O processo de composição vocal em Teatro Musical: uma investigação a partir da construção do personagem Quasímodo, em O Corcunda de Notre Dame

September 25, 2017 | Autor: Douglas Carvalho | Categoria: Voz, Teatro Musical, Técnica Vocal, Construção De Personagens
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Especialização em Música: Ensino e Expressão 4ª Edição

O processo de composição vocal em Teatro Musical: uma investigação a partir da construção do personagem Quasímodo, em O Corcunda de Notre Dame

DOUGLAS CARVALHO DOS SANTOS

NOVEMBRO, 2014

Especialização em Música: Ensino e Expressão 4ª Edição

DOUGLAS CARVALHO DOS SANTOS

O processo de composição vocal em Teatro Musical: uma investigação a partir da construção do personagem Quasímodo, em O Corcunda de Notre Dame Trabalho

de

Especialização

conclusão em

do

Música:

curso

de

Ensino

e

Expressão. Orientadora: Profª. Me. Ana Cláudia Specht

NOVEMBRO, 2014 1

"As realidades da alma, por não serem visíveis e palpáveis, nem por isso deixam de ser também realidades" Victor Hugo – Os Miseráveis 2

AGRADECIMENTOS

À minha orientadora Ana Cláudia Specht, pelo auxílio luxuoso e pelas palavras de incentivo.

A Karen Radde pelo convite a esse projeto maravilhoso, pela amizade e brincadeiras no camarim.

A Ronald Radde pela confiança, exigência e conselhos. A Ellen D’Ávila pelo imenso carinho e apoio que só uma boa produção pode proporcionar a um ator.

A Márcia Chemale pelos carinhos e caronas, e também pela extrema dedicação e profissionalismo com que agiu perante os desafios desse processo.

A Francis Padilha pelo trabalho de extrema qualidade que ofereceste ao elenco e também pela generosidade na troca de ideias enriquecedoras acerca da voz de cena.

A André Trento por me presentear com suas belíssimas composições.

A todos os colegas de elenco pela fraternidade conquistada no processo. Obrigado também pelos elogios e críticas respeitosas a respeito da construção de Quasímodo.

A Fernanda e Margareth do SESI-RS pela compreensão nas ausências e pela honra de tê-las na plateia apreciando um trabalho cultivado com tanto carinho.

A minha família pelo apoio, carinho e compreensão das minhas ausências em momentos especiais.

Um agradecimento mais que especial a Leandro Ribeiro, pela compreensão, apoio, desabafos e euforias compartilhadas e, principalmente, pelo amor incondicional e verdadeiro. Sem ti, esse trabalho não teria acontecido. 3

RESUMO

Este trabalho se propõe a analisar a composição vocal de um personagem de Teatro Musical, investigando as especificidades desse processo de forma qualitativa. Para tal, foi analisada a construção vocal do personagem Quasímodo, interpretado pelo pesquisador, na montagem do espetáculo O Corcunda de Notre Dame, da Cia. Teatro Novo, refletindo sobre seu próprio trabalho. Primeiramente, são apresentados os principais pressupostos teóricos, tanto da linguagem teatral como da linguagem musical e onde elas dialogam na composição de um personagem em Teatro Musical. Depois, são apresentados os aspectos teatrais do processo, baseado nas teorias de Stanislavski (2003; 2005) e Gayotto (1997). Em seguida, são apresentados os aspectos técnicos da construção vocal, tanto a técnica trazida pelo preparador vocal aos ensaios, como a aprendida pelo pesquisador em sua carreira artística, o Speech Level Singing, de Riggs (1998). Por fim, é analisado o processo de construção do personagem em questão ao interpretar as canções Tema de Quasímodo e Minha Alma Quer Partir, procurando-se compreender a aprendizagem da atuação em Teatro Musical vivenciada na montagem de O Corcunda de Notre Dame.

Palavras-chave: Teatro Musical, composição de personagem, técnica vocal, voz.

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ABSTRACT

This paper aims to analyze the vocal composition of a character of Musical Theatre, investigating the specificities of this process qualitatively. For this, the vocal construction of the character Quasimodo, played by the researcher, was analyzed, in the making of the show O Corcunda de Notre Dame, of Cia. Teatro Novo, making a reflection on his own work. First, the main theoretical assumptions of both the musical and theatrical language and where they converse in the composition of a character in musical theater language are presented. Then, the theatrical aspects of the process, based on the theories of Stanislavski (2005; 2003) and Gayotto (1997), are presented. Furthermore, the technical aspects of vocal construction, both technical vocal brought by the coach to the rehearsals, and the one that was learned by the researcher in his artistic career, Speech Level Singing of Riggs (1998), are presented. Finally, the construction process of the character Quasímodo is analyzed to interpret the songs Tema de Quasímodo and Minha Alma Quer Partir, seeking to understand the learning activities experienced in Musical Theatre production of O Corcunda de Notre Dame.

