O Princípio da injustiça: A inconstitucionalidade constitucional da Lei da Ficha Limpa

June 3, 2017 | Autor: Cassiano Calegari | Categoria: Direito Constitucional, Direito Público, Lógica, Ciencias Políticas, Direitos políticos
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O Princípio da injustiça: A inconstitucionalidade constitucional da Lei da
Ficha Limpa


Cassiano Calegari[1]


Salete Oro Boff[2]










RESUMO: O Direito é caracterizado pela superação da jurisprudência em
direção a modelos cada vez mais próximos de um ideal democrático.
Entretanto algumas mudanças no entendimento das Cortes podem representar
retrocessos na esfera de garantias jurídicas. O julgamento pelo Supremo
Tribunal Federal da ADI 4.578, relativizando o princípio da presunção de
inocência, demonstra o retrocesso de uma garantia constitucional em prol da
aprovação de uma lei infraconstitucional. Este entendimento constitui um
precedente que afeta as bases do Estado Democrático de Direito, permitindo
que a Corte constitucional adapte sua interpretação ad hoc ao caso
concreto. O presente estudo visa analisar a consistência da decisão do
Supremo Tribunal Federal em relação às bases do Estado Democrático de
Direito e da aplicação do instituto do overruling. Os métodos utilizados
para tanto são o dedutivo e monográfico e a técnica de pesquisa é a
bibliográfica.


Palavras-chave: Presunção de inocência; ADI 4.578; Lei da Ficha Limpa;
inconstitucionalidade; Direito Público.


ABSTRACT: The law is marked by the overcoming of the judicial
understanding towards models increasingly closer to the democratic ideal;
however, some changes in the judicial understanding may represent setbacks
of legal rights. The verdict by the Supremo Tribunal Federal on the ADI
4.578, relativizing the Presumption of Innocence principle proves the
backing of a constitutional right towards the validation of a law. This
understanding represents a precedent that affects the foundations of the
Rule of Law, allowing the constitutional court to suit their understanding,
ad hoc, to the case presented. This study aims to analyze the consistency
of the Supremo Tribunal Federal's decision in relation to the roots of the
democratic rule of law and the application of the overruling institute. The
chosen method is deductive and monographic and the research technique is
bibliographic.


Keywords: Presumption of innocence; ADI 4.578; Lei da Ficha Limpa;
unconstitutionality; Public Law.


1. Introdução

Dos modelos de operação jurídicos modernos, o método que se destaca é
a compilação de um complexo de diretrizes elaboradas para limitar e dirigir
a atuação do Estado. Estas, formadas por normas e princípios, constituem
pressupostos infestáveis do exercício da cidadania.
A adoção destas diretrizes constitui um aumento na complexidade dos
ordenamentos, refletindo em discussões jurídicas com um grau crescente de
abstração, onde há uma necessidade de se justificar a compatibilidade
destas diretrizes, em especial dos princípios, com as políticas ou leis a
serem adotadas. Se tornando a efetiva implementação, apenas uma das fases
da discussão jurídica que permeia, em especial, a criação de novas leis.
Nesse universo de limitações e diretrizes, a consistência de um
sistema jurídico, normalmente garantida pela Corte Constitucional, torna-se
uma atividade de enorme complexidade devendo, o jurista, garantir a
compatibilidade de todas as diversas peças integrantes da máquina jurídica,
sob pena de incorrer em irracionalidade.
Para garantir a sobrevivência de qualquer Estado moderno (que dependa
da racionalidade) é necessário operar a máquina jurídica com maestria, em
especial nos sistemas construídos com base em uma Constituição Dirigente
(uma vez que costumam possuir uma grande quantidade de diretrizes,
aumentando a complexidade e a dificuldade de se manter um sistema
coerente). Essa operação requer, sobretudo, que seja mantida a consistência
do sistema, relacionada com um dos pilares sobre o qual os Estados modernos
são construídos: a segurança jurídica contra a arbitrariedade.
Após mais de duas décadas terem se passado sob a égide da Constituição
Brasileira de 1988 surgem questionamentos como: Ainda é mantida a
consistência do sistema jurídico brasileiro? Na atuação do Supremo Tribunal
Federal, como guardião da constituição, é respeitada a consistência das
decisões?
Como um exercício de estudo da consistência da atual construção
jurídica brasileira para responder essas perguntas, no presente artigo será
analisada a conceituação de um Estado de Direito, para então estudar o
emblemático caso americano Brown v. Board of Education e, por fim, o famoso
julgamento brasileiro da Ação Direta de Inconstitucionalidade no 4.578
contra a Lei da Ficha Limpa (LC 135/10). O método utilizado no
desenvolvimento deste estudo é o dedutivo e a técnica de pesquisa é a
bibliográfica.

2. Pilares do Estado de Direito[3]

O conceito de Estado constitui um dos temas mais abordados pela
doutrina jurídica. Trata-se, essencialmente, de um sinônimo de Nação
politicamente organizada, possuindo soberania, ocupando um território
específico, dirigido por um governo próprio e constituindo Pessoa Jurídica
de Direito Público internacionalmente reconhecida[4]. Nas palavras de
Dallari:

Conceitualmente, hoje em dia, o Estado é o povo politicamente
organizado em um determinado território, vivendo sob uma mesma ordem
jurídica soberana, buscando o bem de todos. É a somatória desses
fatores que dá sustentabilidade ao Estado, responsável maior pela
conjugação de forças do povo na concretização de seus anseios e no
atendimento às suas necessidades[5].


