O Princípio do Devido Processo: Aplicabilidade às Organizações Internacionais em Geral e à Organização Mundial do Comércio (The Due Process Principle: Applicability to the International Organizations in General and to the World Trade Organization)

June 3, 2017 | Autor: R. Resende | Categoria: International Law, International organizations, Due Process Rights
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O PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO: APLICABILIDADE ÀS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS EM GERAL E À ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO Ranieri Lima Resende http://lattes.cnpq.br/4302347147875485 Artigo recebido em: 02.12.2009 | Artigo aceito em: 23.03.2010

RESUMO: Na seara do direito internacional, a questão ora apreciada centra-se na aplicabilidade do princípio do devido processo na condição de pressuposto de juridicidade dos atos das organizações internacionais, especialmente da Organização Mundial do Comércio, sob o prisma da prática e da jurisprudência internacionais. PALAVRAS-CHAVE: Devido processo legal, Organizações internacionais, Organização Mundial do Comércio.

THE PRINCIPLE OF DUE PROCESS: APLICABILITY TO GENERAL INTERNATIONAL ORGANIZATIONS AND TO THE WORLD TRADE ORGANIZATION ABSTRACT: In the International Law field, the analyzed question is centered in the applicability of the Due Process Principle as prerequisite of legality of the international organizations‟ acts, especially of the World Trade Organization, in the light of the international practice and jurisprudence. KEYWORDS: Due Process of Law, International Organizations, World Trade Organization.

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1 PRINCÍPIOS DA IMPARCIALIDADE

OBJETIVIDADE

E

DA

Por diversas vezes na prática das Nações Unidas, a conformação dos atos institucionais da organização às regras de procedimento foi alegada com a intenção teleológica de garantia dos direitos da minoria, especialmente no âmbito de um processo de votação assemblear. Isso não significa dizer que o alcance das regras procedimentais da entidade restrinja sua interpretação a uma rigidez gramatical de natureza literal e cerrada, mas que, efetivamente, a flexibilidade hermenêutica imanente a esse tipo de norma necessita de balizamentos mínimos calcados nos princípios da objetividade e da imparcialidade.1 Em contrapeso ao princípio da maioria, os princípios da objetividade e da imparcialidade evidenciam-se prevalentes, verbi gratia, contra qualquer supressão ou restrição severa ao direito dos Estados membros em expressar suas opiniões ou em apresentar propostas perante os órgãos institucionais pertinentes. Nesse aspecto, vislumbra-se o possível comprometimento da legalidade de resoluções emanadas por órgãos das Nações Unidas na hipótese de grave subversão da norma procedimental aplicável, ou quando se revele a pretensão de serem adotados procedimentos fundamentalmente diferentes daqueles previstos no ordenamento de regência.2 Nos moldes referidos às Nações Unidas, os princípios da objetividade e da imparcialidade também se aplicam às organizações internacionais em geral, de modo derivativo ao devido processo legal, no sentido de balizar a atividade dessas entidades em conformidade com as regras de procedimentos incidentes. 2 DISCRICIONARIEDADE INDIVÍDUO

E

PROTEÇÃO

DO

Na seara do direito institucional internacional, ainda que se trate do exercício de poderes administrativos discricionários, a irregularidade de procedimento pode gerar a invalidade da decisão adotada em face da existência de