Keywords: Musical Theater, character composition, vocal technique, voice.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO____________________________________________________9 1 O TEATRO MUSICAL______________________________________________14 1.1 Interdisciplinaridade? Multidisciplinaridade? Ou algo mais?___________14 1.2 Usando o Dicionário___________________________________________15 1.3 Um apanhado histórico_________________________________________16 1.3.1

O Teatro Musical no mundo____________________________16

1.3.2

O Teatro Musical no Brasil_____________________________19

1.4 É necessário definir?___________________________________________22 2 A CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM________________________________23 2.1 A preparação do ator___________________________________________24 2.2 A construção da personagem____________________________________25 2.3 Ação Vocal__________________________________________________27 3 A(S) TÉCNICA(S) VOCAL(IS)________________________________________29 3.1 A técnica proposta pelo preparador vocal e o Speech Level Singing______29 3.1.1 A respiração__________________________________________31 3.1.2 A vibração___________________________________________32 3.1.3 A ressonância e a articulação_____________________________34 3.2 A musicalização______________________________________________36 4 ANALISANDO O PROCESSO________________________________________39 4.1 Aspectos Metodológicos________________________________________39 4.2 O processo de montagem do espetáculo____________________________40 4.2.1 O uso de microfones headsets____________________________41 4.2.2 Figurino e Maquiagem__________________________________42 4.2.3 De coro a protagonista__________________________________42 4.2.4 De barítono a tenor_____________________________________43 4.2.5 Em francês___________________________________________44 4.3 A construção do personagem Quasímodo__________________________47 4.4 A construção vocal do personagem nas canções do espetáculo__________50 4.4.1 Tema de Quasímodo___________________________________50 4.4.2 Minha Alma Quer Partir________________________________53 CONSIDERAÇÕES FINAIS____________________________________________59 6

REFERÊNCIAS______________________________________________________61 ANEXOS____________________________________________________________66 ANEXO A – Letra de Tema de Quasímodo__________________________________66 ANEXO B – Letra de Minha Alma Quer Partir______________________________67 ANEXO C – Letra de Já É Novo Dia_______________________________________68 ANEXO D – Letra de Tema dos Mendigos__________________________________69 ANEXO E – Letra de Casar, Casar, Casar__________________________________70 ANEXO F – Letra de Saia de Mim!________________________________________71 ANEXO G – Partitura de Tourdion________________________________________72

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APRESENTAÇÃO:

O Teatro Musical é uma linguagem cênica que se utiliza de diversas linguagens artísticas, mais especificamente do Teatro, da Dança e da Música. Como artista profissional da área de espetáculos, inclino-me naturalmente a pesquisar sobre esse assunto, pois sempre houve uma ligação muito intensa do Teatro Musical em minha vida. Há muito tempo, ouço familiares comentando sobre minhas brincadeiras de infância. Além da mudança na voz para interpretar alguns personagens, elas sempre envolviam algum tecido enrolado no corpo e objetos que serviam de microfone. Durante minha Educação Básica, tive a oportunidade de assistir a espetáculos de dança, teatro, óperas, concertos, cinema e exposição de artes visuais, através de passeios que as escolas proporcionavam aos alunos. Esses passeios marcaram minha vida escolar e percebo que contribuíram para que eu me tornasse um espectador ávido por arte quando adulto. E, desde esses passeios até as diversas apreciações de espetáculos artísticos, posteriormente, já na vida adulta, percebo uma ligação muito intensa entre Teatro e Música. Mais especificamente na Música, interesso-me por cantores que agem vocalmente, comunicando as mensagens presentes na canção. Da mesma forma, no Teatro, interesso-me pelo ator que expressa um texto com propriedade, como se fosse ele mesmo que o criasse no momento da representação. Portanto, desde muito cedo, quando decidi fazer arte por profissão, tenho admiração por atores que cantam e cantores que atuam, como exemplos que busco seguir em meu trabalho artístico. Desenvolvi minha trajetória artística sempre procurando integrar os trabalhos de ator e de cantor. Grande parte dos espetáculos teatrais nos quais trabalhei, ou eram musicais, ou havia pelo menos uma música a ser cantada. Até então, percebia que algo ligava essas duas linguagens artísticas, mas não conseguia denomina-las. Por isso, ao ler uma frase de Victor Hugo, por acaso autor da obra que inspirou o musical que serviu de campo de trabalho dessa pesquisa, resolvi coloca-la como epígrafe desse trabalho, pois pretendia descobrir o que são as “realidades da alma” não palpáveis, mas reais por serem muito perceptíveis. Depois de concluir o Ensino Médio em 2001, demorei a decidir-me por uma graduação de nível superior. Queria cursar Música na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mas não possuía conhecimentos suficientes na área para ser aprovado no teste de habilitação específico. No ano seguinte, comecei a realizar atividades regulares 8