No tocante aos fins do Estado, são várias as teses que anseiam explicá-
los, desde a legitimação de sua criação pelo mais forte, na tese de Hobbes;
dos laços jurídico-sociológicos no pacto social de Rousseau e Kant; da
vontade divina na obra de Santo Agostinho; da necessidade moral, encontrado
nas teses de Platão, Aristóteles e, posteriormente, Hegel; dentre diversas
outras[6].
Partindo deste conceito objetivo de Estado, que não necessita de um
estudo mais detalhado no presente momento, desenvolve-se o Estado de
Direito, uma construção jurídica que combina o conceito político de Estado
com um ordenamento jurídico, nascendo com o constitucionalismo liberal do
final do século XVIII e início do século XIX.
Nesse período pós-iluminismo, a necessidade de racionalização dos
institutos jurídicos determina a criação de mecanismos de controle do
Estado, com o objetivo de justificar a legitimidade de ação do Estado sobre
o cidadão (contrato social) e limitar seu poder e âmbito de atuação.
Portanto, o Estado passa a ser determinado por um conjunto de disposições
jurídicas, muitas vezes estabelecido a nível constitucional, no que passa a
ser conhecido como Estado de Direito.
Ao final do século XIX as fundações do Estado Liberal passam a se
modificar, em especial sob a influência do manifesto comunista de Karl
Marx, começando a esboçar o modelo garantista de proteção ao cidadão e, em
especial, ao trabalhador que posteriormente viria a culminar no Estado
Social de Direito. Nesse sentido, a constituição de Alemã Weimar de 1919
passa a constitucionalizar Direitos Sociais, prevendo o esboço de um plano
diretor para a garantia de tais direitos[7].
Essa construção sobrevive ao período do pós-guerra em que na Alemanha
mantêm-se constitucionalizados artigos da antiga constituição de Weimar
garantindo Direitos Sociais. Em seguida há uma expansão do Estado de
Direito, que passa a abranger em seus mecanismos jurídicos, Direitos
Sociais e uma maior interferência do Estado sobre a economia, com a
finalidade de garanti-los.
Tal período constitui o cenário para o florescimento de uma grande
expansão da democracia, com o advento do sufrágio universal e o rompimento
das últimas barreiras de integração racial e distinção entre gêneros, que
possibilitaram (e resultaram da) a emergência dos Estados Sociais de
Direito.
Essas transformações ocorreram em momentos distintos nas diversas
Nações democráticas, entretanto, esses períodos foram marcados por teses
que determinaram o rumo da humanidade. Não existindo apenas uma forma de
Estado de Direito, mas diversas interpretações do termo aplicadas de formas
distintas por cada Nação.
Nesse contexto, o Estado de Direito está intimamente relacionado com a
tripartição de poderes, devendo cada poder possuir seu âmbito de atuação
delimitado de forma a impossibilitar abusos. Aqui uma das principais
evoluções após a elaboração da tripartição ocorreu nos Estados Unidos com o
caso Marbury v. Madison de 1803, em que a Suprema Corte, conduzida pelo
Juiz-Presidente Marshal, decidiu em favor do que viria a ser conhecido como
controle de constitucionalidade, reconhecendo a supremacia da norma
constitucional sobre a norma legislativa e a legitimidade da Suprema Corte
em defender os interesses constitucionais anulando a norma incompatível com
estes, consagrando assim sua atuação como legislador negativo.
Após a emblemática decisão do caso Marbury v. Madison, Hamilton traz,
em uma obra ao The Federalist:


Nem essa conclusão, por qualquer meio, supõe a superioridade do Poder
Judiciário sobre o Legislativo. Ela apenas supõe que o poder do povo é
superior a ambos; e que onde a vontade do Legislativo, declarada
nestes estatutos, se opõe á do povo, declarada na Constituição, os
juízes devem ser governados pela segunda ao invés da primeira. Eles
devem pautar suas decisões nas leis fundamentais ao invés daquelas que
não são fundamentais.[8] [9] (Tradução livre)

Este comentário de Hamilton sobre a decisão da Suprema Corte denota a
importância de se manter a harmonia entre os poderes, estando a validade
desta decisão de interferência do judiciário sobre os atos do legislativo
fundada no modelo do Estado de Direito, em razão de não alterar o
equilíbrio entre os poderes, mas reforçá-lo, garantindo ao judiciário o
poder de anulação de leis contrárias à Constituição. No mesmo texto de
Hamilton ao The Federalist encontra-se a passagem:


Isso prova incontestavelmente, que o Judiciário é, sem comparação, o
Poder mais fraco dentre os três departamentos de poder; que ele não
pode atacar com sucesso nenhum dos outros dois; e que todo o cuidado
possível é necessário para defender a si mesmo contra os ataques de
ambos.[10] [11](tradução livre)

Portanto, a interferência no ato do legislativo apenas se justificou
por uma extensiva construção acerca da necessidade de se igualar o poder do
Judiciário ao do Legislativo e Executivo. Desta forma se consagrou o
instituto do controle de constitucionalidade pela Suprema Corte americana,
com o objetivo de proteger de leis arbitrárias os interesses do povo
previstos na Constituição.
A criação do Estado de Direito visa defender o Estado Democrático da
tendência humana ao autoritarismo e a concentração de poder, limitando o
exercício do poder dos administradores públicos eleitos ou nomeados[12].
Desta forma, não se pode considerar um Estado de Direito aquele em que há a
hegemonia de um poder sobre os demais, assim como aqueles em que há a
concentração de dois ou mais poderes em um único agente (característico de
regimes ditatoriais).

3. Consistência nas decisões judiciais: uma análise do caso Brown v.
Board of Education

O caso Brown v. Board of Education de 1954 constituiu um dos
principais marcos da Suprema Corte americana, determinando o fim da
segregação racial nas escolas públicas ao declarar tal distinção
inconstitucional. A decisão superou o posicionamento anterior da Suprema
Corte no caso Plessy v. Ferguson, o qual, em 1896, instaurou a separação
entre brancos e negros nas escolas públicas americanas.
No cenário internacional, durante o final da década de 1940 e início
de 1950 passou a se instaurar uma grande comoção contra o racismo, uma
decorrência das experiências nazistas, que resultaram na Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948. Essa comoção culminou na declaração
The Race Question pela UNESCO (United Nations Educational, Scientific and
Cultural Organization), condenando as tentativas de se justificar
cientificamente formas de racismo.
A participação da Organização das Nações Unidas (ONU) na
conscientização da comunidade internacional acerca das falácias científicas
que justificavam o racismo em muitos Estados através da UNESCO foi
fundamental para a superação das segregações. Refletindo na decisão da
Suprema Corte, em especial ao criar preceitos éticos contrários ao
racismo[13].
O caso teve inicio em 1951 com um processo coletivo na Corte do
Distrito do Kansas em face do conselho de educação (Board of Education) da
cidade de Topeka. A ação foi intentada por trinta pais residentes na
cidade, representando os interesses de seus filhos. O objetivo da ação
constituiu modificar as políticas de segregação racial do conselho de
educação, que se baseava em uma lei de 1879, permitindo a segregação racial
nas escolas públicas no Estado do Kansas.
Na Suprema Corte, o caso foi julgado em conjunto com outros quatro
casos semelhantes contra a segregação racial nas escolas de outros Estados
americanos (Virginia, Delaware, South Carolina e Washington D.C). O
consenso entre os juízes da Suprema Corte foi contrário à segregação, mesmo
as condições físicas das escolas para negros e brancos sendo semelhantes,
conforme pode ser observado no depoimento de Warren C. J. à Suprema Corte:


