O Princípio do Nemo Tenetur se Detegere em operações de M&A

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01/06/2015

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O princípio do "Nemo tenetur se detegere" em operações de M&A

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O princípio do "Nemo tenetur se detegere" em operações de M&A

O princípio do “Nemo tenetur se detegere” em operações de M&A Por Pedro da Conceição Por Pedro da Conceição   Informação custa caro. Não fosse assim, empresas seriam compradas e vendidas de modo muito mais rápido, por meio de contratos muito mais simples, com menos garantias e válvulas de escape. Mas, no capitalismo selvagem, o Mundo não é tão redondo e as pessoas mentem, omitem e matam. Não por outro motivo (o da mentira e o da omissão, já que as mortes são ignoradas), operações de compra e venda de ativos empresariais costumam ser precedidas das famosas ‘auditorias’ (as famigeradas due diligences, ou, para íntimos, ‘as du’). O papel de uma auditoria é levantar informação, que ocorre de forma direcionada e estrategicamente orientada para avaliar as fragilidades da companhia cujos ativos se cogitam comprar. Esse levantamento pode influenciar drasticamente no processo de atribuição de preço (valuation) ao objeto de desejo (a empresa à venda). Em economiquês, uma auditoria é um remédio para uma falha de mercado específica: a assimetria de informação. Mas uma auditoria envolve ainda uma série de riscos, pressupostos e condições. Afinal, olhar uma empresa por dentro requer um bocado de boa­fé na liberação de informações completas, relevantes e verídicas. E é aí que a negociação dos contratos de compra e venda precisa prever as consequências (judiciais e arbitrais, sobretudo), antecipando a eventualidade de informações relevantes serem propositadamente alteradas ou omitidas. Mas o ponto de que quero tratar, dentre todas essas possibilidades – mentiras, omissões e assassinatos, tudo por dinheiro, claro – é o do vendedor que omite (ou que altera) informação relevante para o comprador em uma situação específica: quando a informação em questão envolve a prática de crime por uma pessoa pertencente ao contexto empresarial do vendedor (acionista, administrador ou funcionário). O problema decorre, de modo mais específico, da recente regulamentação da Lei 12.846/2013 (a Lei Anticorrupção) por meio do Decreto 8.420/2015. O Decreto trouxe, em seu Artigo 42, os requisitos do programa de compliance efetivo a serem adotados pelas companhias que atuam no Brasil. Um dos requisitos, o do inciso XIV do Artigo 42 do Decreto, é a realização de auditorias específicas para averiguar fatos de corrupção em empresas alvo de operações societárias. Esse requisito, na realidade, estava implícito negativamente na responsabilidade sucessória estabelecida pela Lei Anticorrupção em seu Artigo 4º – empresas que já adotassem essa prática evitariam a responsabilidade por sucessão. http://justificando.com/2015/05/19/o­principio­do­nemo­tenetur­se­detegere­em­operacoes­de­ma/