princípios protetivos aplicáveis aos funcionários internacionais.3 A relação por vezes conflituosa entre a discricionariedade de um executivo “todopoderoso” e as liberdades inerentes ao indivíduo promoveu a necessidade de criação de um tipo de controle judicial dos atos administrativos internos das organizações internacionais, especialmente diante dos valores da eficiência, integridade, imparcialidade e independência, próprios do serviço público internacional.4 No parecer consultivo Effect of Awards of Compensation made by the U.N. Administrative Tribunal,5 a Corte da Haia analisou a natureza jurídica do Tribunal Administrativo das Nações Unidas, tendo concluído que esse órgão institucional possui poderes estatutários suficientes para determinar a rescisão da decisão administrativa contestada, o devido cumprimento da obrigação jurídica invocada pela parte prejudicada, ou até mesmo, o pagamento de medidas compensatórias equivalentes, se for o caso. Irrefutável demonstra-se o caráter judicial das funções exercidas pelo Tribunal Administrativo sob trato, diante do que suas sentenças produzem o fenômeno da coisa julgada (res judicata) com força obrigatória para as partes litigantes.6 De modo análogo, referidas conclusões em conjunto afiguram-se aplicáveis aos tribunais administrativos instaurados perante outras organizações internacionais, para o processamento e julgamento imparcial dos conflitos verificáveis entre essas entidades e seus respectivos agentes. Cite-se, a respeito, o julgamento do caso Waghorn (Judgment nº 28),7 no qual Tribunal Administrativo da Organização Internacional do Trabalho (TAOIT) decidiu que, mesmo na hipótese de o Diretor-Geral da OIT possuir o direito de resilir o contrato do Demandante com base no atestado de serviços insatisfatórios, a avaliação de tais serviços exorbitará aos limites de seu caráter discricionário na ocorrência de abuso de poder por parte da autoridade administrativa da organização internacional.

3 4 1 2

CONFORTI, 1969, p. 481-484. CONFORTI, 1969, p. 485-486; Idem, 2005, p. 305.

5 6 7

JENKS, 1962, p. 93. JENKS, 1962, p. 99. ICJ, 1954, p. 53. BRANDT, 2002, p. 243. ATILO, 1957.

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3 O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DA OIT E A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO Investido de jurisdição e competência para resolver as controvérsias verificáveis entre a Organização Mundial do Comércio (OMC) e seus funcionários, por força de convênio internacional firmado para esse fim, o Tribunal Administrativo da OIT apreciou algumas questões interessantes acerca da aplicabilidade do princípio due process à luz do direito administrativo internacional. No Judgment nº 2254,8 relata-se caso em que um Chefe de Seção nominado “Mr. F. S.” foi acusado por funcionária subalterna de assédios moral e sexual, a partir do que se instaurou um procedimento investigatório perante a esfera administrativa da OMC. Em decorrência direta dessa investigação, o Diretor-Geral da Organização impôs as penalidades de censura escrita e suspensão do funcionário acusado, com fulcro na afronta perpetrada às Regras de Conduta da OMC (Standards of Conduct). Sob a alegação de afronta ao devido processo legal, calcada na ausência de notificação do início das investigações e na negativa de acesso pleno aos procedimentos de oitiva de testemunhas, “Mr. F. S.” apresentou reclamação perante o Tribunal Administrativo da OIT com o intuito de que fosse decretada a nulidade da sanção imposta, a par da condenação indenizatória da própria Organização Mundial do Comércio. Segundo sentenciou o Tribunal Administrativo, em seu proceder a OMC contrariou o firme entendimento jurisprudencial no sentido de que, antes de decidir qualquer sanção disciplinar, a organização internacional tem o dever de informar aos envolvidos que os procedimentos investigatórios foram iniciados, além de lhes garantir a mais plena oportunidade de participar de todo o processo em questão, momento em que o Investigado deverá ter a faculdade de expressar seus pontos de vista, apresentar provas e participar ativamente de todo o procedimento de produção probatória. Com base em tais considerações, o ato punitivo do Diretor-Geral da OMC foi decretado sem efeitos e a Organização foi condenada, ainda, ao pagamento da remuneração equivalente ao período de suspensão contratual (danos materiais), além do montante de quinze mil

