O PROCEDIMENTO DE ESCOLHA DOS CONSELHEIROS TUTELARES E SUAS IMPLICAÇÕES NA EFETIVAÇÃO DA POLÍTICA DE PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

June 28, 2017 | Autor: Leonardo Rosa | Categoria: Constitutional Law, Human Rights, Childrens Rights
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CURSO DE DIREITO

Leonardo Eberhardt Rosa

O PROCEDIMENTO DE ESCOLHA DOS CONSELHEIROS TUTELARES E SUAS ATRIBUIÇÕES NA EFETIVAÇÃO DA POLÍTICA DE PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

Capão da Canoa, junho de 2010

Leonardo Eberhardt Rosa

O PROCEDIMENTO DE ESCOLHA DOS CONSELHEIROS TUTELARES E SUAS ATRIBUIÇÕES NA EFETIVAÇÃO DA POLÍTICA DE PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

Trabalho de conclusão apresentado ao Curso de Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. André Viana Custódio

Capão da Canoa, junho de 2010

Leonardo Eberhardt Rosa

O PROCEDIMENTO DE ESCOLHA DOS CONSELHEIROS TUTELARES E SUAS ATRIBUIÇÕES NA EFETIVAÇÃO DA POLÍTICA DE PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

Este trabalho de conclusão foi submetido ao Curso de Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Dr. André Viana Custódio Professor Orientador

Dr.ª Marli Marlene Moraes Costa

À Alê, a mais fiel metáfora do amor que já encontrei.

AGRADECIMENTOS Um homem contemplativo caminha pela estrada... lembrando-se dos lugares e pessoas que encontrou pelo caminho... no seu olhar carrega o brilho dos contentes. Nunca estivera sozinho, é verdade... mas também é fato que as vezes o fez por merecer. No entanto, jamais o abandonaram, jamais lhe negaram estender a mão, e das mais variadas maneiras. Sobretudo insistindo, sempre, que sonho é mais que um substantivo abstrato, que vida é mais que um estado orgânico ou tempo fluído. E somente por isso este homem não desistiu de caminhar... somente por essa fundamental razão ele percebeu que apesar de serem suas as pernas, que a despeito dos muitos caminhos possíveis... de nada adianta caminhar se não se tem aonde ir e nem pessoas a encontrar. Naturalmente este homem sou eu e as pessoas, vocês. Por isso, aqui registro meus sinceros agradecimentos àquelas e àqueles cuja simples transcrição de seus nomes soaria como ingratidão diante da grandeza de espírito que pude experimentar em suas companhias. Chamo-lhes amores, chamo-lhes amigos, ou família, ou conhecidos, por serem tudo são inomináveis e acaso eu tentasse listar a todos, certamente ficaria refém de minha própria desmemória. Então, àqueles que por acaso ou não lerem este singelo tributo, qualquer sentimento, arrepio ou calafrio que possam sentir ao fazê-lo, por mais ínfimo, sutil que seja, tenham certeza, serei eu... amortizando a dívida de minha gratidão. Muito obrigado.

Se algo não é obviamente impossível, então deve haver uma maneira de fazer. (Nicholas Winton) Quis ensiná-lo a comer na hora certa, a usar a caixinha de areia no terraço, a não subir na minha cama enquanto eu dormia nem a fuçar os alimentos na mesa, e não consegui fazer com que entendesse que a casa era dele por direito adquirido e não como um butim de guerra. Acabei deixando que fizesse o que bem entendesse. (MARQUEZ, Gabriel Garcia. Memórias de minhas putas tristes) - Por favor... cativa-me disse ela. - Bem quisera, disse o principezinho, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer. - A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me! [...] Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. (SAINT EXUPÉRRY, Antoine de. O pequeno príncipe).

RESUMO

O presente trabalho objetivou compreender por meio de uma abordagem histórica e sob a perspectiva da origem e transformação do Direito da Criança e do Adolescente, o papel atribuído ao Conselho Tutelar e como deve ser a sua relação com demais sujeitos e instrumentos conformadores do Sistema de Garantias de Direitos da Criança e do Adolescente. A partir da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o estudo também analisou, utilizando o método hipotético-dedutivo, as implicações dos requisitos de elegibilidade e das atribuições legais dos Conselheiros Tutelares nas políticas públicas de atendimento, proteção e promoção dos direitos da criança e do adolescente. No percurso da pesquisa, foi adotado o método de procedimento monográfico, tendo sido utilizada como técnica de pesquisa a documentação indireta, com a análise de documentos, livros, estatísticas e leis. Também foi analisada a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul relacionada ao Conselho Tutelar. Ao final, são apresentados alguns aspectos concernentes ao advento do Estatuto da Criança e do Adolescente e à internalização da Teoria da Proteção Integral no ordenamento jurídico brasileiro. Palavras-chaves: adolescente, Conselho Tutelar, criança, procedimento.

ABSTRACT

This study aimed to understand through a historical approach and from the perspective of the origin and transformation of the Child and Adolescent Rights, the duties of the Council of Guardianship and how it should be its relationship with other persons and instruments that make up the System of Guarantees of the Rights of Children and Adolescents. From the Law 8.069, of July 13, 1990 - Statute of the Child and Adolescent, the study also examined, using the hypothetical-deductive method, the implications of the eligibility requirements and legal duties of Council of Guardianship in the care policies, protection and promotion of rights of child and adolescents. In the course of the research, the method of procedure adopted was the monograph and as research technique to indirect documentation, analysis of documents, books, statistics and laws. Was also analyzed jurisprudence of the Court of Justice of Rio Grande do Sul related to Council of Guardianship. Finally, was stated some aspects concerning the emergence of the Statute of the Child and Adolescent and the annexation of the Theory of Integral Protection in the brazilian legal system. Keywords: adolescent, Council of Guardianship, child, procedure.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9 2 HISTÓRICO DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ........................ 12 2.1 A infância na sociedade européia ocidental ........................................................ 14 2.2 A infância na sociedade brasileira ....................................................................... 16 2.3 A teoria da proteção integral e dos Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente............................................................................................................... 33 3 O CONSELHO TUTELAR...................................................................................... 40 3.1 Mitos e desencontros .......................................................................................... 40 3.2 O Conselho Tutelar no Sistema de Garantia de Direitos ..................................... 48 3.3 Conceito e natureza jurídica ................................................................................ 49 3.4 Atribuições........................................................................................................... 52 3.4.1 As medidas específicas de proteção ................................................................ 54 3.4.2 As medidas pertinentes aos pais ou responsável ............................................ 59 3.4.3 O rol expresso de atribuições e a questão da remuneração dos Conselheiros Tutelares ................................................................................................................... 61 4 OS PROCEDIMENTOS DE ESCOLHA DOS CONSELHEIROS TUTELARES .... 71 4.1 Requisitos para candidatura ................................................................................ 72 4.2 Procedimentos de escolha .................................................................................. 79 4.3 Análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul relacionada ao procedimento de escolha dos Conselheiros Tutelares ..................... 82 5 CONCLUSÕES ...................................................................................................... 91 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 94

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca, num primeiro momento, compreender o Direito da Criança e do Adolescente em sua perspectiva mais essencial e por isso mesmo indissociável, que é àquela construída a partir do seu reconhecimento como direito fundamental, inalienável, indisponível, imprescritível, que deve ser promovido e garantido, o que implica, necessariamente, mantê-los a salvo de qualquer relativização e retrocesso. Neste sentido, valendo-se de uma abordagem histórica, o primeiro capítulo descreve o surgimento do sentimento de infância e as raízes históricas dos Direitos da Criança e do Adolescente na Europa e no Brasil, assim como o seu reconhecimento enquanto ramo autônomo da ciência jurídica – de caráter interdisciplinar –, e as implicações que a partir desse processo surgem no horizonte jurídico institucional do Brasil até a incorporação em definitivo da Teoria da Proteção Integral ao ordenamento jurídico brasileiro, a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. O segundo capítulo se detém no Conselho Tutelar e nas diferentes percepções existentes sobre o mesmo, estabelecendo como deve ser a sua relação com os demais sujeitos e instrumentos que compõe o Sistema de Garantias de Direitos da Criança e do Adolescente, tendo como pressuposto básico de argumentação as principais características do papel dos Conselheiros Tutelares diante das atribuições previstas para essa função na Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Por fim, no terceiro e último capítulo é feita a análise do conteúdo ético e jurídico dos requisitos de elegibilidade e das atribuições legais dos Conselheiros Tutelares, em face de sua conformação constitucional e necessária inter-relação, a priori, com as políticas públicas de atendimento, proteção e promoção integral dos direitos da criança e do adolescente, por meio da respectiva rede de atendimento e, a posteriori, com o sistema de justiça, enquanto última ratio a ser adotada a fim de

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se realizar a plena satisfação desses direitos nos casos de ameaça ou de efetiva violação. A intenção visada ao se comparar atribuições e requisitos, é compreender, por meio de uma abordagem hipotético-dedutiva, se o procedimento de escolha dos Conselheiros Tutelares tem alguma implicação na efetivação da política de proteção integral à criança e ao adolescente. Por seu turno, a utilização geral do método de procedimento monográfico devese às exigências impostas pelo desafio de se estudar uma instituição – o Conselho Tutelar – dentro de uma área do Direito que, sozinha, constitui um microssistema a parte e que, como tal, deve ser examinado se “observando todos os fatores que o influenciaram e analisando-o em todos os seus aspectos.”1 Como técnica de pesquisa foi utilizada a documentação indireta, com a análise de documentos, livros, estatísticas e sites da internet. É de se ressaltar que a escolha do presente tema amparou-se na relevância estratégica dos Conselhos Tutelares na realização da política de atendimento prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem como premissa básica a articulação de ações governamentais e não-governamentais entre todos os níveis de atuação – União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Como consectário dessa inovadora perspectiva jurídica constitucional e de seu sistema tríplice de responsabilidade, tanto a família, quanto a sociedade, assim como o Estado, passam a ter o dever de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, todos os direitos necessários ao seu desenvolvimento pleno – o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Assim, a tríplice responsabilidade compartilhada entre a família, a sociedade e o Estado, ao mesmo tempo em que assegura esses direitos fundamentais, também 1

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Maria de Andrade. Fundamentos de metodologia científica. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 108.

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impõe a atuação desses atores no sentido de prevenir e coibir toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão perpetrada, comissiva ou omissivamente, contra crianças e adolescentes. O compartilhamento de responsabilidades, em última na análise, se coaduna com os postulados necessários ao Estado Democrático de Direito (justiça social, sistema de garantias, participação popular), de forma que nem a sociedade civil, nem o poder público e tampouco a comunidade acadêmica (e o seu corpo discente inclusive) podem ficar alheios a essa discussão, ao contrário, todos devem participar deste debate. Essa idéia de diálogo político e social, ao passo que vai ao encontro da própria noção de cidadania, imanente aos diversos processos e mecanismos dos quais resultam a lei e as políticas públicas, se faz na mesma intensidade necessária diante da complexidade cada vez maior da sociedade contemporânea. A Constituição propõe, ao evocar palavras como cidadania e participação popular, o despertar do indivíduo, do cidadão, para a participação na vida social e política do país, seja indiretamente por meio do voto, seja diretamente, ocupando espaços em conselhos de direitos, associações e sindicatos, pela livre manifestação de seu pensamento, ou ainda, criando leis de sua iniciativa e exigindo o seu cumprimento via judicial por meio das ações constitucionais. Neste sentido, então, em que a cidadania constitui pressuposto do Estado Democrático de Direito, este trabalho pretende contribuir para a superação da dicotomia instaurada pelo binômio possibilidade/necessidade de aperfeiçoamento dos mecanismos de atuação dos Conselhos Tutelares, quiçá e inclusive, do atual sistema de escolha de seus Conselheiros, porque, embora essa última idéia não seja amplamente difundida, ela não é ignorada, de forma que a sociedade deve estar atenta, debatendo-a em todos os seus aspectos, eis que não são raras as iniciativas legislativas que se apresentam sob facetas diversas e pretensamente nobres, não passando muitas vezes, de tentativas cujo principal objetivo é controlar a participação da sociedade nos espaços de poder decisório.

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2 HISTÓRICO DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O discurso de reconhecimento da infância como o futuro do país foi constituído a partir de dois elementos, um cronológico – o tempo, e outro humano – a criança. Nessa perspectiva é que, a seguir, desenvolver-se-ão algumas linhas sobre a história dos direitos deste segmento específico da sociedade, isto é, sobre como o discurso político expressara em leis, antes do advento da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988,2 as idéias e práticas institucionais relativas à infância, na maioria das vezes colocando-a em uma posição secundária, seja porque fosse uma fase passageira, seja em razão da (acreditada) condição de relativa incapacidade intelectual própria às crianças. Historicamente definida como uma espécie de pedra bruta a ser lapidada pelas mãos do escultor (adulto) a partir de concepções teóricas ultrapassadas – o Direito do Menor e a Teoria da Situação Irregular –, a infância conquista formalmente e em definitivo o seu espaço somente com o advento da Teoria da Proteção Integral, instituída pela Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, e regulamentada pela Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990, a qual aprovou o Estatuto da Criança e do Adolescente que, dentre outros significativos avanços, previu a implantação de um Sistema de Garantia de Direitos destinado a promover e a garantir esses novos direitos por meio de uma rede de atendimento e promoção, da atuação do Conselho Tutelar e, em última instância, pelo sistema de justiça.3 Com efeito, a recente Teoria da Proteção Integral, destinada a implantar um Sistema de Garantia de Direitos da criança e do adolescente, é a antagonista, no horizonte das ciências sociais e políticas, da percepção negativa (de não ser) que por muito tempo incidira sobre a infância e a juventude, cuja denominação, por questões didáticas e para evitar desencontros linguísticos, reclama alguns esclarecimentos. 2

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Diário Oficial [da] União, Poder Legislativo, Brasília, n.º 191-A, 05 de out. 1988. 3 CUSTÓDIO, André Viana. Direito da Criança e do Adolescente. Criciúma: UNESC, 2009. p. 90.

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Os termos “criança” e “adolescente” comportam definições baseadas no critério etário, que diferem de um país para outro ou destes em relação à classificação do direito internacional. Sobre esse aspecto, Kaminski refere que: [...] quando falamos apenas em criança, não é porque esquecemos o adolescente, mas porque criança é a categoria internacionalmente tratada “como todo ser humano com menos de 18 anos de idade” (Convenção Internacional de Direitos da Criança – ONU – Art. 1º). [...] a inovação das duas categorias distintas é brasileira, inexistindo menção anterior nas 4 normas internacionais.

Assim, se para o direito internacional a criança é todo ser humano com menos de 18 anos, no direito brasileiro esse limite é o mesmo, porém bipartido em duas categorias – a pessoa com até 12 anos incompletos é considerada criança e, entre 12 e 18 anos, passa a ser adolescente. A regra geral adotada neste trabalho é, pois, a do direito internacional, que confere ao termo criança um sentido mais amplo, exceto nos casos em que seja necessário fazer referência à definição legal adotada pelo direito brasileiro, as quais serão feitas expressamente. Neste contexto, a linguagem jurídica exercerá um papel fundamental como instrumento de perpetração e disseminação de preconceitos, de rotulações que agridem ao mesmo tempo em que excluem, fazendo ecoar, pela tradição, conceitos superados no campo das ciências sociais. Por isso é necessária uma postura uníssona de todos os pesquisadores do tema e demais atores que com o mesmo se relacionam, assim como de toda a sociedade, no sentido de erradicar do vocabulário técnico e coloquial termos e expressões como “menor”, “menor abandonado”, “criança de rua”, “menor infrator”, dentre outras. Igualmente, cumpre advertir, sem negar o avanço alcançado, que os vários cenários dessa história são muitas vezes sombrios, mas também alegres, seu enredo dramático, mas com capítulos românticos, e os seus atores, tanto revelam o que de mais sórdido o gênero humano é capaz de produzir pela ação e pela 4

KAMINSKI, André Karst. O Conselho Tutelar, a criança e o ato infracional: proteção ou punição? Canoas: ULBRA, 2002. p. 38-39.

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omissão, quanto traduzem, na meiguice indefesa dos sorrisos resgatados, na brincadeira ingênua e tardia de uma infância roubada e na abnegação e perseverança de pessoas que buscam, pela ciência ou não, melhorar as condições de vida e de desenvolvimento das crianças e dos adolescentes, a face mais incrível da humanidade, a luz que para além das crenças, é capaz de carregar de significado o itinerário do ser humano pela Terra. Contudo esta representação é indireta, tanto pelas fontes de pesquisa quanto em razão de seus autores os quais, no mais das vezes, não eram crianças, o que torna a tarefa de estudar a história dos direitos da criança mais complexa e suscetível de equívocos e demasiadas abstrações teóricas e tautológicas. Entretanto, mesmo assim, há mérito em se discutir tema tão relevante, porque desta forma foram e são criados os consensos limitadores do senso crítico, como o do consumo – ou ciranda (neo) hedonista onde o ato mesmo de consumir é o prazer e não a sua utilidade e conveniência –, e é por esta via que também haverá de ser sedimentada a cultura de respeito aos direitos da criança e do adolescente – repetindo-a até que se torne realidade.

2.1 A infância na sociedade européia ocidental

Durante a Idade Média a criança, européia ocidental vale dizer, sai do anonimato, de uma condição de não-ser transitório e de pouco ou nenhum valor na conformação da família, para ser percebida somente em seus primeiros anos de vida e, mesmo assim, por meio de efêmeros sentimentos de bajulação – não existia à época uma consciência a respeito da particularidade infantil.5 A necessária transição de períodos na vida humana que, num reducionismo, se poderia chamar apenas de faixas etárias, mas que na realidade consistem em etapas de desenvolvimento físico, psicológico e afetivo muito mais complexas, por muito tempo sequer foi reconhecida, quanto mais respeitada como sendo um 5

Cf. ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 1978. p. 10.

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período que exige proteção especial em vista do ingresso das crianças na “era” das responsabilidades impostas pela vida social a partir e além da família. Assim, na medida em que a criança adquiria características comuns aos adultos, como a fala, a capacidade de se locomover, a força física, a ela eram atribuídas as mesmas tarefas incumbidas aqueles, indicando, essa ausência de lapso temporal entre a infância e a fase adulta, que a sociabilidade se dava especialmente fora da família, por meio da aprendizagem.6 Houve, então, no percurso da Idade Média para a Idade Moderna, essa transformação na maneira de se perceber a criança. Ao longo desse período, diversos signos (vocabulário, iconografia, roupa) atestam a passagem da ausência de um sentimento de infância (como condição singular que exige cuidados e proteção especiais), passando pelo tímido reconhecimento da criança como objeto de entretenimento afetivo, caracterizado pela “paparicação” (primeiro, nas famílias burguesas e, depois, de um modo geral), a qual ainda lhe nega a condição de sujeito, até o surgimento das preocupações de “eclesiásticos e homens da lei” desejosos de impor a essas crianças, outrora negligenciadas, “a disciplina e a racionalidade dos costumes”.7 Neste sentido, percebe-se uma relação a priori entre a multiplicidade de termos (categorizados cronologicamente) com que foram designadas as crianças ao longo da Idade Média – as idades da vida –, com a preocupação do homem Antigo em datar eventos, ressalvando, porém, que esta representação das idades decorria da predileção daquela época pela idade do “homem jovem” diante da perspectiva do fim da vida e do alto índice de mortalidade infantil, e não porque houvera alguma formulação que se parecesse com a moderna acepção desses termos.8 Também como parte dessa transfiguração do real despercebido para o abstrato imaginado, a arte medieval e depois a moderna passaram a retratar a criança. Primeiro descrevendo motivos cristãos cujo tema central geralmente era o menino 6

Cf. ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 1978. p. 156. 7 Ibidem. p. 163-164. 8 Ibidem. p. 29-49, passim.

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Jesus e anjos; depois em retratos familiares que registravam crianças mortas (o que denuncia que elas já não eram tão insignificantes assim, apesar de continuarem a morrer em grande quantidade); assim como crianças nuas e em contextos familiares; e, por fim, passam a descrever e individualizar os trajes infantis, não mais iguais aos dos adultos, sugerindo que isso também faz parte do processo de desenvolvimento de um sentimento específico de infância.9 Entretanto, a aparição deste sentimento não significou, necessariamente, uma condição de vida melhor para as crianças de então. As consequências desse processo podem ser traduzidas por duas dimensões, uma referente ao surgimento desta nova categoria de pessoa, apartada da dos adultos e, outra, ligada à estigmatização da criança como um ser inferior, totalmente dependente dos adultos e objeto de sua exclusiva vontade. Em relação a este último aspecto, Kaminski leciona: [...] quando a criança passou a ser identificada como uma pessoa destacada dos adultos, passou ela a ser uma pessoa que não tem, que não pode, que não sabe [...]. Decorre disso que a criança que surgiu já nasceu com um contorno negativo, assumindo uma condição de objeto de vontade 10 dos outros, não sendo descoberta como um sujeito de direitos [...].

A compreensão do processo de “emancipação” ideal da infância ocidental passa por reconhecê-lo como algo fluído, que nega a concepção determinista e linear da história, e que, por conseguinte, não deve ser generalizado para todas as civilizações, haja vista as particularidades existentes em cada cultura e etnia.

