O PRINCÍPIO DO USUÁRIO PAGADOR NAS INTERFACES DA COMPENSAÇÃO AMBIENTAL

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O PRINCÍPIO DO USUÁRIO PAGADOR NAS INTERFACES DA COMPENSAÇÃO AMBIENTAL Izadora Rodrigues de Andrade 122 Thais Bernardes Maganhini123 Resumo O presente estudo tem como objetivo demonstrar que o meio ambiente pede um maior cuidado com sua preservação, em virtude de que ocorreu uma grande degradação ambiental com o desenvolvimento econômico. O desenvolvimento sustentável é a busca incessante de encontrar meio para compatibilização do desenvolvimento econômico com meio ambiente. Desta forma, o Estado deverá intervir na economia com seus instrumentos econômicos que corrijam as externalidades negativas. A compensação ambiental ganha grande importância neste cenário, pois é um instrumento de neutralização dos efeitos econômicos no meio ambiente, com aplicação do princípio d usuário-pagador que utiliza os bens ambientais de forma a prevenir danos maiores ao meio ambiente e quando ocorre aplica a compensação ambiental. Palavras Chaves: Meio Ambiente; Princípio Usuário Pagador; Compensação Ambiental. Abstract The following study has the objective of demonstrate that the environment pleads a biggest care with its preservation, due to a great devastation that occurred with economic development. The sustainable development is the endless search to find a way to compatibly the economic development with the environment. This way the state must interview on economy with its economics tools that will fix the negatives externalities. The environmental compensation gain big importancy in this background because it is a way to neutralize economic effects on environments, applicating the principle of payer user that utilizes the environmental goods in way to avoid biggest damages to the environment and happens the application of the environmental compensation. Key-words: environment; User Pays Principle; environmental compensation

INTRODUÇÃO

O processo de desenvolvimento econômico acarretou uma avalanche no meio ambiente de destruição de um bem ambiental que é escasso, acarretando assim a destruição do mesmo e tornando quase impróprio para a sobrevivência das futuras gerações. Com o reconhecimento do direito ambiental como um direito fundamental de garantia da vida humana, sentiu-se necessidade de preservar o meio ambiente para que possa encontrar um desenvolvimento sustentável. Um dos instrumentos de compatibilidade entre o desenvolvimento econômico e meio ambiente foi a compensação ambiental, que trouxe em seu instituto uma forma de neutralizar os danos ambientais sofridos pelo meio ambiente com a ação humana.

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Geógrafa pela Universidade Federal de Rondônia UNIR, Graduanda em Direito pela mesma instituição. Especialista em Auditoria e Perícia Ambiental pela UNINTES/UNIRON. [email protected] 123 Doutoranda em Direito Difuso e Coletivo pela PUC-SP, mestre em Direito Econômico pela Universidade de Marília-UNIMAR, Professora da Universidade Federal de Rondônia-UNIR. Pesquisadora do Cejam- Unir [email protected]

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Desta forma, reveste-se como objetivo do presente trabalho destacar a realidade da crise ambiental e a utilização de instrumento econômicos, como a compensação ambiental, para compatibilizar os danos ambientais sofridos com o desenvolvimento econômico.

1. Meio Ambiente como direito fundamental

O reconhecimento do direito a um meio ambiente saudável é uma necessidade do próprio direito à sobrevivência humana, uma vez que, na inexistên cia de condições ambientais satisfatórias, e sem os recursos naturais produzidos pelo meio, torna -se impossível a manutenção da vida humana na Terra. Além disso, segundo os critérios substanciais de vida e liberdade, para o gozo dos direitos humanos é necessário não apenas estar vivo, mas dispor de condições dignas de vida num ambiente saudável. A implementação do meio ambiente equilibrado faz -se, portanto, imprescindível para o gozo dos demais direitos humanos. A Declaração de Estocolmo, em 1972, que foi o marco inicial do Direito Ambiental, reconheceu o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental entre os direitos sociais do homem, com sua característica de direitos a serem realizados e não perturbados. José Afonso da Silva descreve que:

O que é importante escrevemos de outra feita é que se tenha a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do Homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. [...] a tutela da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido de que, através dela, o que se protege é um valor maior: qualidade de vida. 124

Já a Lei n.º 6.938/1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, foi a primeira a tratar de tal matéria no ordenamento pátrio. Todavia, a referida lei ficou esquecida até o advento da Constituição Federal de 1988, que trouxe em seu âmago dispositivos ambientais. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu Título VIII, Capítulo VI, Art. 2 25,

povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo -se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-

grifo nosso). Desta

forma, criando a existência de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, estabeleceu -se parâmetros constitucionais, ou seja, critérios fundamentais destinados à sua aplicação como direito fundamental, e incumbindo ao Poder Público da r-lhe efetividade através da vedação às práticas que coloquem em risco a ecologia. 124

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 67.