A segregação de crianças baseada apenas em sua raça nas escolas
públicas, mesmo que as condições físicas das instalações e outros
fatores tangíveis possam ser iguais, priva a criança de um grupo
minoritário de oportunidades educacionais iguais? Nós acreditamos que
sim [...]
A segregação de crianças brancas e de cor em escolas públicas possui
um efeito prejudicial nas crianças de cor. O impacto é maior quando
isso possui a sanção da lei, pois a política de separar as raças é,
comumente, interpretada como indicador de inferioridade da grupo
negro. Um senso de inferioridade afeta a motivação da criança a
aprender. Segregação com a sanção da lei, então, possui a tendência de
retardar o desenvolvimento educacional e mental da criança negra e
priva-la de alguns benefícios que receberia em uma escola de sistema
racial integrado.
Concluímos então que no campo da educação pública, a doutrina de
'separado mas igual' não possui espaço. Estabelecimentos educacionais
separados são de natureza desiguais. Então, nós mantemos que os
Autores e outros em situação similar destes, por razão de segregação,
estão privados da proteção de igualdade das leis garantidas pela
décima quarta emenda.[14] [15] (Tradução Livre)

A décima quarta emenda (1868), citada no depoimento, garante em sua
primeira seção a proteção igualitária aos cidadãos americanos, assim como,
instaura o princípio do devido processo legal. Trata-se do mecanismo que
introduziu os princípios da igualdade e do devido processo penal à
Constituição dos Estados Unidos, em resposta à abolição da escravatura após
a Guerra Civil Americana.
A decisão da Suprema Corte baseia-se, então, em uma inferência lógica
clara: A segregação racial nas escolas públicas ("S") gera sentimentos de
inferioridade dos estudantes negros ("I"). Ao gerar esses sentimentos ("I")
se está tratando os estudantes de forma injusta com base em sua raça (
"N"). Qualquer coisa que tratar estudantes de forma injusta com base em sua
raça ("N"), viola a décima quarta emenda ("V"). Qualquer coisa que viole a
décima quarta emenda ("V") é inconstitucional ("C")[16].
Pode-se transcrever o seguinte pensamento em uma fórmula lógica
utilizando silogismos da seguinte forma:


" " "
" " "
" " "
" " "
" " "

Ou seja, a segregação racial nas escolas é inconstitucional, pois
viola a décima quarta emenda ao tratar as pessoas de forma injusta com base
em sua raça.
Ao utilizar silogismos é possível perceber de forma clara a evolução
do pensamento por trás de uma decisão, devendo a conclusão ser decorrente
das premissas e toda premissa trazer um signo da premissa anterior. Dessa
forma o silogismo apresentado para a decisão do caso Brown v. Board of
Education é válido e consistente com as premissas que geraram a decisão.

4. Julgamento do STF sobre a Lei da Ficha Limpa na Ação Direta de
Inconstitucionalidade 4.578.

Uma das maiores controvérsias jurídicas decididas pelo STF foi o
julgamento da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa em 16 de fevereiro
de 2012. No caso em questão, a Lei Complementar 135/10 alterou a redação da
Lei Complementar 64/90, instituindo novas hipóteses de inelegibilidade,
visando, assim, coibir atos de improbidade administrativa por Agentes
Políticos no exercício de seus mandatos.
A LC 135/10 prevê a inelegibilidade dos candidatos condenados em
decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em razão da
prática de crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração
pública, o patrimônio público e privado, o sistema financeiro, o mercado de
capitais, o meio ambiente e a saúde pública[17].
A principal controvérsia encontra-se no Art. 2o da LC 135/10, que
modifica o Art. 1o da LC 64/90 alterando o texto original que prevê as
hipóteses de inelegibilidade:


d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente
pela Justiça Eleitoral, transitada em julgado, em processo de apuração
de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual
concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se
realizarem 3 (três) anos seguintes;[18]


Para:

d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente
pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida
por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder
econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido
diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos
seguintes;[19]