2.2 A infância na sociedade brasileira

Especificamente no Brasil, a história da infância assume contornos mais trágicos, caracterizados pelo longo rol de violações durante o período colonial, tanto das crianças embarcadas de Portugal para o Brasil, quanto em relação às que já 9

ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 1978. p. 50-81, passim. 10 KAMINSKI, André Karst. O Conselho Tutelar, a criança e o ato infracional: proteção ou punição? Canoas: ULBRA, 2002. p. 38.

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estavam em terras brasileiras - a criança indígena, aqui referida somente a título de lembrança, posto que uma abordagem de sua história requeira um trabalho à parte. Num primeiro momento, são as relações da colônia com a metrópole a origem da perpetração de violências contra crianças que, vindas de Portugal, chegavam (quando chegavam) ao Brasil exauridas, vilipendiadas, traumatizadas, exploradas de todas as formas, ratificando a idéia de que a organização da família em torno da criança, como figura dissociada dos adultos, não pode ser analisada como um processo linear, tampouco generalizado em toda a Europa, pois nesta época, somente em algumas regiões, como a península ibérica, ocorria a venda de crianças à coroa para serem exploradas nas embarcações como grumetes e pajens.11 Retratando esse período de insensatez, Ramos refere que: Se eram poucas as crianças embarcadas, o número de pequenos que chegavam vivos ao Brasil, ou mesmo à Índia, era ainda menor, e com certeza nenhum conseguia chegar ileso ao seu destino. [...] quando não pereciam durante a viajem, enfrentavam a fome, a sede, a fadiga, os abusos sexuais, as humilhações e o sentimento de impotência diante de um mundo que não sendo o seu tinha que ser assimilado independentemente de sua vontade. Combater o universo adulto desde o início seria tentar vencer uma 12 batalha que já estava perdida.

Evidencia-se, sobejando estas características próprias e bastante marcantes, que o cenário geral de descaso e invisibilidade acerca dos direitos da criança e do adolescente era o mesmo ou pior que o do continente europeu. Além disso, essa transformação, onde a criança passa a ser o centro das atenções da família, que na Europa ocidental teve lugar no início da Idade Moderna, durante a industrialização e o surgimento do capitalismo, em terras brasileiras ocorreu mais tarde. Sendo um país economicamente fragilizado e de industrialização tardia, herdeiro de uma tradição escravocrata e de exploração do trabalhador (inclusive infantil), o Brasil não detinha, em fins do século XIX, condições sócio-econômicas que exigissem das pessoas essa nova postura, por assim dizer, progressista, capaz

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RAMOS, Fábio Pestana. A história trágico-marítima das crianças nas embarcações portuguesas do século XVI. In: PRIORE Mary Del (Org.) 4 ed. São Paulo: Contexto, 2004. p. 20-32, passim. 12 Ibidem. p. 49.

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de fazer emergir, pela natureza das relações de produção, tanto a vida privada, quanto a escolarização em massa.13 Disto decorre uma questão a ser ponderada, relacionada a essa emergência da criança como sujeito (ainda não titular de direitos) em uma sociedade – qual sociedade exatamente é esta? A européia? A brasileira? Ou não justifica o esforço em diferenciá-las o fato de haver entre elas excessivas semelhanças? Com efeito, a sociedade brasileira importou os princípios e valores da européia através dos processos de invasão, colonização e exploração, adaptando-os ao fenômeno da escravidão que persistiu até o final do século XIX, processo este tipicamente brasileiro, numa tentativa de aliar os postulados econômicos do liberalismo com um modo de produção escravagista, contrariando, assim, princípios que há algum tempo já vigoravam na Europa e que, dentre outros aspectos, eram contrários à escravidão. Traduzindo a efervescência liberal já na segunda metade do século XVIII Rousseau propunha a tese de que “O homem nasceu livre e em toda a parte é posto a ferros. Quem se julga senhor dos outros não deixa de ser tão escravo quantos eles”14 e, como numa antevisão da revolução que estava por acontecer, proclamava que: [...] quando um povo é obrigado a obedecer e obedece, ele faz bem; assim que pode sacudir o jugo e o sacode, faz melhor ainda; pois, ao recobrar sua liberdade pelo mesmo direito com que ela lhe foi tomada, esse povo ou tem 15 razão em retomá-la, ou não havia razão alguma de tirá-la.”

Em sentido oposto, porquanto o Brasil convivera durante muito tempo com a escravidão, o ser criança foi profundamente marcado pelo atraso, a ponto de permitir o desenvolvimento de uma história, sob certos aspectos, autônoma. Essa realidade permite ao menos supor um paralelismo anacrônico entre a infância escrava brasileira e a infância vassala medieval ou, mais possivelmente verossímil, com os

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PRIORE, Mary Del. (Org.) História das crianças no Brasil. 4 ed. São Paulo: Contexto, 2004. p. 10. ROUSSEAU, Jean-Jaques. O contrato social. Tradução de Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 2009. p. 23. 15 Ibidem. p. 23-24. 14

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serviçais infantis da Europa Moderna, no que se refere ao aspecto da dependência destes em relação aos seus senhores. No Brasil, ainda convive-se com algumas idéias atrasadas a respeito das questões que envolvem a infância em toda a sua amplitude, da garantia e promoção de direitos ao sistema especial de responsabilização. Essas idéias são como ecos daquelas havidas no contexto em que a escravidão fora abolida no Brasil, momento em que as relações de produção foram redesenhadas pelo capitalismo incipiente, contribuindo para que a Lei Áurea fosse: [...] interpretada como doação, concessão feita aos escravos [...]. Vários estudos dialogaram, de certa forma, com essa interpretação que viu a abolição como resultado da “benevolência” das elites brasileiras. Muitos deles mostraram que a legislação emancipacionista que marcou o processo de abolição no Brasil explica-se pela necessidade de adequação do país às exigências do capitalismo, que, já tão desenvolvido em outras paragens, se encontrava aqui obstruído pela arcaica vigência das relações escravistas de 16 produção.

Sem descuidar que o Brasil possui como herança todos os efeitos negativos decorrentes de uma outrora colônia de exploração e não de povoamento (dívida com a metrópole, evasão de recursos naturais, atraso na agricultura e na indústria), essa inglória realidade social e política, de uma escravidão em vias de extinção, de um país em processo de industrialização, com uma política de imigração como fonte de força de trabalho, a ausência de infra-estrutura e de políticas públicas, a predominância da exploração do trabalhador gerando extremas desigualdades sócio-econômicas e, somado a esse quadro conflitante, uma cultura de negligência ou de negação da criança como sujeito de direitos, dão conta de fornecer os elementos que serviram de contenção para que as crianças brasileiras esperassem até a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 5 de outubro de 1988, para serem reconhecidas enquanto categoria jurídica e como ser social. No mesmo sentido, analisando a questão sob o ponto de vista da malfadada e crônica exploração do trabalho infantil que retroalimenta o círculo intergeracional da pobreza, Veronese e Custódio asseveram que: 16

MENDONÇA, Joseli Nunes. Cenas da abolição: escravos e senhores no Parlamento e na Justiça. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001. p. 3.

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A transição, portanto, da escravidão para o trabalho livre, não viria a significar a abolição da exploração das crianças no trabalho, mas substituir um sistema por outro, considerado mais legítimo e adequado aos princípios norteadores da chamada modernidade. O trabalho infantil continuará como instrumento de controle social da infância e de reprodução social das classes, surgindo, a partir daí, outras instituições fundadas em novos 17 discursos.

Essas diferenças e similitudes são fundamentais para compreender o modo pelo qual o país incorporou a sua práxis social, assistencial, jurídica e política, o lento deslocamento da infância e juventude para o centro das atenções familiares e pública, e para percebermos o quanto persiste no imaginário coletivo essa herança de hábitos que em comum possuem a estigmatização das crianças como objeto de desejo dos adultos, como promessas futuras, de incompletude transitória a justificar a ausência de relações humanas diretas, posto que estas só fossem possíveis entre sujeitos, dotados de capacidade intelectiva e moral. Como platéia interativa desse teatro de reprise onde persiste a contínua negação histórica das crianças e adolescentes enquanto sujeitos de direitos, a sociedade ainda não superou univocamente o paradigma do trabalho como mecanismo disciplinador, sobretudo em relação aos jovens das classes populares, para quem são destinadas, de antemão, as posições mais subalternas de uma sociedade radicalmente estratificada.18 Igualmente, fazendo ecoar as políticas de aprendizagem do século XIX, onde também era reservado às crianças pobres um ofício – força de trabalho para suprir as necessidades da industrialização crescente –, e às crianças ricas, professores particulares – para ensinar-lhes a tomar as rédeas do futuro de uma próspera nação –, é recorrente e por isso mesmo preocupante a disseminação, inclusive entre os bancos acadêmicos, da idéia de que quanto mais cedo as crianças comecem a trabalhar, melhor, pois assim não terão tempo para pensar em “bobagens”.

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CUSTÓDIO, André Viana; VERONESE, Josiane Rose Petry. Crianças esquecidas: o trabalho infantil doméstico no Brasil. Curitiba: Multidéia, 2009. p. 33. 18 RIZZINI, Irma. Pequenos trabalhadores do Brasil. In: PRIORE, Mary Del. (Org.). História das crianças no Brasil. 4 ed. São Paulo: Contexto, 2004. p. 389.

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Da mesma forma, essas boas impressões sobre a precocidade do trabalho, que não raramente visitam rodas de conversas casuais ou de família, onde muitos pais e avós ratificam a opinião acerca de seus benefícios, vêm ao encontro dos resultados obtidos em uma pesquisa IBOPE de opinião pública sobre trabalho infantil e piores formas de trabalho infantil, realizada em março de 2006.19 Na referida pesquisa, foi feita a seguinte pergunta aos entrevistados: “Na sua opinião, a partir de que idade seria adequado que uma pessoa começasse a trabalhar?” Verificou-se que, para 77,3% dos entrevistados mais jovens, com idade entre 16 e 24 anos, é preferível trabalhar com 16 anos ou mais. Em contraposição, essa opção é escolhida por 37,3% dos entrevistados com idade a partir de 50 anos, o que revela a maior aceitação do trabalho precoce entre a população mais velha.20 No mesmo sentido, Vieira refere que: Ao estudarmos os elementos que compõem a problemática geradora do trabalho infantil, observamos que as causas têm características relacionadas a uma herança histórica, a uma visão econômica de desenvolvimento, a uma questão social e a um conjunto de crenças, 21 valores, visões e expectativas as quais denominamos de questão cultural.

Nesta perspectiva, o que se quer propor é uma livre reflexão acerca das possíveis relações existentes entre alguns aspectos da realidade frente aos comportamentos geralmente tidos como aceitáveis ou até mesmo corretos, relação esta a qual, muitas vezes, está carrega de preconceitos latentes e de intolerância disfarçada. Por isso que todas as evidências de manipulação ideológica capaz de revestir com nova roupagem antigos conceitos devem ser discutidas e combatidas,

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RIBEIRO, Rosa. A Percepção do Trabalho Infantil na Sociedade Brasileira – Primeiros resultados da pesquisa de Opinião IBOPE 2004/2006. Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2010. 20 Ibidem. p. 3. 21 VIEIRA, Marcia Guedes. Trabalho infantil no Brasil: questões culturais e políticas públicas. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas (CEPPAC) da Universidade de Brasília, Brasília, 2009. p. 152. Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2010.

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sobretudo aquelas que, estimuladas pela imprensa, acabam encontrando acolhida no Poder Legislativo. Sob esta ótica, fica evidente a relação existente entre as raízes históricas das práticas educacionais baseadas na ameaça e na punição e as tentativas de redução da maioridade penal em resposta à crescente e incessante violência urbana, as quais, em 2007, perfaziam um total de 21 Propostas de Emenda à Constituição, todas elas desprovidas do mínimo aprofundamento sobre quais sejam as razões, sociais e políticas para que a idade penal seja reduzida.22 Da mesma forma, a dificuldade que alguns pais e até educadores têm em reconhecer a ilegitimidade da violência como forma de educar os filhos, pode ser questionada a partir da subserviência intelectual imposta às pessoas pelo imediatismo de uma sociedade de consumo, a qual não permite que se reflita e reconheça os avanços alcançados pelas ciências psicopedagógicas. Também a linguagem coloquial, que outrora foi usada nas legislações “menoristas” e que hoje designa, sem pudor, o “menino de rua” ou o “menor abandonado” como parte da paisagem urbana, e a lógica persistente da assistência, filantropia e caridade para os pobres e da internação para os “delinquentes”, dão conta de reproduzir no presente as práticas do passado. Ainda, é perturbadora a assunção de valores burgueses (respeito absoluto à propriedade, competitividade e individualismo exacerbados) como se fossem seus, por grande parcela da população brasileira, notadamente carente ou de classe média, capaz de legitimar pelo voto uma bancada parlamentar que defende os direitos dos grandes proprietários de terras (22,6% dos Deputados Federais),23 num

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CAMPOS, Marcelo da S.; SOUZA, Luis A. de. Redução da maioridade penal: uma análise dos projetos que tramitam na Câmara dos Deputados. Revista Ultima Ratio. Ano 1. nº 1. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007. p. 231-258. Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2010. 23 INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS. INESC. Bancada ruralista: o maior grupo de interesse no Congresso Nacional. Brasília, outubro 2007 - Ano VII – n.º 12. Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2010.

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país onde abundam ocupações urbanas irregulares e invasões de terra no campo e onde o déficit habitacional é imenso (7,288 milhões, em 2007).24 Ao largo dessas questões sociopolíticas, na seara específica do Direito, em relação à legislação elaborada a partir da independência brasileira,25 percebe-se que a história constitucional e legal revela, em grande medida, a forma pela qual já não mais a família ou a sociedade em geral, mas o legislador tratou e trata as questões que envolvem os direitos das crianças e dos adolescentes. A primeira Constituição brasileira, que foi a Constituição Política do Império do Brasil, promulgada pela Carta de Lei de 25 de março de 1824,26 não fazia nenhuma referência à criança e ao adolescente, ou à infância e à adolescência, apenas previa em seu artigo 15, inciso IV, que era atribuição da Assembléia Geral nomear um tutor ao Imperador menor caso o seu pai não o fizesse em testamento e, em seu artigo 121, que o Imperador seria menor até á idade de dezoito anos, revelando somente uma idéia de menoridade, restrita ao âmbito da capacidade civil. Além de questões relativas à menoridade do imperador, o artigo 92, inciso I, da Constituição do Império, estipulava uma espécie de menoridade eleitoral, pela qual eram excluídos do direito de votar nas Assembléias Paroquiais os menores de vinte e cinco anos, exceto aqueles que fossem casados e os oficiais militares maiores de vinte e um anos, assim como os que fossem bacharéis e os clérigos das ordens sacras. Entretanto, durante esse período pré-republicano, sobretudo na segunda metade do século XIX, a idéia assistencialista e de caridade, em que pese à omissão constitucional em torno da infância, já fazia parte da política governamental. A força de trabalho infantil oriunda das Rodas dos Expostos era aproveitada nos serviços domésticos, no comércio e na indústria incipiente ou, ainda, essas 24

BRASIL. Ministério das Cidades. Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2010. 25 Antes, vigoraram no Brasil, principalmente, as seguintes normas: 1447 – Ordenações Afonsinas; 1521 – Ordenações Manuelinas; 1603 – Ordenações Filipinas. 26 BRASIL. Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brasil, outorgada em 25 de março de 1824. Coleção de Leis do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 7, c. 1, 31 dez. 1824.

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crianças em situação de abandono e as oriundas de famílias pobres, poderiam ser recrutadas pela Companhia de Aprendizes Marinheiros ou Aprendizes do Arsenal de Guerra,27 ainda que já houvesse, à época, iniciativas que permitissem às crianças pobres frequentar escolas primárias e secundárias.28 Outro aspecto marcante do período que antecede a República é a intensificação das práticas, existentes desde o período colonial, de internação de crianças e jovens em asilos, colégios internos e outras instituições correlatas, onde a individualidade era demarcada tanto temporal quanto espacialmente pelas normas institucionais que estabeleciam relações de poder desiguais e que orientavam a internação por duas perspectivas: a primeira, que visava a educação dos filhos da elite, persistiu até a metade do século XX; já a segunda, que era direcionada aos pobres, cujos filhos passaram a assumir o status de ameaça social, exigia um controle estatal mais efetivo dessa nova categoria jurídica – menores de idade –, vige até os dias atuais.29 Na esfera penal, o Código Criminal do Império do Brasil, sancionado no dia 16 de dezembro de 1830, instituía a inimputabilidade relativa dos menores de 14 anos, eis que adotando a teoria da ação com discernimento, estipulava também a pena de recolhimento a casas de correção aos que, compreendidos nessa faixa etária, cometessem crimes conscientes de sua conduta ilícita.30 O Código Criminal do Império também previa em seu artigo 18 a atenuante etária aos menores de 20 anos e a restrição quanto à aplicação da pena de galés aos menores de 21 e maiores de 60 anos,31 pena esta que viria a ser revogada pelo parágrafo 20 do artigo 72 da Constituição dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 24 de fevereiro de 1891 – a primeira Constituição republicana brasileira.32 27

CUSTÓDIO, André Viana; VERONESE, Josiane Rose Petry. Crianças esquecidas: o trabalho infantil doméstico no Brasil. Curitiba: Multidéia, 2009. p. 33-34. 28 Ibidem. p. 31. 29 RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma. A institucionalização de crianças no Brasil: percurso histórico e desafios do presente. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2004. p. 22. 30 BRASIL. Código Criminal do Império do Brasil de 16 de dezembro de 1830. Arts. 10, 1º e 13. Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2010. 31 Ibidem. 32 BRASIL. Constituição (1891). Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 24 de fevereiro de 1891. Diário Oficial [da] União, Poder Legislativo, Rio de Janeiro, p. 777, c. 1, 25 fev. 1891.

25

Semelhantemente, o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, promulgado pelo Decreto n.º 847, de 11 de outubro de 1890, portanto já no período republicano, não reconhecia como criminosos os menores de 9 anos completos e os maiores de 9 e menores de 14 anos que cometessem crimes sem discernimento.33 Persistia, então, a teoria da ação com discernimento, inclusive com a previsão de pena de recolhimento a estabelecimentos disciplinares industriais desde que não excedesse a idade de 17 anos de idade,34 de pena de prisão disciplinar a ser cumprida em estabelecimentos industriais especiais onde recolhidos os menores à idade de 21 anos,35 bem como a atenuante referente aos menores de 21 anos de idade,36 e a obrigatoriedade da aplicação da pena de cumplicidade aos delinquentes maiores de 14 e menores de 17 anos de idade.37 Neste ínterim surge a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, estipulando que a maioridade eleitoral se dará aos 21 anos de idade, mediante alistamento na forma da lei.38 Posteriormente, a Lei n.º 3.071, de 1º de janeiro de 1916, que instituiu o primeiro Código Civil brasileiro, regulando os atos da vida civil até então sujeitos à legislação portuguesa, dispôs sobre a incapacidade civil absoluta dos menores de 16 anos (art. 5º, inciso I) e a incapacidade relativa dos maiores de 16 e menores de 21 anos.39 Durante a vigência, tanto da Constituição da República de 1891, quanto do Código Civil de 1916, foi editado o Decreto 17.943-A, de 12 de outubro de 1927,40 33

BRASIL. Decreto n.º 847, de 11 de outubro de 1890. Art. 27, §§ 1º e 2º. Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2010. 34 Ibidem. art. 30. 35 Ibidem. art. 49. 36 Ibidem. art. 42, § 11. 37 Ibidem. art. 65. 38 BRASIL. Constituição (1891). Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 24 de fevereiro de 1891. Diário Oficial [da] União, Poder Legislativo, Rio de Janeiro, p. 777, c. 1, 25 fev. 1891. 39 BRASIL. Lei n.º 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2010. 40 BRASIL. Decreto 17.943-A, de 12 de outubro de 1927. Consolida as Leis de Assistência e Proteção a Menores. Coleção de Leis do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, v. 2, p. 476, 31 dez. 1927.

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que consolidava as leis de assistência e proteção a menores, instituindo o primeiro Código de Menores brasileiro, oito anos após promulgação, na Argentina, da Lei Agote de 1919, que foi a primeira legislação específica da criança e do adolescente na América Latina.41 O Código de Menores, de 12 de outubro de 1927, em seu artigo 1º, previa uma série de medidas de assistência e proteção ao menor de 18 anos de idade abandonado ou delinquente. Também esquadrinhava em quatro capítulos os alvos de sua regulação, a saber: as crianças da primeira idade (capítulo II), os infantes expostos (capítulo III); os menores abandonados (capítulo IV) e os menores delinquentes (capítulo VII). Evidente, pelos próprios termos da referida lei, que as “medidas de assistência e proteção” nela previstas não eram direcionadas a todas as crianças, mas somente àquelas “abandonadas ou delinquentes”, situações passíveis de intervenção governamental. Desta forma, porquanto nascida em um contexto de acirramento das contradições sociais provocadas pela expansão do capitalismo industrial no início do século XX, com suas jornadas de trabalho extenuantes remuneradas com baixos salários, a legislação “menorista” expunha as famílias dos trabalhadores a privações que, por sua vez, exigiam a participação também das crianças e dos adolescentes no sustento da casa. Além disso, ao introduzir o chamado período “menorista” de assistência à infância, o Código de Menores de 1927 renovou o estereotipo infantil de “ameaça social”, porém não mais relacionado à educação formadora e reformadora, mas como questão de segurança pública ou caso de polícia, abordagem que será novamente retomada pela ditadura militar, sob o viés da ideologia da segurança nacional.