francos suíços a título de reparação por danos morais.9 Em outro julgado envolvendo a Organização Mundial do Comércio (Judgment nº 2226),10 o TAOIT registrou que o ato de reenquadramento funcional, apesar de inerente ao poder discricionário da autoridade administrativa, na medida em que visa à promoção dos interesses da instituição, apresenta alguns pressupostos procedimentais constitutivos com base na anuência preliminar do funcionário da Organização. Tendo em vista que a prévia concordância do servidor não foi obtida no momento oportuno, o ato jurídico de reenquadramento foi decretado nulo e a OMC condenada a indenizar os danos morais ocorridos em dez mil francos suíços. 4 NORMAS DE PROCEDIMENTO E VALIDADE JURÍDICA DOS ATOS DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS Além das questões focadas no direito administrativo interno às organizações, Wilhelm Wengler destaca que a vinculação do órgão da organização internacional às prescrições procedimentais pertinentes é condição de validade do próprio ato internacional, principalmente no tocante aos limites de sua competência orgânica.11 A prática da Organização Internacional do Trabalho é de extrema valia para a análise da questão, especialmente no que concerne à delimitação de suas competências institucionais.12 4.1 A jurisprudência da Corte Permanente de Justiça Internacional Haja vista o surgimento de uma série de divergências entre os membros da OIT, foram requeridos pareceres consultivos de natureza preventiva à Corte Permanente de Justiça Internacional durante a década de 1920. Em um primeiro momento, foi solicitada pelo Conselho da Liga das Nações uma consulta acerca da competência da OIT para a regulação internacional das condições de trabalho de pessoas empregadas na agricultura. Após uma 9 10 11

8

ATILO, 2003a.

12

ATILO, 2003a. ATILO, 2003b. IDI, 1957, p. 25. OSIEKE, 1978.

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análise detalhada do ato constitutivo da OIT, extraído do Tratado de Versailles de 1919, a resposta do Tribunal foi em sentido afirmativo à inclusão dos trabalhadores agrícolas na amplitude regulamentadora da Instituição.13 Posteriormente, uma segunda consulta foi solicitada com vistas a precisar a abrangência da Organização Internacional do Trabalho quanto ao desenvolvimento dos meios de produção agrícola e de outras questões análogas. Apesar de também haver fundamentado sua interpretação jurídica na Parte XIII do Tratado de Versailles, desta vez a resposta da Corte da Haia foi em sentido negativo à consulta.14 4.2 A Prática paradigmática da OIT Outra ocorrência histórica digna de nota foi reportada por Ebere Osieke,15 quando em 1961, a Conferência da OIT aprovou a expulsão da África do Sul do quadro de membros da Organização, em decorrência de sua prática de Apartheid. Apesar disso, em virtude de não haver à época previsão específica a respeito na Constituição da OIT, o Estado Sul-Africano continuou a enviar sua delegação diplomática regularmente às sessões subseqüentes da Conferência, tendo sido garantido aos respectivos delegados o direito de participação nos procedimentos deliberativos do órgão plenário da Entidade. A situação paradoxal relatada perdurou até o ano de 1964, momento em que o ato constitutivo da Organização foi emendado no sentido de prever a viabilidade jurídica, substantiva e procedimental, dos atos de expulsão e suspensão de qualquer Estado membro que tenha sido condenado pelas Nações Unidas em virtude da adoção de políticas de discriminação racial. Do ponto de vista da prática da Organização Internacional do Trabalho, é possível concluir que o ato jurídico de expulsão sob trato teve a eficácia contida até que sua constitucionalidade perante o ordenamento interno da Instituição fosse juridicamente regularizada. Necessário dizer que a convalidação posterior do ato internacional, originariamente produzido em desconformidade com o tratado constitutivo, não configurou uma prática isolada na OIT, 13 14 15

PCIJ, 1922a, p. 8, 43. PCIJ, 1922b, p. 49, 59. OSIEKE, 1978, p. 267-269.

