O problema do corporativismo no debate europeu e nos ‘Cadernos’

May 24, 2017 | Autor: Alessio Gagliardi | Categoria: Fascism, Gramsci, Antonio Gramsci, Italian Political Thought, Corporatism, Fascismo
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visto na ótica da tradigào liberai, mas também pensando no inventor de tal expressào, isto è, Lassalle, segundo Granisci "um estatista dogmàtico e nào diatètico". Mas, aos olhos de Granisci, è està a ùnica concepcào do Estado capaz de;superar "as fases extremas 'corporativo-econòmicas'":

O PROBLEMA DO CORPORATIVISMO NO DEBATE EUROPEU E NOS CADERNOS

Na doutrina do Estado —> sociedade regulada, de urna fase em que Estado sera igual a Governo, e Estado se identificarà com sociedade civil, dever-se-à passar a urna fase de Estado guarda-noturno, isto è, de urna organitacào coercitiva que protegerà o desenvolvimento dos elementos de sociedade regulada em continuo incremento e que, pertanto, redu-

Alessio Gagliardi

zirà gradualmente sùas intervengòes autoritàrias e coativas. E isso nào pode fazer pensar num novo "liberalismo", embora esteja por se dar o inìcio de urna era de liberdade orgànica.53

Para Granisci, està bem presente a dimensào "utópica" que caracteriza està perspectiva polìtica, como eie mesmo faz questào de salientar. a superacào do momento coercitivo requer a concretizagào de urna condtgào que todos os cientistas politicos sempre assumiram como hipótese do seu raciocìnio, sem a qual nào se poderia conceber a teoria do "Estado sem Estado". A superacào da coergào e o advento da autodisciplina necessitarti de urna maior igualda.de economica. So deste modo è possivel dar conteùdo também a igualdade polìtica, de.outro modo destinada a permanecer um vazio princìpio formai. Deste modo, a "sociedade regulada" de Granisci e a. extingào do Estado so poderào efetivar-se no momento em que a "igualdade polìtica" for acompanhada da "igualdade econòmica".54

53 Q 6, § 88 (CC, v. 3, p. 245). 54 Ib., § 12 (CC, v. 3, p. 223-4).

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Granisci no seu tempo

A

reflexào sobre o corporativismo fascista que Granisci, desenvolve nos Cadernos nào se limita - diferentemente de muitas contribuicòes produzidas primeiro pela cultura antifascista e depois pela historiografia - a denunciar o fracasso deste- experimento institucional. O hiato entre a teoria e a propaganda, por um lado, e as realizàcòes concretas, por outro, è certamente indiscutìvel: basta pensar na distància entre o projeto ambicioso de criar um novo sistema de representagào baseado nas categorias produtivas e o akance concreto do aparelho legislativo e institucional realizado com a criagào do Conselho Nacional das Corporagòes (1930) e das vinte e duas corporagòes (1934). No entanto, aquele hiato è considerado por Granisci nào como o resultado de um fracasso, mas como um aspecto consti tu tivo da realidade concreta do corporativismo fascista, a ser relacionado, antes de mais nada, a pluralidade de interesses sociais a que d regime se refere. O elemento que sobretudo caracteriza a reflexào de Granisci, sempre orientada segundo interesses de tipo comparativo, è a dimensào internacional. De fato, o corporativismo, ou melhor, as tendèncias corporativas sào analisadas na sua extensào europeia. Nào so porque as teorias corporativas obtèm urna ressonància significativa em ampia parte da Europa 1 , mas também, e principalmente, porque o experimento conduzido pelo fascismo se coloca no contexto de um processo mais geral de transforrna1

G. Santomassimo. La-terza via fascista. Il mito del corporativismo. Roma: Carocci, 2006, p. 181-212.

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gào das modalidades institucionais de relagào e contratagào entre governo e orgam'zagòes de representagào dos interesses socioeconòmicos. De fato, as tendéncias corporativas do periodo entre as duas guerras mundiais, e sobretudo dos anos trinta, configuram-se como processos infierì de ajustamento e progressivo "deslizamento" dos modelos institucionais parlamentares para novos modelos de mediagào e representagào, independentemente da maior ou menor aderéncia aos modelos abstratos.propostos pela ideologia e pela propaganda. Por estas razòes, a anàlise de Granisci, mesmo fragmentària, parece colocar-se a frente daquelas produzidas pelos seus contemporàneos.2 Nào surpreende, entào, que eia, se adequadamente comparada com o concreto desenvolvimento histórico do corporativismo, possa oferecer sugestòes de reflexào de grande utilidade para uni equilibrado juizo historiogràfico sobre tais vicissitudes.

A "policia econòmica" O principio na base do corporativismo fascista è a eliminagào do conflito entre as clas'ses e a instauragào de um regime de colaboragào e harmonia social. O organicismo corporativo realiza-se em primeiro lugar como supressào das liberdades sindicais e transformagào das associagòes privadas de representagào dos interesses em organizagòes de estatuto pùblico. Granisci destaca que a orientagào corporativa nào nasce como solugào para as exigèncias de racionalizagào da indùstria nem como "nova polìtica econòmica": em vez disso, origina-se "das exigèncias de urna pollcia econòmica, exigéncias agravadas pela crise de 1929 e que ainda estào em curso".3 O tèrmo "policia" è entendìdo por Gramsci em sentido ampio. Em outros lugares dos Cadernos, esclarece que "policia" nào se refere so ao "servigo estatai destinado a repressào da criminalidade", mas também ao 2

E De Felice. "Rivoluzione passiva, fascismo, americanismo in Gramsci". In: E Ferri (Org.). Politica e storia in Gramsci. Roma: Riuniti-Istituto Gramsci, 1977, v. 1, p. 201-2; G. Vacca "Premessa". In: E Togliatti. Sul fascismo. Org. Giuseppe Vacca. Roma-Bari: Laterza, 2004, p. VI.

3 ' Q 22, § 6 (CC, v. 4, p. 257).

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"conjunto das forgas organizadas pelo Estado e pelos particulares para defender o dominio polìtico e econòmico das classes dirigentes".4 Por consequència, "inteiros partidos 'polìticos' e outras organizagòes econòmicas où de outro gènero devem ser considerados organismos de policia politica, de caràter investigativo e preventivo"!5 Trata-se, pois, de urna acepgào clàssica do termo, e è a que se encontra na Filosofìa do diretto de Hegel, com toda a probabilidade a fonte de Granisci.6 È urna acepgào que capta pienamente a complexidade do ordenamento sindicai fascista. De fato, com a lei de, 3 de abril de 1926, è abolido o direito de greve e eliminada qualquer possibilidade de agào para o sindicalismo livre antifascista, mas ao mesmo tempo è sancionado o papel pùblico das organizagòes sindicais legalmente reconhecidas, ora inseridas na estrutura administrativa do Estado. Este è o primeiro pilar da estrutura corporativa. Jà em 1920, com indiscutìvel capacidade de previsào, interrogandose sobre a fase "atual" da luta de classes na Italia, Gramsci havia prefigurado como fesultado possivel, em alternativa a conquista do poder por parte do proletariado revolucionàrio, urna "tremenda reagào por parte da classe proprietària e da casta governamental". Dai se seguirla a tentativa de "incorporar os organismos de resisténcia econòmica (os siridicatos e as cooperativas) nas engrenagens do Estado burgués".7 A "catàstrofe" que se delineava como alternativa ao triunfo da revolugào assumia as formas próprias da sociedade de massas. Reconhecia-se ao "Estado burgués" a capacidade de integrar, de "incorporar" sujeitos a eie externos, quando nào antagònicos. È possivel entrever, nas filigranas dessa distante anàlise gramsciana, os conteùdos do debate conduzido pelos mais sagazes intelectuais do nacionalismo e do sindicalismo revolucionàrio. Alfredo Rocco, jà no perìodo imediatamente anterior a Grande Guerra, pusera com lucidez a questào da necessidade de urna reformulagào da relagào entre Estado e sindicatos adequada ao novo papel assumido pelas organizagòes priva'4 5 6 7

Q 13, § 27 (CC, v. 3, p. 78). Ib. Cf. A. Burgio. Gramsci storico. Una lettura dei "Quaderni del carcere". Roma-Bari: Laterza, 2002, p. 149-50. A. Gramsci. "La-fase attuale della lotta". In: Id. Sul fascismo. Org. E. Santarelli. Roma: Riuniti, 1974, p. 78.

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das de representagào social; urna reformulagàq baseada na recusa absoluta da conflituosidade social e da liberdade sindicai, e, ao mesmo tempo, no reconhecimento da ineliminabilidade do movimento sindicai, "fenòmeno grandioso da vida moderna", a ser subordinado ao Estado. 8 Indicagòes anàlogas encontram-se naqueles anos nos escritos, entre outros, de Sergio Panunzio e de Angelo Oliviero Olivetti. Està è a perspectiva que em .1920 parece a Gramsci delinear-se como alternativa catastròfica a afirmagào do movimento operano: nao um cancelamento da complexa maina organizativa nem um retorno puro e simples ao passado, a estranheza recìproca de Estado e organizacòes sociais, mas, precisamente, a combinagào de repressào e "incorporagào". Precisamente a incorporagào realizada com a lei sindicai de 1926 faz com que os sindicatos fascistas possam se tornar urna parte constitutiva do complexo sistema institucional do "Estado Movo".9 O ordenamento sindicai fascista esvazia a capacidade de representagào dos sindicatos, mas ao mesmo tempo os legitima institucionalmente.