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O art. 225 da Constituição Federal traz expressamente dentro do capítulo destinado aos direitos sociais, a importância do meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Mesmo que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não esteja previsto no rol dos direitos fundamentais, ele não perde sua característica fundamental, pois está relacionado com a vida humana. Além disso, ganhou maior proporção quando foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal como direito de terceira geração, que abrange a todos sem distinção. O direito fundamental ao meio ambiente saudável mostra com clareza a superação dos ideais individualistas, característica da sociedade contemporânea, a qual passou a ser expressamente consagrada na Constituição Federal de inúmeros países, dando margem ao desenvolvimento do que se denomina Estados Ambientais, representados pelo modelo estatal pós-social, que toma realmente por fundamento a busca do desenvolvimento sustentável. Assim, o Estado deve, juntamente com a sociedade, implementar políticas públicas que possam desenvolver o meio ambiente juntamente com a economia, de modo que ocorra a melhoria na qualidade de vida dos cidadãos, respeitando assim o fundamento contido no art. 1º, III, da Constituição Federal.

2. Desenvolvimento Sustentável

O Princípio do Desenvolvimento Sustentável ocupa posição de destaque dentre todos os princípios ambientais, haja vista ser a meta bus cada pelos demais princípios, viabilizando o trato correto, seguro e adequado à temática ambiental. Para Ramón Martín Mateo o Princípio do Desenvolvimento Sustentável [...] en un megaprincipio, que deberia inspirar un ordenamiento terráqueo desagregado después a otras escalas. [...] El concepto de Desarrollo Sostenible va más allá de la mera armonización de la economia y la ecologia, incluye valores morales relacionados com la solidaridad [...]. 125

A Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente e d esenvolvimento, no Rio de Janeiro em junho de 1992

ECO/92

insculpiu em seu princípio 3 a essência do

exercido, de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de desenvolvimento e ambientais de gerações presentes e futuras

Deste modo, define a

Conferência que o conceito de desenvolvimento sustentável é aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações fut uras atenderem 125

MATEO, Ramon Martin. Manual de Derecho Ambiental. 2. ed. Madrid: Trivium, 1998, p. 41.

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desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental deve constituir parte integrante do . O Princípio do Desenvolvimento Sustentável objetiva compatibilizar a atuação da economia com a preservação do equilíbrio ecológico. Conforme previsto no Art. 225 caput da Constituição Federal, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado , bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo -se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, bem como impôs no seu Art. 170 o princípio da preservação ambiental. De sta forma, aplicam-se os princípios da prevenção, precaução e equilíbrio para a busca de um desenvolvimento sustentável para as futuras gerações. No meio ambiente, um determinado comportamento humano pode gerar um impacto ambiental, seguindo um efeito em cascata, passível de afetar o próprio ser humano. Já na economia, o que importa é a lei da oferta e da procura, na busca de novos mercados. Enfim, o lucro, mesmo que à custa de danos ao meio ambiente, é considerado, invariavelmente, como externalidade na visão do empresário desavisado e descompromissado socialmente. Esse conflito entre o desenvolvimento econômico e o meio ambiente gera várias consequências negativas, colocando em risco o equilíbrio ecológico e a sobrevivência das espécies no planeta, inclusive da humana. Visando sanar este choque entre o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental, o direito ambiental preceitua a aplicação do Princípio do Desenvolvimento Sustentável. Não se trata, portanto, de cercear a atividade econômica que tem com o meta a satisfação das necessidades e aspirações humanas, mas sim encontrar um ponto de equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e o meio ambiente, para que os seres humanos possam ter uma melhor qualidade de vida, sem afetar inteiramente as atividades empresarias de geração de empregos e rendas. Para tanto, o desenvolvimento sustentável deverá ser buscado por meio de uma educação econômico-ambiental dos agentes econômicos, considerando os aspectos sociais e culturais, para que compatibilize o desenvolvimento econômico e o meio ambiente, visando a não anulação do desenvolvimento econômico, nem da proteção ambiental, para encontrar o equilíbrio, gerando uma boa qualidade de vida para os cidadãos.