41

Cf. SALIBA, Maurício Soares. O olho do poder: análise crítica da proposta educativa do Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: UNESP, 2006. p. 23.

27

Importa destacar que essa nova concepção de assistência à infância não foi fruto tão somente da vontade dos legisladores, pelo contrário, muitos segmentos da sociedade, notadamente a classe científica – médicos higienistas, psiquiatras, psicólogos, cientistas sociais –, contribuíram para construir a idéia de que as crianças oriundas das classes populares deveriam ser objeto de intervenção estatal, fosse por meio da assistência social ou da assistência jurídica: Desde o início do século XX, autoridades públicas questionavam a falta de método científico no atendimento ao menor no país. Com a instauração da justiça de menores, foi incorporado na assistência o espírito científico da época, transcrito para a prática jurídica pelo minucioso inquérito médico42 psicológico e social do menor.

Resumidamente, o Código de Menores de 1927 apresentava as seguintes modificações no cenário legal e institucional referente à infância: 1 - Instituiu um Juízo Privativo de menores; 2 - elevou a idade da irresponsabilidade criminal do menor para 14 anos; 3 – instituiu o processo especial para menores infratores de 14 a 18 anos; 4 - estendeu a competência do Juiz de Menores aos abandonados e anormais; 5 estendeu a competência do Juiz de Menores à matéria civil e administrativa; 6 - autorizou a intervenção do Juiz de Menores para suspender, inibir ou restringir o pátrio poder, com imposição de normas e condições aos pais e tutores; 7 - regulou o trabalho dos menores; 8 - criou o centro de observações dos menores; 9 - criou um esboço de Polícia Especial de Menores dentro da competência dos comissários de vigilância; 10 procurou criar um grande corpo de assistentes sociais sob a dominação de “delegados de assistência e proteção” aos menores, com a participação popular, como comissários voluntários e como membros do Conselho de 43 Assistência e Proteção aos Menores.

Por seu turno, incorporando a menoridade prevista no Código de Menores, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 16 de julho de 1934, em seu artigo 121, previa a proibição de qualquer trabalho a menores de 14 anos, de trabalho noturno a menores de 16 e em indústrias insalubres, a menores de 18 anos e a mulheres. No parágrafo único do artigo 146, o qual dispunha sobre o casamento, também fazia referência ao juiz de menores. Ou seja, a figura do juiz de menor já existia no plano constitucional em 1934, assim como a categoria jurídica “menor de idade”, porém, até então, o termo 42

RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma. A institucionalização de crianças no Brasil: percurso histórico e desafios do presente. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2004. p. 31. 43 CARVALHO, Francisco Pereira de Bulhões. Direito do Menor. Rio de Janeiro: Forense, 1977. p. 33.

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“criança” ainda não aparecia nem na lei, nem na Constituição. Esta ausência perdurou na Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, a qual apenas repetiu, em seu artigo 137, alínea “k”, as disposições da anterior quanto à proibição de trabalho aos menores de quatorze anos, de trabalho noturno aos menores de 16 anos e, em indústrias insalubres, aos menores de 18 anos. No que respeita as políticas de assistência ao menor, o período do Estado Novo é caracterizado por um processo de transição institucional, onde o Serviço de Assistência a Menores (SAM), que houvera sido implantado pelo governo Vargas em 1941, exerce papel preponderante. Este órgão pretendia resgatar para a sociedade os menores “desvalidos”, carentes de tutela parental, através de parcerias entre o poder público e a iniciativa privada na criação de educandários destinados a acolher crianças e jovens desamparados ou “delinquentes”. Neste processo de expansão nacional do Serviço de Assistência a Menores, Rizzini e Rizzini asseveram que: [...] a finalidade de assistir aos “autênticos desvalidos”, ou seja, àqueles sem responsáveis por suas vidas, foi desvirtuada, sendo o órgão tomado pelas relações clientelistas, pelo uso privativo de uma instituição pública. “Falsos desvalidos”, cujas famílias tinham recursos, eram internados nos melhores 44 educandários mantidos pelo Serviço, através de pistolão e corrupção.

No aspecto trabalhista, a Constituição seguinte, de 1946,45 trouxe um avanço ao ampliar o limite etário de proibição de trabalho noturno para menores de 18 anos, e não mais de 16 anos, com nas duas anteriores, porém, suprimiu a referência feita à atenção especial à saúde da criança, prevista junto com a competência da União para legislar sobre matérias relativas à saúde,46 acrescentando, ainda, disposições relativas à aprendizagem.

44

RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma. A institucionalização de crianças no Brasil: percurso histórico e desafios do presente. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2004. p. 34. 45 BRASIL. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Diário Oficial [da] União, Poder Legislativo, 19 set. 1946. 46 O artigo 16, inciso XXVII, da Constituição de 1937, dispunha sobre a competência privativa da União para legislar sobre normas fundamentais da defesa e proteção da saúde, especialmente da saúde da criança.

29

Em razão dos diversos casos de corrupção que grassavam no Serviço de Assistência a Menores, sendo o principal deles a ausência de vínculo contratual dos estabelecimentos particulares que recebiam repasses per capita para cada internação, e da ineficácia de seu sistema de internação que funcionava como um mecanismo reprodutor de práticas criminais, em meados da década de 1950, as autoridades públicas passaram a defender a criação de uma nova instituição, que atendesse e superasse, a um só tempo, as exigências impostas pela doutrina de internamento implantada pelo Serviço de Assistência a Menores, fomentada pelos antigos Juizados de Menores e estimulada por pais desejosos de se verem livres da obrigação de criar seus filhos.47 Neste contexto é criada a Fundação Nacional do Bem Estar do Menor FUNABEM, cujas diretrizes foram fixadas pela Lei n.º 4.513, de 1º de dezembro de 1964,48 durante o governo Castelo Branco, incorporando àquela o patrimônio e as atribuições do Serviço de Assistência a Menores, porém sob um viés de valorização da dimensão familiar e comunitária do menor pelo qual, teoricamente, a internação era recomendada somente em último caso. Essa nova estratégia político-institucional de combate à marginalização da infância, que estabeleceu as bases para a teoria da situação irregular – cuja ideologia era fundada na idéia de segurança nacional da Escola Superior de Guerra –, propugnava uma atitude reativa por parte do estado, que só atuaria nos casos em que a situação de desamparo ou de prática de delitos fosse flagrante e por meio de uma rede de atendimento correicional-repressiva que, segundo Custódio: [...] atuava com vistas na irregularidade da condição infantil, reforçando o papel assistencialista do Estado numa prática absolutamente centralizada, com motivações ideológicas autoritárias do regime militar. A solução ao “problema do menor” era a política de contenção institucionalizada,

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RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma. A institucionalização de crianças no Brasil: percurso histórico e desafios do presente. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2004. p. 34-35. 48 BRASIL. Lei n.º 4.513, de 1º de dezembro 1964. Autoriza o Poder Executivo a criar a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, a ela incorporando o patrimônio e as atribuições do Serviço de Assistência a Menores, e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 12 mai. 2010.

30 mediante o isolamento como forma de garantir a segurança nacional e a 49 imposição de práticas disciplinares com vistas à obtenção da obediência.

Já a Constituição de 1967 e a sua Emenda Constitucional n.º 1, sem representar nenhum avanço,

apresentavam,

respectivamente,

os

seguintes

dispositivos: artigos 158 e 165, proibindo o trabalho aos menores de 12 anos e o trabalho noturno e insalubre às mulheres e menores de 18 anos; artigos 170 e 178, impondo às empresas a obrigação de ministrar em cooperação a aprendizagem; e artigos 168 e 176, incisos II, prevendo a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino nos estabelecimentos primários oficiais para todos entre sete e quatorze anos. No plano internacional, a temática específica do trabalho infantil foi abordada na Convenção n.º 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovada em Genebra no ano de 1973, a qual entrou em vigor em 19 de junho de 1976, anunciando, em seu artigo 1º, a luta pela erradicação do trabalho infantil com a elevação progressiva da “idade mínima de admissão a emprego ou trabalho em um nível adequado ao pleno desenvolvimento físico e mental do jovem”.50 Para tanto, em seu artigo 2º, proibia o trabalho às crianças em idade escolar ou, em qualquer hipótese, aos menores de 15 anos ou, a depender de algumas circunstâncias, aos menores de 14 anos (parágrafos 3 e 4) e, em seu artigo 3º, a proibição de trabalhos insalubres para menores de 18 anos (inciso 1). Embora a Convenção n.º 138 date do ano de 1973 e a despeito de a OIT ter pretendido, na sua implantação, obrigar os países a adotarem uma política nacional de combate ao trabalho infantil que, paulatinamente, se tornasse independente em relação aos instrumentos internacionais, no Brasil, ela teve seu texto aprovado pelo Congresso Nacional somente em 1999, pelo Decreto Legislativo n.º 179, sendo promulgada por meio do Decreto n.º 4.134, de 15 de fevereiro de 2002.51 49

CUSTÓDIO, André Viana. A exploração do trabalho infantil doméstico no Brasil contemporâneo: limites e perspectivas para sua erradicação. Tese (Doutorado em Direito). Curso de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006. p. 72. 50 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. OIT. Convenção 138 sobre idade mínima para admissão a emprego. Disponível em: . Acesso em: 11 mai. 2010. 51 BRASIL. Decreto n.º 4.134, de 15 de fevereiro de 2002. Promulga a Convenção n.º 138 e a Recomendação n.º 146 da OIT sobre Idade Mínima de Admissão ao Emprego. Disponível em: . Acesso em: 12 mai. 2010.

31

Antecedendo a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, foi promulgada a Lei n.º 6.697, em 10 de outubro de 1979,52 que instituía o novo Código de Menores brasileiro, e a Doutrina da Situação Irregular, o qual dispunha, em seu artigo 1º, sobre a assistência, proteção e vigilância aos menores de até dezoito anos de idade que se encontrem em situação irregular. Segundo o Código de Menores de 1979 (artigo 2º e incisos), os menores estariam em situação irregular nas seguintes circunstâncias: se privados de condições essenciais a sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de falta, ação ou omissão dos pais ou responsável ou da manifesta impossibilidade destes ou daqueles em provê-las; se vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; se em perigo moral, devido a encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes ou em razão de sua exploração em atividade contrária aos bons costumes; se privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; e se autor de infração penal. Mesmo que a proposta de elaboração do Código de Menores de 1979 tenha partido da Associação Brasileira de Juízes de Menores por ocasião das comemorações relativas ao Ano Internacional da Criança, da Organização das Nações Unidas (ONU), e ainda que a época já existisse correntes contrárias à histórica estigmatização das crianças e adolescentes, o fato é que permaneceram no novo Código os mitos em torno do trabalho edificador, da idéia de menor infrator dissociada de um contexto

sócio-econômico,

da

negação das

profundas

desigualdades sociais consolidadas na sociedade brasileira.53 O que houve, em última análise, foi o uma redefinição gramatical, onde o campo semântico de palavras como abandonado, delinquente, transviado, infrator, exposto, foi transferido extraoficialmente para a expressão “situação irregular”. 52

BRASIL. Lei n.º 6.697, de 10 de outubro de 1979. Institui o Código de Menores. Disponível em: . Acesso em: 12 mai. 2010. 53 CUSTÓDIO, André Viana. Direito da Criança e do Adolescente. Criciúma: UNESC, 2009. p. 22-21.

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Explicitando a retomada das antigas concepções caritativas e filantrópicas, agora também permeadas pela burocracia institucional de um Estado autoritário que via na miséria uma moléstia bacteriana a ser erradicada pelo antibiótico da repressão, Custódio refere que: O Código de Menores de 1979 será a perfeita formatação jurídica da Doutrina da Situação Irregular, constituída a partir da Política Nacional do Bem-Estar do Menor adotada em 1964. Trouxe a concepção biopsicossocial do abandono e da infração, fortaleceu as desigualdades, o estigma e a discriminação dos meninos e meninas pobres, tratando-os como menores em situação irregular e ressaltou a cultura do trabalho, legitimando, 54 portanto, toda ordem de exploração contra crianças e adolescentes.

E é por estas vias que, guardadas as devidas peculiaridades, as medidas levadas a cabo no âmbito das políticas de assistência à infância e juventude durante a ditadura militar brasileira eram, ao mesmo tempo, reflexo e espelho do que ocorria nas outras dimensões da vida social do país. Com efeito, a matriz ideológica repressora e centralizadora do regime militar provocou o acirramento de suas contradições. Já não resistiam mais os argumentos pretensamente legitimadores do golpe de 1964 – agitação política, desenvolvimento nacional e estabilidade econômica, eis que desde meados dos anos setenta até o início dos oitenta a economia brasileira entrara em declínio e a inflação ascendia a níveis alarmantes, assim como os canais de expressão política estavam suprimidos. Ao analisar as premissas econômicas, sociais e políticas que levaram a sociedade a promover os movimentos pela redemocratização do país na década de oitenta, Rodrigues destaca o que ele chama de “ressurgimento da sociedade civil”: Diversos estudos já demonstraram que, durante a década de 1970, a presença de militantes de extração católica, ligados a organizações de esquerda e de sindicalistas, privados dos canais usuais de expressão por causa da repressão política, acabou contribuindo para o desenvolvimento de uma enorme rede de movimentos populares urbanos. [...] Quando iniciaram os anos 1980, a sociedade civil brasileira contava com um novo padrão organizacional, com uma densidade política diferenciada, uma

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CUSTÓDIO, André Viana. A exploração do trabalho infantil doméstico no Brasil contemporâneo: limites e perspectivas para sua erradicação. Tese (Doutorado em Direito). Curso de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006. p. 75-76.

33 disposição militante de caráter autônomo que contrastava com as 55 vinculações populistas do período pré-1964.

Neste sentido, em que pese os aspectos político-partidários do período em que foram debatidas as questões referentes ao novo paradigma legal para os direitos da criança e do adolescente, esses mesmos argumentos servem para ilustrar o contexto social e político de transição (ainda que “lenta e gradual”) em que se deu o surgimento da Doutrina da Proteção Integral da Criança e do Adolescente: É assim que a década de 1980 constitui-se o marco da afirmação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, com a inscrição na Constituição Federal dos princípios da Doutrina da Proteção Integral, superando definitivamente toda matriz autoritária do menorismo instaurado ao longo da história brasileira. No entanto, para compreensão do alcance das mudanças torna-se imprescindível compreender o universo infanto56 juvenil a partir de sua realidade concreta após este período.

O próximo desafio, portanto, seria e continua sendo transportar as mudanças alcançadas no plano teórico e abstrato das normas, e na burocracia institucional dos Estados, para o mundo real em que vivem as crianças e os adolescentes brasileiros.

2.3 A teoria da proteção integral e dos Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente

Predomina hoje, no Brasil e no direito internacional, a concepção de que a infância e a juventude, por serem caracterizadas, de maneira geral, como um período de afirmação da personalidade, de transição e conflitos, merecem atenção especial da família, da sociedade e do Estado. Esse processo de reafirmação dos direitos da criança e do adolescente, como se infere, culminou, na esfera legislativa, primeiro com a promulgação da Constituição da República de 1988, a qual enuncia em seu artigo 227 que: 55

RODRIGUES, Alberto Tosi. Diretas já: um grito preso na garganta. 1 ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003. p. 12-13. 56 CUSTÓDIO, André Viana. A exploração do trabalho infantil doméstico no Brasil contemporâneo: limites e perspectivas para sua erradicação. Tese (Doutorado em Direito). Curso de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006. p. 82.

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É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Posteriormente, com a promulgação da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, trazendo em definitivo, a Teoria da Proteção Integral para a realidade jurídicoinstitucional do Brasil. Esta lei, além de enunciar em seu artigo 4º os mesmos direitos previstos no artigo 227 da Constituição, refere no parágrafo único, que a efetivação será garantida com absoluta prioridade pela primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; pela precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; pela preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; e por meio da destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Ocorre que desde a época em que a Lei n. 6.697, de 10 de outubro de 1979, que instituiu outro Código de Menores, foi aprovada (a qual adotava explicitamente a doutrina da situação irregular), já se ventilava no plano internacional a Teoria da Proteção Integral. Custódio menciona que, nesta época, o jurista Ubaldino Calvento já reconhecia a existência de três escolas no I Congresso Ibero-Americano de Juízes de Menores realizado na Nicarágua: Doutrina da proteção integral, em consonância com o discurso da ONU, a lei asseguraria a satisfação de todas as necessidades das pessoas

de

menor

idade,

relacionadas

à

saúde,

educação,

recreação,

profissionalização, entre outros; Doutrina do Direito Penal do Menor, direcionada somente ao menor que pratique ato de delinqüência; Doutrina intermédia da situação irregular – os menores são sujeitos de direito quando se encontrarem em estado de patologia social, definida legalmente.57 Entretanto essas teorizações não resultaram em uma formulação oficial de instrumentos legislativos internacionais, em razão do que o Brasil acabou por se 57

CUSTÓDIO, André Viana. Teoria da proteção integral: pressuposto para compreensão do Direito da Criança e do Adolescente. Revista do Direito, n.º 29. Santa Cruz do Sul: UNISC, 2008. p. 22-43.

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antecipar à comunidade internacional no que diz respeito à adoção política da Teoria da Proteção Integral, posto que para esta, isso se deu somente com a Convenção Internacional dos Direitos Humanos da Criança de 1989, enquanto que a Constituição brasileira é de 1988.58 Também por essa razão, a opção política pela Doutrina da Proteção Integral foi um marco histórico que deve ser valorizado. Explicitando o significado dessa escolha, pela qual o legislador brasileiro incorporou ao Estatuto da Criança e do Adolescente disposições análogas às de algumas Cartas Constitucionais e convenções internacionais, o juiz de direito italiano Paolo Vercelone, refere que: Trata-se da técnica legislativa usual quando se faz uma revolução, quando se reconhece que uma parte substancial da população tem sido até o momento excluída da sociedade e coloca-se agora em primeiro plano na ordem de prioridades dos fins a que o Estado se propõe. [...] Não se trata neste caso de palavras inúteis, como às vezes se diz das solenes declarações constitucionais. As regras ali enunciadas colocam também algumas normas de caráter imediatamente preceptivo, isto é, às quais todos devem imediata obediência, pois são suficientemente precisas; mas têm importância decisiva também por seu aspecto programático, isto é, aquele 59 que se refere às normas concretas para implementação do programa.

No entanto, em razão da correlação de forças existentes na sociedade, de interesses e valores diversos, a reafirmação dos direitos e garantias conquistados deve ser uma constante, planejada e defendida nos mínimos detalhes, sem deixar nenhuma margem a retrocessos. Não deve ser subestimado o fato de que a Convenção n.º 138 de 197360 foi promulgada no Brasil somente pelo Decreto n.º 4.134, de 15 de fevereiro de 2002, mesmo estando vigente a Constituição desde 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente desde 1990.

58

RAMIDOFF, Mário Luiz. Direito da Criança e do Adolescente: por uma propedêutica jurídicoprotetiva transdisciplinar. Tese (Doutorado em Direito). Curso de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2007. p. 21. 59 VERCELONE, Paolo. Art. 3º. In: CURY, Munir; AMARAL E SILVA, Antônio Fernando do; MENDEZ, Emílio García. (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 4 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 17. 60 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. OIT. Convenção 138 sobre idade mínima para admissão a emprego. Disponível em: . Acesso em: 11 mai. 2010.

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O significado dessa demora, embora seja difícil de alcançar, faz com que, no mínimo, não se tenha qualquer pudor em promover o que está positivado, implantado e reconhecido interna e internacionalmente – a proteção dos direitos da criança e do adolescente com absoluta prioridade, pondo-os a salvo de qualquer retrocesso. Ao se fazer uma digressão histórica sobre essa evolução legislativa vê-se que, mesmo passados dezenove anos da entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente e vinte e um anos da promulgação da Constituição da República, ainda há muito no que avançar em relação à efetivação da Doutrina da Proteção Integral. E o reflexo dos equívocos históricos e da insuficiência de políticas públicas voltadas à questão escancara a sua faceta mais cruel no aumento do número de crianças e adolescentes em situação de rua, ainda que esse problema seja determinado por diversos fatores de ordem política mais ampla que não, exclusivamente, a legislação.61 Embora não seja fato recente, haja vista existirem relatos do período colonial referindo a existência de crianças em situação de rua, essa questão começou a ser encarada do ponto de vista científico e social somente a partir da quarta parte do século passado. Existem estudos na área da psicologia indicando as implicações decorrentes da situação de rua, as quais envolvem aspectos de desenvolvimento social, cognitivo, emocional e físico e, apesar da relatividade existente entre eles, o consenso geral e até óbvio é no sentido de que a rua não é o lugar ideal para qualquer ser humano viver.62 Assim, a solução para essas crianças e adolescentes em situação de rua e que não estão em conflito com a lei têm sido o encaminhamento para instituições de abrigo. Entretanto a situação de rua representa apenas 7,0 % (sete por cento) dos 61

Cf. BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Brasília: CONANDA, 2006. p. 53. Disponível em: . Acesso em: 8 jun. 2010. 62 HUTZ, Cláudio Simon; KOLLER, Sílvia Helena. Questões sobre o desenvolvimento de crianças em situação de rua. Disponível em: . Acesso em: 8 jun. 2010.