consoante demonstra o caso da imposição de sanções institucionais a Myanmar no final da década de 1990. Em relatório elaborado pela Comissão de Inquérito instituída no seio da Organização Internacional do Trabalho, registrou-se a ocorrência de gravíssimas violações cometidas à Convenção OIT nº 29 sobre Trabalho Forçado (1930) pela Junta Militar no poder em Myanmar, em decorrência da imposição de trabalhos forçados em larga escala à população civil na construção de obras públicas de infra-estrutura, em atividades de suporte em áreas militares e, até mesmo, em benefício privado de terceiros. A par disso, verificou-se uma destacada submissão de grupos destituídos de poder político e pertencentes a minorias étnicas a condições desumanas de tratamento.16 Com base em tais constatações, a Conferência Internacional do Trabalho, enquanto órgão da OIT, editou de forma autônoma uma recomendação em junho de 1999, durante sua 87ª Sessão, no sentido de determinar a interrupção de toda e qualquer cooperação técnica ou assistência prestada pela Organização a Myanmar, de modo conjugado com o veto de sua participação como Estado membro nas reuniões, conferências ou seminários 17 organizados pela Entidade. Ocorre, no entanto, que para a imposição das medidas sancionatórias embasadas no Artigo 33, da Constituição da OIT, configura-se imprescindível a atuação deliberativa conjugada de dois níveis da estrutura orgânica da Instituição, quais sejam: o Conselho de Administração e a Conferência. É o teor da norma constitutiva em questão: 18 Se um Estado-Membro não se conformar, no prazo prescrito, com as recomendações eventualmente contidas no relatório da Comissão de Inquérito, ou na decisão da Corte Internacional de Justiça, o Conselho de Administração poderá recomendar à Conferência a adoção de qualquer medida que lhe pareça conveniente para assegurar a execução das mesmas recomendações. (negrito nosso) Resulta difícil, portanto, reconhecer à Conferência uma competência geral e autônoma 16 17 18

ILO, 1998. ILO, 1999a. OIT, 2009.

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para a adoção ou para a recomendação de sanções institucionais aos Membros da Organização. De modo contrário, estaria aberto o caminho para considerar-se que o Tratado Constitutivo da OIT tenha sido alterado por uma norma consuetudinária superveniente, com base na qual não se faria necessária a observância dos procedimentos positivados na Carta da Entidade, quando se tratasse de grave e persistente violação de obrigações convencionais em matéria de direitos humanos fundamentais.19 Mas não foi necessário ir tão longe, tendo em vista que em sentido contrário direcionou-se a prática da própria Organização. Em novembro de 1999, ou seja, cinco meses depois da recomendação sancionatória da Conferência, o Conselho de Administração requereu de modo expresso que as sanções a Myanmar fossem oficialmente colocadas na pauta da sessão seguinte da Conferência (2000), com vistas ao atendimento regular de seus trâmites procedimentais, em nítida intenção de convalidar constitucionalmente o ato internacional sob análise.20 5 O DEVIDO PROCESSO NA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO 5.1 A hipótese de expulsão de Membro No caso da Organização Mundial do Comércio, seu ato constitutivo prevê apenas a hipótese de retirada de um Membro por manifestação unilateral de sua vontade, consoante disposto no Artigo XV.1, do Acordo OMC: 21 Qualquer Membro pode retirar-se do presente Acordo. Tal retirada aplica-se tanto a este Acordo quanto aos Acordos Comerciais Multilaterais e deve gerar efeitos a partir da expiração do prazo de seis meses, contado da data em que a notificação escrita de retirada seja recebida pelo Diretor-Geral da OMC.22 (tradução nossa)

19 20 21 22

CAVICCHIOLI, 1999, p. 734. ILO, 1999b. WTO, 2008a. “Any Member may withdraw from this Agreement. Such withdraw shall apply both to this Agreement and the Multilateral Trade Agreements and shall take effect upon the expiration of six months from the date from which written notice of withdrawal is received by the Director-General of the WTO”.