Introduz-se a inelegibilidade em casos de decisão proferida por órgão
colegiado também nas alíneas "e", "h", e "l" do referido artigo da LC
135/10, o que constitui uma violação do então entendimento da Corte sobre o
âmbito de aplicação do princípio constitucional da presunção de inocência
ou presunção da não culpabilidade, estampado no Art. 5o, LVII da CRFB:
"LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória;"[20]. Dessa forma adiantar-se-iam os efeitos
da sentença condenatória transitada em julgado (perda dos direitos
políticos) antes de ocorrer o trânsito em julgado, gerando uma
inconstitucionalidade.
O julgamento da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI) 4.578
pelo Supremo Tribunal Federal sobreveio em conjunto com as Ações
Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) 29 e 30. Ocorrido em fevereiro
de 2012, o julgamento visou decidir sobre a aplicabilidade das modificações
da LC 135/10 nas eleições que ocorreriam no mês de outubro de 2012, sanando
a discórdia existente na doutrina sobre a constitucionalidade da LC em
questão.
Na ADI e nas ADCs foram trazidos diversos pontos controversos da LC
135/10, dentre eles: a retroatividade das hipóteses de inelegibilidade aos
casos anteriores à publicação da LC, a natureza jurídica da inelegibilidade
(pena ou restrição de direito, o que pareceriam ser sinônimos para todos os
fins legais), a possibilidade dos conselhos profissionais interferirem na
inelegibilidade e o direito adquirido à candidatura para os casos
anteriores à LC 135/10.
No presente estudo será analisado, em especial, a controvérsia
envolvendo o princípio da presunção de inocência. Os demais argumentos
abordados no acórdão serão avaliados, porém a maior atenção será sobre a
discussão a respeito da mudança de entendimento da corte na aplicação do
referido princípio.
Em seu voto, o Ministro Relator Luiz Fux, afasta a controvérsia sobre
a presunção de inocência frente às modificações da LC 135/10, baseando-se
na decisão da ADPF 144 pelo então Ministro Relator Celso de Mello, em que
se afastou o princípio da presunção de inocência no Direito Eleitoral no
tocante às alíneas "d", "e", "g" e "h" do inciso I do Art 1o da LC 64/90,
que previam as então hipóteses de inelegibilidade.
Vale salientar que a ADPF 144, julgada em 6 de setembro de 2008, não
tratava da aplicação de uma pena anterior ao trânsito em julgado, mas de um
conflito entre o princípio da publicidade e a presunção de inocência, em
que o Ministro Relator vota pela compatibilidade dos dois princípios, sem
afastar a presunção de inocência no âmbito eleitoral, mas determinando não
ferir esta presunção a ciência do eleitor acerca dos processos nos quais o
candidato é acusado.
Na verdade a discussão na ADPF 144 é no sentido contrário ao trazido
pelo Ministro Luiz Fux, sendo questionado se a presunção de inocência
estaria vinculada ao âmbito penal[21], uma vez que ao final o Ministro
Celso de Mello vota pela improcedência da ADPF, assumindo a validade do
referido princípio.
Para justificar seu posicionamento, o Ministro Relator Luiz Fux faz
uma análise histórica do princípio da presunção da inocência, atrelado ao
Processo Penal, e discute sua aplicabilidade para o Direito Eleitoral. Traz
questões como a "crise do sistema representativo brasileiro"[22] e o
fenômeno da judicialização da política, para rever a posição do STF no
tocante ao princípio da presunção de inocência (e restringi-lo).
Prosseguindo em sua fundamentação, faz alusão ao instituto do
overruling da Common Law, que ocorre quando há a superação de um standard
(posicionamento pacífico) com base em novos clamores sociais[23]. Como
exemplo de overruling pode-se utilizar o já analisado caso Brown v. Board
of Education.
Assim sendo, estariam os anseios sociais clamando por uma maior
inferência do judiciário na política, restringindo o caráter democrático do
processo eleitoral em prol de uma maior garantia de moralidade. Dessa forma
se justificaria um overruling da posição do STF sobre a abrangência do
princípio da presunção de inocência para a sua não aplicabilidade em
questões de Direito Eleitoral, superando o entendimento do Ministro Relator
Celso de Mello na ADPF 144.
Assim, nas próprias palavras do Ministro Relator Luiz Fux:


A mesma lógica é aplicável à ordem jurídica brasileira e, com ainda
maior razão, ao presente caso. Permissa vênia, impõe-se considerar que
o acórdão prolatado no julgamento da ADPF 144 reproduziu
jurisprudência que, se adequada aos albores da redemocratização,
tornou-se um excesso neste momento histórico de instituições
politicamente amadurecidas, notadamente no âmbito eleitoral[24].

No tocante ao overruling trazido pelo Ministro, o instituto que opera
em sistemas baseados na Common Law constitui uma forma de atualização do
sistema jurídico baseado em precedentes. Desta forma, é possível a evolução
jurídica superando um precedente defasado sem que seja necessário editar
uma nova constituição.
Este instituto, entretanto, é temerário se aplicado em sistemas
baseados na Civil Law, uma vez que estes se baseiam em leis, com um
procedimento de atualização próprio no âmbito do Poder Legislativo. Desta
forma, é uma interpretação errônea do instituto do overruling tentar aplicá-
lo para restringir o âmbito de aplicação de um princípio constitucional.
O procedimento correto para fazê-lo é através de Emendas
Constitucionais, sem extrapolar o âmbito de atuação do Poder Legislativo. O
overruling estaria mais próximo da superação de uma Súmula Vinculante, uma
diretriz desenvolvida pelo próprio judiciário e que, portanto, sua
alteração pelo mesmo não constituiria invasão no âmbito constitucional de
outro poder.
Se autorizada a aplicação do instituto do overruling no sentido
proposto pelo Ministro Relator se está autorizando que o Supremo Tribunal
Federal (ou o poder judiciário como um todo) modifique seu entendimento
acerca do âmbito de aplicação de leis ad hoc com base em supostas evoluções
do Direito. Extrapolando, assim, a limitação constitucional dos poderes
Legislativo e Executivo sobre o Judiciário. Portanto, o judiciário não
estaria mais preso à aplicação da lei, mas livre para dar sentido à lei e
modificar este sentido conforme entender adequado a cada caso em análise,
violando a própria instituição do Estado de Direito.
O Ministro prossegue em seu voto:


Já é possível, portanto, resolver temas antes intocáveis, sem que se
incorra na pecha de atentar contra uma democracia que – louve-se isto
sempre e sempre – já está solidamente instalada. A presunção de
inocência, sempre tida como absoluta, pode e deve ser relativizada
para fins eleitorais ante requisitos qualificados como os exigidos
pela Lei Complementar no 135/10[25].

Esta relativização proposta pelo Ministro visa a limitação da
participação nas eleições de candidatos respondendo processos ainda sem
trânsito em julgado, sob a justificativa de defesa da democracia que
estaria mais madura.
A forma lógica correta para a aplicação da presunção de inocência no
âmbito eleitoral é: Todo acusado ("C") é inocente até o trânsito em
julgado da decisão condenatória ("I"); Toda a pessoa inocente ("I") é
elegível ("E"); Alberto ("a") é um acusado sem sentença transitada em
julgado ("C"); Alberto é elegível.