Corporativismo e americanismo Naturalmente, o corporativismo nao è so "polìcia econòmica", se bem que - escreve Gramsci no verào de 1934 - "o elemento negativo da 'polìcia econòmica' [tenha predominado] até agora'sobre o elemento positivo da exigéncia de urna nova polìtica econòmica que renove, modernizando-a, a estrutura económico-social da nagào, mesmo nos quadros do velho industrialismo".10 Pertanto, o corporativismo também è - ou poderia ser - "polìtica econòmica". Como tal, è concebido em fungào (ou como sucedà8

A Rocco "Crisi dello stato e sindacati". In: Id. Scritti e discorsi politici. V II: La lotta contro la reazione antinazionale (1919-1924). Milào: Giuffrè; 1938, p. 640-1. 9 Sobre o conceito de "Estado Nove", cf. E. Gentile. Il mito dello Stato nuovo. Dal radicalismo nazionale al fascismo. Roma-Bari: Laterza, 2002. • . 10 Q 22, § 6 (CC, v. 4, p. 258). Sobre as questóes de datacao, nesta e em outras notas, cf G Franciom ^officina gramsciana. Ipotesi sulla struttura dei "Quaderni del carcere". Nàpoles: Bibliopoli, 1984, e Id. "Proposte per una nuova edizione dei Quaderni del carcere". IG Informazioni, 2, 1992, p. 85-186.

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nep) da adaptagào a Italia do modelo americano e da "economia programàtica". De fato, pode constituir a "forma jurìdica" para urna "transformagào tècnico-econòmica" em ampia escala e, como consequència, liga-se a possibilidade de introduzir na Italia as inovagòes do taylorismo e do fordismo e, mais em geral, aquele conjunto de fenòmenos de modernizagào econòmica e social incluìdos na categoria de "americanismo". Desde 1930, Gramsci destacà estes nexos potenciais, embora exclua de fato a possibilidade de urna sua tradugào pràtica. So. a partir de 1932, quando jà està evidente a extensào e a profundidade da crise econòmica, comega (como o atestam inùmeras variantes entre textos de primeira e segunda redagào), ainda que de forma dubitativa, a entrever no corporativismo urna concreta condigào para a adaptagào a Italia do modelo americano de sociedade industriai.11 O americanismo è um dos temas mais relevantes da anàlise dos Cadernos, e um dos mais investigados. O modelo americano è interpretado por Gramsci como contratendéncia em relagào a teoria marxiana da queda tendencial da taxa de lucros; indica, como consequència, a possibilidade de urna solugào capitalista para a crise. Mas o que aqui deve ser sobretudo assinalado è que, para Gramsci, o americanismo configura-se nao so como racionalizagào tècnica do processo de trabalho, mas também como projeto de organizagào social ("o americanismo e o fordismo resultam da necessidade imanente de chegar a organizagào de urna economia programàtica"12); um projeto baseado, por um lado, na extensào a toda a sociedade do modelo da fàbrica, e, por outro, ria ativagào de mecanismos de integragào e ampliagào das 'bases sociais do capitalismo (produgào e consumos de massa, altos salàrios). No curso, dos anos vinte, foram os próprios engenheiros tayloristas que deram corpo a ideia de que o sdentific management podia representar urna solugào para os problemas de todo o sistema econòmico. A utopia tecnocràtica propagandeada em particular pela Taylor Society reduzia os problemas da sociedade industriai a problemas de gestào e propunha, 11 A evolucào da reflexào gramsciana sobre o tema e as variacòes entre textos A e textos C sao analisadas por L. Mangoni em "II problema del fascismo nei Quaderni del carcere". In: Ferri (Org.). Politica e storia in Gramsci, cit., v. 1, p. 393-6 e 428-33. 12 Q 22, § 1 (CC, v. 4, p. 241).

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pois, mtroduzir urn sistema de planificagào que coordenasse as iniciativas individuais.13 A transformagào progressiva do taylorismo em teoria geral da plamficagào social, mesmo no quadro de urna economia capitalista, encontrava correspondència no debate alemào mais difuso sobre o "capitalismo organizado", que partia principalmente das ideias de Rathenau.14 Nào faltaram importantes reconhecimentos oficiais às tebrias tayloristas: na Conferéncia Econòmica Mundial de Genebra, em 1927, foram unanimemente acentuadas "as vantagens da racionalizacào e da gestào baseada em principios cientificos" e "a exigéncia de esforcos maiores, mais decididos e mais bem coordenados neste campo".15 Com a crise que tem inicio em 1929, abre-se urna nova fase, assinalada pelo problema urgente do desemprego de massa, por um acentuado nacionalismo econòmico e por polìticas econòmicas mais ativas por parte dos Estados nacionais. O americanismo que Granisci analisa detidamente atravessa - nos anos em que sào redigidas as notas dos Cadernos - urna fase de aparente dissolucào. O encontro de Amsterdà sobre World Economie Planning, em agosto de 1931, que ve reunidos tayloristas americanos, socialistas e sindicalistas europeus e funcionàrios do Gosplan soviètico, representa a ultima expressào daquele circuito tecnocràtico internacional tào ativo nos anos anteriores16; e com um substancial insucesso se concluem as tentativas de traduzir os resultados do encontro em polìticas nacionais coerentes por parte da Organizacào Internacional do Traballio.17 13 Cf. A. Salsano. Ingegneri e politici. Dalla razionalizzazione alla "rivoluzione manageriale". Tunm Emaudi, 1987, p. 3-24; È. Fano. "Ingegneri e profeti: l'antifascismo dei grandi economisti critici: E. Lederer, J.M. Keynes, M. Kalecki, W Beveridge". In: E De Felice (Org ). Antifascismi e Resistenze. Roma: Carceri: 1997, p. 43-80; C.S. Mayer. "Le ideologie della direzione industriale successive alla Depressione". In: Id. Alla ricerca della stabilità. Bolonha' II Mulino, 2003, p. 75-102. 14 Cf. W Rathenau. L'economia nuova. Turim: Einaudi, 1976. Gramsci denunciou o caràter mistincador das propostas racionalizadoras de Rathenau nas pàginas de L'Ordine Nuovo: A. Gramsci. "Rathenau e Loucher". L'Ordine Nuovo, lójun. 1921 (SF, 196-8). 15 "League of Nations. Report and Proceedings of thè World Economie Conference, held at Geneva 4-23 May 1927". Genebra: League of Nations, 1927, v. 1, p. 48. 16 M Telò. "Il nuovo capitalismo tra le due guerre: taylorismo e fordismo". In: W Tega (Org ) Gramsci e l'Occidente. Trasformazioni detta società e riforma della politica. Bolonha: Cappelli, 1990, p. 133-4. 17 F De Felice. Sapere e potere. L'Organizzazione internazionale del lavoro tra le due gueire, 191939. Milào: Franco Angeli, 1988, p. 228-41.

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Os novos problemas sociais e, em sentido oposto, o espago reconquistado pelos governos nacionais produzem profundas mudangas na relacào entre a acào pùblica, as organizacòes de interesses e os, mecanismos de mercado. Verifica-se, em resumo, a progressiva substituigào do "ponto de vista dos engenheiros", ligado a expansào da decada pós-bélica, por um "ponto de vista polìtico", mais adequado para administrar urna fase de grave-crise. 18 Emerge com clareza a profunda diferenga entre os critérios. de diregào de um sistema econòmico e os critérios corretos de diregào empresarial. Definitivamente, e por paradoxo, chegar-se-ia a indicar como via de saìda da crise precisamente o desperdìcio (a provocagào keynesiana de "cavar buracos e deppis tapà-los"), cuja eliminagào os tayloristas haviam indicado como solugào para os problemas das sociedades industriais. Gramsci apreende as mudangas nas polìticas praticadas pelos governos nacionais (tal como atestam as frequentes.referéncias a "economia programàtica" e a "economia mèdia"), assira, como a evolugào das teorias sociais e econòmicas. Nào se ve, co.ntudo, urna descontinuidade epocal, descontinuidade que continua a identificar na Primeira Guerra Mundial e na Revolugào de Outubro. Sua anàlise aponta o desenvolvimento do americanismo como a tendència de fundo, aquela que condiciona (em termos de imitagào, adaptagào ou reagào) as diferentes solugòes polìticas e institucionais.19 Todas as modulagòes nacionais na resposta a grande crise - a pluralidade das diversas experiéncias e a contraposigào entre Estados liberal-democratas, fascistas e socialistas - sào reordenadas por Gramsci, em primeiro lugar, no contexto do fenòmeno unìvoco do americanismo como tendència decisiva do capitalismo internacional, e, em segundo lugar, no contexto da economia programàtica e das novas formas de intervengào pùblica como orientagào polìtico-econòmica substancialmente homogénea (pela menos em escala europeia).20 Portante, è inevitavelmente no quadro desta sobreposigào de ternas que se situa a reflexào gramsciana sobre o corporativismo como "polìtica 18 Cf. Salsano. Ingegneri e politici, cit. • ' 19 Q 22, § 15 (CC, v. 4, p. 279-80). 20 Cf. A. Salsano. "Il corporativismo tecnocratico in una prospettiva internazionale". In: F Sbarberi (Org.). Teoria politica e società industriale. Ripensare Gramsci. Turim: Bollati Boringhieri, 1988, p. 151-65; Telò. "Il nuovo capitalismo", cit., p. 134 e 137-8.