como cantor em corais de Porto Alegre. Também, na mesma época, passei a fazer aulas particulares de técnica vocal, ao mesmo tempo em que frequentei aulas de teatro no bairro em que eu morava, na Zona Norte de Porto Alegre. A partir das aulas de técnica vocal, pude expandir o meu olhar para conhecer o cenário musical de Porto Alegre, assistindo a várias apresentações musicais de artistas locais. Também pude conhecer melhor meu aparelho fonador e aprender a utilizá-lo. Vivenciei descobertas importantes na área teatral a partir da oficina de teatro que realizei no meu bairro. Descobri o universo teatral gaúcho e fui bastante estimulado e incentivado durante as aulas. Pensei, naquele momento, em realizar o vestibular para o curso superior de Teatro da UFRGS até adquirir os conhecimentos necessários para ingressar no de Música, pois eu ainda não possuía as habilidades prévias para ser aprovado no teste de habilitação específico. Porém, para ingressar no curso superior de Teatro da UFRGS também seria necessário ser aprovado em outro teste de habilitação específico, mas os conhecimentos exigidos eram mais flexíveis e subjetivos que aqueles do curso de Música. E, realizando o curso de Teatro da UFRGS, eu desenvolveria postura de palco, interpretação, consciência corporal, dentre outras habilidades que me ajudariam na carreira artística que viesse a optar. No ano seguinte, entrei no curso de Bacharelado em Teatro: Habilitação em Interpretação Teatral da UFRGS. Logo nas primeiras aulas da disciplina de Expressão Vocal, pude reconhecer o aspecto que mais chama a minha atenção no trabalho de um profissional da cena: a voz. Encontrei também, durante todo o curso acadêmico, muitas relações entre a arte do ator e a do cantor, frequentando aulas de professores nas quais as referências ao trabalho de atuação em Teatro Musical se manifestam nas suas práticas docentes, devido a incursões por essa área que fizeram parte de suas carreiras artísticas. Assim, minha formação artística fora da universidade tem-se voltado também para o Teatro Musical. Frequentei algumas oficinas de Teatro Musical, Ópera e técnica vocal para atores e cantores, nas quais pude aprofundar meu olhar em relação ao trabalho do profissional que se dedica a integrar a Música e o Teatro em sua carreira artística. Esse aprofundamento aconteceu não somente pelo próprio conteúdo dos encontros, mas também na troca de experiências com outros profissionais da mesma área. Nos espetáculos que atuei, pude vivenciar um trabalho mais voltado ao profissional de Teatro Musical em: O Balcão, de Jean Genet, no ano de 2008; A Aurora da Minha Vida, de Naum Alves de Souza, nos anos de 2009 e 2010; Ópera do 9

Malandro, de Chico Buarque, em 2011; Os 3 Porquinhos, em 2012 e 2013; e A Caravana da Fantasia conta O Patinho Feio, em 2012, 2013 e 2014. Também idealizei o espetáculo CALE-SE – As Músicas Censuradas Pela Ditadura Militar, que consiste em um trabalho artístico cujo mote é a censura às músicas na época do governo militar no Brasil, no qual o diálogo entre o teatro e a música ficou muito evidente para mim, e onde pude começar a traçar paralelos mais concretos entre a arte do ator e a do cantor. Além dessas experiências no campo dos espetáculos profissionais, também pude cursar a Licenciatura em Teatro, também pela UFRGS, desenvolvendo a carreira de professor de teatro em escolas públicas e privadas. Meu trabalho com a docência teatral sempre foi voltado para a integração das artes. Desde o início desse processo de minha formação como professor de teatro, até os dias de hoje, busco trabalhar com as diversas linguagens artísticas, possibilitando ao aluno a percepção do universo artístico que o rodeia. Pude também vivenciar outra experiência docente no qual o trabalho vocal esteve em evidência. Tanto que se tornou objeto de pesquisa de meu trabalho de conclusão do Curso de Licenciatura em Teatro. Fui convidado a realizar a preparação vocal do elenco de um espetáculo teatral, e investiguei o desenvolvimento do meu próprio trabalho nesse processo (SANTOS, 2011). Em 2013, ingressei no curso de Especialização em Música: Ensino e Expressão, do programa de pós-graduação da FEEVALE. Desde os primeiros meses do curso, fui estimulado a refletir sobre o trabalho de conclusão do curso, vivenciando as experiências proporcionadas pelas disciplinas com um olhar mais investigador. E a disciplina que mais senti afinidade foi a de Técnica Vocal e Canto cuja professora é também orientadora do presente trabalho. Nessa disciplina, refleti sobre meus processos de formação vocal, troquei experiências com outros colegas e, conhecendo mais sobre voz contemporânea, por exemplo, descobri outros processos vocais que desconhecia. Foi nessa disciplina que a professora nos apresentou um trecho do musical francês Notre Dame de Paris, para falar da técnica vocal no Teatro Musical e em como o artista que interpreta Quasímodo conseguia manter o timbre vocal do personagem ao cantar. Por coincidência, fui convidado a protagonizar o espetáculo musical O Corcunda de Notre Dame, uma produção da Cia. Teatro Novo1. Esse é, sem dúvida, um dos maiores desafios da minha carreira artística até então e utilizo-o, portanto, como

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Com sede em Porto Alegre/RS, foi fundada em 1968, e é a mais antiga companhia teatral em

atividades ininterruptas do Brasil, somando mais de 160 espetáculos já produzidos.