3. Princípios ambientais: Princípio da Prevenção e da Precaução

O princípio da prevenção, previsto no caput do Art. 225 da Constituição Federal e no 159

Art. 2.º da Lei n.º 6.938/1981, é um dos mais importantes do direito ambiental, em virtude de ser, a melhor forma de inibir risco ou dano ao meio ambiente. Têm em sua forma informações certas e precisas sobre a periculosidade e o risco fornecido pela atividade ou comportamento, fato este que é de fundamental importância para que não ocorra a repetição da atividade danosa ao meio ambiente. Define Cristiane Derani que o princípio da prevenção e o da precaução é

[...] uma prática ambiental preventiva requer não só a defesa contra perigos iminentes, mas também suscita proteção e utilização regular e ordenada dos recursos naturais. Precaução ambiental é necessariamente modificação do modo de desenvolvimento da atividade industrial. 126

Desta feita, eis as diferenças acerca dos princípios da prevenção e o da precaução: o primeiro baseia-se em impactos ambientais já conhecidos, isto é, se dá pelo perigo concreto do dano, ou seja, o poluidor tem conhecimento antecipado de que sua atividade é perigosa e da possibilidade de previamente evitar a produção de efeitos gravosos ao meio ambiente. Já o segundo apresenta o perigo em abstrato, por se aplicar em situações de incertez a de danos ambientais, sejam eles concretos ou abstratos. Os princípios da prevenção e da precaução são de fundamental importância para o instrumento da compensação ambiental, em virtude de que a prevenção tanto de riscos ambientais abstratos e concretos é a melhor forma de resguardar um meio ambiente sadio, desenvolver uma economia equilibrada e ter uma base compensatória de forma justa e coerente com a escassez bens naturais.

3.2 Princípios do Poluidor Pagador e Usuário-Pagador

Reforçando o Princípio do Poluidor Pagador, para resguardar a reparação do dano pelo poluidor, a Lei 6.938/81

Lei da Política Nacional do Meio Ambiente em seu Art. 14, §

ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade demonstrando que o risco da atividade poluidora deverá ser arcado integralmente pelo seu causador, sem ocorrer nenhuma excludente na sua condenação. O Princípio do Poluidor Pagado

o impositivo e

o seletivo.127 No primeiro, o Estado deve cobrar do poluidor, tributos em função de sua 126

DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 166.

127

OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Direito tributário e Meio Ambiente: Proporcionalidade, Tipicidade Aberta, Afetação da Receita . 2.ed. Rio de Janeiro:Renovar,1999, p. 42.

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atividade poluidora, fazendo assim que o poluidor arque diretamente com os custos da atividade poluidora, como por exemplo, os serviços públicos gerais e específicos para a fiscalização, recuperação, preservação dos bens ambientais. Já no segundo, o Estado atua indiretamente, ou seja, através da tributação utiliza -se da gradatividade dos tributos, para incentivar os processos produtivos e de consumo ecologicamente corretos, e desestimular as atividades iminentemente poluidoras, isto é, aquelas com tecnologias defasadas e altamente poluidoras. Já para Celso Antônio Pacheco Fiorillo 128, o Princípio do Poluidor Pagador identifica-

, assim impondo ao poluidor o dever de pagar todas as despesas de prevenção dos danos ao meio ambiente, ocasionados por sua atividade empresarial. Já , chamando-se assim para o poluidor a sua

A diferença entre o princípio do poluidor pagador e o princípio do usuário pagador, o primeiro relacionado às questões de proteção da qualidade do bem ambiental, através da internalização das externalidades no preço do produto. Já o segundo configura-se com a implementação de medidas com intuito de proteger a quantidade dos bens ambientais, cujo fim é fazer surgir consciência pelo seu uso racional, possibilitando a justa e solidária socialização do seu uso.