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motivos que geram a demanda por abrigo. Somada a ela, existem outros como o a probreza das famílias (24,2%), o abandono (18,9%), a violência doméstica (11,7%), a dependência química dos pais ou dos responsáveis, incluindo o alcoolismo (11,4%) e a orfandade (5,2%).63 Este cenário faz com que ainda persista no Brasil a prática de encaminhamento de crianças para instituições que são muito semelhantes aos antigos asilos ou orfanatos,64 muito embora esteja sendo travado no Brasil um profundo debate acerca do papel das instituições de acolhimento, cujo principal instrumento é o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária, considerado um marco nas políticas públicas destinadas a romper com a cultura da institucionalização de crianças e adolescentes e a fortalecer o paradigma da proteção integral e da preservação dos vínculos familiares e comunitários preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.65 Portanto, em que pese tanto a Constituição, quanto o Estatuto, serem normas válidas, vigentes e eficazes, persiste o desafio de efetivá-las para todas as crianças e adolescentes, muitas das quais continuam sofrendo os reflexos das antigas perspectivas teóricas, jurídicas e institucionais que além de não darem conta dos problemas sociais que afetavam a infância e a juventude, contribuíam e contribuem ativamente para agravar a situação das mesmas, estigmatizando crianças e jovens ou como desvalidos ou como delinquentes. A dificuldade da sociedade, dos poderes constituídos, e até das pessoas, em compreender a amplitude da quebra de paradigma que foi o advento da Doutrina de Proteção Integral, que impõe necessariamente a adoção de uma nova postura 63

BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Brasília: CONANDA, 2006. p. 59. Disponível em: . Acesso em: 8 jun. 2010. 64 RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma. A institucionalização de crianças no Brasil: percurso histórico e desafios do presente. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2004. p. 09. 65 BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Brasília: CONANDA, 2006. p. 17. Disponível em: . Acesso em: 8 jun. 2010.

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traduzida pela prática institucional, tem contribuído para a não efetivação plena dos direitos nela previstos e garantidos. Sobre a complexidade dessa assimilação Custódio assevera que: Embora quase todos os pesquisadores da área façam o registro da transição do Direito do Menor (Doutrina da Situação Irregular) para o Direito da Criança e do Adolescente (Doutrina da Proteção Integral); poucos se dedicaram à compreensão das complexas e profundas mudanças decorrentes dessa ruptura histórica. Talvez, a própria proximidade histórica dessas mudanças contribua para a dificuldade em se afirmar a amplitude, 66 profundidade e complexidade dessas transformações.

E o preço tem sido caro, o que não importa dizer que haja retrocesso, mas, antes, deve servir de alerta para que a emergência da questão da infância não perca seu caráter prioritário nem nos discursos, tampouco na prática. Neste sentido, parte do que está por ser feito, especificamente no campo da educação, é indicada pelo relatório “Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009 – O Direito de Aprender: Potencializar avanços e reduzir desigualdades”. Segundo essa publicação, realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), uma pesquisa feita com profissionais das escolas mostra, por exemplo, que 17,5% admitem não ter interesse pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (p. 120).67 O mesmo relatório (p. 121) informa que, segundo análise divulgada em julho de 2008 pela Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP), muitas varas, promotorias e defensorias públicas não estão preparadas para atuar com base no paradigma de atendimento integral à criança e ao adolescente, seja porque falta conhecimento da lei por parte dos operadores de direito, seja por ausência de critérios na proporcionalidade de magistrados, promotores de Justiça e defensores públicos e de varas da infância e da juventude por número de habitantes. 66

CUSTÓDIO, André Viana. Teoria da proteção integral: pressuposto para compreensão do Direito da Criança e do Adolescente. Revista do Direito, n.º 29. Santa Cruz do Sul: UNISC, 2008. p. 23. 67 SILVA, Maria de Salete; ALCÂNTARA, Pedro Ivo Alcântara (coord. geral). O Direito de Aprender: Potencializar avanços e reduzir desigualdades. Brasília, DF: UNICEF, 2009. Disponível em: . Acesso em: 02 abr. 2010.

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Além disso, o estudo da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude assinala como entrave à garantia dos direitos da criança e do adolescente os seguintes fatores: os operadores do direito não recebem formação específica sobre as políticas públicas voltadas a crianças, adolescentes e suas famílias; a não obrigatoriedade da disciplina Direito da Criança e do Adolescente no currículo pleno dos cursos de direito; a ausência de uma tradição de os cursos apresentarem uma dimensão interdisciplinar, o que dificulta ao operador de direito formado considerar-se parte integrante de uma grande rede responsável pela garantia dos direitos da criança e do adolescente. Também é importante considerar a situação precária da maioria dos Conselhos Tutelares, bem como a ausência destes em mais de 680 municípios brasileiros, sendo que dentre os existentes 4% estão inativos.68 Com efeito, da análise das pesquisas e informações disponíveis, se compreende que a implantação dos direitos da criança e do adolescente a partir dos pressupostos da Teoria da Proteção Integral constituiu e constitui uma verdadeira epopéia diante da diversidade e da imensidão do “continente” brasileiro. Mormente se levarmos em consideração que, contemporâneas a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988 e ao Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído pela Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, considerados dois dos mais avançados diplomas legais existentes no que se refere à garantia dos direitos individuais, existem milhares de crianças que pedem passagem em direção às promessas da modernidade insculpidas nestes que são, respectivamente, a matriz axiológica e normativa de todo o ordenamento jurídico brasileiro e a ferramenta mais eficaz para a implementação dos direitos da criança e do adolescente – mas que não possui o condão de, por si somente, se tornar efetiva.

68

FISCHER, Rosa Maria. (Coord. Geral). Os bons conselhos: pesquisa “conhecendo a realidade”. São Paulo, 2007. p. 175. Disponível em: . Acesso em: 13 abr. 2010.

40

3 O CONSELHO TUTELAR

3.1 Mitos e desencontros

Sob uma perspectiva gramatical a palavra mito se refere as narrativas alegóricas, lendas ou fábulas que são representadas pela imaginação popular, assim como também pode assumir a conotação de idéia ou coisa falsa.69 Desta maneira, antes de se abordar o que seja o Conselho Tutelar, sua natureza jurídica e atribuições, mister se faz mencionar alguns mitos que induzem a uma confusão sobre a real importância dessa instituição na efetivação dos direitos da criança e do adolescente e, por via reflexa, na estabilização das relações sociais a partir da axiologia fundamental do Estado Democrático de Direito. É verdade que muitas distorções decorrem da própria falta de capacitação dos Conselheiros Tutelares, os quais por vezes extrapolam as suas atribuições sem o saber, bem como outra parcela de responsabilidade deve ser atribuída às administrações e legislativos municipais que não propiciam condições adequadas para que a atuação do Conselho Tutelar seja minimamente satisfatória. Igualmente, não há como deixar de referir que à comunidade cabe também um quinhão desse ônus, pois ela é depositária dos recursos humanos que suprem essas instituições, assim como é a protagonista do processo democrático que elege os mandatários de todas as esferas de governos, bem como, em muitos casos, os próprios Conselheiros Tutelares. Neste sentido, uma ampla pesquisa realizada entre fevereiro e novembro de 2006, pelo Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor (CEATS) da Fundação Instituto de Administração,70 baseada em dados secundários 69

LUFT, Celso Pedro. Minidicionário Luft. São Paulo: Ática, 2000. p. 461. FISCHER, Rosa Maria. (Coord. Geral). Os bons conselhos: pesquisa “conhecendo a realidade”. São Paulo, 2007. p. 256. Disponível em: . Acesso em: 13 abr. 2010. 70

41

(coletados a partir da consulta a fontes existentes como relatórios, documentos, outras pesquisas) e em dados primários (levantados especificamente para o trabalho em questão, de modo a complementar os dados secundários, realizado diretamente com os indivíduos envolvidos com o tema abordado), evidenciou muitas dessas dificuldades. Segundo os dados levantados, cujo universo de pesquisa abrangeu 71 % dos Conselhos Tutelares de todo o país, os Conselheiros são, muitas vezes, levados a atuar em áreas afetas a outros profissionais, tais como advogados, promotores, coordenadores escolares entre outros.71 Em relação aos Conselhos pesquisados, 87% são ou já foram demandados a resolver problemas de disciplina escolar; 70% já foram demandados a fiscalizar sistematicamente bares, restaurantes e boates, com vistas à identificação de crimes ou infrações contra crianças e adolescentes; 58%, a determinar registro civil de nascimento ou óbito; 42 % mediam acordos extrajudiciais de pensão alimentícia; e 40 % emitem autorização para crianças e adolescentes viajarem. Acerca da emissão de autorização para viagem no território nacional, os artigos 83, 84 e 85 do Estatuto da Criança e do Adolescente são claros ao estabelecer que os menores de 12 anos somente podem viajar acompanhados de pelo menos um dos pais, ou de responsável legal, ou ainda de ascendente ou colateral maior, até o terceiro grau, comprovado documentalmente o parentesco. Nestes casos, podem os pais ou responsável legal autorizar expressamente que pessoa maior acompanhe seu filho em viagem, responsabilizando-se por ele. Já em viagens ao exterior, é indispensável que o menor de dezoito anos esteja acompanhado de ambos os pais, ou do responsável legal. Ainda, se a criança ou adolescente estiver viajando com apenas um dos pais ou desacompanhado, será exigida a respectiva autorização judicial, ou documento 71

Cf. CENTRO DE EMPREENDEDORISMO SOCIAL E ADMINISTRAÇÃO EM TERCEIRO SETOR. CEATS. Pesquisa “Conhecendo a realidade”. Disponível em: . Acesso em: 8 mai. 2010. p. 250.

42

com firma reconhecida, assinado pelos pais ou responsável expressando a autorização. A solicitação de autorização para viagens não enseja qualquer custo para o solicitante. A mesma pesquisa aponta como causa desses desvios de função, desde a falta de clareza quanto às suas atribuições até a carência da oferta de serviços especializados em resposta às necessidades da população atendida pelos Conselheiros Tutelares. Não é preciso se deter em demasia no que respeita a impossibilidade do Conselho Tutelar mediar quaisquer acordos extrajudiciais, sobretudo em se tratando de pensão alimentícia, a qual envolve direitos indisponíveis. Por definição lato sensu a mediação é um ato de intervenção de uma pessoa em negócio ou contrato de outras.72 Como medida extrajudicial de resolução de conflitos, há a participação de um terceiro, imparcial, a quem incumbe prestar assistência às pessoas em conflito, com a finalidade de que possam manter uma comunicação propositiva à procura de um acordo possível entre elas. Sob esta ótica, é evidente que nem o Conselho Tutelar pode ser considerado imparcial, vez que é de sua essência a proteção aos direitos da criança e do adolescente, tampouco o Estatuto da Criança e do Adolescente faz qualquer tipo de referência expressa ou implícita no sentido de atribuir aos Conselheiros esse tipo de atribuição. Inclusive a não jurisdicionalidade do Conselho está claramente delineada no artigo 131 do Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo o qual “O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei.”

72

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 28 ed. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 902.

43

No mesmo sentido, o artigo 6º da Resolução CONANDA n.º 75, de 22 de outubro de 2001, prevê que “O Conselho Tutelar é órgão público não jurisdicional, que desempenha funções administrativas direcionadas ao cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, sem integrar o Poder Judiciário.” Já a fiscalização de bares, restaurantes e boates, com vistas à identificação de crimes ou infrações contra crianças e adolescentes possui a característica peculiar de possibilitar que os Conselheiros Tutelares acompanhem a força policial, o Ministério Público ou algum agente fiscalizador da própria prefeitura, em suas diligências nestes locais. Entretanto isso não significa dizer que seja da competência do Conselho Tutelar fazê-lo, esta é uma possibilidade a ser avaliada tendo como pressuposto básico a possibilidade de que sua participação contribua para fazer prevenir ou cessar a eventual violação de direito por meio da aplicação das medidas de proteção que se fizerem necessárias. Sobre esse tipo específico de cooperação, importa destacar que: O Conselho Tutelar não é um órgão de segurança pública (sobre essa questão consulte o artigo 144 da Constituição Federal). Quando necessário, o CT poderá requisitar a intervenção de órgãos policiais (ECA: artigo136, inciso III, “a”), assim como articular suas ações com os órgãos de fiscalização da prefeitura, Vigilância Sanitária e Poder Judiciário (por meio de seus Agentes de Proteção ou Comissários de Vigilância, como a lei 73 estadual de organização judiciária dispuser).

Do mesmo modo, os problemas disciplinares na escola serão, em regra, responsabilidade dos pais e professores, a menos que deles decorram outras violações de direito mais graves relacionadas à prática de atos infracionais. Caso contrário, o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece em seu artigo 56 e incisos que os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de maus-tratos envolvendo seus alunos, de reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares, e a existência de elevados níveis de repetência. 73

BRASIL. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. CONANDA. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e Conselho Tutelar: orientações para criação e funcionamento. Brasília, 2007. p. 101.

44

Outro aspecto que revela essa percepção equivocada comungada por parte da população em relação aos Conselheiros Tutelares diz respeito à associação que é feita entre estes e o antigo Comissário de Menores, figura prevista no Código de Menores de 1979, a quem era delegada pela autoridade judiciária a fiscalização sobre o cumprimento das decisões judiciais ou determinações administrativas tomadas em relação à assistência, proteção e vigilância a menores (artigo 7º, parágrafo único). Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente tenha revogado o Código de Menores de 1979, alguns autores equivocadamente entendem que ele mantivera, em seu artigo 194, a função de comissário, porém sem denominação expressa, e que apenas convencionou-se chamá-lo agente de proteção, o qual é um servidor efetivo ou voluntário credenciado por deliberação exclusiva do juiz da infância e da juventude, mediante portaria judicial, para elaborar o auto de infração decorrente de violação às normas de proteção à criança e ao adolescente, entre outras atribuições.74 No entanto, ao se comparar a definição legal da função dos Comissários no Código de Menores de 1979 com a do Estatuto da Criança e do Adolescente, percebe-se que as respectivas atribuições, levando-se em conta o que dizia lei, foram restringidas, não lhe cabendo mais fiscalizar o cumprimento das decisões judiciais ou determinações administrativas relativas à assistência, proteção e vigilância a menores (artigo 7º e parágrafo único do Código de Menores de 1979), mas sim, elaborar o auto de infração previsto no procedimento para imposição de penalidade administrativa decorrente de violação das normas de proteção à criança e ao adolescente (artigo 194 do Estatuto da Criança e do Adolescente). Logicamente que para efetivar o referido procedimento o juiz há de ter a sua disposição um corpo de funcionários efetivos. Além disso, o artigo 194 do Estatuto também inclui como competente para essa função o voluntário credenciado, sobre o qual Benedito refere:

74

Cf. LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 10 ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 197.

45 Estes nada mais são do que os antigos comissários de menores, expressão, esta, não utilizada pela nova lei, mas que, tudo leva a crer, permanecerá sendo usada popularmente por muito tempo. São pessoas que se habilitam perante a Justiça da Infância e da Juventude para auxiliá-la das mais variadas maneiras, sem remuneração (em alguns Estados da Federação existe o cargo efetivo e remunerado de comissário de menores). Para poder atuar legalmente, e legitimamente, deverão estar credenciados pelo respectivo juiz de direito. Além disso, é óbvio, somente poderão atuar no limite jurisdicional do respectivo juízo ao qual servem. O mesmo se aplica aos servidores efetivos legitimados a iniciar o procedimento: são os funcionários com vínculo estatutário ou contratual com o Poder Judiciário, em exercício na Vara da Infância e da Juventude, e que só podem atuar perante a mesma. Tanto os servidores como os voluntários, para iniciar o procedimento, deverão lavrar auto de infração, o qual corresponde praticamente a uma constatação in loco da infração que está sendo 75 cometida, a um flagrante.

Porém, mesmo que se reconheça a sobrevivência da função outrora denominada “comissário de menores” com o nome de “agente de proteção” ou outro correlato, não há erro em se afirmar que as atribuições não são mais as mesmas ou, no mínimo, que agora elas estão submetidas a outro regramento, o da Teoria da Proteção Integral, distantes, em tese, da visão arcaica presente no Código de Menores de 1979, destinada ao controle social absoluto sobre crianças e adolescentes, sobretudo pobres. O forte intervencionismo oficial no âmbito da família permitia não somente aos juízes, mas também aos comissários de menores vistoriarem os domicílios e quaisquer instituições que se ocupassem das crianças,76 assim estendendo a competência e atuação dos mesmos pela seara do policiamento ostensivo, haja vista que, como bem observa Silva: […] os meninos pobres, os meninos de rua, entre outros, eram apreendidos pela polícia ou ronda do comissariado, sem que nada estivessem fazendo além de exercitarem um direito fundamental de ir e vir, estar e permanecer 77 nos logradouros públicos e espaços comunitários.

75

BENEDITO, Ademir de Carvalho. Art. 194. In: CURY, Munir; SILVA, Antônio Fernando do Amaral e; MENDEZ, Emílio García. (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 4 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 589. 76 ANTÃO DE CARVALHO, H. J. et al. Análise e recomendações para a melhor regulamentação e cumprimento da normativa nacional e internacional sobre o trabalho de crianças e adolescentes no Brasil. Brasília, OIT/Programa IPEC Sudamérica, 2003. Disponível em: . Acesso em: 10 mai. 2010. p. 19. 77 SILVA, Antonio Fernando do Amaral e. Poder Judiciário e rede de atendimento. Disponível em: . Acesso em: 09 mai. 2010.

46

Desta forma, não é de se estranhar que parcela da população confira atributos de certa forma policialescos aos atuais agentes de proteção. No Rio grande do Sul, como em outros estados, essa percepção é reforçada porquanto tal função é institucionalizada, fazendo parte do quadro de cargos efetivos do Poder Judiciário. Cotejando os exemplos de atribuições pertinentes ao cargo de Comissário de Menores previstos na Lei Estadual n.º 7.305, de 6 de dezembro de 1979,78 com os que estão presentes na Lei Estadual n.º 10.720, de 17 de janeiro de 1996,79 que atualmente regula a matéria, percebe-se que esta não foi muito além da simples alteração da terminologia do referido cargo para Oficial de Proteção da Infância e da Juventude (artigo 26)80 e da adaptação do texto da antiga lei à linguagem do Estatuto da Criança e do Adolescente. Com efeito, analisando os dispositivos que sofreram alterações, a Lei Estadual n.º 7.305/1979, previa que aos Comissários de Menores cumpria, dentre outras atribuições: a) deter ou apreender os menores abandonados ou transviados, levando-os à presença do Juiz; b) fiscalizar as condições de trabalho dos menores; c) investigar denúncia de maus tratos infligidos a menores, de locais clandestinos por estes freqüentados ou em que estejam homiziados. Por seu turno, a Lei Estadual n.º 10.720/1996 atualmente determina que aos Oficiais de Proteção da Infância e da Juventude cumpre: a) recolher ou conduzir, quando ordenado pelo juízo, as crianças e adolescentes abandonados ou autores de atos infracionais, levando-os à presença do mesmo; b) fiscalizar as condições de trabalho dos adolescentes e investigar denúncia de maus-tratos infligidos aos

78

BRASIL. Estado do Rio Grande do Sul. Lei n.º 7.305, de 6 de dezembro de 1979. Dispõe sobre os serviços Auxiliares da Justiça de 1º Grau. Disponível em: . Acesso em: 12 mai. 2010. 79 BRASIL. Estado do Rio Grande do Sul. Lei n.º 10.720, de 17 de janeiro de 1996. Cria Comarcas, Foro Regional, Varas, Cargos e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em:12 mai. 2010. 80 As atribuições dos Oficiais de Proteção da Infância e da Juventude também estão previstas no atigo 248 da Consolidação Normativa Judicial e no artigo 120 do Código de Organização Judiciária (Lei 7.356/1980). Cf. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Site institucional desenvolvido pelo Departamento de Informática. 2010. Disponível em: . Acesso em: 10 mai. 2010.

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mesmos, de locais clandestinos por estes freqüentados ou em que estejam homiziados. Entretanto, algumas atribuições atinentes á função de Comissário de Menores foram suprimidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente que, em seu artigo 75, ao prever o direito de acesso às diversões e espetáculos públicos de acordo com a faixa etária das crianças e adolescentes, fez ruir o rigoroso controle estabelecido pelo artigo 58 do Código de Menores de 1979, segundo as quais estas atividades também deveriam ser fiscalizadas pelos comissários.81 Destaca-se, por último, o contraste entre o espírito solidário presente tanto no artigo 227 da Constituição da República de 1988 quanto no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, no que se refere às responsabilidades relacionadas à garantia e efetivação dos direitos fundamentais destes, e a matriz repressora do Código de Menores de 1979, a qual era irradiada também para o corpo social, uma vez que, de acordo com o seu artigo 94, “Qualquer pessoa poderá e as autoridades administrativas deverão encaminhar à autoridade judiciária competente o menor que se encontre em situação irregular [...]”. A lógica que proporciona esses equívocos acerca da competência dos Conselhos Tutelares revela com grande precisão as deficiências encontradas pela população quando necessita de algum serviço público, seja ao buscar tratamento para um filho portador de dependência química, seja para matriculá-lo na escola. Os Conselhos Tutelares surgiram com esta inspiração – estarem próximos da comunidade onde estão inseridos, porém devem atuar como agentes captadores de demandas, mobilizando os recursos, governamentais ou não, necessários à restauração do status quo ideal, abalado pela violação de um direito. Não é, pois, incumbência do Conselho Tutelar a resolução dos problemas da comunidade, sua função é instrumental, caracterizada pelo desempenho de

81

LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 10 ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 60.