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campo de pesquisa e coleta de dados para o presente trabalho, buscando observar e analisar meu próprio processo artístico. Dada a minha experiência artística voltada ao Teatro Musical, percebo o quão desafiador pode ser participar de uma produção do gênero. Tal competência exige que o profissional seja capaz de dominar as habilidades de interpretar, cantar e dançar de forma integrada ao contar uma história para o público. No entanto, a literatura acadêmica a respeito do assunto é ainda pouco desenvolvida, embora muitos espetáculos teatrais que entraram em cartaz nos últimos anos no Brasil sejam do gênero Teatro Musical, ou pelo menos possuam alguma música a ser cantada pelo elenco. Isso demanda um processo diferenciado de montagem, na qual o teatro, a música e a dança precisam dialogar para atender às demandas da produção em questão. Nos processos que eu vivenciei, a prática mais usual para a montagem de espetáculos de Teatro Musical é a da preparação de atores para um trabalho específico, pois, muitas vezes, o diretor teatral não possui uma formação em música e/ou em dança para comandar os ensaios e atender a todas as demandas exigidas pelo Teatro Musical, que também exige canto e coreografias, ficando essas duas últimas habilidades a cargo de professores de técnica vocal e professores de dança, respectivamente. No processo do espetáculo que será analisado, O Corcunda de Notre Dame, temos, portanto, o preparador vocal Francis Padilha2, que ministra exercícios de técnica vocal específicos para as exigências do espetáculo em termos do cantar e do falar; a preparadora corporal Márcia Chemale3, que ministra exercícios de dança para preparar o elenco para toda a movimentação corporal exigida no espetáculo, seja em coreografias ou nas ações cênicas; e o diretor teatral Ronald Radde4, que trabalha o espetáculo como um todo e também supervisiona as outras áreas citadas, integrando as linguagens dentro de uma estética elaborada por ele. Importante também informar que o espetáculo O Corcunda de Notre Dame tem o seu texto escrito pelo próprio diretor Ronald Radde e por Charlie Severo5, a partir da obra original homônima de Victor Hugo (2013), bem como de algumas citações do mesmo autor em outras obras suas. Da mesma forma, as canções do espetáculo são 2

Bacharel em Regência Coral e Canto pela UFRGS. Atua na área musical há 15 anos. Nos últimos dois anos têm atuado como ator e preparador vocal em peças teatrais e musicais. 3 Bailarina e coreógrafa, atua na área da dança há 36 anos, coreografando espetáculos desde 1986. Fez Especialização em Ballet Clássico e Jazz em New York/USA. 4 Diretor teatral, dramaturgo e sócio fundador da Cia. Teatro Novo, há mais de 46 anos com atividades ininterruptas de produções teatrais infantis e adultas. 5 Ator, dramaturgo e psicólogo. Trabalha na área teatral há mais de 15 anos.

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todas especialmente compostas para esse projeto pelo músico André Trento6. Esse fato denota, portanto, uma originalidade, pois não há qualquer aprendizado anterior ao processo do espetáculo, sendo tudo, portanto, vivenciado unicamente nesse período. Trago comigo minha bagagem de formação construída ao longo de minha carreira, mas nenhum outro conhecimento a respeito do espetáculo no qual atuarei, exceto filmes, animações e apresentações gravadas de montagens estrangeiras disponíveis na internet para referência indireta. Pretendo, portanto, com essa pesquisa, observar e analisar o meu próprio processo de composição vocal do personagem Quasímodo, no musical O Corcunda de Notre Dame, da Cia Teatro Novo, focando o olhar na execução das músicas Tema de Quasímodo e Minha Alma Quer Partir, apresentando o meu processo de aprendizagem em Teatro Musical que, além da interpretação, exige também o cantar. Através dessa análise, pretendo contribuir com a literatura a respeito do trabalho do ator de espetáculos musicais, ainda pouco desenvolvido no mundo acadêmico atual. Também pretendo estimular a reflexão acerca do Teatro Musical e de sua prática cada vez mais presente no país, dando a ela a devida importância: como uma arte que integra linguagens e amplia os horizontes estéticos dos seus espectadores. No primeiro capítulo desse trabalho, apresento o Teatro Musical, gênero teatral a que o espetáculo em questão pertence. Apresento também a relação conceitual e histórica existente entre a linguagem teatral e a musical. Em seguida, exponho os pressupostos acerca da interpretação de personagem. São explicitados conceitos que foram colocados em prática no processo de construção de Quasímodo na montagem do referido espetáculo. No terceiro capítulo, descrevo a respeito dos aspectos técnicos da voz. Apresento tanto a técnica ministrada pelo preparador vocal do espetáculo durante os ensaios, bem como a que aprendi e pesquisei durante alguns anos de minha trajetória artística. Por fim, no quarto capítulo, analiso o processo de composição vocal do personagem Quasímodo. São expostos e analisados os principais aspectos que contribuíram para o processo de aprendizagem que vivenciei ao participar do referido projeto.

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Músico de destaque no cenário gaúcho, há 12 anos compõe trilhas sonoras para filmes e peças teatrais. Possui diversas indicações a prêmios em festivais de cinema e teatro. Recentemente foi contemplado no Fest Cine Porto Seguro com o Prêmio de Melhor Trilha Sonora, pelo filme “Em Teu Nome” (2013).

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1 O TEATRO MUSICAL:

O Teatro Musical, como já foi mencionado, é um gênero de espetáculo que integra diversas linguagens artísticas para contar uma determinada história. Portanto, para falar sobre o Teatro Musical, e mais especificamente sobre o trabalho do artista nesse tipo de produção, faz-se necessário, primeiramente, pensar em como essa integração se estabelece. No espetáculo em questão, O Corcunda de Notre Dame, observo que as principais linguagens que se relacionam são o teatro, a dança e a música. Após, tentarei definir conceitualmente essas linguagens artísticas e refletir, por meio da história das artes, o quão próximo elas se encontram e por que faz tanto sentido que elas dialoguem entre si no atual estado da arte contemporânea.