4.0

O instituto da Compensação Ambiental

Uníssono é o entendimento de que o meio ambiente é um bem de natureza difusa, e portanto todos os seus componentes, aí incluído seus recursos naturais, são pertencente à coletividade, cabendo à esta juntamente com o poder público o dever de defesa e preservação, conforme bem assevera o art. 225 da Constituição Federal de 1988. Reafirmando premissa corroborada anteriormente, enfatiza-se que a adequada conservação ambiental é imprescindível para manutenção da sadia qualidade de vida na Terra e que, por tal razão, o meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado é considerado como um direito fundamental da pessoa humana. Não obstante nos dias de hoje ainda presencia inúmeros acontecimentos desastrosos de descaso e desrespeito ao meio ambiente, há de se reconhecer que o Estado e a sociedade, tanto 128

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 5.ed.São Paulo: Saraiva, 2004, p. 28.

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em nível local quanto mundial, têm empenhado esforços para propor e implementar mecanismos eficazes de tutela e proteção deste tão precioso bem. Esta função de responsabilidade do Estado é caracterizada no princípio da Obrigatoriedade de intervenção Estatal, que se equipara ao princípio da Natureza Pública da Proteção Ambiental. Ambos tratam do dever irrenunciável do poder público de agir ativamente na defesa das questões ambientais. Acerca de tais princípios, Thomé leciona que:

Um dos sujeitos ativos responsáveis pela defesa do meio ambiente está definido, de forma inquestionável, pela Carta Magna: o Estado. [...] Atuação obrigatória do Estado decorre da natureza indisponível do meio ambiente, cuja proteção é reconhecida hoje como indispensável à dignidade e à vida de toda pessoa núcleo essencial dos direitos fundamentais. 129

Ainda sobre da obrigação estatal de zelar pela proteção e uso adequado dos bens ambientais, a Declaração do Rio130 (um dos principais instrumentos ambientais orientadores originados da ECO-92) proclama, em seu princípio décimo primeiro, que os Estados devem adotar legislações eficazes na área ambiental. No mesmo contexto, o documento pontua outro aspecto relevante relacionado à atuação do Estado na defesa do meio ambiente: seu princípio décimo sexto dispõe que em face da obrigatoriedade do poluidor arcar com o custo decorrente da poluição, as autoridades nacionais devem procurar estimular a promoção da internalização dos custos ambientais e uso de instrumentos econômicos, sempre levando em conta o devido interesse público. Neste diapasão, hodiernamente um dos mais importantes meios adotados pelo Estado em contraponto ao uso indiscriminado do bem ambiental é o instituto da compensação a ambiental. No entendimento do renomado jurista Carlos Ayres Britto131, do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, a compensação ambiental representa um instrumento econômico de compensação de impactos ambientais, onde o empreendedor responsável por determinadas atividades utilizadoras de bens ambientais deverá compartilhar com o poder público e com a sociedade os custos devidos à utilização dos recursos naturais, destinando recursos financeiros compensação

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THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental. 4ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2014. p. 75. CNUMAD. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Declaração do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Estudos Avançados, 1992. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v6n15/v6n15a13.pdf . Acesso em 22 de junho se 2015. p. 156 e 157. 131 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3378-DF. Voto do Ministro Carlos Ayres Britto. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=534983 . Acesso em 23 de junho de 2015. p. 248. 130

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Quanto á origem histórica do instituto da Compensação Ambiental no Brasil, Faria 132 leciona que este está associado, sobretudo, aos grandes projetos do setor elétrico nacional, especialmente àqueles localizados na região amazônica. Nesse panorama, resultante de um intenso processo dialógico entre técnicos daquele setor e estudiosos da comunidade científica, surgiu à compensação ambiental, destinada à criação de áreas protegidas voltadas à conservação da biodiversidade dos locais afetados pelo respectivo empreendimento. No arcabouço legal vigente no país, tal instituto está previsto na Lei 9.985/2000 que institui o sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza

SNUC, onde o caput do

art. 36 traz a seguinte redação: Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.