O Acordo OMC não prevê nenhuma regra geral ou procedimento relativo à expulsão de Membro por ato unilateral da Organização, nem tampouco, com a motivação específica de violação sistemática das obrigações firmadas sob a égide de seus tratados comerciais, ou em decorrência de graves violações de direitos humanos ou de atos de agressão.23 Sob inspiração da prática da Organização Internacional do Trabalho, uma expulsão porventura ocorrente no seio da OMC somente teria eficácia jurídica plena após a indispensável alteração do correspondente ato constitutivo, obedecidos os trâmites previstos no Artigo X, do Acordo OMC. Sem o atendimento dos procedimentos de emenda necessários, além de eivado de manifesta inconstitucionalidade, o ato de expulsão poderia qualificar-se internacionalmente ilícito, com o comprometimento da responsabilidade da própria Organização Internacional perante o Membro que teve seus direitos institucionais cassados. O debate traz consigo a inevitável questão dos limites procedimentais da atuação da Organização Mundial do Comércio, que não se configuram aplicáveis apenas nas hipóteses de direito administrativo interno ou de expulsão de seus membros. Veja-se, nesse tocante, as diversas previsões convencionais disciplinadoras do sistema de resolução de controvérsias e os princípios regentes da matéria, na condição de parâmetros normativos a partir dos quais a atividade jurisdicional (ou quasi-judicial) da Organização deve pautar-se. 5.2 O requisito da motivação objetiva A motivação objetiva dos atos jurídicos internacionais constitui uma das condições essenciais da própria atividade dos sujeitos de direito internacional, haja vista a sua patente utilidade para o controle da correspondente regularidade legal, especialmente quando se tratar do exercício de funções jurisdicionais.24 O Artigo 12.7, do Entendimento sobre Regras e Procedimentos Regentes da Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio (ESC), deixa clara a obrigação do Grupo

23 24

VAN DEN BOSSCHE, 2005, p. 119. GOUNELLE, 1979, p. 27-28.

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Especial em fundamentar objetivamente seu relatório:25 Nas hipóteses em que as partes em disputa não cheguem a uma solução mutuamente satisfatória, o Grupo Especial apresentará suas conclusões mediante relatório escrito ao OSC [Órgão de Solução de Controvérsias]. Nesses casos, o Grupo Especial exporá em seu relatório as constatações de fato, a aplicabilidade das disposições pertinentes e as razões fundamentais por intermédio das quais chegou às conclusões e recomendações feitas.26 (tradução e negrito nossos) A esse respeito pronunciou-se o Órgão de Apelação no caso Mexico – Corn Syrup, quando registrou que a obrigação jurídica de expor as “razões fundamentais” evidencia-se em conformidade com os princípios da justiça motivada e do devido processo, com a finalidade de que o membro litigante possa conhecer a natureza de suas obrigações. Concomitantemente, o registro dos motivos decisórios viabilizará à parte informar-se acerca do que precisará ser feito, de modo a implementar a decisão ou a recomendação do Órgão de Solução de Controvérsias, além de tornar possível a aferição de seu interesse na interposição de recurso.27 5.3 Princípio non ultra petita Referenciado nas normas da OMC e, em especial, no Art. 7, do ESC, outro “subprincípio” vinculado ao devido processo reporta-se à máxima non ultra petita, segundo a qual somente as questões especificamente submetidas pelas partes litigantes ao sistema de solução de controvérsias poderão ser objeto de apreciação.28 A extrapolação do poder de decisão institucional conferido pelos Membros envolvidos na demanda acarretará consigo a invalidade jurídica

25 26

27 28

WTO, 2008b. “Where the parties to the dispute have failed to develop a mutually satisfactory solution, the panel shall submit its findings in the form of a written report to the DSB. In such cases, the report of a panel shall set out the findings of fact, the applicability of relevant provisions and the basic rationale behind any findings and recommendations that it makes.” WTO, 2001, p. 34. MAVROIDIS, 2006, p. 355, 357.