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econòmica". È urna reflexào jà introduzida no Cadérne 3 (que rempnta a 1930), retomada em pontos especìficos dos Cadernos 8 e 10-e desenvolvida a seguir no Cadérne 22 (Americanismo e fordismo}, e na qual, como se disse, o corporativismo està ligado estreitamente ao fordismo e, antes, constitui (sobretudo nas notas escritas a partir de 1933) urna das condigòes da possìvel racionalizagào fordista para um paìs industriai perifèrico: "urna das condigòes, nào a ùnica condigào nem mesmo a mais importante", mas "a mais importante das condigòes imediatas".21 O que caracteriza os Cadernos, com efeito, è a convicgào neles contida de que o capitalismo de qualquer modo ainda seja capaz de desenvolvimento. Como o demonstra a anàlise do" americanismo, Granisci nào adere àquela nova cultura econòmica que se poderia definir "neoestagnacionista", cultura que assinala o clima europeu e tambem permeia em profundidade a òrtodoxia terceiro-internacionalista.22 A crise do capitalismo è considerada certamente "crise orgànica" (e nào "conjuntural"), mas o resultado nào se mostra de modo algum inelutàvel. O americanismo - com o fascismo, urna das duas "revolugòes passivàs" do século XX - representa a possibilidade de urna contratendéncia, de urna retomada do crescimento e do "desenvolvimento das forgas produtivas". O corporativismo constitui, entào, a forma econòmica assumida pela revolugào passiva representada pelo fascismo. Eie (è nisso reside seu garàter de revolugào passiva) seria efetivamente'capaz de realizar urna profonda mudanga da estrutura econòmica, sem alterar as preexistentes hierarquias sociais. Em outras palavras, "teria sido acentuada a socializagào e cooperagào da produgào, sem com isso tocar (ou limitando-se apenas a regular e controlar) a apropriagào individuai e grupal do lucro".23 . Precisamente a este tipo de "economia mèdia" - concetto que Gramsci introduz numa passagem de 1931-1932, em substancial antecipagào a ideia de "economia mista", que tomarà forma com os resgates industriais 21 Q 22, § 6 (CC, v. 4, p. 258). 22 M. Telò. "Note sul futuro dell'Occidente e la teoria delle relazioni internazionali". In: G. Vacca (Org.). Granisci e iì Novecento. Roma: Carocci, 1999, v. 1, p. 54; De Felice. "Rivoluzione passiva", cit., p. 2Q7. 23 Q 10,1, § 9 (CC, v. l,p. 299).

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de 1933 e o nascimento da empresa pùblica - deve-se relacionar o experimento corporativo: [...] a revolugào passiva verificar-se-ia no fato de transformar a estrutura econòmica "reformisticamente" de individualista para economia segundo um plano (economia dirigida), e o advento de urna "economia mèdia" entre a individualista pura e àquela segundo um plano em sentido integrai permitiria a passagem para forrrias. polìticas e culturais mais avangadas sem cataclismqs radicais e dèstrutivos de forma exterminadora. O "corporativismo" poderia ser ou se tornar, desenvolvendo-se, està forma economica mèdia de caràter "passivo".24

O corporativismo e a economia programada, portante, representariam a estratégia de desenvolvimento màis adequada ao "quadro concreto das relagòes sociais italianas", isto è, mais condizente com a industriali^ zagào perifèrica do pais; em outras palavras, seriam "a ùnica solugào para desenvolver as forgas produtivas da indùstria sob a diregào das classes dirigentes tradicionais, em concorrència com as mais avangadas formagòes industriais de paìses que monopolizam as matérias-primas e acumularam gigantescos capitais".25 Ao mesmo tempo, o processo de modernizagào econòmica e estabilizagào social em curso na Italia è apenas a concretizagào naeional de um fenòmeno que àge em escala europeia. De fato, è comuni aos diferentes paìses do continente a tentativa de introduzir aspectos substanciais do americanisL mo e do fordismo, sem minar a estruturai social fundamental do capitalismo (vale dizer, a apropriagào privada dos lucros por parte dos capitalistas) nem a particular "composigào demogràfica" do continente, caracterizada pela presenga de urna massa ingente de poupadores e setores improdutivos.26 Precisamente a crise econòmica, por outra parte, cria algùmas condigòes para a instauragào de urna economia programada eu "economia segundo um plano". No Cadérne 22, numa nota provavelmente de 1934, Granisci observa que "necessidades econòmicas imprescindìveis" levam 24 Q8, §236. 25 Q 10,1, § 9 (CC, v. l,p. 299). 26 Q 22, § 2 (CC, v. 4, p. 242-3).

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Ite?'

o Estado a adquirir a propriedade de urna parte significativa do apare Iho produtivo e creditlcio nacional e a constituir o IRI [Instituto para a Reconstrugào Industriai]. O Estado "è assim investido de urna funcào de primeiro plano no sistema capitalista, como empresa (holding estatai) que concentra a poupanga a ser posta a disposigào da indùstria e da atividade privada, como investidor a mèdio e longo prazo".27-No entanto, nesta altura os programas racionalizadores tornam-se urna exigéncia inadiàvel. Urna vez assumida a fungào de financiador, de banqueiro, o Estado nào pode "se desinteressar" da organizagào da produgào e da troca, porque, "se isso ocorresse, a desconfianga que hoje atinge a indùstria e o comércio privados" o atingiria. O Estado, para nào se ver nas condigòes em que se encontravam os grandes bancos mistos nas fases iniciais da crise, "è assim necessariamente levado a intervir para controlar se os investimentos realizados por seu intermèdio estào sendo bem administrados" e, ao mesmo tempo, a reorganizar o aparelho produtivo para desenvolvé-lo paralelamente ao aumento da populagào e das necessidades coletivas.28 A leitura que Granisci faz das transformagòes em curso nos anos trinta è naturalmente filtrada através das fontes de que pode dispor, que sào as revistas e os volumes mais ou menos oficiais, mas de qualquer modo inseridos no debate corporativo. Trata-se de urna literatur'a abundante e nada uniforme. . ' , As revistas dào eonta, mesmo com inevitàveis-limitagòes e distorgòes, daquilo que ocorre no exterior, seja na teoria econòmica ou filosófico-politica, seja nas. politicas e nas transformagòes institucionais. Além disso, a Escola Superior de Ciencias Corporativas, instituìda em Pisa por iniciativa de Giuseppe Bottai, dedica-se a difusào na Italia de algumas das mais interessantes contribuigóes produzidas sobre o tema da reformul'agào da relagàò entre Estado e economia, através das pàginas da revista Archivio di Studi corporativi e dos volumes de urna colegào especìfica publicada pela Ed. Sansoni.29

Através destas fontes e, portante, nas inflexòes do debate teòrico, è que Gramsci tenta avallar as concretas realizagòes corporativas e relacionàlas às tendéncias gerais mais ativas na Italia e na Europa. Deriva provavelmente daqui a opgào de assumir, como ponto de referéncia crìtico, aqueles autores que mais nitidamente colocam no centro da sua atengào o nexo entre racionalizagào, modernizagào industriai e corporativismo. Ugo Spirito e. o grupo por eie aglutinado em torno da revista Nuovi Studi di Diritto, Economia e Politica representam o principal contraponto crìtico. O juìzo sobre .a crìtica filosófica de Spirito a teoria econòmica dominante e extremamente negativo: è tachada de "abstragào" e "verbalismo".30 Em vez disso, sua teoria presentiva è considerada de modo diferente. O projeto de economia corporativa de Spirito, insistentemente reiterado nos inùmeros escritos publicados entre 1930 e 19-33, caracteriza-se pela convefgéricia de urna teoria dos corpos intermediàrios, explìcitos motivos industriàlistas e planistas e um forte acento autoritàrio. De fato, negando tanto "o Estado nivelador" quanto "o indivìduo anàrquico", o corporativismo pode realizar "urna organizagào unitària" da economia e "tornar possìvel aquela economia programàtica, so com a qual è dado superar o caràter caòtico do liberalismo tradicional".31 Em seguida, ao tema do programa e da planificagào (o corporativismo também è defmido "comunismo hieràrquico"), Spirito associa a referéncia coerente ao imperativo da "industrializagào", contrapostò abertamente aos programas de "ruralizagào".32 Pertanto, o esforco construtivo de Spirito està assinalado em sentido abertamente modernizador e "fordista".33 E neste sentido também se caracte-

27 Ib.,§ 14 (CC, v. 4, p. 277). 28 Ib. 29 Os primeiros dois volumes da colegào, publicados em 1933, sao La crisi del capitalismo, com escritos de Pirou, Sombart, Durbin e Patterson, e L'economia programmatica, com escritos

33

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de Landauer, Hobson, Lorwin, Spiritose Brocard. Em seguida, em 1934, Delio Cantimori traduziria e comentaria Le pian du travaii, de Henri De Man, no Archivio di Studi corporativi. T. Maccabelli. "Gramsci lettore di Ugo Spirito: economia pura e corporativismo nei Quaderni del carcere". Pensiero economico italiano, 2, 1998, p. 79. U. Spirito. "Il corporativismo come liberalismo assoluto e socialismo assoluto". In: Id. Capitalismo e corporativismo. Florenga: Sansoni, p. 42. Id. "Ruralizzazione o industrializzazione?". In: Id. Capitalismo e corporativismo, cit., p. 13756. ' Cf. S. Lanaro. "Appunti sul fascismo 'di sinistra'. La dottrina corporativa di Ugo Spirito". In: A. Aquarone e M. Vernassa (Orgs.). fi regime fascista. Bolonha: II Mulino, 1974, p. 357-87; G. Santomassimo. "Ugo Spirito e il corporativismo". Studi Storici, 1, 1973, p. 61-113. Cf. Id. La terza via/ascista, cit., p. 115-9.