Antes de vigorar a aludida Lei, já se tinha no ordenamento jurídico pátrio menção à compensação ambiental, que pioneiramente foi abordada pela Resolução CONAMA n.º 10/87 (revogada pela Resolução CONAMA nº 02/96), numa preocupação em compensar os impactos ambientas de obras de grande porte, conforme consta em seu artigo 1º:

Art. 1º - Para fazer face à reparação dos danos ambientais causados pela destruição de florestas e outros ecossistemas, o licenciamento de obras de grande porte, assim considerado pelos órgãos licenciador com fundamento no RIMA terá sempre como um dos seus pré-requisitos, a implantação de uma estação Ecológica pela entidade ou empresa responsável pelo empreendimento, preferencialmente junto à área.

Nota-se no dispositivo supramencionado que a compensação ambiental possuía um caráter muito mais restrito do que o entendimento atual. Na revogada norma, o mecanismo compensador referia-se apenas à reparação de danos já efetivados, bem como mencionava exclusivamente obras de grande porte, desprezando o fato de que atividades de pequeno e médio porte, a depender do caso, também estão sujeitas a impactar negativamente o meio ambiente. Hoje, coerentemente, para estipulação da compensação é levado em consideração o critério de significativo impacto ambiental do empreendimento, conforme prevê o art. 36 da

Lei

9.985/2000. Outro ponto limitador nas resoluções anuladas, foi a questão da preocupação exclusiva com o impacto no meio biótico. Nesse sentido, ressalta-se em crítica bem asseverada por 132

FARIA, Ivan Dutra, Compensação ambiental: os fundamentos e as normas; a gestão de conflitos. Brasília: Consultoria Legislativa do Senado Federal Coordenação de Estudos, 2008. p.8.

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Mota133, que na Resolução CONAMA nº 02/96 a compensação e empreendimentos destruidores de florestas e outros ecossistemas e não ao ambiente como um

Diferentemente do que dispõe atualmente Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza-SNUC, as primeiras resoluções CONAMA que previram a Compensação Ambiental se limitavam a priorizar um tipo de unidade de conservação Ecológica

a Estação

à ser a principal destinatária da medida de compensação. Hoje já sanada esta

limitação, vê-se que o texto do diploma legal nº 9.985/2000 prepondera as unidades do grupo de proteção integral, entretanto dá prerrogativa para destinação da compensação em diversos tipos de unidade de conservação, não restringindo a uma única categoria, e prevendo até a possibilidade de criação de nova unidade a ser beneficiada. Desta feita, foi editado o Decreto nº 4.340 de 22 de agosto de 2002, que regulamenta o art. 36 da lei do SNUC, estabelecendo para as unidades de conservação a seguinte ordem de prioridade para aplicação os recursos oriundos da compensação: I) regularização fundiária; II) elaboração, revisão ou implantação de plano de manejo; III) aquisição de bens e serviços necessários à implantação gestão, monitoramento e proteção da unidade, compreendendo sua área de amortecimento; IV) desenvolvimento de estudos necessários à criação de nova unidade de conservação; V) desenvolvimento de pesquisas necessárias para o manejo da unidade de conservação e área de amortecimento.

4.1 Natureza jurídica da compensação ambiental.

Debate acirrado tem permeado o universo do Direito sobre a verdadeira natureza jurídica da Compensação Ambiental. Achkar134 atribui esta polêmica à complexidade da matéria, em razão de a compensação ambiental apresentar uma série de questões que desafiam a ciência jurídica em interface com outros ramos do conhecimento. O mesmo autor salienta o ineditismo brasileiro na previsão legal da matéria, já que em nenhum outro país do mundo há exigência de compensação pela implantação de empreendimento potencialmente poluidor ou causador de impacto no meio ambiente conforme previsto em nosso ordenamento. A controvérsia quanto ao entendimento da natureza jurídica e finalidade da Compensação Ambiental suscitou o pedido de Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADI

133

MOTA, Maurício. Função social da propriedade: a compensação ambiental decorrente do princípio do usuário pagador na nova interpretação do Supremo Tribunal Federal. In: MOTA, Maurício (Org.). Função Social do Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.. p.10. 134 ACHKAR, Azor El. A Compensação ambiental da Lei nº 9.985/00: Fundamentos e Natureza Jurídica.