1.1 Interdisciplinaridade?Multidisciplinaridade? Ou algo mais?

Segundo Edgar Morin, existem, pelo menos, três formas nas quais as áreas de conhecimento de um determinado campo de estudo podem se relacionar. A primeira delas é a interdisciplinaridade que “pode significar também troca e cooperação, o que faz com que a interdisciplinaridade possa vir a ser alguma coisa orgânica” (2001, p. 115, grifo meu). Já a multidisciplinaridade, “por conta de um projeto ou de um objeto que lhes sejam comuns, as disciplinas ora são convocadas como técnicos especializados para resolver tal ou qual problema, ora, ao contrário, estão em completa interação para conceber esse objeto e esse projeto” (idem). Por fim, a transdisciplinaridade “trata-se frequentemente de esquemas cognitivos que podem atravessar as disciplinas, às vezes com tal virulência, que as deixam em transe” (ibidem). Observo que, em O Corcunda de Notre Dame, a forma como as linguagens artísticas referidas (o teatro, a dança e a música) se relacionam é multidisciplinar, já que há momentos no processo de ensaios nos quais trabalhamos aspectos apenas musicais do projeto; em outros, apenas os teatrais; e, em outros ainda, apenas os de dança. Porém, há uma relação e interação nas três áreas muito intensa e profunda na concepção do projeto como um todo. No entanto, de forma geral, Morin chama a nossa atenção para as palavras-chave de todo e qualquer processo de interação de áreas de conhecimento, seja ela qual for, “ou seja, cooperação; melhor, objeto comum; e, melhor ainda, projeto comum” (2001, p. 115). O fato é que, no espetáculo O Corcunda de Notre Dame, o teatro, a dança e a 13

música interagem, dialogam, interrelacionam-se. Isso acontece em um nível tão profundo que, por vezes, não se percebe o que é próprio de cada área. Ainda assim, para poder afirmar que estas linguagens artísticas se relacionam e, até mesmo, se misturam, pretendo agora definir o que é próprio de cada arte. Limito-me, no entanto, a falar apenas do teatro e da música, dada a minha formação e o foco de interesse deste trabalho.

1.2 Usando o Dicionário

Na tentativa de compreender e, ao mesmo tempo, delimitar melhor estas duas práticas artísticas que tematizam este trabalho, pesquisei sobre os termos “música” e “teatro” no Dicionário Houaiss, bem como outros termos relacionados a esse trabalho que julguei importantes. A escolha de um dicionário tradicional deu-se principalmente por sua isenção, posto que define as palavras da Língua Portuguesa de forma genérica e abrangente, sem qualquer tipo de tendenciosidade. Qualquer dicionário temático poderia direcionar o significado para o objetivo do trabalho, perdendo, com isso, a justificativa que pretendo que é a de afirmar que a música e o teatro estão intimamente ligados desde a sua origem. Portanto, utilizo o Houaiss, um dicionário de termos genéricos e atualizados, que pode afirmar o significado primordial das palavras a serem discutidas no presente trabalho de forma justa e imparcial. De acordo com o Dicionário Houaiss (2009), Teatro é “local onde se assiste a um espetáculo” (p. 1820), como definição primeira, de acordo com a origem da palavra: do grego, théatron, que significa “local de onde se vê”. Mas essa palavra também possui por definição “ofício ou arte teatral” (idem). Já o verbete Música é definido como “combinação harmoniosa e expressiva de sons, a arte de se expressar por meio de sons” (HOUAISS; VILLAR 2009, p. 1820). O referido dicionário ainda apresenta a origem grega da palavra, mousiké: “que diz respeito às musas, à poesia, às artes”, indicando a ligação dessa linguagem com as musas, “que eram as divindades responsáveis por inspirar o conhecimento, as ciências e as artes na mitologia grega” (FRENDA, 2013, p. 32). Percebe-se, portanto, que a música poderia ser entendida pelos gregos como “o que” se fazia em matéria de arte, enquanto o teatro era a designação de “onde” se fazia. Com o passar do tempo, infere-se que essas palavras tiveram seus significados

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alterados, designando linguagens artísticas diferentes, que antes, portanto, não se separavam nos espetáculos da Grécia Antiga, como veremos a seguir. A palavra Musical, além de “referente à música”, também possui entre suas definições a de “espetáculo teatral cantado e dançado” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 1335), sendo sinônimo de Teatro Musical, gênero pesquisado neste trabalho. Por Espetáculo, define-se “qualquer apresentação pública de teatro, canto ou dança, num palco, em praça pública, etc” (Ibidem, p. 816). Estas duas palavras, portanto, também indicam em seus significados uma possível interação entre as artes. Com relação aos profissionais que executam as linguagens artísticas em seus trabalhos, temos o Ator, “aquele que interpreta um papel em peças teatrais, filmes, novelas, etc.” (Ibidem, p. 216) tendo como sinônimo, segundo o Dicionário Houaiss a palavra Intérprete, que por sua vez, designa o “indivíduo que representa um personagem ou aquele que toca ou canta uma peça musical” (Ibidem, p. 1099). Para complementar, Cantor define-se por “aquele que canta, que possui o ofício de cantar” (Ibidem, p. 390). Portanto, as definições encontradas até mesmo para os profissionais que trabalham no ramo artístico dos espetáculos também possuem significados que dialogam e ampliam suas próprias fronteiras, não precisando, portanto, de um limite claro e rígido para defini-los.

1.3 Um apanhado histórico

Partindo para a história do teatro e da música, apresento aqui alguns momentos na evolução da arte em que as duas linguagens a que estou me atendo dialogam entre si. Começarei com um breve histórico das inter-relações dessas artes em âmbito mundial para, depois, apresentar o panorama brasileiro.