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riza pienamente a mais conhecida das suas propostas, a da "corporagào proprietària", apresentada em 1932 no encomio de Ferrara, no centro de urna acesa e ampia polemica.34 Gramsci ve o corporativismo de Spirito como um "sinal dos tem: pos". Considera suasposigòes - assim como as de Arnaldo Volpicelli, codiretor de Nuovi Studi - "a expressào ainda 'utópica' de condigòes em via de desenvolvimento, as quais reivindicam a 'economia planificada'"35, mas Ihes reconhece terem intrido o alcance das profundas mudangas ehi curso. "Utopia" e."abstragào", por um lado, e capacidade de captar o "sinal dos tempos", por outro: o juìzo è claramente ambivalente. Indicagóes anàlogas sào fornecidas a Gramsci por Nino Massimo Fovel, em cujos escritos - so conhecidos indiretamente - o corporativismo è configurado como urna "economia de produtores", baseada na supressào da renda e na adogào por parte da corporagào 1 de urna evidente fungào racionalizadora.36 Também neste caso, pode-se perceber urna ideia do corporativismo como "premissa para a introdugào na Italia dos mais.avangados sistemas americanos no modo de produzir e trabalhar". De fato, sua concepgào da corporagào - como "bloco industrial-produtivo autònomo" - tem como firn "resolver em sentido moderno e acentuadamente capitalista o problema de um ulterior desenvolvimento do aparelho econòmico italiano, contra 'OS elementos semifeudais e parasitàrios da sociedade que se apropriam de urna parcéla excessivamente vultosa da mais-valia, contra os chamados 'produtores de poupangà'".37 E mais urna vez o que mais interessa a Gramsci nào è destacar a coerència ou a solidez destas teses (consideradas muito poiico consistentes), mas sim discernir nelas um "sinal dos tempos", vè-las como o sintonia de processos reais ou rastrear-lhes a inspiragào proveniente do mundo econòmico: "Seria interessante- pergunta-se Gramsci - saber se Fovel 'tira da pròpria cabega' o que escreve ou se tem 34 U. Spirito. "Individuo e Stato nella concezione corporativa". In: Atti del secondo convegno di studi sindacali e corporativi, Ferrara 5-8 maggio 1932. Roma: Tipografia del Senato, 1932, v. 1, p. 188-9; Gramsci menciona este seminàrio em Q 10~ II, § 14 (CC, v. 1, p. 323). 35 Q8, §216(CC, v. 1, p. 447). 36 N.M. Fovel. ""Struttura teorica del corporativismo come 'economia di produttori'". Nuovi Problemi di Politica Storia ed Economia, abr.-jun. 1932, p. 135-6. 37 Q 22, § 6 (CC, v. 4, p. 256).

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atràs de si (praticamente e nào apenas 'em geral') determinadas forgas econòmicas que o sustentam e o estimulam".38 Nos anos trinta, sugestòes planistas nào permeiam so o debate cultural. A declinagào do corporativismo como programagào também caracteriza a reflexào do expoente fascista que mais do que qualquer outro impulsiona a efetivagào do sistema corporativo, Giuseppe Bottai, e da sua revista, Critica fascista.119 Além disso, o tema da economia de plano consegue ocupar em algumas situagòes crlticas o centro da discussào polìtica e econòmica: em 1933-1934, quando a lei sobre os consórcios obrigatórios, a lei sobre autorizagào de novas plantas industriais e a criagào do IMI [Instituto Mobiliano Italiano] e do IRI sào interpretadas, pelos corporativistas mais.radicais, como passos iniciais para a realizagào de um "plano econòmico"; em seguida, em margo de 1936, quando Mussolini fala do "plano regulador da economia italiana no próxìmo tempo fascista", langando deste modo a "batalha pela autarquia"; por firn, e com maior insisténcia, em CQincidencia coni as exigéncias de centralizagào e planificagào relacionadas com a economia de guerra. . Todavia, em termos concretos, o nexò entre economia programada e corporativismo revela-se bastante fràgil no plano pràtico e minoritàrio no. teòrico. A intervengào pùblica desenvolve-se substancialmente fora das instituigóes corporativas, ao passo que a solugào racionalizadora, abertamente pianista, constitui, no final das contias, urna tendéncia bastante circunscrita dentro do debate cultural. Gramsci està consciente do fato de que as declinagòes fordistas do corporativismo - embora sustentadas por setores intelectuais .rumorosos e nào privados de urna certa originalidade - nào sào de modo algum representativas de todo o debate.40 Pertanto, a ènfase posta no nexo entre corporativismo e ràcionalizagào fordista nào è o fruto das informagòes parciais fornecidas pela imprensa fascista e pelo debate teòrico, mas urna escolha precisa e consciente, interpretada sempre de forma fortemente du38 Ib. 39 S. Cassese. "Um programmatore degli anni Trenta: Giuseppe Bottai". In: Id. La formazione dello Stato amministrativo. Milào: Giuffrè, 1974, p. 65-106. 40 Cf.'T. Rafalski. "Gramsci e il corporativismo". Critica marxista, 3, 1991, p. 94 e 97.

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bitativa, como evolugào possivel mais do que provàvel.41 Contudo, è urna escolha que permite a Gramsci entrever urna dinamica profunda .na base do corporativismo; ver além dos institutos e das lentas realizagoes legislativas; nào limitar a anàlise unicamente a chave de leitura - imprescindìvel, mas de per se parcial - da distància entre palavras e fatos. Reside aqui a originalidade da reflexào gramsciana, sobretudo se comparada com aquela realizada pelos outros expoentes da cultura antifascista, em geral voltados para apontar as expectativas irrealizadas, os desequilìbrios entre as teorias e as realizagòes concretas e, pertanto, para denunciar o fracasso, quando nào - como faria Ernesto Rossi - o blefe consciente.42 Em particular, as anàlises produzidas pelo antifascismo democràtico e socialista (de Gaetano Salvemini e Carlo Rosselli até Louis Rosenstock-Franck, para citar as mais conhecidas) oferecem em muitos casos.um conhecimento mais preciso do fenòmeno e urna atengào maior a recònstrugào de aspectos singulares, mas se detém mais nas caréncias do sistema do que nas implicagòes institucionais e económicas que estào na sua base.43 Ao contràrio, nos comunistas (e neste sentido se pense também nas contribuigòes de Togliatti e Grifone), encontra-se a convicgào de que a questào do corporativismo fascista ligase às mudangas profundas a que, naqueles anos, està submetida a relagào entre Estado e economia.44 Gramsci, caso ùnico, acrescenta a està consciencia urna leitura do corporativismo como fenòmeno de alcance mais ampio, de dimensào europeia: A conexào estabelecida entre americanismo e corporativismo, como se disse, è sustentada por Gramsci de forma dubitativa: nào indica

41 Cf. Mangoni. "Il problema del fascismo", cit:, p. 428-30. i 42 E. Rossi. I padroni del vapore. Bari: Laterza, 1955, p. 172. 43 G. Salvemini. Under theAxe o/Fasdsm. Londres: Gollancz, 1936 (trad. it.: Sotto la scure del fascismo. In: Id. Opere. V III: Scritti sulfascismo. Org. R. Vivarelli. Milào: Feltrinelli, 1974, p. 1-350); L. Rosensteck-Franck. L'economie corporative fasciste en dottrine et enfait. Ses origines historiqués et son évolution. Paris: Gamber, 1934; C. Rosselli. "Corporazione e rivoluzione" Quaderni di Giustizia e Libertà, 10, fev. 1934 (agorà em Id. Scritti dell'esiliò. V 1: "Giustizia e libertà" e la concentratone antifascista (1929-1934). Org. C. Casucci. Turim: Einaudi, 1988, p. 274-84); L. Rosenstock-Franck. Les étapes de l'economie fasciste italienne. Du corporativisme a l'economie de guerre. Paris: La Librarne sociale et économique, 1939. 44 Cf., de E Togliatti, as "Lezioni sul fascismo", agorà em Id. 5u!/ascismo, cit., p. 114-236; P. Grifone. Il capitale finanziario in Italia. Turim: Einaudi, 1971, p. 84.