48

atividade-meio e não de atividade-fim, esta cabe a rede de atendimento e aos seus órgãos e instituições.

3.2 O Conselho Tutelar no Sistema de Garantia de Direitos

Um sistema pode ser definido como um conjunto de regras e princípios sobre uma matéria, relacionados entre si numa concatenação lógica orientada para um determinado objetivo. Então, todo conjunto de regras cuja aplicação se impõe a determinados fatos e condutas, dentro de uma matéria específica, constitui um sistema.82 Neste sentido, a comparação é bem vinda e indica alguns aspectos que compunham o Sistema de Garantia de Direitos (SGD) instituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, quais sejam, que ele se compõe de diferentes elementos ou atores, e que estes, por sua vez, se inter-relacionam de maneira lógica, formando um “todo” maior que cada uma das partes isoladamente e por isso mesmo, mais capaz de alcançar os objetivos propostos, os quais, por sua vez, podem ser sintetizados pelo disposto em seu artigo 4º: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Para garantir a prioridade absoluta referida no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, o legislador tratou de incluir na mesma lei quatro formas pelas quais essa garantia deve ser promovida. Assim, o parágrafo único do artigo em comento, assevera que: A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de 82

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 28 ed. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 1295.

49 recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Da mesma forma, o artigo 86 da mesma lei sugere que a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, que envolve ações relacionadas a todas as dimensões do ser humano, deve ser realizada tanto pelo poder público, em todas as esferas, quanto pela sociedade civil organizada. Portanto, dentro do Sistema de Garantia de Direitos das crianças e dos adolescentes a atuação do Conselho Tutelar tem o grande potencial de, em cooperação com os outros operadores da política de atendimento, contribuir para efetivação dos diretos da criança e do adolescente. Para tanto, assume extrema relevância a necessidade de que os Conselheiros Tutelares possuam qualidades que facilitem a interação e o diálogo com os principais interlocutores sociais no município (serviços públicos, entidades de atendimento governamentais e da sociedade civil, movimentos sociais, associações, organizações de direitos humanos, empresários, clubes, universidades, meios de comunicação, órgãos de segurança pública, autoridades judiciárias e Ministério Público e o próprio Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente).

3.3 Conceito e natureza jurídica

Por definição legal “O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei” (artigo 131 do Estatuto da Criança e do Adolescente). Assim, destacam-se quatro elementos pelos quais a lei conceitua o Conselho Tutelar: órgão, permanência, autonomia, não jurisdicionalidade e mandato. Neste sentido, o Conselho Tutelar é um órgão. Resta saber o significado dessa denominação que no direito administrativo é conceituada como sendo “[...] unidades abstratas que sintetizam os vários círculos de atribuições do Estado” ou as unidades interiores pelas quais o aparelho estatal exerce atividades administrativas

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consubstanciadas em competências ou “deveres-poderes” pré-definidos e sempre orientados pelo interesse público.83 Tomando emprestado esse conceito administrativista, já que a lei imputa ao Conselho Tutelar um rol de atribuições que têm como função garantir e promover os direitos das crianças e dos adolescentes, os quais, por essência, também representam o interesse público, somente cabe complementar, senão retificar, que, no lugar da vontade do Estado, o Conselho deve expressar a vontade da sociedade. Já a questão da permanência diz com a urgência das respostas às questões trazidas para apreciação do Conselho, as quais devem ser prontamente atendidas por meio do encaminhamento à rede de atendimento ou pela adoção de medidas protetivas específicas e, se estas falharem, recorrendo á última instância que é o Sistema de Justiça. Disto decorre um desdobramento em sentidos distintos – um, físico-espacialhumano, que se refere á continuidade do atendimento além dos horários ordinários e locais de suas sedes, por meio de Conselheiros plantonistas, – outro, relacionado a sua perenidade, que jaz alheia a ingerência política, em outras palavras, a sua existência independe da vontade de qualquer agente político84 ou, até mesmo, de membros do Poder Judiciário ou do Ministério Público. Abordando o aspecto da permanência, Custódio refere que o Conselho Tutelar: [...] uma vez criado através de lei municipal, não poderá ser desconstituído. Também será considerado permanente pelo seu aspecto de funcionamento institucional, caracterizando-o como um órgão que funciona ininterruptamente, ou seja, deve sempre oferecer serviços de atendimento 85 imediato, mesmo que em regime de plantão [...].

83

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 23 ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 133-136, passim. 84 Agentes políticos são os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, ou seja, ocupantes que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade superior do Estado, dentre os quais estão apenas os seguintes: o Presidente da República, os Governadores, Prefeitos e respectivos vices, Ministros e Secretários das pastas, Senadores, Deputados e Vereadores. Cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 23 ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 241-242. 85 CUSTÓDIO, André Viana. Direito da Criança e do Adolescente. Criciúma: UNESC, 2009. p. 89.

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Entretanto, essas observações servem apenas de parâmetro para que se tenha uma idéia de como o Conselho se materializa no cotidiano burocrático do Estado e diante dos olhos da comunidade, no sentido espacial e humano já que ele não faz parte da estrutura administrativa municipal, uma vez que se trata de órgão dotado de autonomia, a qual “deve ser entendida como um princípio de não-subordinação aos demais órgãos do Poder Executivo, tendo suas competências específicas descritas no Estatuto da Criança e do Adolescente.”86 Como órgão é autônomo, no sentido de ser livre e independente em relação às escalas hierárquicas administrativas, sua atuação funcional não se submete a nenhum órgão ou representante do poder público, seja ele municipal ou não. Porém, o reconhecimento da autonomia funcional dos Conselheiros Tutelares, não implica dizer que o mesmo esteja imune à responsabilização caso venha a exceder aos limites de suas atribuições. Neste sentido, pode-se dizer que, para fins de responsabilidade civil, administrativa e penal, o Conselheiro Tutelar equipara-se ao funcionário público, inclusive estando sujeito aos dispositivos da Lei n.º 8.429, de 2 de junho de 1992,87 que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e é conhecida como Lei de Improbidade Administrativa, Por seu turno, o Conselho não possui jurisdição, mas sim competência, tanto que as suas atribuições, além de possuírem um caráter de aplicação e não exatamente de execução, não são determinadas pela comarca onde o mesmo está localizado e sim pelo que a lei municipal vir a estabelecer. Assim, nos municípios menores, em que há apenas um Conselho, a sua competência é limitada pelo território municipal.

86

SOUZA, Ismael Francisco de. A erradicação do trabalho infantil e as responsabilidades do Conselho Tutelar no município de Florianópolis. Dissertação (Mestrado em Serviço Social). Curso de Pós-Graduação em Serviço Social, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2008. p. 74. 87 BRASIL. Lei n.º 8.429, de 2 de junho de 1992. Diário Oficial [da] União, Poder Legislativo, Brasília, 3 de jun. 1992. p. 6.993.

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A exceção fica por conta dos casos em que a criança ou o adolescente comete ato infracional, quando será competente o Conselho Tutelar do lugar da ação ou omissão, observadas as regras de conexão, continência e prevenção. Naturalmente essa competência se restringe a atender a criança e ao adolescente acusado de prática de ato infracional aplicando-lhe, e/ou à sua respectiva família, as medidas protetivas cabíveis previstas no artigo 101 e 129 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Por fim, cumpre destacar que o exercício efetivo da função de Conselheiro Tutelar é caracterizado como serviço público relevante, induz presunção de idoneidade moral e assegura prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo, consoante o artigo 135 do mesmo Estatuto.

3.4 Atribuições

As atribuições do Conselho Tutelar, previstas expressamente do artigo 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente, podem ser direcionadas tanto às crianças e adolescentes que se encontrem em situação de ameaça ou de violação de direitos, quanto aos seus pais ou responsáveis. Para tanto, podem os Conselheiros Tutelares requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança, representando junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações ou, ainda, encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança e do adolescente. A natureza, a extensão e os efeitos das medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente determinam a competência para a sua execução, de modo a existirem medidas direcionadas tanto às crianças ou adolescentes quanto aos pais ou responsáveis.

53

A justificativa para que lei imponha medidas aos pais ou responsáveis encontra guarida no fato de ser a família o núcleo básico da sociedade, o primeiro lugar onde a criança irá fazer uso de seus sentidos, de sua razão, de suas emoções, na perspectiva intersubjetiva que decorre das relações familiares, ainda que esta família seja pequena, já não será mais somente a mãe o universo de sentido desta criança. Isso se dá em razão de duas circunstâncias, a primeira relacionada ao fato de que tanto a criança e o adolescente podem se colocar em situação de ameaça ou violação de seus direitos, quanto os seus pais ou responsáveis podem agir ou se omitir de tal forma a provocar essa situação. Com efeito, a legislação brasileira reconhece a família como o melhor ambiente para o aperfeiçoamento e crescimento infanto-juvenil, espaço ideal para o desenvolvimento integral dos indivíduos,88 em cujo local a criança deve se sentir acolhida e protegida. Por essa razão, se até o século passado as dificuldades encontradas pelas famílias para proteger e educar seus filhos serviam de argumento ideológico para as políticas paternalistas de controle e contenção social, sobretudo da população mais pobre, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ocorreu a consagração de um olhar multidisciplinar e intersetorial sobre a complexidade dos vínculos familiares, cujas dificuldades e atritos passaram a ser objeto de políticas sociais básicas, programas, projetos e estratégias destinadas a preservação dos mesmos.89 Entretanto, em que pese essa preocupação com o resgate dos vínculos familiares originais, estes já não são entendidos como a única forma de proteção e promoção dos direitos da criança e do adolescente, até porque em muitos casos a origem da ameaça ou da violação de direitos está na própria família, de modo que passa a ser admitida a possibilidade de criação de novos vínculos que garantam o 88

BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Brasília: CONANDA, 2006. p. 19 e 72. Disponível em: . Acesso em: 8 jun. 2010. 89 Ibidem.

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direito à convivência familiar e comunitária por meio dos programas de famílias acolhedoras, do acolhimento institucional e do aprimoramento dos programas de adoção.90 E é neste contexto que o Conselho Tutelar irá prestar valiosa contribuição para a efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes, agindo sempre conforme a diretriz fixada pelo artigo 86 do Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo o qual a política de atendimento far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. No plano formal legislativo, cumpre referir, antes de se abordar as medidas de proteção que, consoante dispõe o artigo 30, inciso II, da Constituição da República de 1988, a legislação municipal poderá suplementar a legislação federal e estadual no couber, o que não inclui a prerrogativa de ampliar o rol de atribuições dos Conselheiros Tutelares previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente.

3.4.1 As medidas específicas de proteção

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 101, prevê uma série de medidas de proteção a serem aplicadas pelo Conselho Tutelar diretamente à criança ou ao adolescente, nos casos violação de seus direitos por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável, e em razão de sua conduta (respectivamente, incisos I, II e III do artigo 98). Assim, segundo os incisos I e II do artigo em comento, quando verificada qualquer das hipóteses previstas no artigo 98, além da criança ou do adolescente serem 90

conduzidos

aos

seus

pais

ou

responsáveis,

mediante

termo

de

BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Brasília: CONANDA, 2006. p. 19 e 72. Disponível em: . Acesso em: 8 jun. 2010.

55

responsabilidade,

poderão

ser

encaminhados

para

orientação,

apoio

e

acompanhamento temporários. Ainda, o artigo 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que o Conselho Tutelar será o responsável pela determinação de matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental (inciso III), assim como pela inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente (inciso IV), pela requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial (inciso V), pela inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos (inciso VI), e pelo acolhimento institucional (inciso VII). Importa referir que essas atribuições do Conselho Tutelar consistem, mormente, em receber informações e identificar situações de ameaça ou de violação de direitos, tomando as providências preconizadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, isto é, encaminhando os respectivos casos à rede de atendimento especializada e não na executando diretamente essas medidas. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já se posicionou no sentido de que: EMENTA: ECA. MEDIDA PROTETIVA. Possui o Conselho Tutelar plena autonomia e competência para a aplicação das medidas protetivas previstas no art. 101, I a VII, do ECA, sendo despiciendo o ajuizamento de procedimento judicial para tais fins. Agravo retido prejudicado e apelo 91 desprovido.

Essas medidas, tanto as direcionadas às crianças e adolescentes em situação de ameaça ou de violação de direitos, quanto as que têm como destinatária toda a família, em consonância com as linhas de ação da política de atendimento prevista nos artigos 86 e 87 do Estatuto da Criança e do Adolescente, atualmente estão

91

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n.º 70004797478, Sétima Câmara Cível. Relatora: Maria Berenice Dias, julgado em 09/10/2002.

56

inseridas no contexto maior dos Sistemas Únicos da Saúde92 e da Assistência Social93 e da Política Nacional de Educação.94 Na área da saúde, inclusive, a própria Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 227, parágrafo primeiro, determina que o Estado deve promover programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente. Já a Lei n.º 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da assistência social e dá outras providências, preconiza em seu artigo 23, parágrafo único, que na organização dos serviços da assistência social serão criados programas de amparo às crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social, e às pessoas que vivem em situação de rua.95 Por seu turno, a Constituição da República, em seu artigo 203, incisos I e II prevê que a assistência social tem por objetivos, dentre outros, a proteção à família e à infância, assim como o amparo às crianças e adolescentes carentes. Ainda no âmbito da assistência social foi criada a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, a qual organiza o Sistema Único da Assistência Social em três níveis – Proteção Social Básica e Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade.96 No que se refere à Proteção Social Básica, foi instituído o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família – PAIF, que consiste no trabalho social com famílias, de caráter continuado, e tem como a finalidade fortalecer a função protetiva das mesmas, prevenindo a ruptura dos seus vínculos e promovendo o acesso e 92

BRASIL. Lei n.º 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial [da] União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 20 de set. 1990. p. 18.055. 93 BRASIL. Lei n.º 8.172, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial [da] União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 8 de dez. 1993. p. 18.769. 94 BRASIL. Lei n.º 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial [da] União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 10 de jan. 2001. p. 1. 95 BRASIL. Lei n.º 8.172, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial [da] União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 8 de dez. 1993. p. 18.769. 96 BRASIL. Conselho Nacional de Assistência Social. CNAS. Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Disponível em: . Acesso em: 10 jun. 2010.

57

usufruto de direitos capazes de contribuir na melhoria de sua qualidade de vida, sempre com respeito à heterogeneidade dos arranjos familiares, aos valores, crenças e identidades das famílias.97 Semelhantemente, porém em relação à Proteção Social Especial de Média Complexidade, foi instituído o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos – PAEFI, cujos objetivos são: contribuir para o fortalecimento da família no desempenho de sua função protetiva; processar a inclusão das famílias no sistema de proteção social e nos serviços públicos, conforme necessidades; contribuir para restaurar e preservar a integridade e as condições de autonomia dos usuários; contribuir para romper com padrões violadores de direitos no interior da família; contribuir para a reparação de danos e da incidência de violação de direitos; prevenir a reincidência de violações de direitos.98 Percebe-se, então, que a partir das políticas sociais relacionadas à promoção e proteção dos direitos da criança e do adolescente, a atuação dos agentes responsáveis pelo planejamento, encaminhamento e atendimento deve ser articulada, tanto entre esferas de governo, quanto entre estas e as entidades nãogovernamentais. E neste cenário, o Conselho Tutelar exerce o papel de um dos principais captadores da demanda pelos serviços oferecidos por meio dessas políticas. Nesse particular aspecto, reitera-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 101, elenca como atribuição do Conselho Tutelar a inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente (inciso IV) e o acolhimento institucional (inciso VII); e no artigo 136, inciso I, o encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família. Com efeito, essas três atribuições se relacionam intrinsecamente com o aprofundamento dos princípios constitucionais de proteção à família, à criança ao 97

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Portaria n.º 78, de 8 de abril de 2004. Estabelece diretrizes e normas para a implementação do "Programa de Atenção Integral à Família - PAIF" e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 11 jun. 2010. 98 BRASIL. Conselho Nacional de Assistência Social. CNAS. Resolução n.º 119, de 11 de novembro de 2009. Disponível em: . Acesso em: 11 jun. 2010.

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adolescente, promovido a partir dos artigos 226 e 227 da Constituição da República e materializado pela edição e reforma das leis orgânicas das políticas sociais, as quais remetem ao direito à convivência familiar e comunitária.99 Por essas circunstâncias, a medida de proteção de colocação em abrigo é entendida como uma forma de institucionalização e, portanto, deve ser encarada como medida excepcional, provisória e de transição para o retorno da criança ou do adolescente a sua casa ou, em último caso, para uma família substituta.100 O caráter excepcional da medida de acolhimento institucional também se revela a partir das diretrizes da política de atendimento previstas no artigo 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente, entre as quais se destaca a do inciso VI que prevê a agilização do atendimento de crianças e de adolescentes inseridos em programas de acolhimento familiar ou institucional, com vista na sua rápida reintegração à família de origem ou sua colocação em família substituta. Entretanto, o acolhimento institucional tem sido utilizado indiscriminadamente, o que representa uma afronta ao princípio da excepcionalidade contemplado de maneira expressa pelo artigo 101, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Dados de 2003 apontam que existem cerca de vinte mil crianças e adolescentes atendidos em abrigos e que destes, a grande maioria (86,7%) tem família, sendo que 58,2% mantêm vínculos com os familiares.101 Por derradeiro, vale ratificar que das medidas de proteção elencadas no artigo 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a serem determinadas pelo Conselho Tutelar, excluem-se as medidas de acolhimento familiar (inciso VIII) e de colocação em família substituta (inciso IX), as quais estão ligadas à suspensão e extinção do poder familiar e, portanto, são de competência do juiz de direito.

99

BRASIL. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. CONDANDA. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Brasília: CONANDA, 2006. p. 25-26. 100 Cf. LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 10 ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 86. 101 BRASIL. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. CONDANDA. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Brasília: CONANDA, 2006. p. 57.

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3.4.2 As medidas pertinentes aos pais ou responsável

O artigo 129 do Estatuto da Criança e do Adolescente enumera dez medidas passíveis de serem aplicadas aos pais ou responsáveis, na tentativa de garantir a integralidade dos direitos da criança e do adolescente. Acerca da necessidade de se aplicarem medidas aos pais ou responsáveis, Custódio leciona que: Em muitos casos, a aplicação de medida de proteção restrita à criança e ao adolescente pode se mostrar insuficiente para a resolução do caso concreto. Daí a necessidade de aplicação de medidas aos pais ou responsáveis, acompanhadas da devida orientação e aconselhamento que o Conselho Tutelar deve fazer mediante o devido atendimento (art. 136, 102 III).

Dentre essas medidas, as sete primeiras podem ser aplicadas pelo Conselho Tutelar e vão desde o encaminhamento direto à rede de atendimento – onde se incluem os programas oficiais ou comunitários de proteção à família (inciso I); de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos (inciso II); os encaminhamentos aos serviços de saúde pública para tratamento psicológico ou psiquiátrico (inciso III); e a cursos ou programas de orientação (inciso IV) – até a imposição de obrigações que, embora direcionadas aos pais ou responsáveis, incidem diretamente sobre as crianças, como a obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar (inciso V), a obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado (inciso VI) e a aplicação de advertência (inciso VII). Interessante observar que advertência aos pais ou responsáveis que descumprirem algum dever decorrente do exercício do poder familiar que não enseje medida mais enérgica, embora não se confunda com a prevista no inciso I do artigo 112, direcionada ao adolescente autor de ato infracional, tem o mesmo conteúdo desta, isto é, consiste em uma admoestação verbal alertando os pais ou responsáveis sobre as consequências advindas da situação de ameaça ou de 102

CUSTÓDIO, André Viana. Direito da Criança e do Adolescente. Criciúma: UNESC, 2009. p. 96.

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violação de direitos em que a criança ou adolescente sob sua responsabilidade se encontra. O referido encaminhamento a programas oficiais ou comunitários de proteção à família está inserido tanto no contexto da política de Proteção Social Básica e do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família – PAIF, o qual, conforme já estudado, consiste no trabalho social com famílias, tendo como a finalidade fortalecer a função protetiva das mesmas,103 quanto da política de Proteção Social Especial de Média Complexidade e do Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos – PAEFI, o qual também tem por objetivo contribuir para o fortalecimento da função protetiva da família.104 Isto porque o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, em seu artigo 98 que as medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os seus direitos forem ameaçados ou violados tanto pela ação ou omissão da sociedade ou do Estado, quanto pela falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável, ou ainda em razão de sua conduta. Se os pais ou responsáveis descumprirem, dolosa ou culposamente, algumas destas determinações impostas pelo Conselho Tutelar ou pelo juiz, incorrerão em infração administrativa, cuja pena vai de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência, conforme estabelece o artigo 249, caput e parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Em relação ao cumprimento dessas, o artigo 22 do mesmo diploma legal, impõe aos pais a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. Da mesma forma que nas medidas específicas proteção, entre as medidas pertinentes aos pais ou responsável, previstas no artigo 129 o Estatuto da Criança e do Adolescente, existe aquelas cuja aplicação compete ao juiz de direito, pois 103

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Portaria n.º 78, de 8 de abril de 2004. Estabelece diretrizes e normas para a implementação do "Programa de Atenção Integral à Família - PAIF" e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 11 jun. 2010. 104 BRASIL. Conselho Nacional de Assistência Social. CNAS. Resolução n.º 119, de 11 de novembro de 2009. Disponível em: . Acesso em: 11 jun. 2010.