1.3.1 O Teatro Musical no mundo

Segundo Jean-Jacques Roubine: [...]desde muito cedo, ao que parece, uma técnica vocal apropriada aos diversos gêneros foi elaborada. O ditirambo, por exemplo, mobilizava um coro de cerca de cinquenta pessoas (homens e crianças) que praticavam a dança e o canto sem figurinos nem máscaras. O mesmo coro reaparece no drama satírico de tonalidade burlesca. Os coristas, agora usando figurinos e

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máscaras, falam, cantam, recitam e utilizam aparentemente todos os recursos cômicos da voz. (ROUBINE, 1987, p.13, grifo meu).

De acordo com o Dicionário de Teatro, de Luiz Paulo Vasconcellos, “o coro no teatro representa, em suas origens, o sentimento do coletivo que deu início à manifestação teatral na Grécia.” (VASCONCELLOS, 2001, p. 58). E ainda hoje o coro pode ser visto em espetáculos de teatro e de ópera, constituído por um grupo de atores e/ou cantores que falam e/ou cantam em conjunto. Geralmente, o coro possui um líder, uma figura que se sobressai do coletivo para executar o papel de porta-voz ou enriquecer a performance desse coletivo. No teatro grego, essa figura era chamada de corifeu, e “supõe-se que a parte do corifeu na tragédia fosse falada, em contraste com a do coro, que seria cantada” (Ibidem, p. 58, grifos meus). Sabe-se, do contato com a prática teatral, que a voz falada foi (e ainda é) geralmente utilizada em representações teatrais por atores, enquanto a voz cantada é mais comum ser encontrada em apresentações musicais executadas por cantores. Entretanto, de acordo com as referências encontradas nessa pesquisa, grande parte dos períodos artísticos da história revela, justamente, que tanto atores como cantores necessitavam ter o domínio da voz falada e da voz cantada para exercerem suas profissões, não necessariamente estabelecendo uma relação entre a voz falada e o teatro, ou entre a voz cantada e a música. Margot Berthold, em História Mundial do Teatro, explicita a forma como atores representavam em peças litúrgicas nas igrejas durante a Idade Média, na Europa: “gestos amplos, compreensíveis para todos, interpretam o texto solenemente cantado. Aqui temos a primeira cena de pantomima na igreja – especialmente quando o coro canta” (2001, p. 191). De outro lado, durante o mesmo período, artistas itinerantes se utilizavam da voz falada e cantada em apresentações fora da igreja. O trovador Giraut Riquier, defendendo seu ofício em relação aos palhaços, bufões e charlatães da época, descreve seu trabalho e sua categoria artística como “os mais altos representantes da arte recitativa, cujos versos bem torneados e canções divertiam a corte” (BERTHOLD, 2001. p.242). Segundo Berthold (2001), ainda na mesma época, havia os “menestréis”, cantores ambulantes que frequentavam diversos reinos na Europa contando suas histórias através da música e “serviam aos seus príncipes com o alaúde e as canções” (Ibidem, p. 242). Porém, é no período Barroco (final do século XVI a meados do século XVIII) que acontece o auge da união entre a música e o teatro, com o nascimento da Ópera: 16

“palavra, rima, imagem, representação, fantasmagoria e aplicações pedagógicas uniamse agora à música, que emergia, de mero elemento de acompanhamento do teatro, para uma arte autônoma. O barroco viu o nascimento da ópera.” (Ibidem, p. 323). Segundo o Guia Ilustrado Zahar de Ópera, a esse tipo de espetáculo vem, desde então, traçando relações cada vez mais profundas com o teatro: “O principal resultado (...) foi transformar os cantores em atores. (...) Os cantores passaram a ter de se integrar a uma visão dramática coerente da ópera” (RIDING e DUNTON-DOWNER, 2010, p. 31). Richard Wagner (1813 – 1883), compositor de óperas alemão, propôs uma revolução, no início do século XIX, nas óperas que se fazia até então, e que, mais tarde, viria a modificar a forma como se realizavam as óperas no período do Romantismo (final do século XVIII até final do século XIX). Seu pai, Ludwig Geyer, era um ator consagrado da época, que “suscitou no menino a paixão pelo teatro e chegou a levá-lo ao palco em papéis infantis” (Ibidem, p. 217). Wagner chamava suas obras, não de óperas, mas de dramas musicais: [...] a Alemanha, em busca de seu nacionalismo, aplaudiu de pé esta ousadia e os outros países começaram a perceber a fundamentação do motivo da mudança do nome, libertando-se das amarras da ópera italiana que, até então, dava todas as coordenadas de composição das mesmas (Ibidem, p. 217).