Sem invalidar a premissa de que todo acusado é inocente até o trânsito
em julgado da decisão (Todo C é I), não é logicamente possível presumir que
"A" não é "E". Desta forma, o ataque racional à ADI 4.578 deve se
restringir à validade desta premissa.
O grande problema é que a democracia pressupõe a liberdade de votar e
ser votado, sendo inegável que, ao se aplicar uma inelegibilidade sem que
haja o trânsito em julgado do processo que a originou, sobrevém uma
restrição grave do direito de ser votado. Desta forma, ao se restringir a
aplicabilidade da presunção de inocência se invalida a própria democracia,
constituindo o modus tollens desta.
Para que a LC 135/10 não constitua um modus tollens do próprio Estado
de Democrático de Direito é necessário modificar o entendimento do que se
enquadra como elegível, ou seja, autorizar que aqueles condenados por
decisão expedida por órgão colegiado sejam inelegíveis.
Nesse caso, ocorre a adaptação ad hoc de uma premissa com a finalidade
de manter o sistema. Se esta alteração for autorizada ao judiciário, mesmo
que na figura do Supremo Tribunal Federal, pode-se alterar qualquer
princípio para evitar que o mesmo ocorra em qualquer outra circunstância.
Dessa forma se esvazia de sentido todos os princípios constitucionais, pois
sua aplicação pode ser moldada livremente para que se adeque à intenção da
corte, sem que estes sirvam como limites a essa mesma interpretação.
Segundo o relatório, a permissão para esta mudança de postura da corte
estaria, primeiramente, no cuidado tomado pelo legislador na definição dos
requisitos da inelegibilidade, indicando que a LC 135/10 não teria como
objetivo perseguições políticas. Da mesma forma, o objetivo do principio da
presunção de inocência consistiria em vedar que o Estado se valesse de
meios degradantes ou cruéis para a produção de provas contra o acusado no
processo penal, o que ainda seria resguardado no processo eleitoral por
outros princípios como o devido processo penal (Art. 5o, LIV), o
contraditório e ampla defesa (Art. 5o, LV), a inadmissibilidade de provas
obtidas por meios ilícitos (Art. 5o, LVI), a vedação da tortura e do
tratamento desumano ou degradante.
Dessa forma, o Ministro defende que, embora o STF possua caráter de
instância contramajoritária no tocante à proteção dos Direitos
Fundamentais, este deve fazer concessões aos anseios sociais sob pena de
prejudicar a própria legitimidade democrática da Constituição, por não se
adequar a tais anseios[26]. Justificando, assim, a restrição da presunção
de inocência que teria tido seu âmbito de atuação ampliado para além de sua
abrangência inicial e literal.
Nesse ponto, vale salientar que o caráter contramajoritário da Corte
Constitucional foi atribuído com o intuito desta não estar sujeita a
influencia das massas. O papel de representante da vontade das maiorias já
é realizado pelos poderes Legislativo e Executivo, restando apenas o
judiciário como a única proteção das minorias. Portanto, ao afastar o
caráter contramajoritário da corte com a fundamentação de atender aos
anseios sociais, afirma-se que a última barreira contra o domínio das
maiorias foi rompido. Novamente verifica-se uma adaptação ad hoc, desta vez
da função do Supremo Tribunal Federal, para tentar validar uma alteração no
entendimento da corte.
Esta conclusão do Ministro visa a restrição da presunção de inocência
à esfera do Direito Penal, portanto aborda a questão da vedação de
retrocesso, que proíbe uma evolução no sentido contrário àquela da garantia
dos direitos fundamentais, restringindo sua abrangência. Como defesa desta
tese o Ministro traz duas questões: (1) "[...] a inexistência do
pressuposto indispensável à incidência do principio da vedação do
retrocesso"[27] e (2) "a inexistência de arbitrariedade na restrição
legislativa"[28].
A primeira se justificaria pela ausência de consenso acerca da
expansão da presunção de inocência para além do Direito Penal, em especial
na esfera eleitoral. Portanto não haveria vedação de retrocesso no Direito
Eleitoral pela ausência de consenso sobre sua aplicabilidade em primeiro
lugar.
Já a segunda se justificaria pela proporcionalidade das novas
hipóteses de inelegibilidade, por coibirem condutas com um alto nível de
reprovabilidade social atentando contra o sistema jurídico representativo
brasileiro. Portanto, a reforma constitucional de 1994, que trouxe o já
referido Art. 14, §9º, corrobora com a intenção de se limitar o acesso ao
cargo público do candidato improbo em defesa da moralidade e probidade
administrativa. Assim, haveria equivalência de proporcionalidade entre os
anseios sociais representados pela LC 135/10 e os interesses
constitucionais de se coibir a improbidade na administração pública.
Aqui se verifica com clareza a intenção do Ministro ao alterar ad hoc
o entendimento já pacifico da Corte da abrangência do princípio da
presunção de inocência e a alteração, da mesma forma, o caráter da Corte
como instância contramajoritária. O grande problema é que a função da Corte
Constitucional, altera também o equilíbrio entre os poderes.
Esse seria um caso no qual o remédio é mais danoso que a doença. Ter
candidatos possivelmente ímprobos concorrendo a cargos eletivos constitui
algo negativo. Entretanto, para limitar estas candidaturas sem alterar a
constituição é necessário expandir consideravelmente o poder do Supremo
Tribunal Federal, extrapolando qualquer forma de equilíbrio entre poderes e
lhe concedendo o poder de restringir ou expandir sumariamente sua própria
área de atuação.
O que se observa é a Corte criando um precedente muito perigoso para o
Estado Democrático de Direito por intermédio de um caso controverso que
conta com amplo apoio popular.
Prosseguindo na análise da decisão do Supremo Tribunal Federal, o
Ministro Joaquim Barbosa, em seu voto, defende a LC 135/10 com base na
exigência constitucional de moralidade e probidade na administração
pública, como pode-se perceber:

Nesse ponto, releva destacar que a Lei Complementar 64/1990, com
fundamento no §9º do Art. 14 da Constituição já fixava algumas causas
de inelegibilidade. Contudo, ao longo de mais de 20 anos de sua
vigência, a forma como estabelecidas as causas de inelegibilidade
demonstraram-se inaptas à proteção desses mais elevados valores
emanados da nossa Constituição. Em particular, os exíguos prazos de
duração da inelegibilidade em relação à duração dos mandatos eletivos
aliado à exigência de trânsito em julgado de decisões
condenatórias[29].