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também estão relacionadas a suspensão e extinção do poder familiar, quais sejam: a perda da guarda (inciso VIII); a destituição da tutela (inciso IX); e a suspensão ou destituição do poder familiar (inciso X).

3.4.3 O rol expresso de atribuições e a questão da remuneração dos Conselheiros Tutelares

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, em seu artigo 136, um rol expresso de atribuições distribuídas por onze incisos, por meio dos quais o Conselho Tutelar materializa a sua atuação. Estes vão desde o atendimento direto às crianças e aos adolescentes, até a reportação ao Ministério Público e à autoridade judiciária de situações que digam respeito a violações de seus direitos. E é no amplo espectro dessas atribuições que reside uma das mais discutidas controvérsias que envolvem o Conselho Tutelar, qual seja, os requisitos exigidos para o exercício da função, diante dos quais há quem defenda que para o encaminhamento de problemas afetos as crianças e aos adolescentes, não seja suficiente a experiência do leigo.105 Em contraponto, deve ser considerado o fato de que o Conselho Tutelar, em suas atribuições, é responsável pelo primeiro atendimento às crianças e adolescentes ameaçados ou violados em seus diretos, o qual resultará na posterior aplicação das medidas de proteção, isto é, o Conselho Tutelar não deve substituir o atendimento especializado – na área da saúde, educação e assistência social – ainda que tenha formação técnica para tal.106 A tarefa realizada pelo Conselho Tutelar, conforme preceitua o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 136, inciso I, consiste em atender as

105

Cf. ALBERGARIA, Jason. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Rio de Janeiro: Aide Ed., 1991. p. 141. 106 CUSTÓDIO, André Viana. Direito da Criança e do Adolescente. Criciúma: UNESC, 2009. p. 94-95.

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crianças e adolescentes naquelas hipóteses previstas nos artigos 98 e 105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII da mesma lei. Assim, aos casos de ameaça ou efetiva violação dos direitos da criança e do adolescente e de prática de ato infracional por criança, corresponderão, conforme o caso, as medidas de proteção previstas no artigo 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente e já estudadas no subitem 4.5.3.1 deste trabalho, quais sejam: Art. 101. [...] I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII - acolhimento institucional

Note-se que o artigo 136, inciso I, não elenca entre as atribuições do Conselho Tutelar as medidas de inclusão em programa de acolhimento familiar (artigo 101, inciso VIII) e de colocação em família substituta (artigo 101, inciso XIX), já que a perda e a suspensão do poder familiar somente serão decretadas judicialmente em procedimento contraditório, conforme estabelece o artigo 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Conforme essa previsão legal, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por ocasião do julgamento de uma apelação cível, manifestou-se no sentido de que: O Conselho Tutelar não tem legítimo interesse para propor a ação de suspensão ou perda do pátrio poder, porque suas atribuições são aquelas enumeradas taxativamente pela lei menorista, no art. 136, onde tal titularidade não lhe é conferida. Pode, tão-somente, representar ao Ministério Público para que este dê início ao procedimento (inc. XI, art. 136, ECA). APELO PROVIDO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM APRECIAÇÃO 107 DO MÉRITO.

Ainda, é de se observar que a medida de proteção prevista no artigo 101, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente, está correlacionada á atribuição 107

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n.º 70003708666, Oitava Câmara Cível. Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, julgado em 07/03/2002.

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descrita no inciso II do artigo 136, a qual consiste em atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no artigo 129, incisos I a VII. Pode o Conselho Tutelar, nos termos do artigo 136, inciso III, alíneas “a” e “b”, a fim de promover a execução de suas decisões, requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança e representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações, as quais, conforme o artigo 137 do Estatuto da Criança e do Adolescente, somente poderão ser revistas pela autoridade judiciária a pedido de quem tenha legítimo interesse. No mesmo sentido, poderá ainda encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente, bem como encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência (incisos IV e V do Estatuto, respectivamente). Já a atribuição prevista no artigo 136, inciso VI, do Estatuto da Criança e do Adolescente, destoa um pouco das anteriores, ao determinar que o Conselho Tutelar deverá providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as previstas no art. 101, de I a VI, para o adolescente autor de ato infracional. Mesmo que o envolvimento do Conselho seja apenas o de “providenciar” as medidas preconizadas pelo juiz, é de se observar que a ampla matriz de atribuições do Conselho consiste no atendimento em casos de ameaça ou de violação de direitos, onde deverá haver, de fato, o encaminhamento da criança ou do adolescente a rede de serviços especializados. Segundo o artigo 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente, também poderá o Conselho Tutelar expedir notificações (inciso VII); requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente quando necessário (inciso VIII); assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente (inciso XIX); representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos previstos no art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal (inciso X); e representar

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ao Ministério Público, para efeito das ações de perda ou suspensão do poder familiar (inciso XI). Neste último caso, de perda ou suspensão do pátrio poder, mais uma vez evidencia-se o caráter imediato das atribuições do Conselho Tutelar, para além do aspecto técnico, porquanto será ele a primeira instância, na quase totalidade dos casos, por onde se tomará conhecimento dos casos de ameaça ou de violação de direitos ou para onde acorrerão as pessoas determinadas a denunciá-los. Outra atribuição que merece destaque é de assessoramento do Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, por ser através deste instrumento legal que se garantirão os recursos sem os quais qualquer política pública se transforma em demagogia. Assim, diante de um rol tão vasto de atribuições, outra discussão que tem ganhado cada vez mais espaço é a que diz respeito a obrigatoriedade ou não de remuneração para o cargo de Conselheiro Tutelar, uma vez que a função requer dedicação integral. A importância dessa análise é justamente a de acompanhar a coerência e trajetória dos discursos existentes, ontem e hoje, sobre os direitos da criança e do adolescente e, principalmente, sobre a instituição do Conselho Tutelar - questões estas das mais tormentosas, frequentemente presentes na pauta do Congresso Nacional, e também da doutrina especializada, sobre as quais não há unanimidade, o que não significa dizer que não haja predominância de um ou de outro entendimento. Neste sentido, com o decorrer do tempo e diante do acúmulo de experiências, a maior parte dos autores aponta para a necessidade de se remunerar cada vez melhor os Conselheiros Tutelares, ao mesmo tempo em que se faz necessário provê-los de condições materiais logísticas efetivas para o melhor desempenho de suas atribuições.

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Mas há quem pense diferente. Foi o que evidenciou o arquivamento, em 15/10/2009, do Projeto de Lei n.º 6.577, de 2006,108 com base no artigo 133 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, uma vez que o respectivo relatório,109 opinando pela sua rejeição (de mérito), havia sido aprovado por unanimidade na Comissão de Seguridade Social e Família, em 23/09/2009. Em síntese, esse projeto de lei federal previa que a remuneração dos Conselheiros Tutelares passaria a ser obrigatória, o que fere o princípio da descentralização político-administrativa.110 Contudo, para além da obrigatoriedade de remuneração dos Conselheiros ser prevista por lei federal, evidenciaram-se outras perspectivas da visão atualmente predominante no Congresso sobre o tema. Neste sentido, o relatório da Comissão justificou a rejeição argumentando que os conselheiros tutelares exercem uma função social que pode, ou não, ser remunerada e que: O objetivo do legislador ao prever eleição direta e exercício da função de conselheiro foi exatamente trazer a sociedade para o centro das políticas públicas relativas à infância, fazê-la protagonista na implementação e fiscalização da lei, sem nenhum outro atrativo, principalmente de cunho 111 financeiro.

Naturalmente, é de se concordar que o Conselheiro exerça função pública e que a lógica do procedimento aberto de escolha dos mesmos pretenda atrair a sociedade para o lugar que a Constituição da República de 1988, no artigo 227, já lhe reservara ao prever que a ela também cumpre o dever de “assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade” os seus direitos.

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BRASIL. Projeto de Lei n.º 6.577/2006. Dá nova redação ao art. 134 da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, “que dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente e dá outras providências.” Autor: Dep. Leonardo Matos. Disponível em: . Acesso em: 2 dez. 2009. Este PL alterava a redação do art. 134 da Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 que "Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente". A ele estavam apensos outros três projetos: PL 7.021/06, PL 1.025/07, PL 3.852/08. 109 BRASIL. Projeto de Lei n.º 6.577/2006. Autor: Dep. Leonardo Matos. Relatório Dep. Rita Camata. Disponível em: . Acesso em: 12 mai. 2010. 110 Cf. SÊDA, Edson. Art. 88. In: CURY, Munir; AMARAL E SILVA, Antônio Fernando do; MENDEZ, Emílio García. (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 4 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 271-277. 111 BRASIL. Projeto de Lei n.º 6.577/2006. Autor: Dep. Leonardo Matos. Relatório Dep. Rita Camata. Disponível em: . Acesso em: 12 mai. 2010.

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Entretanto isso não implica dizer que acaso a remuneração da função se torne obrigatória, esses fundamentos irão ser afastados. Pelo contrário, restringir o acesso à função pela não obrigatoriedade de sua remuneração é negar o espírito democrático e de participação popular no qual se baseia a questão da escolha dos Conselheiros. O relatório em comento é pródigo em fornecer tergiversações que pretendem qualquer outra coisa menos a melhoria das condições de atuação dos Conselheiros Tutelares. Diz o referido documento que: [...] determinar, em lei federal, obrigatoriedade aos municípios de remunerar conselheiros tutelares, os quais efetivamente já são remunerados nos termos das legislações municipais próprias, prevendo inclusive as mesmas vantagens e/ou indenizações devidas aos servidores municipais, como objetivam os projetos ora em análise, é criar vínculo empregatício que deve permanecer inexistente para a própria segurança e independência do 112 mandato do conselheiro [...].

Novamente não merece prosperar o argumento, e por razões óbvias. Assim como o fato de se prever em lei federal a remuneração dos Conselheiros não é capaz de gerar vínculo empregatício acaso a mesma lei assim disponha e tendo em vista os requisitos para que se configure a relação de emprego, tampouco a segurança e a independência do mandato estariam ameaçadas diante de tal previsão legal. Pelo contrário, o mesmo argumento utilizado para aumentar a remuneração de políticos e magistrados, também poderia ser ponderado – uma remuneração digna contribui tanto para estimular o bom desempenho das funções públicas quanto para afastar os seus beneficiários dos longos tentáculos da corrupção. Outro argumento, presente no relatório em comento e que deve ser rechaçado é o de que “são inúmeros os exemplos de cidadãos que são conselheiros tutelares, mas também têm seus próprios empregos, como professores, médicos, ou profissionais liberais, como advogados” e que “Ser conselheiro tutelar é uma opção,

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BRASIL. Projeto de Lei n.º 6.577/2006. Autor: Dep. Leonardo Matos. Relatório Dep. Rita Camata. Disponível em: . Acesso em: 12 mai. 2010.

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não um emprego. A remuneração recebida é uma retribuição por sua dedicação e empenho no exercício do mandato.”113 Sendo verdade a primeira afirmativa – de que inúmeros profissionais exercem a atividade de Conselheiro sem serem remunerados –, pela mesma via é forçoso ponderar em que medida essa circunstância contribui ou atrapalha no desempenho das atribuições pertinentes ao cargo, em razão das quais, inclusive, é necessário que haja plantão de atendimento nos Conselhos Tutelares. Assim como conceber que ser Conselheiro Tutelar seja uma opção e não um emprego é, no mínimo, sem sentido. Isso porque ainda que decorram das necessidades impostas pela vida, todos os empregos são frutos de uma opção feita pelo indivíduo. Se o mundo contemporâneo não permite, como jamais permitira, que a maioria das pessoas possa escolher o emprego segundo a sua vocação, isso em nada desabona a escolha daqueles que pretendem pela sua própria vontade, candidatarem-se à função de Conselheiro Tutelar, sujeitando-se ao crivo da vontade da comunidade e participando de outros procedimentos de escolha estabelecidos na respectiva lei municipal. Entretanto, cumpre salientar que também existem iniciativas legislativas em sentido oposto, como o Projeto de Lei em trâmite no Senado, de n.º 278, de 2009,114 já aprovado pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa e pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, o qual pretende estabelecer a remuneração dos membros dos Conselhos Tutelares em 60% do que auferirem a esse título os vereadores locais, assim como visa alterar o seu mandato de três para quatro anos, eliminando o limite à sua recondução.115 113

BRASIL. Projeto de Lei n.º 6.577/2006. Autor: Dep. Leonardo Matos. Relatório Dep. Rita Camata. Disponível em: . Acesso em: 12 mai. 2010. 114 BRASIL, Senado Federal. Projeto de Lei n.º 278, de 2009. Altera os arts. 132, 134 e 139 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), relativos aos conselhos tutelares. Autora: Sen.ª Lúcia Vãnia. Disponível em: . Acesso em: 13 jun. 2010. 115 A eliminação da restrição para recondução também foi objeto do Projeto de Lei da Câmara n.º 92/2000, o qual encontra-se arquivado no Senado. Disponível em: . Acesso em: 16 nov. 2009.

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Desta forma, compete destacar essas diferentes perspectivas pelas quais são vistas essa questão, uma da época em que o Estatuto da Criança e do Adolescente estava recém sendo posto em prática e outra, mais recente, fruto do que de mais avançado tem sido pensado sobre o assunto. A primeira, lançando um olhar romântico sobre a função de Conselheiro Tutelar, ignora o contexto para o qual é direcionada, de profundas desigualdades e concentração de poder e renda nas mãos de poucos, afastando os mais pobres da possibilidade de atuar como Conselheiro porque inconciliável com esta a tarefa de manter a si e a sua família acaso não haja remuneração para a função, como se receber pelo desempenho de um trabalho fosse capaz de tornar alguém indigno. Reitera-se, portanto, a realidade segundo a qual não se pode ignorar o extenso rol de atribuições que o Estatuto da Criança e do Adolescente imputa aos Conselheiros Tutelares e a intensidade com que estas devem ser exercidas. Por essa razão, merece crédito a perspectiva que pretende justificar não somente a remuneração, mas uma remuneração digna para a função de Conselheiro Tutelar, enfatizando a amplitude das atribuições inerentes ao cargo: Embora a redação original do texto estatutário considere a eventualidade dessa remuneração, deve-se atentar para a necessidade prioritária de dedicação integral dos Conselheiros Tutelares à função. A experiência mostra que a atuação dos Conselheiros Tutelares, com amplo rol de atribuições, requer exaustivo trabalho e, por isso, seria fulminar a atuação do Conselho Tutelar ao não se prever os recursos necessários para o 116 exercício da função como condições de trabalho e remuneração dignas.

Vêm ao encontro desse último entendimento as diretrizes constantes das “Recomendações para elaboração das leis municipais de criação dos Conselhos Tutelares”,117 elaboradas pelo CONANDA num documento anexo à Resolução n.º

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CUSTÓDIO, André Viana. Direito da Criança e do Adolescente. Criciúma: UNESC, 2009. p. 91. BRASIL. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. CONANDA. Recomendações para elaboração das leis municipais de criação dos Conselhos Tutelares. Disponível em: . Acesso em: 12 mai. 2010. 117

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75, de 22 de outubro de 2001,118 que traça os parâmetros para criação e funcionamento dos Conselhos Tutelares, haja vista que várias questões não poderiam ser objeto desta, porquanto o regime constitucional brasileiro assegura aos municípios autonomia política, administrativa e financeira (artigos 1º, 18 e 30, da Constituição da República de 1988). Dentre outras recomendações, o referido documento propugna que “Os Conselheiros Tutelares devem ser subsidiados (isto é, remunerados) pela municipalidade em patamar razoável e proporcional à relevância de suas atribuições, de modo a que possam exercê-las em regime de dedicação exclusiva.” Mais adiante, enfatizando a importância e necessidade de uma remuneração adequada aos Conselheiros Tutelares, o mesmo documento diz que: A experiência demonstra que, em municípios onde o Conselho Tutelar não tem seus integrantes subsidiados pela municipalidade e definidos em lei, o atendimento prestado é deficiente, assim como insignificante é o número de interessados em assumir a função, comprometendo desse modo a própria 119 existência do órgão.

Deste modo, novamente evidencia-se que em uma sociedade vincada pelo desemprego e por amplas desigualdades sociais, afirmar que remunerar apropriadamente os Conselheiros Tutelares retiraria da função a sua aura de dignidade, com já se referiu, além de ser demagogo, pretende excluir de ampla parcela da população o direito de exercer uma função para a qual se exige mais vocação do que requisitos técnico-científicos. Não fosse assim, o que se diria dos candidatos aos cargos eletivos decorrentes do sistema político de democracia representativa adotado pelo Brasil – que também abram mão de suas remunerações? É evidente que não. Se a tarefa é honrosa, se para enfrentá-la exige-se empenho constante e dedicação integral, tanto mais se justifica a sua retribuição pecuniária. 118

BRASIL. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). Resolução n.º 75, de 22 de outubro de 2001. Dispõe sobre os parâmetros para a criação e funcionamento dos Conselhos Tutelares e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 12 mai. 2010. 119 BRASIL. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). Recomendações para elaboração das leis municipais de criação dos Conselhos Tutelares. Disponível em: . Acesso em: 12 mai. 2010.

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Ademais, as “Recomendações para elaboração das leis municipais de criação dos Conselhos Tutelares”, referidas anteriormente, ressaltam a preservação da autonomia do Conselho Tutelar mediante a destinação privilegiada de recursos: [...] quando se trata de criança e adolescente e em razão do princípio constitucional da prioridade absoluta, impera o comando da destinação privilegiada de recursos públicos (inclusive para assegurar o regular funcionamento do Conselho Tutelar), de modo a afastar nesse aspecto a 120 discricionariedade do administrador.

Portanto toda e qualquer estratégia para efetivar a prioridade absoluta com que devem ser tratadas as questões atinentes aos direitos da criança e do adolescente, tem que levar em consideração o aspecto financeiro, que é também social. Além disso, é o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente que prevê a obrigatoriedade de dotação orçamentária específica para o funcionamento do Conselho Tutelar (artigo 134, parágrafo único). Essa questão tem que ser superada, sendo que a tarefa maior será, então, a de equilibrar a remuneração dos Conselheiros conforme a dimensão de suas atribuições. O que pode ser feito adotando-se a sugestão das Recomendações em comento, que atribuem ao município a tarefa de “[...] encontrar um parâmetro justo para a remuneração dos Conselheiros Tutelares, podendo ser tomado como referência os valores pagos, a título de subsídio, aos mais elevados Cargos em Comissão.” Pois não é sequer coerente adotar um discurso de efetivação de direitos da criança e do adolescente, em que o Conselho Tutelar exerce papel preponderante e onde há uma tendência em se reafirmar a necessidade de dedicação exclusiva para a função e, ao mesmo tempo, ignorar o fato de que a premissa mais evidente para o bom desempenho de qualquer função é proporcionar condições adequadas para tanto, dentre as quais naturalmente se inclui uma remuneração digna e capaz de suprir as necessidades materiais de quem fez por merecê-la. 120

BRASIL. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. CONANDA. Recomendações para elaboração das leis municipais de criação dos Conselhos Tutelares. Disponível em: . Acesso em: 12 mai. 2010.

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4 OS PROCEDIMENTOS DE ESCOLHA DOS CONSELHEIROS TUTELARES

O Estatuto da Criança e do Adolescente determina em seu artigo 139 que “O processo para a escolha dos membros do Conselho Tutelar será estabelecido em lei municipal e realizado sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e a fiscalização do Ministério Público.” Ocorre que no artigo 132 do mesmo diploma legal, está previsto que o Conselho Tutelar será composto de cinco membros escolhidos pela comunidade local, ou seja, ao mesmo tempo em que à lei municipal cabe estabelecer o processo de escolha dos Conselheiros, o Estatuto prevê que a participação da comunidade local é obrigatória. Portanto, o procedimento a ser obedecido na escolha dos Conselheiros Tutelares possui natureza híbrida ao passo que não precisa, necessariamente, se dar pelo voto, mas há de se efetivar com a participação da comunidade. Essa característica participativa que decorre do regime democrático instituído pela Constituição da República de 1988, torna sobremaneira relevante a garantia da lisura do processo, que deve sempre ser orientado aos fins a que se propõe a lei. Deste modo e diante da significativa discricionariedade que a lei conferiu aos municípios, o respectivo Conselho Municipal de Direito da Criança e do Adolescente e o Ministério Público surgem como principais fiscalizadores do bom andamento do procedimento de escolha, seja por meio de um incidente administrativo interno no caso daquele, seja pelo ajuizamento de uma ação civil pública no que respeita a este, caso sejam identificadas irregularidades no processo de escolha. E ainda que esse sistema de escolha não seja uma forma de exercício democrático direto, ele torna os escolhidos mandatários do povo em geral, cuja atuação irá sofrer a regulação do Conselho Municipal de Direitos, o qual deve, inclusive, executar e fiscalizar o cumprimento da respectiva lei municipal no tocante

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ao procedimento de escolha, mas não em relação à organização do Conselho Tutelar, sob pena de violação do princípio da autonomia funcional.121 De qualquer forma, independentemente da modelo que for adotado na escolha dos Conselheiros, a partir do momento em que eles tomarem posse na função, passam a exercer um múnus publicum, isto é, um encargo público. Ademais, a escolha recairá sobre representantes da sociedade, ou da comunidade, mais especificamente e, por isso, a construção da participação popular no desenvolvimento da cidadania deve se fortalecer, assim como a próprio regime democrático que a pressupõe.