Na França, “sob tardia influência de Wagner, a ópera francesa começou a se despir dos trajes italianizantes, e passou a criar músicas leves, poéticas, líricas, alegres. Assim nasce a opereta, que se estendeu aos teatros mais populares criando a música dos cabarés e do "vaudeville", música esta que vai ser conduzida para os musicais” (Ibidem, p. 265). Dessa forma, as operetas dão mais ênfase às histórias a serem contadas, à dramaticidade dos personagens e a tramas cada vez mais populares. A partir do Realismo (final do século XIX e início do século XX), dois compositores americanos, George Gershwin (1898 – 1937) e Leonard Bernstein (1918 – 1990), propõem-se a renovar e adaptar a ópera à cultura norte-americana do século XX e, com isso, transformar o conceito deste gênero de espetáculo. Não somente eles, mas paralelamente no primeiro quarto do século, “um grupo de compositores americanos, aproveitando-se de fórmulas que já haviam dado certo na ópera, ensaiaram uma adaptação, ou mesmo a autoria, de roteiros que se adequavam ao gosto dos americanos. E assim surgiram os musicais contemporâneos.” (Ibidem, p. 20). É justamente derivado da opereta, da música dos cabarés e do "vaudeville", que surge nos Estados Unidos um gênero de espetáculo que se firmará como principal produto de consumo da classe

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média emergente daquele país: o musical da Broadway, exigindo atores que cantem e dancem, ou cantores que dancem e atuem, influenciando o teatro contemporâneo no mundo todo. Além dos musicais e das óperas, que até hoje são feitos no mundo todo, há também algumas práticas teatrais nas quais o trabalho do ator se funde com o do cantor. Bertolt Brecht, por exemplo, em seu teatro épico, utilizava-se de músicas em suas encenações: “as técnicas do teatro épico incluem a utilização de canções, narração, projeções, além de uma exposição através de um enredo episódico, o que evita o processo de identificação entre espectador e personagem” (VASCONCELLOS, 2001, p. 195). A utilização dessas técnicas visava produzir um efeito de estranhamento em quem assistia aos seus espetáculos: “a finalidade deste efeito é fornecer ao espectador, situado de um ponto de vista social, a possibilidade de exercer uma crítica construtiva” (BRECHT, 1967, p. 148), portanto, através de canções, entre outras técnicas, o ator podia distanciar-se de seu personagem e comentar a cena apresentada, quebrando a identificação entre o ator e o público.

1.3.2 O Teatro Musical no Brasil

Cá em nossas terras, já durante a época das grandes navegações, assim que navios portugueses aportaram em solo brasileiro, a forma de estabelecer contato com os habitantes nativos era através do teatro e da música, haja vista o impedimento da barreira linguística. Percebendo os costumes dos nativos, os jesuítas passaram a catequizá-los, utilizando os mesmos meios de comunicação: Para os jesuítas, as manifestações artísticas dos silvícolas nada mais eram que rituais de magia. Assustados com seu caráter pagão, os inacianos desenvolveram um intenso trabalho visando sua eliminação. Com o cantochão e os autos – pequenas peças teatrais de teor moral e religioso – que os índios encenavam cantando, dançando e acompanhando com instrumentos musicais, os jesuítas conseguiram destruir a música espontânea e natural dos nativos, fazendo com que perdesse, gradativamente, suas características. (LOUREIRO, 2003, p. 44)

Outro episódio que integra o uso da música com o teatro é o do padre José de Anchieta, que “aprendendo a falar a língua dos índios (...), teve o cuidado de traduzir para o tupi as orações e os textos úteis à catequese, além de escrever e musicar peças

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teatrais para serem encenadas pelos índios. Escreveu e dirigiu a primeira peça de teatro encenada no Brasil” (Ibidem, p. 44). Ainda depois da catequese dos nativos brasileiros, os jesuítas passaram a utilizar a mesma pedagogia ao lecionar para os filhos de imigrantes que vieram de Portugal para trabalhar no Brasil, através da instituição chamada Radio Studiorum: “juntamente com a palavra, o canto era um dos principais recursos utilizados pelos jesuítas para cativar os alunos e fortalecer-lhes a fé” (Ibidem, p. 45). Em 1822, com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, o cenário cultural do país passa a receber uma maior influência da arte europeia: “as atividades culturais sofrem um abalo. A Capela Real perde sua força e, em consequência, a música religiosa cede espaço à música profana. (...) Surge o reinado da ópera, que movimenta a vida social do Rio de Janeiro.” (Ibidem, p. 48). A partir de então, a ópera influencia o Teatro Musical Brasileiro até o surgimento do Teatro de Revista, gênero de teatro considerado tipicamente brasileiro em que a música e o teatro estabelecem uma forte relação. E, assim como o teatro musical na Broadway surge como um derivado da opereta francesa, o Teatro de Revista Brasileiro também recorre ao modelo francês: um enredo frágil serve como elo entre as cenas que, independentes, marcam a estrutura fragmentada do gênero. A pesquisadora Neyde Veneziano afirma o Teatro de Revista brasileiro como um gênero que estabeleceu a identidade nacional: Ao se falar em teatro de revista, que nos venham as ideias de vedetes, de bananas, de tropicália, de irreverência e, principalmente, de humor e de música, muita música. Mas que venha também a consciência de um teatro que contribuiu para a nossa descolonização cultural, que fixou nossos tipos, nossos costumes, nosso modo genuíno do “falar à brasileira”. Pode-se dizer, sem muito exagero, que a revista foi o prisma em que se refletiram as nossas formas de divertimento, a música, a dança, o carnaval, a folia, integrando-os com os gostos e os costumes de toda uma sociedade bem como as várias faces do anedotário nacional combinadas ao (antigo) sonho popular de que Deus é brasileiro e de que o Brasil é o melhor país que há. (VENEZIANO, 1994, p. 154-155)