do ato, na parte em que se sobrepuser às bases compromissadas. Em verdade, é possível asserir que os limites impostos pelas pretensões deduzidas pelas partes em litígio fixam as fronteiras da própria competência do Órgão de Solução de Controvérsias. Diante disso, encontrar-se regularmente investido de jurisdição configura um pressuposto fundamental para a legalidade dos procedimentos desenvolvidos perante o Painel, consoante registrado pelo Órgão de Apelação no relatório do caso US – 1916 Act.29 5.4 Confidencialidade Desde os tempos do GATT 1947, a confidencialidade tem sido considerada parte integrante do mecanismo de resolução de disputas.30 Nesse sentido, diversas são as disposições positivadas no ESC a respeito, dentre as quais é possível citar: a) Art. 4.6: confidencialidade das consultas; b) Art. 5.2: confidencialidade das diligências relativas aos bons ofícios, conciliação e mediação; c) Art. 13.1: vedação que informações confidenciais submetidas ao Painel sejam divulgadas sem autorização de quem as tenha fornecido; d) Art. 17.10: confidencialidade dos procedimentos perante o Órgão de Apelação; e) Art. 18.2: tratamento de confidencialidade às alegações escritas deduzidas perante os Painéis e o Órgão de Apelação, salvo se o Membro intencione tornar pública sua manifestação. A hipótese de afronta à obrigação de confidencialidade pode ser imputada tanto a um Membro envolvido na disputa, quanto à própria Organização Mundial do Comércio, a esta se verificado o comprometimento das informações gravadas pela cláusula de sigilo, por intermédio da conduta positiva ou negativa de seus órgãos e agentes. Ainda que a falha na obrigação de proteger tais dados origine-se do comportamento de pessoas que atuem na condição de painelistas, árbitros ou expertos, sua atuação será atribuída 29 30

WTO, 2000, p. 17. AREND, 2006, p. 475.

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juridicamente à OMC, não apenas em virtude de serem “agentes internacionais” da Instituição, mas conjuntamente, em face da previsão inserta nos Artigos IV.1 e VII.1, das Normas de Conduta Aplicáveis ao Entendimento sobre Regras e Procedimentos Regentes da Solução de Controvérsias. É o teor dos dispositivos sob referência: 31 As presentes regras aplicam-se, conforme especificado no texto, a toda pessoa que atue: (a) perante um Painel; (b) na composição do Órgão de Apelação; (c) na condição de árbitro conforme mencionado no Anexo “1A”; ou (d) como experto participante no mecanismo de solução de disputas consoante mencionado no Anexo „1B‟.32 (tradução nossa) Toda pessoa abrangida [pelas presentes normas de conduta] deverá a todo tempo manter a confidencialidade das deliberações e procedimentos relativos à resolução da controvérsia, juntamente com qualquer informação identificada pela parte como confidencial.33 (tradução nossa) 5.5 Retardamento indevido na solução da disputa No tocante aos aspectos temporais do processo de resolução de controvérsias, o Art. 20, do ESC, impõe um marco definido de 9 (nove) meses para a duração completa dos respectivos procedimentos, quando não houver recurso, e de 12 (doze) meses, no caso de a demanda ser submetida ao Órgão de Apelação, salvo acordo em sentido diverso celebrado entre as partes litigantes.34 Se o Membro não se apresenta juridicamente habilitado para aplicar contramedidas de natureza unilateral, ou seja, sem a aquiescência do outro Membro envolvido no conflito, e sem a 31 32

33

34

WTO, 2009. “These rules shall apply, as specified in the text, to each person serving: (a) on a panel; (b) on the Standing Appellate Body; (c) as an arbitrator pursuant to the provision mentioned in Annex „1a‟; or (d) as an expert participating in the dispute settlement mechanism pursuant to the provisions mentioned in Annex „1b‟.” “Each covered person shall at all times maintain the confidentiality of dispute settlement deliberations and proceedings together with any information identified by a party as confidential”. WTO, 2008b.