4.1 Requisitos para candidatura

Atualmente, segundo o artigo 133 do Estatuto da Criança e do Adolescente, são três os requisitos para candidatura a membro do Conselho Tutelar: reconhecida idoneidade moral; idade superior a vinte e um anos; residência no município. Como esses três requisitos são exigências mínimas, é permitido aos municípios regular a matéria por lei, estabelecendo como eles serão verificados, podendo haver a inclusão de outros, como a exigência de escolaridade mínima, experiência no trabalho com crianças e adolescentes ou titulação acadêmica, muitos dos quais já são exigidos nos municípios. Sobre essa competência concorrente do município para legislar sobre a proteção à infância e à juventude, inclusive, é de se destacar que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul definiu, por meio da Conclusão n.º 30, que: Para a escolha de Conselheiro Tutelar, a Lei Municipal pode estabelecer outros requisitos compatíveis com o cargo, além dos indicados no art. 133 do ECA, ante o permissivo dos arts. 24, inc. XV e 30, inc. II, da Constituição 121

NETO, Wanderlino Nogueira. Art. 133. In: CURY, Munir; AMARAL E SILVA, Antônio Fernando do; MENDEZ, Emílio García. (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 4 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 451.

73 Federal. (Unanimidade). JUSTIFICATIVA. A orientação jurisprudencial desta Corte firmou-se no sentido de admitir que cada Município pode legislar supletivamente, consoante suas próprias peculiaridades e necessidades, estabelecendo exigências, requisitos ou condições para o registro de candidatura ao pleito para o cargo de Conselheiro Tutelar, tal como autoriza o art. 30, inc. II, da Constituição Federal, visto que o art. 24, inc. XV da Carta Magna estabelece a competência concorrente entre a União, o Estado e o Município para legislar sobre a proteção à infância e à juventude. Entende-se, portanto, que os requisitos indicados no art. 133 do Estatuto da Criança e do Adolescente são aqueles mínimos necessários ao desempenho do cargo, sendo que o art. 139 da precitada Lei estabelece processo para a escolha dos membros do Conselho Tutelar deve ser regulado por Lei Municipal. Claro que tal competência legislativa não se limita a definir mera forma de funcionamento, senão de adequar os critérios de escolha, a partir do que for conveniente e necessário para o Município, assegurando-se a livre e ampla, mas qualificada, participação popular. PRECEDENTES: APC 70002367613 (7ª C. Cível), MS 70002245603 (7ª C. 122 Cível).

Assim, a ampla possibilidade da suplementação de requisitos por lei municipal, no lugar de o próprio Estatuto fazê-lo, encontra justificativa nas dimensões continentais do Brasil, que tornam o país um imenso mosaico cultural e econômico. Assim, uma possibilidade que deve ser ponderada e que requer uma análise mais detida é se, acaso uma lei federal instituísse, pormenorizadamente, requisitos mais rígidos para o cargo, alguns municípios não enfrentariam dificuldades em encontrar candidatos que os cumprissem? Ainda, com isso não se estaria infringindo os princípios da autonomia e da descentralização? Sem embargo das diversas tentativas legislativas de estabelecer novas exigências, é forçoso reconhecer em relação às leis federais, que o seu alto grau de abstração, em comparação com as especificidades locais de cada município por ela regulado, não permite que se estabeleçam critérios diferenciados conforme as características de cada região (desenvolvimento econômico, população, área), sob pena de quebra do princípio da isonomia. Portanto, a possibilidade de que lei municipal possa complementar os requisitos previstos no Estatuto considerando as próprias peculiaridades da comunidade em que ela irá viger, atende ao espírito informador das regras de

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BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Centro de Estudos. Conclusão n.º 30. Disponível em: . Acesso em: 13 jun. 2010.

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competência estatal previstas na Constituição, as quais têm como premissa de atuação a predominância do interesse envolvido. Especialmente no tocante a idoneidade moral, faz-se necessário uma análise que leve em consideração as dificuldades de se lhe atribuir conteúdo objetivo já que, consoante dispõe o artigo 135 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o exercício efetivo da função de Conselheiro, além de ser considerado serviço público relevante, induz à presunção de idoneidade moral e assegura prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo. Neste aspecto, diz-se que a idoneidade moral decorre da honestidade ou do modus faciendi da pessoa no meio em que vive, em virtude do que é apontada a reconhecida como “pessoa de bem”.123 Como se observa, qualquer análise sobre o conceito de idoneidade moral, esbarrará necessariamente na fluidez de seu conteúdo, cujo significado é aberto e permite várias interpretações. Já em relação a exigência de residência do município, compete esclarecer que melhor teria andado o legislador se tivesse posto na lei o requisito de domicílio e não de residência no município, haja vista o conceito daquele ser mais amplo que o deste, na medida em que envolve o ânimo da permanência, a intenção de fazer do respectivo local o centro convergente de sua vida social, consoante dispõe o artigo 70 do Código Civil. Com efeito, a exigência de que o candidato ao Conselho Tutelar resida no município não se confunde com eventual exigência de domicílio eleitoral que possa estar prevista na lei municipal, a qual tem sido entendida como ilegal por representar obstáculo imotivado ao acesso de todas as pessoas aos cargos e funções públicas.124 Da mesma forma, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já se pronunciou no sentido de que a exigência, não prevista em lei, de comprovação de não estar 123

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 28 ed. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 697. 124 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n.º 70000130633, Sétima Câmara Cível. Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, julgado em 13/10/1999.

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filiado a partido político pelos candidatos, é ilegal, uma vez que tal requisito tem que estar previsto em lei municipal.125 Acaso a lei municipal exigisse a comprovação de não estar filiado a partido político, tal requisito estaria justificado na medida em que: 1. As funções administrativas devem ser exercidas com impessoalidade e imparcialidade. 2. A proibição do exercício de atividade político-partidária por membro do conselho tutelar constitui-se em medida que visa a garantir a impessoalidade e a imparcialidade no exercício de função pública, não violando a liberdade de associação assegurada na Constituição da República. 4. A liberdade de filiação a partido político não impede o legislador de vedar o exercício de atividade político-partidária por ocupantes de cargos e funções públicas. Harmonização entre a liberdade de filiação a partido político e os princípios da impessoalidade e imparcialidade. Cabe ao interessado optar pelo exercício da liberdade de filiação ou pelo exercício do cargo de conselheiro tutelar, segundo seus interesses. AÇÃO JULGADA 126 IMPROCEDENTE, POR MAIORIA.

Outra possibilidade que não raramente é sugerida, diz respeito ao requisito de idade mínima para o exercício da função de Conselheiro Tutelar. Isso porque o Estatuto da Criança e do Adolescente foi criado durante a vigência do Código Civil de 1916 e, portanto, o requisito de 21 anos previsto no Estatuto coincidia com o conceito de maioridade civil previsto naquele Código Civil. Ocorre que a opção do legislador do Estatuto da Criança e do Adolescente lastreou-se não no conceito de capacidade civil plena, mas na necessária experiência de vida para o trato com questões envolvendo a proteção de direitos próprios e especiais das crianças e dos adolescentes.127 Assim, se por um lado o Poder Judiciário tem atuado ativamente no sentido de aplicar aos preceitos insculpidos na legislação, também o Poder Legislativo tem exercido a sua prerrogativa de criar leis. Neste sentido, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n.º 119, de 2008, que prevê as seguintes alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente: supressão da eventualidade da remuneração 125

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Reexame Necessário n.º 70009617630, Terceira Câmara Cível. Relator: Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, julgado em 07/10/2004. 126 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 70026092189, Tribunal Pleno. Relator Vencido: Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Redator para Acordão: Maria Isabel de Azevedo Souza, julgado em 06/04/2009. 127 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n.º 70013118443, Terceira Câmara Cível. Relator: Matilde Chabar Maia, julgado em 11/05/2006.

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prevista na parte final do artigo 134, aumento do mandato para cinco anos, garantia de todos os direitos trabalhistas e sociais aos Conselheiros (13º salário, férias anuais remuneradas com 1/3 constitucional, licença-gestante, licença-paternidade, licença para tratamento de saúde, inclusão em planos de saúde oferecidos pela União ao funcionalismo público federal) e a equiparação dos Conselheiros a servidores públicos federais, passando os seus vencimentos a serem pagos “pelos cofres públicos da União, nos mesmos moldes dos servidores públicos federais.”128 Vale dizer que esse projeto recebeu parecer favorável da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, sob o argumento da evidente e enorme responsabilidade atribuída aos Conselheiros Tutelares e da necessidade de garantir-lhes todas as condições materiais necessárias ao cumprimento de sua missão,129 ignorando, pois, que a remuneração dos Conselheiros pela União fere o princípio da descentralização político-administrativa, previsto no artigo 204, inciso I, da Constituição da República e no artigo 86 do Estatuto da Constituição e do Adolescente. Além disso, destaca-se a confusão feita por essa Comissão ao dizer que era necessário alterar a última parte do art. 89 do Estatuto da Criança e do Adolescente, de “não será remunerada” para “será remunerada”. Não entenderam os senadores que o artigo se refere aos Conselhos de Direitos e não aos Conselhos Tutelares.130 Contudo, atrelada ao aspecto remuneratório, parece razoável supor que seja necessário capacidade ou conhecimento técnico sobre os direitos da criança e do adolescente, além da boa vontade (muitas vezes discutível), para que seja desempenhada a contento a função de Conselheiro Tutelar. Sobre a matéria, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei n.º 479, de 2009, que pretende a inclusão do requisito do Ensino Médio completo para o cargo de 128

BRASIL, Senado Federal. Projeto de Lei n.º 119, de 2008. Altera a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Autor: Sen. Arthur Virgílio. Disponível em: . Acesso em: 11 mai. 2010. 129 BRASIL, Senado Federal. Projeto de Lei n.º 119, de 2008. Parecer da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. Disponível em: . Acesso em: 12 mai. 2010. 130 Ibidem.

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Conselheiro, assim como a preferência na escolha “aos candidatos com formação em áreas pertinentes à atuação do Conselho Tutelar.”131 Assim, resta compreender se exigir maiores graus, já que a educação (e o acesso a ela) deve ser encarada como prioridade pela sociedade e pelos governos, incentivaria a busca pelo conhecimento ou aumentaria o abismo entre quem não tem acesso a educação de qualidade e por isso, é afastado dos melhores empregos. Mas adotar a hipótese da especialização técnica implica em desnaturar os propósitos da instituição que tem sua existência justificada pela necessidade de proteção dos direitos da criança e do adolescente e não como meio de criação de postos qualificados de trabalho, pelo que é de se afirmar a sua inadmissibilidade. Neste ponto, é de vital importância destacar o papel das Instituições de Ensino Superior na formação e capacitação dos Conselheiros Tutelares, após eleitos. Embora no Brasil essa participação ainda seja tímida, na Região Sul esta realidade é mais difundida. Em 2006, 23 % dos Conselhos Tutelares do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que responderam a pesquisa realizada pelo Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor - CEATS (a qual obteve um grau de abrangência de 79 % dos Conselhos Tutelares existentes na Região Sul),132 indicaram que recebiam capacitação dessas instituições, sugerindo uma aproximação mais intensa da academia com a realidade social das comunidades nas quais estão inseridas.133 A mesma pesquisa conclui que a partir dos dados obtidos pode-se considerar como positiva a variedade de agentes que se responsabilizam pela formação específica dos Conselheiros Tutelares, contribuindo para a dinâmica de garantia dos 131

BRASIL, Senado Federal. Projeto de Lei n.º 479, de 2009. Altera a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, para incluir novo critério de escolha dos Conselheiros Tutelares. Autor: Sen. Valter Pereira. Disponível em: . Acesso em: 16 nov. 2009. 132 FISCHER, Rosa Maria. (Coord. Geral). Os bons conselhos: pesquisa “conhecendo a realidade”. São Paulo, 2007. p. 169. Disponível em: . Acesso em: 13 abr. 2010. 133 Idem, Ibidem. p. 190.

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direitos da criança e do adolescente, reforçada por uma base diversificada de apoio ao sistema.134 Portanto, para além da discussão acerca da necessidade de qualificação, é possível afirmar que mais importante ainda é a capacitação dos que são escolhidos, direcionada especificamente para a atuação dos Conselhos. Inverter essa premissa pode fazer com que se retire da capacitação direcionada o seu real valor, resultando possivelmente em retrocesso no que se refere ao aperfeiçoamento da atuação dos Conselheiros. Ademais, no atual modelo de escolha dos Conselheiros Tutelares já está previsto que, além dos requisitos estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 133 e incisos (reconhecida idoneidade moral, idade superior a vinte e um anos, residência no município), outros poderão ser exigidos desde que haja previsão em leis municipal. Justifica-se a opção do legislador porque o Brasil possui contrastes sociais marcantes entre suas Regiões, além do que o princípio da descentralização administrativa e a inspiração democrática e de participação popular que rege o Estado brasileiro, faz com que cada estado, município e comunidade gerenciem seus recursos humanos e materiais conforme a sua própria realidade. Portanto, a questão que se impõe é a busca por caminhos que permitam a capacitação constante dos Conselheiros Tutelares, a melhoria de sua infraestrutura de trabalho, assim como uma política de valorização de sua remuneração dentre outros direitos sociais e, ainda, o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle social sobre a própria atuação do Conselho Tutelar e, de uma maneira geral, de todos os interlocutores que compõe o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.

134

FISCHER, Rosa Maria. (Coord. Geral). Os bons conselhos: pesquisa “conhecendo a realidade”. São Paulo, 2007. p. 190. Disponível em: . Acesso em: 13 abr. 2010.

79

4.2 Procedimentos de escolha

O Estatuto da Criança e do Adolescente, além de mencionar em seu artigo 131 que o Conselho Tutelar é encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, também referiu, no artigo 132, que eles serão compostos de cinco membros, escolhidos pela comunidade local para mandato de três anos, permitida uma recondução. Esse processo de escolha deve ser definido em lei municipal e gerenciado pelo Conselho

Municipal

acompanhamento

dos

do

Direitos

Ministério

da

Público,

Criança

e

levando-se

do em

Adolescente, consideração

com as

necessidades básicas, os aspectos demográficos, geográficos, culturais e econômicos da região.135 Segundo o artigo 3º da Resolução n.º 75, de 22 de outubro de 2001, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), a legislação municipal deverá explicitar a estrutura administrativa e institucional necessária ao adequado funcionamento do Conselho Tutelar, sendo que o parágrafo único do mesmo artigo determina que: A Lei Orçamentária Municipal deverá, em programas de trabalho específicos, prever dotação para o custeio das atividades desempenhadas pelo Conselho Tutelar, inclusive para as despesas com subsídios e capacitação dos Conselheiros, aquisição e manutenção de bens móveis e imóveis, pagamento de serviços de terceiros e encargos, diárias, material de 136 consumo, passagens e outras despesas.

Vale registrar que a pesquisa realizada pelo Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor (CEATS) em 2006, apurou que 70% dos Conselhos consultados tiveram seus membros escolhidos por meio de eleição direta 135

LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 10 ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2008. p.131. 136 BRASIL. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. CONANDA. Resolução n.º 75, de 22 de outubro de 2001. Dispõe sobre os parâmetros para a criação e funcionamento dos Conselhos Tutelares e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 2 dez. 2009.

80

e aberta a todos os eleitores do município (ou do território de atuação do Conselho, nos casos em que há mais de um Conselho por município); e 10 % das respostas referiram como processo de escolha a eleição direta e aberta a todos os membros das entidades do município que atuam na área da criança e do adolescente – tanto as governamentais quanto as organizações da sociedade civil.137 Outras formas de escolha, indiretas, também foram identificadas, tais como a que os eleitores são representantes das entidades da sociedade civil que atuam junto à população infanto-juvenil, em órgãos de classe, universidades, associações comerciais, entre outros (6%); a realizada entre representantes das entidades municipais que atuam, exclusivamente, na área da criança e do adolescente (5%), tanto as públicas quanto as da sociedade civil; e a realizada por representantes das entidades da sociedade civil e por representantes do Poder Público (3%).138 O relatório da pesquisa conclui que os dados são positivos, haja vista a maioria processos eleitorais se caracterizarem pela escolha direta, universal e facultativa. Entretanto, é necessário que a comunidade participe efetivamente da eleição, sendo informada e mobilizada para o processo de escolha de seus representantes. Os procedimentos de escolha dos Conselheiros Tutelares, ainda que alguns sejam por via indireta, representam uma importante conquista democrática da sociedade. Não foi sem esforço que o capítulo da criança e do adolescente da Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente foram aprovados. Muitos setores da sociedade se organizaram para garantir espaços de discussão democrática a de participação popular nas mais diversas áreas da vida social e política do país, dentre os quais se destaca o Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, que vem conquistando, desde o final dos anos 80, reconhecimento público por sua atuação na defesa e promoção dos direitos das crianças e adolescentes em todos os níveis (federal, estadual e municipal), a qual é

137

Cf. FISCHER, Rosa Maria. (Coord. Geral). Os bons conselhos: pesquisa “conhecendo a realidade”. p. 184. São Paulo, 2007. Disponível em: . Acesso em: 13 abr. 2010. 138 Ibidem.

81

articulada por aproximadamente mil entidades, entre organizações filiadas, Fóruns e Frentes Estaduais (com suas ONGs filiadas).139 Não obstante essa perspectiva positiva acerca das atuais possibilidades de processos de escolha dos Conselheiros Tutelares nota-se que em muitos casos a eleição é aparelhada pelas forças políticas locais, o que deve ser combatido justamente em razão da autonomia com que o Conselho deve atuar, não se submetendo aos interesses dos políticos de situação ou de oposição. Para combater esse quadro de malversação política das eleições para o Conselho Tutelar, a sociedade e os poderes constituídos já dispõem dos meios adequados a tal fim. Neste sentido, é da competência geral do Ministério Público fiscalizar todo o processo eleitoral, como de regra ocorre em relação à aplicação de todas as leis, eis que a Lei n.º 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, a qual institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe em seu artigo 1º que “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” Mais especificamente, é de competência do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, sob a fiscalização do Ministério Público, regulamentar, organizar e coordenar o processo de escolha dos Conselheiros Tutelares, devendo trabalhar para que o mesmo ocorra de forma lisa e transparente, seguindo as determinações gerais do Estatuto da Criança e do Adolescente, nomeadamente o artigo 139, e a Resolução n.º 75, de 22 de outubro de 2001, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), a qual dispõe em seu artigo 9º que: Os Conselheiros Tutelares devem ser escolhidos mediante voto direto, secreto e facultativo de todos os cidadãos maiores de dezesseis anos do município, em processo regulamentado e conduzido pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, que também ficará

139

FÓRUM NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Site institucional. Disponível em: . Acesso em: 10 jun. 2010.

82 encarregado de dar-lhe a mais ampla publicidade, sendo fiscalizado, desde sua deflagração, pelo Ministério Público.

É forçoso reconhecer, no entanto, que as resoluções do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, por força dos princípios da descentralização e da autonomia, ao mesmo tempo em que vinculam a administração federal, possuem apenas o caráter de recomendação para as esferas estaduais e municipais não sendo, portanto, de aplicação obrigatória. O Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente possui, ainda, o poder/dever de instaurar sindicância para apurar eventual falta grave cometida por Conselheiro Tutelar no exercício de suas funções, observando a legislação municipal pertinente ao processo de sindicância ou administrativo/disciplinar, de acordo com a Resolução n.º 75, de 22 de outubro de 2001, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.140 Como último recurso cabe a qualquer cidadão representar ao próprio Ministério Público ou à autoridade judiciária em casos de corrupção, fraude ou qualquer outro crime ou contravenção capaz de desviar o processo eleitoral de sua finalidade precípua que é o interesse público consubstanciado na defesa dos diretos da criança e do adolescente.

4.3 Análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul relacionada ao procedimento de escolha dos Conselheiros Tutelares

Buscando identificar possíveis padrões nas decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS), foram analisadas 245 ementas de acórdãos ou decisões monocráticas em que se discutiram aspectos relativos ao procedimento de escolha dos Conselheiros Tutelares, suas atribuições e condições de trabalho.

140

GAMBA, Joisiane Sanches de Oliveira. Parâmetros para a criação e funcionamento dos Conselhos de Direitos. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Brasília, CONANDA, 2005. p. 23.

83

A distribuição das ementas pesquisadas por espécie de ação ou recurso é a seguinte: 93 apelações cíveis, 73 agravos de instrumento, 4 conflitos de competência, 15 ações diretas de inconstitucionalidade, 21 apelações cíveis em conjunto com reexames necessários, 32 reexames necessários, 1 agravo regimental, 1 ação rescisória, 3 mandados de segurança, 1 embargo de declaração e 1 recurso crime. A pesquisa teve como base de dados a jurisprudência disponibilizada pelo site do TJ/RS, utilizando-se como parâmetro a expressão “conselho tutelar” no campo “pesquisa livre” da ferramenta de busca unificada, compreendido o período entre 1º de janeiro de 1998 e 6 de junho de 2010.141 Procurou-se privilegiar na pesquisa, questões que pudessem fornecer uma perspectiva crítica acerca das questões suscitadas no presente trabalho. Assim, foi constatado que das 245 ementas pesquisadas, 115 abordam questões relativas à competência legislativa suplementar dos municípios em matérias relacionadas ao Conselho Tutelar, sendo que destas, 89 se referem especificamente à prerrogativa que o município possui de ampliar os requisitos de elegibilidade previstos no artigo 133 do Estatuto da Criança e do Adolescente (idoneidade moral, idade superior a vinte e um anos e residência no município). No entanto, embora não se tenha acessado o conteúdo integral da maioria das decisões, é muito provável que outras, além das 115 cujas ementas referem expressamente aspectos da competência suplementar dos municípios em matéria relativa ao Conselho Tutelar, também travem esse debate, haja vista todas elas abordarem questões que necessitam de previsão legal para serem suscitadas em juízo, como as referentes à remuneração e concessão de benefícios e vantagens aos Conselheiros Tutelares, e questões que dizem respeito a Conselhos já em funcionamento, como ações anulatórias de eleições e de afastamento da função por conduta incompatível, o que pressupõe, no mínimo, a existência da lei criadora do respectivo Conselho Tutelar.