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um dado de fato, mas urna tendència, cujos resultados nào sào inevitàveis e a qual se contrapòem tendèncias de sirìal oposto. Demonstram-no nào so a complexa anàlise mencionada anteriormente, mas também trés outros momentos da sua argumentagào. O primeiro è constituido pelo fato de que as correntes fordistas e "progressistas" da ideologia corporativa sào interpretadas como um "sinal dos tempos", mas sem nunca esquecer que suas aspiragòes nàa sào gè-. Talmente compartilhadas e, antes, sào "antagònicas" em relagào a "parte conservadora" e, certamente, nào minoritària do fascismo.45 È sintomatico que geralmente Gramsci se refira a tais aspiragòes usando o condicional, sublinhando seu caràter de processo e o resultado nào predeterminado. O segundo reside na referéncia a lentidào e ao extremo gradualismo da construgào do aparelho corporativo. Està "poderia avangar através de lentissimas etapas, quase imperceptìveis, que modifiquem a estrutura social sem abalos repentinos"46 - escreve-efetivamente. Estào a testemunhà-lo os tortuosos percursos institucionais que precedem as principais realizagòes: o Conselho Nacional das Corporagòes (composto pelas representagòes paritàrias das organizagòes empresariais e dos sindicatos de trabalhadores) jà estava previsto pelos decretos regulamentadores da lei de 3 de abril de 1926, mas so foi constituido em 1930 para coordenar os trabaIhos das corporagòes (nas quais as representagòes sào divididas por setor produtivo), que por sua vez so foram criadas quatro anos depois. Por firn, o terceiro aspecto deve ser buscado na consciència expressa nos Cadernos sobre o "valor relativo" que teria a piena realizagào do projeto corporativo. De fato, este è também um elemento da polìtica demagógica do fascismo, voltado em particular para conquistar o consenso das camadas médias: ' Que um tal esquema [a organìzagao corporativa como veìculo de introducào da "economia segundo um plancn possa traduzir-se em pràtica, e em que medida e em que formas, isto tem um valor relativo: o que importa, polìtica e ideologicamente, è que eie pode ter, e tem realmen-

45 Q 22, § 2 (CC, v. 4, p. 249). 46 Ib., i 6 (lb., p. 259).

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te, a virtude de servir para criar um perìodo de expectativa e de esperangas, notadamente em ceftos grupos sociais italianos, como a grande massa dos pequenos burgueses urbanos e rurais, e, consequentemente, para manter o sistema hegemónico e as forgas de coergào militar e civil a disposicào das classes dirigentes tradicionais. Està ideologia servirla como elemento de urna "guerra de posigào" no campo econòmico (a livre concorrència e a livre troca corresponderiam a guerra de movimento) internacional, àssim como a "revolugào passiva" è este elemento nò campo politico.47,.

Portante, o corporativismo também è urna hàbil polìtica cultura! dirigida principalmente para as camadas médias.48 De fato, a ènfase posta na "terceira via" - alternativa tanto ao capitalismo quanto ao socialismo - corresponde a dupla desconfiànga da pequena burguesia em relagào às grandes concentragòes capitalistas e em relagào ào proletahado industriai, desconfianca que se acirra enormemente durante a grande crise. Se o corporativismo como ideologia e politica cultural reflete a alma pequeno-burguesa do fascismo, as politicas concretamente efetiva- " das, de todo modo, caminham em diregào diversa: "Dai se segue que, teoricamente, o Estado parece ter sua base politico-social na 'gente miùda' e nos mtelectuais; mas, na realidade, sua estrutura permanece plutocràtica e torna-se impossivel romper as ligagòes coni o grande capitai fmanceiro".49 O pròprio aparelho corporativo, por outra parte, è modelado com base nas classes produtivas (operàrips, técnicos e dirigentes da industria) e parece ..excluir precisamente as carnadas médias: de fato, como è possivel inserir nas estruturas de representagào paritària de empregadores e trabalhadores os funcionàrios pùblicos, os pequenos comerciantes ou os profissionais liberais? O que fazer com os setores considerados improdutivos diante de um projéto baseado.na yalorizagào dos componéntes produtivos da sociedade? 47 Q 10,1, § 9 (CC, v. 1, p. 299-300). 48 Sabre a politica cultural corporativa, cf. Santomassimo, La terza via/astista, cit., p. 101-9. 49 Q 22, § 14 (CC, v. 4, p. 278). Cf. Burgio. Granisci storico, cit., p. 194-202; A. Rossi e G Vacca Granisci tia Mussolini e Stalin. Roma: Fazi, 2007, p. 145-6.

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Gramsci no seu tempo

E, no entanto, tais setores de camada mèdia constituem um componente centrai nào so da estrutura socialXa "composigào demogràfica") italiana e europeia, mas também da forga polìtica do regime fascista. Ao objetivo de urna racionalizagào da estrutura produtiva nacional - necessidade imposta a Europa pelo ritmo de desenvolvimerito americano - contrapóe-se, ou sobrepòe-se, o do governo cònsensual de urna sociedade marcada por urna "composigào demogràfica" ngo "r'acional". Deriva daqui, pertanto, a consideragào de que è verdade que "o desaparecimento do tipo semifeudal do rentista'é, na Italia, urna das principais condigòes para a trarisformagào industriai (è, erri parte, essa pròpria transformagào), nào urna consequència", e que "a polìtica económico-fi^ianceira do Estado è o instrumento desse desaparecimento", mas "nào parece que està seja ou esteja para se tornar a orientagào da polìtica financeìra. Ao contràrio".50 Em poucas palavras, a fungao demagógica da ideologia corporativa relaciona-se com urna possivel fungao modernizadora do aparelho corporativo, e a conservagào dos.tragos de atraso do capitalismo italiano móstra-se ligada a adaptagào a economia progràmada e ao fordismo, Parece um quadro contraditório, mas nào é.-'Ao contràrio, reside precisamente nesta ambivaléncia um elemento qualificador da interpretagào gramsciana do corporativismo. De fato, alternam-se nos Cadernos urna anàlise estàtica (baseada no atraso da estrutura socioeconòmica italiana, isto è, no capitalismo nacional. tal como è) e urna anàlise dinàmica (as tendèncias fordistas que atravessam a Europa, isto è, as mudangas que àfetam, ou melhor, poderiam afetar o capitalismo italiano). A tensào entre estes dois aspectos também se rèfere a natureza complexa do fascismo e das politicas por eie implantadas: vol.tadas, como se viu, para tornar compatìveis o "desenvolvimento das forgas produtivas" — que deveria comportar a eliminagào dos setores sociais im-. produtivos e "parasitàrios", para poder sustentar a concorrència cada vez mais aguerrida nos mercados interriacionais - e a protegào de urna pequena burguesia poupadora ("parasitària", precisamente), que constitui um elemento fundàmental.da estabilidade social e politica do regime.

50 Q 22, § 6 (CC, v. 4, p. 259). A questao também è examinada, com urna explicita referència a polìtica da divida pùblica, em Q 19, § 6 (CC, v. 5, p: 42-4).

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Por isso, pode-se observar - tentando esquematizar seja os Cadernos, seja a concreta experiéncia histórica - que a realidade do corporativismo compòe-se de diversos aspectos, nem sempre pienamente complementares, cada um dos quais parece responder às exigèncias de intervencào em relacào a um determinado setor da sociedade: a "policia econòmica" e, pertanto, a "incorporagào" dos sindicatos regulam a litigiosidade das classes trabalhadoras, permitindo fazer do salàrio e do mercado de trabalho variàveis que podem ser administradas interamente pela contraparte empresarial ou, politicamente, pelo governo; a ideologia e a polìtica cultural contribuem para formar ou reforcar a mentalidade "antiplutocràtica" capaz de consolidar o consenso .das camadas médias na dificil situagào da crise econòmica; a criagào de um contexto institucional apropriado para iniciar na Italia processos de modernizagào capitalista corresponde às exigèncias das elites industriais e financeiras, às voltas com a crescente pressào da concorréncia internacional. ,. •

O "parlamentarismo negro" f O tema do corporativismo associa-se também ao delineamento de um novo sistema de representagào em substituigào. ao individualista dos regimes liberal-democratas. Em todas as suas multiplas varìantes ideológicas, o corporativismo fascista configura-se, antes de-mais nada, como urna nova forma de representagào. "por categorias", baseada antes no produtor do que no cidadào. "Pretende-se, com meras palavras, fazer screditar que se encontrou um equivalente para a critica representada pela 'livre' luta polìtica no regime representativo, equivalente que, de fato, se aplicado seriamente, è mais eficaz e produtivo em termos de consequéncias do que o originai".51 Gramsci escreve no inicio do § 74 do Cadérne 14, cuja redagào tem a data de margo de 1935 (e que significativamente parte de urna referència

51 Q 14, § 74 (CC, v. 3, p. 319).

25,0 :: Gramsci no seu tempo

a URSS).52 "Pretende-se [...] fazer acreditar", sem dùvida, mas a realidade è muito'mais complexa: de fato, "até agorà nào se observou que destruir o parlamentarismo nào è tào fàcil como parece". È evidente - acrescenta - que nào se pode abolir urna "pura" forma, • como è o parlamentarismo, sem abolir radicalmente seu conteùdo, o individualismo, e isto em seu preciso significado de "apropriagao individuai" do lucro e de iniciativa econòmica tendo em vista o lucro capitalista individuai. 53