interveniência necessária da Organização Mundial do Comércio mediante o pleno exaurimento dos procedimentos aplicáveis, inevitável pensar que a “denegação de justiça” decorrente da demora excessiva na resolução da disputa configura um ato internacionalmente ilícito e poderá gerar a conseqüente responsabilidade da Organização do ponto de vista jurídico.35 No campo da responsabilidade internacional dos Estados, há muito a excessiva duração do processo jurisdicional evidencia-se causa de ilicitude internacional e fato gerador das subseqüentes demandas reparatórias, promovidas pelos sujeitos atingidos pela conduta omissiva estatal em dirimir os litígios em um prazo razoável, especialmente com base na farta jurisprudência internacional sobre o tema.36 Mesmo considerando a tese de que o Direito da Organização configura-se lex specialis em relação ao direito internacional geral, não há nenhuma previsão normativa nos Acordos OMC acerca da responsabilidade da Entidade por atos internacionalmente ilícitos praticados em desfavor de seus próprios Membros. Neste sentido, aplicável o regime geral de responsabilidade das organizações internacionais, de modo a suprir a lacuna do ordenamento jurídico interno da Instituição, para a hipótese de dilação indevida dos procedimentos de resolução de controvérsias. 37 6 CONCLUSÃO A partir dessa brevíssima análise, constatou-se a plena aplicabilidade do princípio due process às organizações internacionais com fulcro na conjugação dos princípios da objetividade e da imparcialidade, os quais impedem a supressão ou a interpretação supressiva de normas procedimentais internas. De modo a equilibrar a discricionariedade dos atos internos das organizações internacionais com os direitos essenciais de seus funcionários, evidencia-se a jurisprudência internacional em prol do reconhecimento de uma série de 35

36 37

Para maiores aprofundamentos acerca da temática sob a óptica da responsabilidade internacional, indica-se o teor da dissertação de Mestrado em Direito defendida perante a Universidade Federal de Minas Gerais (RESENDE, 2009). RESENDE, 2005. PETERSEN, 2006, p. 494.

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standarts de natureza procedimental, na condição de pressupostos de juridicidade da própria atividade institucional. Para além da proteção dos indivíduos institucionalmente vinculados às organizações internacionais, verifica-se que, em analogia à prática da Organização Internacional do Trabalho, é possível indicar o caso abstrato de expulsão de Membro a respeito do que não há nenhuma previsão constitucional específica no âmbito da Organização Mundial do Comércio. Nesse tocante, exigir-se-ia prévia emenda ao correspondente ato constitutivo da Entidade para que o ato de expulsão pudesse surtir seus efeitos jurídicos. Dentre as premissas normativas de ordem procedimental aplicáveis à OMC, destacaram-se a motivação objetiva dos atos internacionais, o princípio non ultra petita, a reserva de confidencialidade e a duração razoável dos trâmites dirigidos à resolução de controvérsias, cujas violações afiguram-se passíveis de impulsionar a responsabilidade internacional da Entidade, na medida em que qualificáveis atos internacionalmente ilícitos. REFERÊNCIAS ADMINISTRATIVE TRIBUNAL OF THE INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION – ATILO. Judgment nº 28 [Waghorn Case]. Geneva, 1957. Disponível em: Acesso em: 22 set. 2008. ______. Judgment nº 2226. Geneva, 2003b. Disponível em: Acesso em: 22 set. 2008. ______. Judgment nº 2254. Geneva, 2003a. Disponível em: Acesso em: 22 set. 2008. AREND, Katrin. Article 18 DSU. In: WOLFRUM, Rüdiger; STOLL, Peter-Tobias; KAISER, Karen (Eds.). Max Planck Commentaries on World Trade Law: WTO – Institutions and Dispute Settlement. Leiden: Martinus Nijhoff Publishers, 2006. p. 473-482. BRANDT, Leonardo Nemer Caldeira. A autoridade da coisa julgada no direito internacional público. Rio de Janeiro: Forense, 2002. CAVICCHIOLI, Lucia. Sospensione parziale della Birmania (Myanmar) dall‟Organizzazione Internazionale del Lavoro per violazione della

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