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3378-DF

impetrada pela Confederação Nacional da Indústria no ano de 2008. Na ação, a

impetrante alegou que a Compensação ambiental prevista na Lei 9.985/2000 feria os princípios da legalidade, independência dos poderes, razoabilidade e proporcionalidade. A autora da ação se pautou em considerar a compensação ambiental como instituto de cunho indenizatório em face da existência de efetivo dano ao ambiente. Sob esse argumento, pleiteava a inconstitucionalidad indenização prévia sem mensuração e comprovação da ocorrência de dano, o que tende a ensejar

de 0,5% estipulado no §1º, art. 36 do texto original da Lei questionada, afirmando ser este desproporcional, pois entendia que a estipulação de percentuais mínimos deveriam ser estabelecidos em relação apenas aos impactos negativos e não mitigáveis. Em seu voto vista, o Ministro Marco Aurélio Mello135 optou por julgar procedente o pleito da autora. Entendendo a compensação ambiental com um caráter indenizatório, o ministro afirmou ser inconstitucional a fixação de percentual mínimo vinculado à emissão do licenciamento na fase de implantação da atividade sem ter sido comprovado o efetivo dano. Partindo de uma visão limitada do princípio do poluidor-pagador, o Ministro sustenta falta de razoabilidade no pagamento da compensação ambiental, entendendo ser um contrassenso exigir obrigação de reparar sem ter sido constatada efetiva degradação ambiental. Em posição distinta à anterior, o Ministro Carlos Ayres Britto 136, relator da ação, se manifesta pela constitucionalidade da exigência da compensação ambiental, compreendendo-a como corolário do princípio usuário-pagador, manifestando-se conforme o seguinte:[...] entendo que o art. 36 da Lei nº 9,985/00 densifica o princípio do usuário-pagador, este a significar um mecanismo de assunção da responsabilidade social (partilhada, insista-se) pelos custos ambientais derivados da atividade econômica.

Assim, o Excelentíssimo consolida sua posição favorável à legalidade da compensação ambiental, rechaçando a ideia de que ela possuiria cunho sancionatório ou indenizatório. Nesse pressuposto, não importa verificação se houve efetivo dano ao meio ambiente ou ilicitude por parte do empreendedor já que a compensação ambiental não seria uma forma de reparação nem de indenização, mas sim restaria coadunada com a responsabilidade socioambiental do

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3378-DF. Voto vista do Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello. Disponível em:http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=534983 . Acesso em 23 de junho de 2015. p. 259. 136 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. op. cit. Voto do Ministro Carlos Ayres Britto. p. 251.

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empreendedor como maneira de compensar e compartilhar com a coletividade dos custos e medidas preventivas. Ao final, a decisão do Supremo Tribunal Federal julgou parcialmente procedente o pedido da impetrante, decidindo ser inconstitucional apenas parte do parágrafo §1º do art. 36, mais precisamente o trecho que estabelecia o mínimo de meio por cento em relação aos custos totais da obra a ser pago a título de compensação. Daí, com a supressão do referido fragmento, determinaram ficar a critério do órgão licenciador estabelecer o valor de compensação a ser desembolsado, em conformidade com o grau de impacto do empreendimento, com base na análise do EIA/RIMA. De resto, o Pretório Excelso entendeu a compensação ambiental como medida plenamente legal, salutar e adequada à proteção do meio ambiente prevista no texto constitucional brasileiro.

4.2 A compensação ambiental e sua correlação com o princípio do usuário pagador

É cada vez mais nítido que o instituto da compensação ambiental está intrinsecamente correlacionado ao princípio do usuário pagador, que por sua vez consiste no pagamento por parte dos usuários de recursos ambientais devido a sua utilização. Está correlação está ratificada nos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente, Lei 6.938/1981, onde inciso VII do art. 4° prevê imposição de contribuição ao usuário pelo uso dos recursos ambientais com fins econômicos. Conforme Braga137, no princípio do usuário-pagador o uso e aproveitamento dos recursos naturais devem estar sujeitos à aplicação de instrumentos econômicos destinados em benefício da coletividade. Já que o bem ambiental é pertencente à coletividade, nada mais justo de que a mesma se beneficie com medidas compensatórias decorrentes do uso de recursos naturais. Na visão de Herman Benjamin138, o princípio do usuário pagador consiste na ideia de que aquele que se utiliza do bem ambiental deve pagar pelo uso deste bem, que é coletivo, de maneira a evitar a situação que o estudioso denomina de subsídio. Assim sendo, esclarece o autor, se o recurso pertence a todos e uns poucos o estão utilizando sem qualquer compensação pelo seu esgotamento ou uso, então a conta estaria sendo coberta pela sociedade. Para Benjamim isto seria grave, pois a mesma coletividade que não estria sendo compensada pelo uso do bem, está suportando o ônus com o custeio de medidas destinadas a protegê-lo.