Por isto, onde se tentou eliminar o sistema parlamentar, as modalidades parlamentares mais ou menos subterraneamente reintroduziram-se no,desenvolvimento da vida polìtica e institucional, dando vida a um parlamentarismo "implìcito" e "tàcito". ; O parlamentarismo "implìcito" e "tàcito" - que Gramsci também chama de "parlamentarismo negro" ("isto è, o que funciona como os 'mercados negros' e o 'jogo clandestino', onde e quando as bolsas oficiais e o jogo de Estado se mantèm fechados por alguma razào") - è "muito mais perigoso do que o explìcito, porque tem todas as suas deficièncias sem ter seus valores positivos"^ isto è, caréce daquele conjunto de regras e garantias de que podia dispor o parlamentarismo "oficial". No entanto, seja como for, "è fungào de necessidades históricas atuais, è um 'progresso', em seu gènero". Além disso, o parlamentarismo negro revela-se funcional aos novos regimes ditatoriais (o "novo absolutismo"), que na relagào com a sociedade fazem com que se registre urna "diferenga essencial" com o "o velho absolutismo derrubado pelos regimes constitucionais".54 Chegamos aqui, mais diretamente, a questào do corporativismo como sistema de representagào. O partido ùnico e a eliminagào do sistema eletivo deixam substancialmente irresolvido o problema da representagào das instàncias sociais e da mediagào entre os diversos interesses (pelo menos, entre aqueles legitimados) e, portante, o problema dos ca52 A relevància, nesta nota, da referència a situagào soviètica è lembrada em G. Vacca. Gramsci e Togìiatti. Roma: Riuniti, 1991, p. 6l-3. 53 Q 14, § 74 (CC, v. 3, p. 320). 54 Ib. ,

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nais de comunicagào entre sociedade e exercicio da atividade de governo. O corporativismo propòe-se como solugào para està ordem de questòes. De fato, Gramsci esclarece que o parlamentarismo negro concretiza-se^precisamente como "retorno ao 'corporativismo'". Um retorno que deve ser entendido nào "no sentido 'antigo regime', mas no sentido moderno da palavra, quando a 'corporagào' nào pode ter limites fechados e exclusivistas, como no passado; hoje, è corporativismo de 'fungào social', sem restrigào hereditària ou de outró [tipo]".55 De fato, nas corporagòes convergem as categorias através das suas representagòes legalmente reconhecidas. Efetivamente, no curso dos anos trinta emerge na Italia um conjunto de pràttcas e. procedimentos ìnstHucionais que, para a elaboragào e a realizagào de medidas significativas de politica econòmica (lei sobre as plantas industriais, consórcios, liberagào de moeda e licengas de importagào, planos autàrquicos), preveem o concreto envolvimento das organizagòes de interesses socioeconòmicos. Trata-se de um "corporativismo realizado", circunscrito a matérias bem precisas, que tem muito pouco a ver com o projeto de urna "terceira via" entre capitalismo, e socialismo. A ìsto se associa, enfim, a lenta e atribulada entrada em funcionamento das verdadeiras instituigòes corporativas (o Conselho Nacional das Corporagoes e as vinte e duas corporagòes), que nào conseguem ser um mstrumento de intervengào pùblica na economia, mas sào, pelo menos ém parte, urna instància de mediagào alternativa e sob muitos aspectos substitutiva da instancia parlamentar.36 • Contudo, o discursò gramsciano nào se limita a relacionar a solugào corporativa ao problema intrinseco de todos os experimentos totalitàrios, problema derivado, em razào do seu caràter de massas, da supressào do parlamentarismo em sociedades nas quais este è ainda historicamente necessario. De fato, sugere também a ideia de que o corporativismo (como forma de "parlamentarismo negro") ^nào se liga unicamente aos regimes fascistas ou aos Estados totalitàrios. Com eféito, observa que "o retorno ao 'parlamentarismo' tradicioijal seria um regresso anti-histórico, urna vez 55 Ib 56 Permito-me remeter a A. Gagliardi. "Il funzionamento delle istituzioni corporative". Mondo contemporaneo, 1, 2007, p. 43-86.

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. Gramsd no seu tempo

que, mesmo onde 'funciona' publicamente, o parlamentarismo efetivo è aquele 'negro'".57 Chegamos aqui a segunda articulagào decisiva da questào. Nào so no fascismo - ou, melhor dizendo, nos fascismos -, mas também nas démocracias se registra a emergéncia de um sistema de representagào e de mediagào dos interesses sociais diferente daquele tradicional do liberalismo parlamentar. È um fenòmeno conhecìdo-. Nas sociedades da Europa Continental, jà a partir do primeiro pós-guerra a busca do consenso passa, em medida crescente, "mais por urna contratagào permanente entre interesses organizados do que pela aprovagào ocasional de um pùblico massificàdo". Em outras palavras, verifica-se urna "transferéncia do poder: de representagòes,eleitas ou de urna burocracia de carreira para as maiores forgas organizadas da sociedade e da economia, que .às vezes tratavam diretamente entre si, às vezes exerciam a pròpria influencia através de um parlamento enfraquecido".58 , O eféito explosivo da formagào das sociedades industriais de massas sobre a estrutura do Estado liberai jà se constituìra como objeto de debate e reflexào no inicio do século. Na cultura filosófico-juridica e filosóficopolìtica europeia emergira urna crescente consciencia das mudangas em CUR so, mas também a admissào da dificuldade de avaliar suas consequèncias. A presenga de organizag'òes privadas desejosas de exercer poderes autoritativos e dispor de capacidade normativa pròpria era muitas vezes considerada um processo dissolutivo da unicidade dos ordenamentos jurìdicos e da soberania. Daqui havia nascido um debate, abertamente articulado em torno da fòrmula da "crise do Estado", que teve urna influencia decisiva na reformulagào do paradigma do pensamento politico e constitucional. Na Italia, foram Vittorio Emanuele Orlando e seus alunos Oreste Ranelletti e Santi Romano os que empreenderam urna reflexào sobre o tema. A conferéncia de Romano, "O Estado e sua crise", de 1910, constitui 57 Q 14, § 74 (CC, v. 3, p. 320). 58 C. S. Maier. La rifondazione dell'Europa borghese. Francia, Germania e Italia nel decennio successivo alla prima guerra mondiale. Bolonha: 11 Mulino, 1999, p. 30. O estudo de Maier constitui ainda o principal trabalho historiogràfico sobre o tema e urna referència quasé obrigatória, ainda que nào privado de aspectos problemàticos no plano interpretativo.

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séb multo aspectos o ponto de partida.39 Epi seguida, seriam sobretudo os nacionalistas, Alfredo Rocco a frente, quem daria ao tema urna relevància pienamente politica. Na Franga, nào poucos (entre outros, Leon Duguit, Adolphe Prins, Guillaume de Greef, Charles Benoist e Paul Boncour), jà desde o,firn do século precedente anunciaram a "morte do Estado" ou, pelo menos, da sua forma liberai, e consequentemente "empunharam a bandeira da representagào dos interesses contra as 'ineficiéncias' ou as 'degeneragòes' do sistema parlamentar".60 Na Alemanha, a questào da crise do ordenamento estatai - e em particular da representagào - estava no centro de todos os projetos de reforma dos institutos parlamentares liberais; assim, nào casualmente tanto Weber quanto Kelsen nisso se dètiveram longamente e com particular atengào. 61 A atengào que o debate corporativo italiano suscita nos anos trinta em parte ampia da Europa também se origina desta precedente sedimentagào cultùral. Granisci se deriverà no tema, pelo menos com referéncia a realidade italiana, jà no inlcio dos anos vinte, quando evidenciara o caràter de "corpo consultivo" do Parlamento, "seni poder de iniciativa e de controle"62, ou quando observara a "transferència de poderes", "singulardo ponto de vista constitucional", do Parlamento para o Conselho Superior do Trabalho, denunciando ao mesmo tempo "a inutilidade das academias 'paritàrias', a grotesca inutilidade das aspiragòes e das tentativas de colaboragào".63 Também nos Cadernos nào faltam indicagòes nesta diregào, numa ótica nào màis exclusivamente nacional. De fato, Granisci escreve que "todos reconhecem" que a Primeira Guerra Mundial "representa urna ruptura

59 Cf., em geral, A. Mazzacane (Org.). I giuristi e la crisi dello Stato liberale in Italia fra Otto e Novecento. Nàpoles: Liguori, 1986, e em particular a contribuigào de L. Mangoni e G. Gozzi. Modelli politici e questione sociale in Italia e in Germania fra Otto e Novecento. Bolonha 11 Mulino, 1988, p. 233-79. 60 L. Ornaghi. Stato e corporazione. Storia di una dottrina nella crisi del sistema politico contemporaneo. Milào: Giuffrè, 1984, p. 12. 61 No livro de Ornaghi, citado na nota anterior, encontram-se inùmeras referéncias ao debate na àrea alemà. Mais em geral, cf. C.S. Maier. "'Vincoli fittizi... della ricchezza e del diritto' teoria e pratica della rappresentanza degli interessi". In: S. Berger (Org.). ^organizzazione degli interessi nell'Europa occidentale. Bolonha: II Mulino, 1983, p. 47-101. 62 A, Granisci. "Il parlamento italiano". L'Ordine Nuovo, 24 mar. 1921 (SF, p. 116). 63 Id. "Il controllo operaio al consiglio del lavoro". L'Odine Nuovo, 13 mar. 1921 (SF, p. 105-7).