141

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande . Acesso em: 6 jun. 2010.

do

Sul.

Disponível

em:

84

Sobre a competência concorrente do município para legislar acerca da proteção à infância e à juventude, inclusive, é de se reiterar a Conclusão n.º 30 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,142 a qual se equivoca ao afirmar que “o art. 24, inc. XV da Carta Magna estabelece a competência concorrente entre a União, o Estado e o Município para legislar sobre a proteção à infância e à juventude”, uma vez que, como é cediço, o referido dispositivo constitucional prevê expressamente que as matérias elencadas em seus incisos referem-se à competência legislativa concorrente somente da União, dos Estados e do Distrito Federal. No mesmo sentido da constitucionalidade da legislação municipal suplementar em matéria arrolada no artigo 24 da Constituição da República, o Tribunal de Justiça gaúcho assim dispôs: EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO TUTELAR DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. REQUISITOS DOS CANDIDATOS. FALTA DE PREENCHIMENTO. LEGISLAÇÃO SUPLEMENTAR MUNICIPAL. CONSTITUCIONALIDADE. Aos municípios compete, segundo o art. 30, II, da CF/88, legislar suplementarmente à União, aos Estados e ao Distrito Federal, sobre as matérias arroladas no art. 24 da Carta Magna, cujo inciso XV abrange a "proteção a infância e a juventude". Por tal razão é constitucional a lei municipal que exige, dos candidatos à eleição, outros requisitos que não apenas aqueles elencados pelo art. 133 do ECA. Não tendo sido preenchidas todas as condições impostas na lei municipal, descabe o mandado de segurança impetrado, eis que inexistente direito 143 líquido e certo a ampará-lo. APELO NÃO-PROVIDO.

Por seu turno, o Supremo Tribunal Federal entende que a competência dos municípios para legislar sobre matéria de interesse local, prevista no artigo 30, inciso I, da Constituição da República, não abrange matérias cuja competência ela mesma atribui somente à União e aos Estados: A competência constitucional dos Municípios de legislar sobre interesse local não tem o alcance de estabelecer normas que a própria Constituição, na repartição das competências, atribui à União ou aos Estados. O legislador constituinte, em matéria de legislação sobre seguros, sequer conferiu competência comum ou concorrente aos Estados ou aos 144 Municípios. 142

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Centro de Estudos. Conclusão n.º 30. Disponível em: . Acesso em: 13 jun. 2010. 143 Cf. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n.º 598417863, Oitava Câmara Cível. Relator: Alzir Felippe Schmitz, julgado em 15/06/2000. 144 Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 313.060. Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 29-11-05, Diário de Justiça de 24 de fev. de 2006.

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De qualquer forma, analisando a referida Conclusão e as decisões pesquisadas, é possível inferir-se que a perspectiva sobre os desdobramentos das prerrogativas decorrentes dos artigos 134 e 139 do Estatuto da Criança e do Adolescente, de maneira geral, está uniformizada no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Há um consenso no sentido de que os municípios podem e devem complementar a legislação federal naquilo que a própria lei os autoriza a fazer e diante dos permissivos dos incisos I e II do artigo 30 da Constituição da República. Assim, no que respeita as 89 decisões que se referem especificamente à competência dos municípios para ampliar os requisitos de elegibilidade previstos no artigo 133 do Estatuto da Criança e do Adolescente (idoneidade moral, idade superior a vinte e um anos e residência no município), algumas decisões fornecem exemplos de leis municipais que assim o fizeram. Neste sentido, já serviu de justificativa para que se reconhecesse a inidoneidade moral de candidato ao Conselho Tutelar, o fato de este ser réu em Ação Civil Pública quem tem como objeto a nulidade do processo seletivo que culminou com a eleição do mesmo.145 Em contraponto, noutro caso foi afastada a possibilidade de impugnar a inscrição de um candidato pelo fato de ele ser réu em processo de execução fiscal, negando a tese de que a existência de tal demanda afastaria o reconhecimento da sua idoneidade moral.146 Há, também, casos em que a proibição de veiculação de propaganda eleitoral em jornal de circulação local, prevista expressamente na lei municipal, resultou em impugnação da diplomação de candidato eleito que violou tal vedação legal.147

145

Cf. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento n.º 70000482968, Décima Oitava Câmara Cível. Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, julgado em 17/02/2000. 146 Cf. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Reexame Necessário n.º 70012799656, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Matilde Chabar Maia, julgado em 09/02/2006. 147 Cf. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n.º 70004398350, Sétima Câmara Cível. Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, julgado em 28/08/2002.

86

Por outro lado, delineando circunstância que não pode ser reconhecida como desabonadora, há decisão no sentido de que o envio de carta escrita aos eleitores, de autoria de médico e vereador companheiros partidários de candidato ao Conselho Tutelar, não consiste ato de improbidade administrativa daqueles e, portanto, pode ser utilizada por este.148 Porém, é imperioso se reafirmar o sentido do procedimento de escolha que é aferir quem, dentre os candidatos, possui mais condições e legitimidade para o desempenho da função, e não uma mera disputa eleitoral onde a correlação de forças partidárias prepondera ao interesse público. Neste sentido, em relação ao processo de escolha dos Conselheiros Tutelares, diz o Tribunal de Justiça gaúcho que: [...] a finalidade (telos) da norma é justamente evitar a manutenção permanente de membros no Conselho Tutelar, como ocorre relativamente à legislação eleitoral. Direitos da criança e do adolescente que estão em discussão. Constante disputa política nos pleitos desta natureza, em total desvio do objetivo central da norma. Visando à integral proteção da criança e do adolescente, que é o objetivo do Estatuto da Criança e do Adolescente, o legislador alterou a redação do artigo 132, quando da criação do CONANDA (Lei nº 8.242/91), para fazer constar "recondução” no lugar de "reeleição”, pois, assim, possibilita a renovação de membros no Conselho Tutelar, pelo menos por um mandato. Sentença reformada. Sucumbência 149 redistribuída. APELAÇÃO PROVIDA.

Também foi constatado que em alguns casos os desembargadores gaúchos, ao interpretarem a competência legislativa suplementar dos municípios, tiveram que decidir sobre a extensão de seu alcance. Neste aspecto, consta entendimento no sentido de que não pode o edital regulador do certame prever requisitos outros que não aqueles previstos na lei municipal.150 Em sentido oposto, há decisão em que o Tribunal de Justiça entende ser legal a previsão de exame psicotécnico no edital regulador do certame, uma vez que a lei municipal não previu vedação para tanto e, ao mesmo tempo, dispôs de forma geral 148

Cf. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n.º 70022073324, Terceira Câmara Cível. Relator: Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, julgado em 25/09/2008. 149 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n.º 70030280861, Terceira Câmara Cível. Relator: Nelson Antônio Monteiro Pacheco, julgado em 03/09/2009. 150 Cf. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Reexame Necessário n.º 598313229, Oitava Câmara Cível. Relator: Alzir Felippe Schmitz, julgado em 15/06/2000.

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que compete ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente organizar e coordenar a eleição dos membros do Conselho Tutelar.151 Essa perspectiva legal merece especial atenção, porquanto, segundo essa lógica, basta haver na lei municipal previsão no sentido de que a eleição deva se processar de acordo com o estipulado pelo Conselho de Direitos, para que este possa incluir no edital requisitos de habilitação para o exercício da função de Conselheiro. No sentido da limitação da competência legislativa suplementar e em relação à previsão de impedimentos para o exercício da função de Conselheiro Tutelar, interessante salientar que a legislação municipal não pode contrariar matérias já reguladas em leis hierarquicamente superiores. Assim sendo, o impedimento em razão de parentesco por afinidade não pode ser alargado, devendo limitar-se à previsão do artigo 1.595, parágrafo primeiro, do Código Civil, isto é, aos ascendentes, descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.152 Importa advertir que o impedimento em razão de parentesco, igualmente está previsto no caput e parágrafo único do artigo 140, do Estatuto da Criança e do Adolescente, onde consta que marido e mulher, ascendentes e descendentes, sogro e genro ou nora, irmãos, cunhados, durante o cunhadio, tio e sobrinho, padrasto ou madrasta, enteado, não podem servir no mesmo Conselho, assim como também não poderão exercer a função de Conselheiros, aqueles cujos parentes forem autoridades judiciária ou representante do Ministério Público com atuação na Justiça da Infância e da Juventude, e estiverem em exercício na comarca, foro regional ou distrital. Foi possível, ainda, observar que dentre as ementas pesquisadas, 8 eram de ações em que houve declinamento de competência, das quais 6 compartilham o 151

Cf. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n.º 70033998238, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogério Gesta Leal, julgado em 11/03/2010. 152 Cf. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento n.º 70020214268, Terceira Câmara Cível. Relator: Rogério Gesta Leal, julgado em 06/09/2007; e Apelação Cível n.º 70026471318, Terceira Câmara Cível. Relator: Rogério Gesta Leal, julgado em 13/11/2008.

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entendimento de que as matérias de Direito Público, como as relativas à eleição para membro do Conselho Tutelar ou a sua remuneração, são de competência do 2º Grupo Cível (integrado pelas 3ª e 4ª Câmaras Cíveis), o qual julga as matérias referentes aos seguintes temas: a) servidor público; b) concurso público; c) ensino público; d) litígios derivados de desapropriação ou de servidão de eletroduto.153 Nas outras duas, a inteligência é no sentido de que matérias pertinentes ao Estatuto da Criança e do Adolescente, como as que envolvem eleição para membro do Conselho Tutelar, devem ser julgadas por uma das Câmaras integrantes do 4º Grupo Cível, as quais possuem competência para julgar as seguintes matérias: a) família; b) sucessões; c) união estável; d) Estatuto da Criança e do Adolescente; e) registro civil das pessoas naturais.154 Ambos os entendimentos decorrem da interpretação da Resolução n.º 01, de 30 de abril de 1998, a qual dispõe sobre a composição e competência dos Órgãos do Tribunal de Justiça, prevendo, em seu artigo 11, que às Câmaras Cíveis serão distribuídos os feitos atinentes à matéria de sua especialização.155 Por último, destaca-se a identificação de 19 ementas referentes a Ações Civis Públicas (ou recursos relacionados às mesmas), ajuizadas pelo Ministério Público, a fim de forçar municípios a criarem (enviar o Projeto de Lei à Câmara de Vereadores)

153

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação e Reexame Necessário n.º 70000146761, Sétima Câmara Cível. Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 17/11/1999; Apelação Cível n.º 70005249370, Sétima Câmara Cível. Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, julgado em 11/12/2002; Apelação Cível n.º 70006700322, Oitava Câmara Cível. Relator: Catarina Rita Krieger Martins, julgado em 16/10/2003; Apelação Cível n.º 70006838510, Sétima Câmara Cível. Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 01/10/2003; Apelação e Reexame Necessário n.º 70006808190, Sétima Câmara Cível. Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 01/10/2003; e Agravo de Instrumento n.º 70005932751, Oitava Câmara Cível. Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, julgado em 24/04/2003. 154 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Reexame Necessário n.º 598179232, Quarta Câmara Cível. Relator: Araken de Assis, julgado em 17/02/1999; e Apelação Cível n.º 70000193060, Terceira Câmara Cível. Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos, julgado em 17/02/2000. 155 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Resolução n.º 01/1998. Dispõe sobre a composição e competência dos Órgãos do Tribunal de Justiça. Publicada no Diário de Justiça em 30 de abr. de 1998. Disponível em: .Acesso em: 14 jun. 2010.

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ou proporcionarem condições de instalação e atuação aos respectivos Conselhos Tutelares.156 Bem assim, compete registrar que o Tribunal de Justiça tanto já decidiu que não cabe a interferência do Poder Judiciário na elaboração da peça orçamentária do Município, haja vista o respeito aos princípios da legalidade e da razoabilidade,157 como, em sentido contrário, julgou ser possível a determinação judicial para que o Município inclua no orçamento verbas para o funcionamento do Conselho Tutelar, diante da obrigação constitucional e legal de efetivar políticas de proteção à criança e ao adolescente, com base no artigo 204 da Constituição Federal e artigo 88, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente.158 Ainda, noutra ocasião o Tribunal se manifestou no sentido de que é responsabilidade do Município disponibilizar condições de trabalho para o Conselho Tutelar, independentemente de previsão orçamentária, como decorrência de sua obrigação de implementar políticas públicas de proteção ao direito das crianças e 156

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Reexame Necessário n.º 70003688405, Oitava Câmara Cível. Relator: Rui Portanova, julgado em 04/04/2002; Reexame Necessário n.º 70003644036, Terceira Câmara Cível. Relator: Augusto Otávio Stern, julgado em 28/02/2002; Reexame Necessário n.º 70003652740, Sétima Câmara Cível. Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 20/02/2002; Agravo de Instrumento n.º 70005921903, Quarta Câmara Cível. Relator: Vasco Della Giustina, julgado em 06/08/2003; Apelação Cível n.º 70006077176, Quarta Câmara Cível. Relator: Vasco Della Giustina, julgado em 04/06/2003; Agravo de Instrumento n.º 70009527292, Terceira Câmara Cível. Relator: Nelson Antônio Monteiro Pacheco, julgado em 18/11/2004; Agravo de Instrumento n.º 70007577513, Vigésima Segunda Câmara Cível. Relator: Mara Larsen Chechi, julgado em 24/08/2004; Agravo de Instrumento n.º 70007666175, Quarta Câmara Cível. Relator: João Carlos Branco Cardoso, julgado em 18/02/2004; Agravo de Instrumento n.º 70011507241, Sétima Câmara Cível. Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 28/09/2005; Reexame Necessário n.º 70012783809, Oitava Câmara Cível. Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, julgado em 22/09/2005; Agravo de Instrumento n.º 70011507241, Vigésima Segunda Câmara Cível. Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, julgado em 23/06/2005; Agravo n.º 70015835887, Oitava Câmara Cível. Relator: Rui Portanova, julgado em 20/07/2006; Agravo de Instrumento n.º 70013969324, Quarta Câmara Cível. Relator: Miguel Ângelo da Silva, julgado em 19/07/2006; Agravo de Instrumento n.º 70013368261, Oitava Câmara Cível. Relator: Rui Portanova, julgado em 08/06/2006; Agravo de Instrumento n.º 70013519202, Quarta Câmara Cível. Relator: Wellington Pacheco Barros, julgado em 15/03/2006; Apelação e Reexame Necessário n.º 70018116616, Vigésima Primeira Câmara Cível. Relator: Francisco José Moesch, julgado em 08/08/2007; Agravo de Instrumento n.º 70019877216, Oitava Câmara Cível. Relator: Rui Portanova, julgado em 28/05/2007; Agravo de Instrumento n.º 70017396649, Oitava Câmara Cível. Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, julgado em 14/02/2007; e Agravo de Instrumento n.º 70023859390, Oitava Câmara Cível. Relator: Alzir Felippe Schmitz, julgado em 31/07/2008. 157 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento n.º 70007577513, Vigésima Segunda Câmara Cível. Relator: Mara Larsen Chechi, julgado em 24/08/2004. 158 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento n.º 70013519202, Quarta Câmara Cível. Relator: Wellington Pacheco Barros, julgado em 15/03/2006.

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dos adolescentes, decisão esta que de todas é a mais recente, posto que julgada em 31 de julho de 2008.159

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BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento n.º 70023859390, Oitava Câmara Cível. Relator: Alzir Felippe Schmitz, julgado em 31/07/2008.

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5 CONCLUSÕES

Ao se fazer a análise histórica da criança e do adolescente em seu contexto familiar-comunitário e sócio-político parece que, independentemente do momento histórico, a sociedade tem mantido a sua correlação de forças inalterada. Ainda que não se tenha a pretensão de defender uma perspectiva determinista da recente história humana, não há como ignorar que, seja durante a industrialização da Europa ocidental e a consequente ampliação dos centros urbanos, seja na sociedade contemporânea, por diferentes meios uma grande parcela da população foi subjugada econômico-ideologicamente por outra, muito menor, mas que detinha o poder – divino, político ou econômico. Assim, se na Idade Média a ausência do sentimento de infância prejudica essa análise, o tratamento dispensado ao homem em geral dá o tom do que se passava entre as crianças – controle por meio da ameaça da ira divina materializada pelo látego, pelas mutilações e pela fogueira – o que garantia o estado geral das coisas, ou seja, à Igreja às almas do povo e à aristocracia, o seu corpo. Com a unificação dos diversos lócus de poder político existentes no período anterior ao Estado Moderno, em um único e absoluto – o monarca –, o mapa mundial acabou por ser redesenhado os Estados nacionais se consolidaram. O poder estatal deixa de ser absenteísta e começa aos poucos a tomar para si certas tarefas, principalmente em relação à segurança do patrimônio e não das pessoas. Porém, diante do aumento significativo da população urbana e a radicalização das desigualdades sociais, os movimentos de massas passaram a exigir controle mais efetivo e de uma forma ou de outra, o resultado prático foram duas Grandes Guerras, após as quais houve a emergência de um sentimento de solidariedade humana, tergiversando outros valores que passam a ser manipulados pelos fatores de poder onde a mídia assume um papel central, com toda a sua tática invasiva e repetitiva a corroborar uma estratégia muito mais profunda de manutenção da sociedade por meio do binômio consumo/ alienação.

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E tudo isso sempre refletiu na abordagem dada ao "problema" da criança e do adolescente – pobre e infrator, diga-se. De um anonimato total à ameaça social, as crianças cada vez mais acentuadamente passaram a ser objeto de políticas públicas - se antes eram simplesmente exploradas, depois foram sendo gradativamente internadas, domesticadas, treinadas em ofícios, mas sempre sem que se reconhecesse a sua condição especial de sujeitos portadores de direitos. Assim, se no plano legal, a perspectiva sobre a criança e o adolescente percorreu um longo caminho desde o período menorista e da Política Nacional do Bem-Estar do Menor, passando pela Teoria da Situação Irregular, é verdade também que o novo olhar trazido pela Teoria da Proteção Integral ainda tem muitos lugares a alcançar. Neste sentido, a despeito das questões relativas à exploração do trabalho infantil, à exploração sexual, à violência doméstica, e tantas outras que violam os direitos das crianças e dos adolescentes, a análise do procedimento de escolha, das atribuições e dos requisitos necessários aos membros do Conselho Tutelar permitiu, sobretudo, compreender a fundamental importância dessa instituição sui generis, dentro do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente. Particularmente em um Estado como o Brasil, extremamente burocratizado e de dimensões continentais, foi possível perceber que não há estrutura pública capaz de chegar a todos os lugares sem a descentralização político-administrativa e o repasse de recursos e mais, que não é possível dialogar a respeito das necessidades das pessoas, excluindo-as desse debate. É de se registrar o grande avanço do Brasil no que se refere à instituição de mecanismos de participação popular, como as conferências sobre os direitos da criança e do adolescente em todos os níveis, onde as questões são discutidas pelo governo, pelas entidades e pela população e de onde saem subsídios para a implementação das políticas públicas pertinentes ao tema, consistentes em deliberações e moções de repúdio, de apelo de recomendações.

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Também foi possível compreender que a principal atribuição do Conselho Tutelar, ao prestar o primeiro atendimento em casos de ameaça ou violação de diretos, é encaminhar a criança, o adolescente e, se for o caso, os pais ou responsável, à rede especializada de atendimento. Por essa razão, as discussões acerca da pertinência ou não de ampliação dos requisitos para concorrer ao cargo de Conselheiro Tutelar perdem espaço e sentido diante da natureza de suas atribuições e do enorme desafio imposto pela precariedade das entidades, instituições e órgãos responsáveis por receber a demanda oriunda dos Conselhos. Já em relação ao procedimento de escolha dos Conselheiros Tutelares, a conclusão a que se chega é de que a participação da comunidade no mesmo, bem como o amplo acesso dos cidadãos à função e a existência de atores e mecanismos responsáveis pela fiscalização de sua atuação (Conselho de Direitos, que deve ser paritário e representativo, e Ministério Público), constituem conquistas democráticas a serem reafirmadas pelo contínuo aperfeiçoamento de seus mecanismos. Ademais, da análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, depreende-se que o Poder Judiciário não foge a tarefa de efetivar as normas relativas aos direitos da criança e do adolescente, muitas vezes sob o estigma de estar violando o princípio da independência e separação dos poderes. Por último, valer dizer que o momento histórico de estabilidade democrática, em que pese a sua incapacidade em eliminar as desigualdades sociais enraizadas em todos os cantos do país, permite a intensificação do debate em torno da efetivação dos direitos da criança e do adolescente.

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