O Ministro então parte para um verdadeiro discurso moral ao embasar
seu posicionamento na necessidade de se coibir atos de improbidade:


É chegada a hora de a sociedade ter o direito de escolher e de
orgulhar-se de poder votar em candidatos probos, sobre os quais não
recaia qualquer condenação criminal; sobre os quais não pairem dúvidas
sobre o envolvimento em crimes ou malversação do dinheiro público;
sobre aqueles que honram seus mandatos até o fim; sobre aqueles que
têm por preocupação o interesse público e não o interesse pessoal[30].

A presente passagem constante no voto do Ministro Joaquim Barbosa
demonstra com clareza a motivação por trás de sua decisão, sendo esta de
proteger a população, através da inelegibilidade de candidatos ímprobos ou
nos quais pairam dúvidas acerca de sua probidade.
No tocante ao princípio da presunção de inocência, o Ministro defende
não se tratar a inelegibilidade de pena, mas "distinções baseadas em
critérios objetivos, que traduzem a repulsa de toda a sociedade a certos
comportamentos bastante comuns no mundo da política"[31]. Deste modo, ao
não se tratar de pena, a inelegibilidade não estaria abrangida pelo
princípio da presunção de inocência, não constituindo uma "repercussão
prática da culpa ou do dolo do agente político, mas apenas a reprovação
prévia, anterior e prejudicial às eleições do comportamento objetivamente
descrito como contrário às normas da organização política"[32].
Trata-se da mesma tentativa de se adaptar as premissas para validar um
resultado (constitucionalidade da LC 135/10) que, mantidas as premissas no
sentido original, não resistiria ao crivo de constitucionalidade. Conforme
demonstrado, não é possível argumentar que não ha violação da presunção de
inocência, portanto tenta-se adaptar os institutos para reduzir a âmbito de
atuação da referida presunção.
Nesse sentido, o Ministro defende que as hipóteses de
inelegibilidades, por não se tratarem de penas, não estariam sujeitas ao
princípio da irretroatividade da lei, assim como ao princípio da presunção
de inocência. Não sendo a declaração de inelegibilidade resultado de um
processo judicial no qual o Estado faz uso da persecução penal, mas, sim,
resultado de um ato ou fato público notório realizado pelo aspirante a
candidato.
Dessa forma, não se exigiria o respeito aos princípios relacionados à
persecução penal, dentre eles a presunção de inocência, para sua aplicação.
Bastaria apenas "a mera previsão legislativa"[33] para a configuração da
inelegibilidade.
Aqui se verifica novamente uma supressão do caráter contramajoritário
da o Supremo Tribunal Federal. Tendo o Ministro votado, portanto, pela
procedência das ADCs e improcedência da ADI.
Em seu voto, o Ministro Dias Toffoli salienta o papel do STF na defesa
dos interesses das minorias frente à vontade da maioria com a finalidade de
proteger o equilíbrio das forças democráticas[34]. Dessa forma o Ministro
salienta o respaldo popular por traz da LC 135/10, tendo passado pelo
devido processo legislativo necessário para sua validade.
No tocante ao princípio da presunção de inocência, para o Ministro, a
prevalência do interesse coletivo sobre o individual não poderia resultar
na nulificação do segundo[35], em especial quando o direito individual
gozar de respaldo constitucional. Portanto, seu voto representa o direito
individual de se candidatar do aspirante a candidato frente à sentença
ainda não transitada em julgado proferida por órgão colegiado.
O Ministro Dias Toffoli, salienta a contradição entre a expressão
"proferida por órgão colegiado" com a Constituição Federal, que
impossibilitaria a aferição em definitivo do cometimento dos ilícitos que
ensejam a perda dos direitos políticos de forma antecipada[36].
Da mesma forma, não se justificaria a primazia da celeridade
processual sobre a segurança jurídica, se tratando o juízo provisório de um
juízo essencialmente falível. O juízo provisório não poderia ser aplicado,
uma vez que, a antecipação dos efeitos da condenação Eleitoral, sem que
houvesse a certeza de que o acusado é realmente culpado pelo ato em
questão, feriria a segurança jurídica[37].
A LC 135/10 cria uma inversão da presunção de inocência, sendo
necessário ao aspirante a candidato requerer uma medida cautelar para a
manutenção de seus direitos políticos, gerando, assim, uma presunção de
culpabilidade. A concessão dessa cautelar carece de critério objetivo,
gerando uma incerteza jurídica ao acusado, assim como um dano de difícil ou
incerta reparação já que a eleição provavelmente não poderá ser realizada
novamente[38].
Haveria, deste modo, uma ausência de proporcionalidade entre o bem
jurídico protegido e a medida adotada para a sua proteção, ocorrendo a
suspensão provisória dos direitos políticos, a qual resultam em um dano que
provavelmente será irreparável ao candidato (perda da chance de concorrer
no pleito).
O Ministro então vota pela procedência parcial da ADI 4.578, adequando-
se o texto do Art. 1o para não conflitar com o princípio da presunção de
inocência, devendo a inelegibilidade incidir apenas após o transito em
julgado.
A Ministra Rosa Weber, que se posiciona em favor da possibilidade do
overruling proposto pelo Ministro Relator sobre o entendimento anterior da
Corte, defende não se tratar a inelegibilidade de uma sanção penal, mas de
um mecanismo de proteção da legitimidade das eleições. No tocante ao
caráter contramajoritário da Corte, a Ministra argumenta no sentido de este
não frustrar a necessidade de adequação das decisões da Corte com os
anseios da maioria[39]. Assim sendo, entende que é possível que a Corte
julgue em detrimento do interesse particular do acusado e em prol das
maiorias, determinando, o voto da Ministra, que o caráter contramajoritário
da Corte seria aplicado apenas quando houver conveniência à Corte.
Portanto, a Corte não está apenas se desviando de seu caráter
constitucional, mas criando uma margem de discricionariedade para sua
atuação, o que fere a harmonia entre os poderes, visto que não restaria uma
esfera de proteção das minorias. Desta forma dá-se um passo em direção ao
totalitarismo.
Concluindo seu voto, a Ministra decide pela constitucionalidade das
novas hipóteses de inelegibilidades trazidas pela LC 135/10, devendo estas
retroagir a fatos anteriores à edição da norma[40], julgando improcedente a
ADI 4.578.
O voto seguinte em análise é da Ministra Cármen Lúcia. Para a qual
seriam legítimos apenas aqueles candidatos que respeitam a ética.
Entretanto, conceitualmente, a legitimidade de um governo democrático se da
pela representação da vontade da maioria, estando esta em consonância ou
não com a ética, uma vez que a própria ética é reflexo das intenções desta
maioria. Portanto se justificam representantes com históricos de corrupção,
possuírem sucessos eleitorais consecutivos, constituindo governos legítimos
e democraticamente válidos.
A ministra concluiu seu voto acompanhando aquele do Ministro Relator,
portanto, pela constitucionalidade da LC 135/10, julgando improcedente a
ADI 4.587 e procedentes as ADC 29 e 30. Da mesma forma, vota pela aplicação
das novas hipóteses de inelegibilidade da LC 135/10 a fatos anteriores à
sua edição[41].
O voto do Ministro Gilmar Mendes aborda a questão da retroatividade da
inelegibilidade quando aplicada após o julgamento por órgão colegiado,
mesmo sem o transito em julgado do processo. Esta retroatividade ocorreria
pois se aplicaria aos casos já ocorridos, mas que seriam julgados após o
período de vacância da LC 135/10, retirando a garantia de condenação apenas
após o transito em julgado daqueles que realizaram atos anteriores à LC.
Desta forma os efeitos da LC 135/10 são essencialmente retroativos, pois
esta revoga a garantia de que o agente sofreria os efeitos da condenação
apenas após o trânsito em julgado[42]. Desta forma, na compreensão do
Ministro, a LC 135/10 viola o principio da irretroatividade da lei (BRASIL,
2012, p. 270).
No mesmo sentido, o Ministro se posiciona em favor da aplicação do
princípio da presunção de inocência para além da esfera penal, mantendo o
entendimento da Corte na ADPF 144, como é possível perceber em seu voto,
contrariando aquele do Ministro Relator:


Vê-se, desse modo, Senhor Presidente, que a repulsa à presunção de
inocência, com todas as conseqüências e limitações jurídicas ao poder
estatal que dela emanam, mergulha suas raízes em uma visão
incompatível com os padrões ortodoxos do regime democrático, impondo,
indevidamente, à esfera jurídica dos cidadãos, restrições não
autorizadas pelo sistema constitucional[43].

O sistema democrático possui elementos capazes de restringir o
ingresso de maus governantes, sendo o primeiro deles o voto direto, secreto
e livre[44], através do qual a população pode escolher aquele que melhor
representa seus interesses.
Se, mesmo tendo conhecimento do possível ato de improbidade do
candidato, cujo trânsito em julgado ainda não ocorreu, acessível pela
liberdade de informação, o eleitor compreende ainda ser aquela pessoa a
melhor escolha para administrar o país, sua eleição não constitui uma
violação da democracia, não possuindo, o Supremo Tribunal Federal,
legitimidade para suprimir a liberdade de escolha do eleitor sob
justificativa de estar defendendo a democracia.
No tocante ao problema central que gerou a disposição da presunção de
culpabilidade da LC 135/10, o Ministro aborda como sendo resultante da
demora nos processos judiciais. Dispondo que, em sendo rápido o trânsito em
julgado das decisões, não haveria necessidade do adiantamento dos efeitos
da inelegibilidade.
Entretanto, este problema não autoriza a supressão do principio da
presunção de inocência, não sendo lógico corrigir uma injustiça ao se
cometer outra injustiça, ou, nas palavras do Ministro: "Contudo, as mazelas
do Poder Judiciário não podem ser suplantadas com o sacrifício das
garantias constitucionais, sob pena de se descumprir duas vezes a
Constituição: violando-se o principio da celeridade e o da presunção de
inocência"[45].

