 0100866-03.2006.8.26.0003 0003658-11.2011.8.26.0531 0000579-62.2009.8.26.0444 0001767-64.2009.8.26.0291 0003423-74.2006.8.26.0028 0004596-66.2010.8.26.0587 0038178-14.2006.8.26.0000 0120495-55.2009.8.26.0100 0135847-58.2006.8.26.0100 9162379-51.2008.8.26.0000 9194708-19.2008.8.26.0000 200016880.2014.8.26.0000/50001 0002239-37.2011.8.26.0116 0014810-30.2012.8.26.0011 0318910-90.2009.8.26.0000 2082541-71.2014.8.26.0000 001481030.2012.8.26.0011/50001 205269254.2014.8.26.0000/50001 0141321-48.2008.8.26.0000 0001514-73.2012.8.26.0355 0001297-47.2009.8.26.0642 0001495-97.2002.8.26.0038 0003007-69.2009.8.26.0459 0003396-83.2010.8.26.0244 0010196-95.2010.8.26.0481 0022543-69.2009.8.26.0361 0022544-54.2009.8.26.0361 0164808-47.2008.8.26.0000 2030025-74.2014.8.26.0000 0009934-44.2012.8.26.0007 0056929-42.1999.8.26.0114 0107576-39.2006.8.26.0003 9000081-35.2010.8.26.0100 9205986-80.2009.8.26.0000

51

118

AP

0002342-67.2006.8.26.0456

246

Arg. In.

119

AP

0003092-41.2010.8.26.0129

247

ED

120 121

AP AP

0005086-41.2010.8.26.0053 0037361-97.2007.8.26.0554

248 249

AP AP

122

AP

0475435-66.2010.8.26.0000

250

ED

123 124 125 126 127 128

AP AP AP AP AP AP

0003393-53.2004.8.26.0337 0002024-34.2004.8.26.0366 9172942-51.2001.8.26.0000 9070720-29.2006.8.26.0000 9079293-27.2004.8.26.0000 9086045-39.2009.8.26.0000

251 252 253 254 255

AP AP AP AP AP

0191412-69.2013.8.26.0000 015382865.2013.8.26.0000/50000 0062622-11.2012.8.26.0224 0008038-93.2008.8.26.0495 000252244.2009.8.26.0435/50000 0011920-56.2012.8.26.0161 0038178-16.2009.8.26.0224 0005910-58.2011.8.26.0281 9191134-56.2006.8.26.0000 9218498-37.2005.8.26.0000

52

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.