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histórica, no sentido de que toda urna sèrie de questòes que se acumulavam molècularmente, antes de 1914, 'se sobrepuseram umas às outras', modificando a estrutura geral do processo anterior". Urna importància fundamental, neste sentido, è desempenhada pelo "fenòmeno sindicai", no qual convergem "diferentes problemas e processos de desenvolvimento de importància e significagào variada (parlamentarismo, organizagào industriai, democracia, liberalismo etc.), mas que, objetivamente, reflete o fato de que urna nova forga social se constituiu, tem um peso nào desprezivel".64 O "fenòmeno sradicai" no qual Granisci se detém refere-se precisamente aos processos gerais.descritos anteriormente. A tal fenòmeno devese relacionar - nào como fator ùnico, mas de todo modo decisivo - "a origem da decadéncia dos regmies parlamentares", "a separagào e a luta entre Parlamento e Governo, de modo que a unidadè destas duas instituigòes nào consegue mais estruturar urna diretriz permanente de G.overno".65 Quando Granisci escreve estas notas, o debate cientifico e doutrinàrìo, bem como'o politico estào superaquecidos, no rastro dos efeitos da grande crise e no quadro de um colapso mais geral da confianga na democracia e no mercado. Em 1933, Giorgio Del Vecchio escreve que o problema da crise do Estado constitui "urna verdade tào frequentemente repetida, que jà se pode considerar como um lugar-comum".66 No entanto, è sobretudo no plano dos processos históricos reais que se registra, nos anos trinta, um novo avango do fenòmeno sindicai, ainda que com diferengas relevantes de um paìs para outro. Na Grà-Bretanha, na Franga, na Bèlgica e nos palses escandinavos os sindicatos de trabalhadores participarào de iniciativas legislativas, elaborarào propòstas em matèria de polìtica econòmica e em diversos casos apresentàrào os primeiros plànos de traballio.67

64 Q 15, § 59 (CC, v. 5, p. 330). . , 65 Ib.,§47(CC,v. 3, p. 340). 66 G. Del Vecchio. "La crisi dello Stato". Rivista internazionale di Filosofia del Diritto, 13, 1933, p. 684, 67 M. Telò. La socialdemocrazia europea nella crisi degli anni Trenta. Milao: Franco Angeli, 1985.

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O corporativismo além do fascismo Para Granisci, por ludo o que se viu, o corporativismo nào representa so um aspecto constitutivo (independentemente, do grau de realizagào) do Estado fascista, mas lem a ver, mais em geral, com a reconfiguragào nas sociedades capitalistas das modalidades de exercicio do poder politico. Por isso, as tendencias corporativas mostram-se destinadas a marcar a pròpria època muito mais do que o absolutismo fascista e, pertanto, devem ser-analisadas até mesmo independentemente deste. Gràmsci parece distinguir entre o caràter "epocal" do corporativismo, seu enraizamento no pròprio tempo histórico, e o caràter do fascismo, de sorte que o primeiro .pareceria ter urna relagào com "necessidadés históricas atuais"6,8 superior a do fascismo. È o fascismo, e nào o corporativismo, que tem Um "caràter 'transitòrio' (no sentido de que nào marca època, nào no sentido de 'curta duragào')".69 È a luz desta consciència da nào necessidade do nexo entre os dois fenómenos que Gràmsci identifica, nas inflexòes do debate, um elemento adicional de :profunda incòeréncia no corporativismo fascista - além daqueles em que nos detivemos anteriormente -, representado pelo papel dos smdicatos. Alguns dos teóricos corporativos mais radicais afirmavam, de fato, qtie a piena realizagào do sistema corporativo implicarla o esvaziamento e a extingào dos sindicatos, expressào da divisào da sociedade em classes. Era Ugo Spirito, mais urna vez, quem defendia a posigào .extrema (entre outros, com um artigo de tìtulb inequivoco, "No rumo do firn do sindicalismo"), e veementes foram as reagòes sindicais, beni representadas pelas intervengòes de Edmondo Rossoni.70 68 Q 14, i 74 (CC, v. 3, p. 320). 69 Ib , § 76 (CC, v. 3, p. 321). Neste sentido, cf. L. Cavallaro. "Una fenomenologia dello 'Stato , del benessere'. Gràmsci e la transizione corporativa". In: Id. Lo Stato dei diritti. Politica economica e rivoluzione passiva in Occidente. Nàpoles: Vivarium, 2005, p. 141. Gràmsci prossegue, sempre em Q 14, §76: "A este propòsito, deve-se notar que muitissimas vezes se confonde 'nào marcar època' com a pouca duracào 'temperai'; è possìvel 'durar' muito tempo, relativamente, e nao 'marcar època'; a forca de viscosidade de certos regimes è frequentemente insuspeitada, especialmente se eles sào 'fortes' com a fraqueza alheia, inclusive induzida" 70 U Spinto. "Verso la fine del sindacalismo". In: Id. Capitalismo e corporativismo, cit., p. 119. Entre os artigos de Rossoni, os mais significativos sào: "II sindacalismo e l'economia eroica

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Gràmsci no seu tempo

Na primavera de 1933, Gràmsci analisa este debate. A ideia .de Spirito parece-lhe "urna utopia utopia livresca nào muito brilhante e fecunda". No entanto, reconhece "a justeza fundamental" daquela intuigào, "segundo a qual, admitindo-se que o classismo tenha sido superado pelo corporativismo e por, urna forma qualquer de economia regulada e programàtica, as velhas lormas sindicais nascidas no terreno do classismo devem ser atualizadas".71 O fato è que o corporativismo fascista nào realizou tal superagàò, porque nào tocou minimamente na esséncia profuiida da sociedade capitalista: a presenga do "assalariado, por urna parte, e do beneficiàrio dos lucros, por outra". E "enquanto o operàrio, por urna parte, e o-industrial, por outra, tiverem de se preocupar com o salàrio e o lucro", o sindicalismo "de velho tipo" nào estarà superado nem poderà "ser absorvido por outras instituigòes".72 Mas o corporativismo nào so ainda nào realizou as próprias premissas (superar as contraposigòes de classe), como também, tanto na teoria (e neste sentido mais urna vez Spirito parece a Gràmsci o ideòlogo mais interessante do corporativismo), quanto nà pràtica (como confirmaria em breve a instituigào das vinte e duas corporagòes), enfrentou de maneira burocràtica e irrealista a questào. Em outras palavras, nào so negou, arregimentando as organizagòes sindicais, a luta pela distribuigào da renda, mas também cancelou a exigencia de urna "completa mudanga" do papel do sindicato "do ponto de vista da produgào". E isso constimi um obstàculo adicional a piena realizagào na Italia do modelo fordista e a realizagào mais coerente da versào racionalizadora e industrialista do corporativismo. Os Cadernos, no entanto, oferecem um ùltimo tema relevante, e mais urna vez a reflexào gramsciana mostra-se muito mais inserida na dimensào internacional do debate do que fazem supor suas referèncias. Portanto, a tensào polìtica que permeia- cada pàgina dos Cadernos e informa del fascismo". La Stirpe, maio 1930, p. 226; "Soluzione fascista del Sindacalismo". Ib., jun. 1930, p. 281-4; "Riflessioni sulla Rivoluzione Fascista. La corporazione come Idea", ìb., mar. 1931, p. 99. Tal opiniào nào era pròpria so de Rossoni: cf., por exemplo, os escritos agorà republicados na parte antològica em G. Parlato. Il sindacalismo fascista. Roma; Bonacci, 1989, p. 187-9, 205-6, 212-5, 216-9, 226-33, 234-8, 252-7. 71 Q 15, § 39 (CC, v. 3, p. 337-8). 72 Ib.

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seu mètodo (de modo que todo motivo analitico è funcional para a determinagào dos elementos 'de contradigào presentes, dos futures desdobramentos e das consequèncias que dai derivam para o movimento operano) leva Gramsci, também-neste caso, a tragar urna possìvel linha evolutiva, ou melhor, a prefigurar urna oportunidade. "Se se parte do ponto de vista da produgào" - Gramsci sustenta -, "è evidente que o terreno sindicai deve ser completamente mudado". A "melhor solugào" consiste, entào, em instituir "delegados de segào eleitos pelas equipes de produgào" para representar todos os oficios e, pertanto, "reunir os delegados por ofìcio nas questòes técnicas e o conjunto dos delegados em torno das questòes produtivas".73 Deste modo, è urna perspectiva antitètica ao sindicalismo forgado e ao corporativismo autoritàrio do fascismo e que eventualmente • remete - como jà se destacou ampiamente74 — àquile que a sociologia e a politologia dos anos setenta definiram como "corporativismo società!", alternativo ao "corporativismo de Estado".75 Assim, um sindicalismo funcional ao desenvolvimento produtivo seria baseado na representagào direta a partir dos especìficos lugares de trabalho. O objetivo è restabelecer a ligagào entre sindicato e fàbrica - ligagào atenuada com a constituigào-das confederagòes e, em seguida, cancelada pelo fascismo com a expulsào das representagòes dos lugares de trabalho - e, por està via, enfiquecer a fungao das organizagòes dos trabalhadadores, às quais caberia riào so a contratagào dos salàrios, mas também a recomposigào das fung&es nà fàbrica e a participagào nas escoIhas técnicas e produtivas realizadas pelo management. Opera aqui, provavelmente, a sugestào de um modelo de Estado baseado nào.no "cidadào", mas no "produtor", e, pertanto, na recomposigào - para usar urna conceituagào marxiana - entre a abstragào do citoyen e a concretude do bourgeois. O tema da mudanga do "terreno sindicai" associase a concepgào produtiyista subjacente a todo o pensamento gramsciano, 73 Ib.