5. Considerações finais

Embora o julgamento pela constitucionalidade da ADI 4.578 poderá
resultar em uma supressão dos níveis de corrupção no governo brasileiro, as
justificativas trazidas pelos Ministros para possibilitar esta
constitucionalidade criam preceitos perigosos que confrontam o próprio
Estado de Direito.
A aplicação do instituto do overruling, importado da Common Law
ocorreu de forma muito diversa daquela vista no caso Brown v. Board of
Education, que foi marcado por eventos internacionais paradigmáticos como a
Segunda Guerra Mundial e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)
que modificaram a opinião pública mundial quanto às segregações. Alterando,
assim, o entendimento consagrado pela Suprema Corte no caso Plessy v.
Ferguson no que é um legítimo caso de incidência de overruling.
Não há dúvidas de que o Direito deva evoluir e que o entendimento das
Cortes Constitucionais pode acabar se alterando com a evolução da
sociedade. Entretanto esta mudança de interpretação deve ser considerada
com cautela, uma vez que, se banalizada, permitiria a adequação ad hoc do
entendimento da Corte, violando a segurança jurídica e sepultando o Estado
de Direito.
Portanto, a supressão do princípio da presunção de inocência pelo
Supremo Tribunal Federal não se justifica pelas manifestações que ocorreram
em favor da Lei da Ficha Limpa, até porque a simples inconstitucionalidade
da parte que versa sobre a antecipação do trânsito em julgado não implica
na inconstitucionalidade de toda a Lei Complementar. O que ocorreu foi a
ampliação exponencial dos poderes da Corte, confirmando que esta possui
discricionariedade para adequar seu entendimento ao caso concreto e não o
caso concreto ao seu entendimento.
Ao se prosseguir nesse sentido corre-se o risco do Estado de Direito
se transformar em uma aristocracia do Judiciário, onde a Corte possui
sempre a última palavra, não estando vinculada à lei ou à Constituição, mas
estas sujeitas ao entendimento da Corte. Assim como as instituições
religiosas adequam a interpretação de seus textos sagrados para atender a
seus interesses, a Corte adequa a interpretação constitucional sob a
justificativa de satisfazer os anseios populares.
Assim, se transforma um princípio de proteção de um direito no
princípio da injustiça.
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[1] Advogado, mestrando em direito pela Faculdade Meridional – IMED. Linha
de Pesquisa: Fundamentos do Direito e da Democracia. Grupo de Pesquisa:
Direito, novas tecnologias e Desenvolvimento.
[2] Pós-Doutora em Direito-UFSC. Professora do PPG Mestrado em Direito
da IMED. Linha de Pesquisa: Fundamentos do Direito e da Democracia. Grupo
de Pesquisa: Direito, novas tecnologias e Desenvolvimento.
[3] Em que pese o tema possibilitar uma abordagem ampla, o presente artigo
concentrar-se-a em uma análise da construção da segurança jurídica e
repartição de Poder no Estado de Direito.
[4] FERREIRA, A. B. D. H. Dicionário Aurélio da Lingua Portuguesa. 2010.
ed. [S.l.]: Positivo, 2010.
[5] DALLARI, D. A. Teoria Geral do Estado Contemporâneo. São Paulo: Rideel,
2007, p. 25.
[6] MORAES, A. D. Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
[7] NEUMANN, F. O Império do Direito. São Paulo: Quartier Latin do Brasil,
2013.
[8] No original: "Nor does this conclusion by any means suppose a
superiority of the judicial to the legislative power. It only supposes that
the power of the people is superior to both; and that where the will of the
legislature, declared in its statutes, stands in opposition to that of the
people, declared in the Constitution, the judges ought to be governed by
the latter rather than the former. They ought to regulate their decisions
by the fundamental laws, rather than by those which are not fundamental."
[9] HAMILTON, A. The Judiciary Department. The Federalist, 14 jun. 1788.
[10] No original: "This simple view of the matter suggests several
important consequences. It proves incontestably, that the judiciary is
beyond comparison the weakest of the three departments of power; that it
can never attack with success either of the other two; and that all
possible care is requisite to enable it to defend itself against their
attacks."
[11] HAMILTON, A. The Judiciary Department. The Federalist, 14 jun. 1788.
[12] MORAES, A. D. Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
[13] PRINS, H. E. L. United Nations Educational, Scientific and Cultural
Organization, 2007. Disponivel em: . Acesso em: 23 fev 2014.
[14] No original: "Does segregation of children in public schools
solely on the basis of race, even though the physical facilities and other
"tangible" factors may be equal, deprive the children of the minority group
of equal educational opportunities? We believe that it does...
Segregation of white and colored children in public schools has a
detrimental effect upon the colored children. The impact is greater when it
has the sanction of the law, for the policy of separating the races is
usually interpreted as denoting the inferiority of the negro group. A sense
of inferiority affects the motivation of a child to learn. Segregation with
the sanction of law, therefore, has a tendency to [retard] the educational
and mental development of negro children and to deprive them of some of the
benefits they would receive in a racial[ly] integrated school system...
We conclude that, in the field of public education, the doctrine of
"separate but equal" has no place. Separate educational facilities are
inherently unequal. Therefore, we hold that the plaintiffs and others
similarly situated for whom the actions have been brought are, by reason of
the segregation complained of, deprived of the equal protection of the laws
guaranteed by the Fourteenth Amendment."
[15] BROWN, O. BROWN V. BOARD OF EDUCATION. Legal Information Institute,
1954. Disponivel em:
. Acesso em: 23 fev
2014.
[16] GENSLER, H. J. Introduction to Logic. 2. ed. New York: Routledge,
2010.
[17] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF decide pela constitucionalidade da Lei
da Ficha Limpa. Supremo Tribunal Federal, 2012. Disponivel em:
. Acesso em: 20 fev. 2014.
[18] BRASIL. LEI COMPLEMENTAR Nº 64. Planalto, 1990. Disponivel em:
. Acesso em: 21
fev. 2014.
[19] BRASIL. LEI COMPLEMENTAR Nº 135. Planalto, 2010. Disponivel em:
. Acesso em: 21
fev. 2014.
[20] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em
5 de outubro de 1988. Planalto, 1988. Disponivel em:
. Acesso em: 27 fev. 2014.
[21] BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 144-7.
Supremo Tribunal Federal, 2008. Disponivel em:
.
Acesso em: 21 fev. 2014, p. 9 e 11.
[22] BRASIL. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.578. Supremo Tribunal
Federal, 2012. Disponivel em:
.
Acesso em: 20 fev. 2014, p. 14.
[23] Ibidem, p. 23.
[24] Ibidem, p. 24.
[25] Ibidem, p. 24.
[26] Ibidem, p. 27.
[27] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em
5 de outubro de 1988. Planalto, 1988. Disponivel em:
. Acesso em: 27 fev. 2014, p. 29.
[28] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em
5 de outubro de 1988. Planalto, 1988. Disponivel em:
. Acesso em: 27 fev. 2014, p. 30.
[29] BRASIL. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.578. Supremo Tribunal
Federal, 2012. Disponivel em:
.
Acesso em: 20 fev. 2014, p. 56.
[30] Ibidem, p. 58.
[31] Ibidem, p. 59.
[32] Ibidem, p. 60.
[33] Idem.
[34] Ibidem, p. 67.
[35] Ibidem, p. 80.
[36] Ibidem, p. 93.
[37] Ibidem, p. 97.
[38] Ibidem, p. 98.
[39] Ibidem, p. 156.
[40] Ibidem, p. 171.
[41] Ibidem, p. 215.
[42] Ibidem, p. 265.
[43] Ibidem, p. 273.
[44] Ibidem, p. 281
[45] Ibidem, p. 289.
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