137

BRAGA, Edson Tavares. Poluidor-pagador, uma necessidade ambiental. Teresina: Revista Jus Navigandi, 2002. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/2494/poluidor-pagador-uma-necessidade-ambiental . Acesso em 22 de junho de 2015. p. 1. 138 BENJAMIN, Antonio Herman V. e. Responsabilidade civil por dano ambiental. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 3, 1998, p. 19.

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Defendendo a ideia de que o princípio do usuário-pagador consiste na incidência de um custo (instrumento econômico) sobre o usuário dos recursos naturais devido à utilização destes bens, Maurício Mota139 justifica que já que tais bens são pertencentes à coletividade, o uso destes deve garantir uma compensa financeira àquela, como um instituto concretizador da função social da propriedade. O autor prossegue, ratificando a correlação do princípio usuário-pagador com a compensação ambiental com a premissa de que:

Quando alguém usa um bem que não lhe pertence e os bens ambientais, por pertencerem a todos, não pertencem a ninguém com exclusividade deve dar uma retribuição aos titulares deste bem ou, no caso de bens difusos, aos seus gestores. 140

É mister destacar que a compensação ambiental em correlação com o princípio do usuário pagador, de forma alguma pode ser entendida com chancela autorizativa para a utilização indiscriminada de recursos ambientais mediante paga. Tampouco deve ser vista como caráter reparativo e muito menos sancionatório já que não importa a existência de dano causado ao meio ambiente, pois o desembolso do empreendedor se dá devido a compensar a sociedade pela utilização do bem ambiental coletivo, que é fonte esgotável. Ainda sobre o não cabimento do caráter sancionatório, conforme bem esclarece Machado141, anuiinexistindo qualquer ilicitude seja, não importa comprovar que o usuário esteja cometendo infrações ou desrespeitando normas para instituir a obrigatoriedade do pagamento pelo uso. Nessa mesma conjuntura, estende-se que o preceito acima elencado também deve valer para o instituto da compensação ambiental, bastando que o órgão responsável ateste que o empreendimento é passível de significativo impacto, embasado na análise do EIA/RIMA, sem necessidade de comprovação de dano efetivo ou ilicitude, apenas respaldado no caráter compensatório à coletividade pela utilização do bem ambiental.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme visto, dada a relevância da questão ambiental no contexto da sociedade contemporânea, é tese irrefutável que o meio ambiente seja considerado um direito fundamental,

139

MOTA, Maurício. op.cit. p. 12. MOTA, Maurício. op.cit. p. 49. 141 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental Brasileiro. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p.54. 140

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por razão de ser indissociável e imprescindível à manutenção da vida humana (e dos demais seres vivos) na Terra. Acerca da temática ambiental, a Constituição Federal brasileira conferiu tratamento especial, sobretudo em seu art. 225, em que consagra que todos tem direito a um meio ambiente equilibrado, sendo isto essencial à sadia qualidade de vida, num contexto de desenvolvimento sustentável. Desde então, o Estado e a coletividade tem reconhecido uma série de princípios jurídicos da área ambiental como poderosos norteadores para implementação de políticas públicas e mecanismos legais voltados à proteção do meio ambiente. Nesse sentido, além do desenvolvimento sustentável, podemos citar os princípios da prevenção, precaução, poluidorpagador, usuário-pagador, etc. Este último tem relação direta com o instituto da compensação ambiental (prevista na Lei 9.985/2000) que desponta como poderoso mecanismo de proteção do meio ambiente, haja vista que decorre de uma maneira de exigir do empreendedor de atividade de significativo impacto ambiental uma maneira de compensar a coletividade, por meio de fomento financeiro à unidade de conservação, pelo uso dos recursos naturais que pertencem a coletividade.

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