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74 Salsano. "Il corporativismo tecnocratico", cit.; Vacca. Appuntamenti con Gramsci. Roma: Carocci, 1999, p. 54-5; Cavallaro. "Una fenomenologia", cit., p. 141-3; Rossi e Vacca. Gramsci tra Mussolini e Sta/in, cit., p. 150. ' ' 75 Deve-se fazer urna refertncia obrigatória a PC. Schmitter. "Ancora il secolo del corporativismo?". In: M. Maraffi (Org.). La società neo-corporativa. Bolonha: II Mulino, 1981, p. 45-85.

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pelo menos desde os anos de L'Ordine Nuovo.76 Nasce, de fato, da exigéncia de premiar as classes produtivas e favorecer o progressivo desaparecimento das improdutivas. A presenga de um difuso setor de pequena burguesia poupadora empregada em atividades nào diretamente correlacionadas com a produgào, bem como a difusa pfersisténcia da .renda (financeira, fundiària ou de rrionopóTio) sào ampiamente assinaladas nos escritos ordinovistas; e jà entào està claro o caràter "parasitàrio" destes fenòmenos e, ao mesmò tempo, o fato de que eles nào estào necessariamente, isto è, por meio de urna tendéncia naturai dò desenvolvimento capitalista, destinados a desaparecer. Em outras palavras, è estranha ao pensamento gramsciano a convicgào de urna eutanasia automàtica do rentier e de urna polarizagào mecànica da estrutura social.77 Precisamente por isso, a convicgào de partida da sua argumentagào quanto a mudanga sindicai è que, na espera de superar o capitalismo (com a divisào da sociedade em classes contrapostas), deve-se neste meio-tempo favorecer os impulsos progressistas e "racionais" nele contidos, vale dizer, valorizar os impulsos provenientes dos operàrios, urna vez que estes "foram os portadores das novas e mais modernas, exigéncias industriais"78, e distinguir, entre os industriais, artifices dos "progressos técnicos" e "parasitas". De fato, "a questào de recompensar um industriai com maiores salàrios ou prèmios de capàcidade seria algo insignificante, que nenhum homem sensato se recusaria a levar em consideragào: o fanatismo da igualdade nào nasce dos 'prèmios' que sejam dados aos industriais arrojados"79, mas da sua falla de contribuigào ao crescimento da produtividade social. Trata-se, de qualquer modo, de um objetivo intermediàrio, de urna fase de transigao dentro do processo revolucionàrio, com a qual Gramsci propòe-se "superar as palavras de ordem de agitagào para discernir instrumentos, por certo transitórios, mas capazes de expressar concretamente a unificagào das massas na vontade de mudanga".80 76 77 78 79 80

Cf. G. Liguori. Sentieri gramsciani. Roma: Carocci, 2006, p. 47. A. Gramsci. "Azione positiva". L'Ordine Nuovo, 6-13 dez. 1919 (ON, p. 314-6). Q 22, § 6 (CC, v. 4, p. 258). Q 10, II, §55(CC, v. l,p. 416). De Felice. "Rivoluzione passiva", cit., p. 194-6. Cf., também, Vacca. Appuntamenti con Gramsd,.cit., p. 50-4 e 190.

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Ademais, o que completa o quadro deste "corporativismo societal" insinuado por Gramsci - mas cujos contornos se'mostrarti mais claros ao se lerem as notas dos Cadernos, considerando os escritos pré-carceràrios è a referència, por um lado, a necessidade de realizar urna "urna reforma agrària (com a abolicào da renda da terra como renda de urna classe nàotrabalhadora [...])" e urna "reforma industriai", a firn de que "todas as rendas [decorrami de necessidades funcionais técnico-industriais e nào mais [de] consequéncias jurìdicas do puro direito de propriedade"81; por outro, a necessidade de superar e desfazer as vàrias medidas de cartelizacào forgada e de compressào do mercado introduzidas pelo fascismo (consórcios voluntàrios ,e obrigatórios, lei sobre autorizagào de novas plantas mdustriais), mas substancialmente em curso em grande parte da Europa; neste sentido, meneióna-se a exigència de um Estado liberali "no sentido mais fondamenta! da livre iniciativa e do individualismo econòmico que chega com meios pròprìos, como 'sociedade civil', através do pròprio desenvolvimento histórico, ao regime da concentracào industriai e do monopólio".82 . Està perspectiva de um corporativismo societal mostra nào poucas afmidades - pelo menos se entendido estaticamente, isto è, abstraindo tanto da projegào dinàmica do confronto com a dimensào da divisào da sociedade em classes, quanto da perspectiva da sua futura superagào - com o debate europeu daqueles. anos. Jà em 1926, em O firn do laissez-fctire, Keynes imagma o désenvolvimento e o reconhecirnento de "organismos semiautònomos no interiòr do Estado", votados ao "bem pùblico" e, no entanto, respeitosos de "interesses especìficos de grupos, clàsses ou profissòes particulares"; ao mesmo,,constata que, "pelo menos na Grà-Bfetanha, as corporacòes sào urna forma de governo que jamais perdeu sua importància e è coerente com nossas instituigòes".83 Por outro lado, apesar dos condicionamentos derivados da forte hipoteca, ideològica e pràtica, posta pelos fascismos, a distingào entre corporativismo de Estado e corporativismo societal està bem presente 81 Q 22, i 14 (CC, v. 4, p. 278). 82 Ib., § 6 (CC, v. 4, p. 259), 83 J.M. Keynes. La fine del laissez-faire (1926), agorà em Id. Esortazioni e profezie. Milào II Saggiatore, 1968, p. 241.

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para muitos. De fato, fala-se nos anos trinta de^"corporativismo lato sensu" (Frangois Perroux), "subordihado" (Mihail Manoìlesco), "de associagào" (Gaétan Pirou), para distingui-lo daquele strìdo sensu, "puro", "integrai", "de ditadura", "de Estado", pròprio dos regimes fascistas.84 E em muitos casos chega-se a ir bem mais a frente, delineando-se um possìvel modelo de corporativismo societal: è o caso do neossocialismo de Déat ou de De Man, que se.propòe associar pianismo e corporativismo (para Déat, a ser entendido segundo a fòrmula "sindicalismo livre na corporagào organizada")85; mas è o caso também da proposta de Perroux sobre as "comunidades de traballio", que conjuga a presenga de sindicatos livres e eletivos com a constituigào de organismos de representagào paritària encarregados de intèrvir nos pregos dos produtos, nos salàrios e nas escolhas produtivas de cada setor.86 / • Em tais esforgos de yalorizar o papel dos sindicatos no processo produtivo e na racionalizagào industriai, è possìvel ver significativas analogias com as sugestòes apenas mencionadas por Gramsci. Trata-sé, precisamente, de analogias,"e nada mais. No entanto, urna vez mais elas comprovam a riqueza analitica do pensamento gramsciano e, como evidenciam particularmente os temas aqui .examinados, urna paradoxal "esquizofrenia": entre a piena e efetiva insergào dos Cadernos no grande laboratòrio cultural europeu,dos anos trinta, por um lado, e, por outro, as condigòes de isolamento em que foram escritos e a èegregagào opressiva a que foi submetido O autor.

84 Cf., respectivamente, E Perroux. Capitalismi et communauté de travaii. Paris: Librarne du Recueil Sirey, 1938; M. Manoilesco. Le siede du corporatisme. Doctrine du corporatisme integrai et pur. Paris: Librarne Félix Alcan, 1934; G. Pirou. Essais sur le corporatisme. Paris: Librarne du Recueil Sirey, 1938. • 85 M. Déat. "Syndicalisme et corporatisme". La Vie Socialiste, 17 mar. 1934; Id. "Actualité de la corporation". Ib., 7 abr. 1934; H. De Man. Corporatisme et socialisme. Paris-Bruxelas: Labor, 1934. 86 Perroux. Capitafisme et communauté de, travaii, cit. Sobre Perroux, cf. E Mornati. "Le cór- poratisme italien"vu par les économistes frangais des années trente". Il Pensiero economico italiano, 1, 1997, em particular p. 100-15; A. Cohen. "Continuités pratiques et ruptures symboliques dans le sillage de Frangois Perroux". Revue Franc_qise de Science Politique, 4, , 2006, p. 555-92.

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