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Assim, as já tradicionais auditorias em operações societárias, que sempre observaram contingentes judiciais (trabalhista, fiscal, cível) e passaram, mais recentemente, a observar outras espécies de riscos legais e regulatórios (matéria concorrencial, ambiental, de propriedade intelectual, e por diante) passarão, agora, a também prever o risco decorrente do passivo sucessório via corrupta (risco de uma multa que pode chegar a 20% do faturamento da empresa corruptora). Como a Lei Anticorrupção tipifica “o ato lesivo contra a Administração Pública” de modo amplo, suprimindo a diferença entre corrupção ativa e concussão e criando um verdadeiro conflito de normas com proibições de natureza concorrencial e licitatória – vide Artigo 5º da Lei Anticorrupção ­, e possui uma muito denunciada carapuça de Lei Penal, as auditorias anticorrupção em operações societárias acabarão tendo ares de uma investigação privada com o objetivo de inquirir sobre fatos que flertam com o crime. Ocorre que, nos termos da Lei Anticorrupção, a pessoa física que corrompe funcionário público em interesse ou em benefício de determinada pessoa jurídica não deixa de cometer crime, enquanto que a pessoa jurídica é responsabilizada objetivamente na esfera administrativa. Agora a questão começa a ficar realmente interessante, pois chegam as antinomias. De um lado, temos os compradores de empresa que – caso queiram se encaixar nos requisitos de um programa de compliance efetivo – se veem obrigados a investigar os vendedores e, do outro lado, os vendedores que não são obrigados (por Lei) a liberarem informações que possam lhes trazer consequências criminais, bem como ainda podem invocar um princípio constitucional de Ordem Pública em sua ‘defesa’: o nemo tenetur se detegere (NTSD). Assim como o Logos grego e o Tao chinês podem ser transliterados mas não traduzidos, nossos bons brocardos latinos devem permanecer em latim. A ideia que gira em torno do NTSD, porém, é que um investigado, um réu, não pode ser obrigado a produzir indício ou prova que atente contra seus interesses de defesa. O corpo da antinomia é: o direito de o vendedor (enquanto futuro investigado/réu) de não produzir prova contra si próprio (NTSD) gera, também, uma excusa para se omitir ou, até mesmo, mentir em uma auditoria no contexto de uma operação de M&A? E mais, caso ele tenha esse direito, este se aplica ainda que o vendedor tenha assinado um contrato se comprometendo a revelar todo tipo de informação, ou essa disposição não poderia ocorrer em sede contratual? E o comprador? Pode ele ser responsabilizado, nos termos da Lei Anticorrupção, sucessivamente, ainda que tenha tomado todos os esforços para dirimir sua responsabilidade, mas tenha sido iludido pelo vendedor? Essa antinomia pode envolver diferentes matizes de problematização e, por consequência, de solução: podemos dizer que se trata de caso de aplicação de princípio constitucional em relação privada, mas podemos também dizer que se trata de caso de incomunicabilidade das esferas cível e criminal. Obviamente, as soluções decorrentes desses diferentes modelos de análise do mesmo problema levarão a soluções diversas e excludentes tanto para a responsabilidade do vendedor face ao comprador quanto deste em relação ao Poder Público. Se entendermos que o NTSD é máxima constitucional inalienável e indisponível, sendo derivada do direito ao devido processo legal e à presunção de não culpabilidade , e que os princípios constitucionais invadem a esfera privada por um movimento de permeabilidade, então os vendedores estariam acobertados (única e exclusivamente para os fatos que constituem, em sua percepção e no momento da venda, “crimes”) de responsabilidade por terem omitido informação que pudesse trabalhar contra seus interesses em eventual processo penal. Indo além: o mesmo direito que o investigado possui de mentir em processo penal se estenderia à http://justificando.com/2015/05/19/o­principio­do­nemo­tenetur­se­detegere­em­operacoes­de­ma/

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prestação de informações no decorrer da auditoria – em que pesem as disposições contratuais em contrário, as quais podem ser declaradas nulas; não apenas elas, mas também as penalidades decorrentes. A lógica por trás dessa extensão da proteção constitucional é que a produção de qualquer documento, ainda que no contexto de uma auditoria banhada pelo dever mútuo de sigilo e sacramentada por um non­disclosure agreement (contrato de discrição), implica um risco muito grande de tal documento constituir indício ou prova contra si em contexto penal. Se, porém, entendermos que a proteção do NTSD se aplica apenas no contexto do processo penal, uma vez aberta a investigação policial ou recebida a denúncia criminal, então certamente as disposições do contrato vinculam o vendedor a repassar informação sensível que seja do interesse do comprador ou de arcar com as respectivas penalidades, caso não o faça. Seguindo neste exemplo, porém, sejamos sinceros: caso o vendedor não anuncie um crime que cometeu, mas o crime seja descoberto após a venda e o comprador processe o vendedor em juízo, poderá um juiz, ciente do cometimento de um crime em razão de sua função pública, não comunicar tal fato as autoridades competentes para investigá­lo e processá­lo? Enfim, mais que respostas simples – a minha seria que o NTSD é sacrossanto e se estende a operações de M&A cujos contratos podem, não obstante, prever, com razoabilidade, cláusula penal para o réu fugidio, pois o princípio não invalida o dever de indenizar em casos de omissão culposa ou de mentira, ou de assassinato – precisamos desenvolver uma nova dogmática das ocasiões em que os rincões do Direito (Penal X Civil X Societário X Constitucional) são jogados no mesmo balaio junto com demandas éticas, políticas e econômicas para serem repensados em uma dogmática mais sutil e localizada, capaz de resolver um problema por vez. Nessa dogmática das ocasiões, a jurisprudência é formada por aluvião: a dinâmica feroz fica a contento do caso a caso e a estática global se constrói por movimentos demorados. Pedro da Conceição é Mestrando em Direito pela Universidade de São Paulo, advogado. Autor do livro “Mito e Razão no Direito Penal” (2012). Filósofo nas horas vagas. Compartilhe: 43

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