Nesse gênero teatral de grande importância na história do espetáculo brasileiro, aparece a figura das “vedetes”, que cantavam e dançavam em meio a números cômicos, geralmente baseados em fatos reais ocorridos no ano. A sua influência no entretenimento brasileiro ainda é muito forte, haja vista programas de televisão, peças teatrais cômicas e shows de humor nos quais se pode perceber claramente essa referência. Segundo matéria de Gustavo Martins ao site UOL (2011), “após um período de glória nas décadas de 50 e 60, o musical de entretenimento perdeu espaço para uma 19

dramaturgia mais politizada, notadamente em criações de Chico Buarque, como Roda Viva, Ópera do Malandro, Gota D’água”. Chico Buarque transitou muito bem entre as linguagens musical e teatral, pois escrevia os textos de seus espetáculos, assim como as letras de suas músicas. Isso acabou possibilitando, nas posteriores remontagens, que se utilizasse tanto atores que cantassem, como Marieta Severo e Marília Pêra; como cantores que atuassem, como Elba Ramalho e Cida Moreira. Nessa mesma época, e mesmo antes e depois de Chico Buarque, o teatro brasileiro quase sempre teve a música cantada por atores em seus espetáculos. Observando a trajetória de alguns grupos como: o Teatro de Arena, liderado por Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal, nas montagens de Arena Conta Zumbi (1965) e Arena Conta Tiradentes (1967); o Teatro Oficina, liderado por José Celso Martinez Corrêa, em O Rei da Vela (1967), e mais recentemente em Cacilda! (1998); ou ainda a encenação de Macunaíma (1978), dirigida por Antunes Filho. Em todas essas montagens, a música, sobretudo cantada, era utilizada como um importante recurso cênico, um forte elemento dramático, executado, na maioria das vezes, pelos próprios atores. Bibi Ferreira 7 é um exemplo nacional de uma das primeiras profissionais do ramo a trabalhar como atriz e cantora, atuando inicialmente como vedete no teatro de revista. A protagonista de Gota D’água, de Chico Buarque, até hoje realiza montagens como atriz, cantora e diretora de espetáculos. Assim como ela, diversos artistas também se aventuraram em espetáculos de teatro musicados, interpretando biografias de célebres artistas da história mundial, como Edith Piaf, Noel Rosa, Maria Callas, entre outros. Com a estreia de Rent, de Jonathan Larson, em 1999, no Teatro Ópera, em São Paulo, tem início uma importante etapa do renascimento dos musicais de entretenimento: as adaptações da Broadway. Segundo Gustavo Martins (2011), “os orçamentos generosos, auxiliados por leis de renúncia fiscal, permitiram a realização de grandes montagens e aceleraram a profissionalização no setor”. Atualmente, o que vemos é um retorno à originalidade na criação de musicais. Cada vez mais se realizam montagens de Musicais que privilegiam uma obra original, ou uma adaptação própria dos criadores da montagem, como é a produção de O Corcunda de Notre Dame.

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Devido à contribuição expressiva de Bibi Ferreira para o Teatro Musical Brasileiro, foi criado, em 2012, na cidade de São Paulo, o Prêmio Bibi Ferreira, que premia artistas e espetáculos realizados na capital paulista dentro do gênero Teatro Musical.

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1.4 É necessário definir?

Hoje em dia, o que se nota é uma busca de atores, cantores e bailarinos por uma formação cada vez mais heterogênea e abrangente, em que as três artes (teatral, musical e de dança) estejam integradas na formação desses profissionais, o que parece acontecer, em parte, devido ao crescimento dos espetáculos da área do teatro musical e, de outra, por força das múltiplas influências e linguagens utilizadas nas construções dos espetáculos na contemporaneidade. Segundo Ferrari, “as linguagens artísticas nascem da necessidade humana de se comunicar e agir no mundo” (2013, p. 42), e encontram manifestação em uma ou mais áreas, despertando um ou mais sentidos do ser humano e “podem estar ligadas umas às outras ou dentro umas das outras” (idem, p. 76). Portanto, segundo essa autora, “não há a necessidade de se estabelecer fronteiras rígidas entre as linguagens” (ibidem). De acordo com os filósofos contemporâneos Deleuze e Guattari (1995-1997): [...] o meio não é uma média; ao contrário, é o lugar onde as coisas adquirem velocidade. Entre as coisas não designa uma correlação localizável que vai de uma para a outra e reciprocamente, mas uma direção perpendicular, um movimento transversal que as carrega uma e outra, riacho sem início nem fim, que rói suas duas margens e adquire velocidade no meio. (DELEUZE; GUATTARI, 1995-1997, p. 18).

Portanto, percebo que as linguagens artísticas, por serem expressas em um mundo cada vez mais interativo, vêm borrando suas fronteiras, misturando-se umas nas outras, estabelecendo-se em um “entre-lugar” onde não é possível definir seus limites com totalidade. Esse pensamento mais contemporâneo a respeito de arte ajuda a entender o processo de montagem de um Musical, que procura expressar-se ao público por meio de linguagens diversas que se complementam, pois, segundo Ferrari, “uma linguagem não morre quando aparece outra, elas se misturam, se transformam” (ibidem, p. 77). Assim, podemos dizer que O Corcunda de Notre Dame, da Cia. Teatro Novo, é um espetáculo musical contemporâneo, realizado por intérpretes, que conta a história de Quasímodo, o sineiro da catedral de Notre Dame de Paris, que salva a cigana Esmeralda da condenação equivocada a que foi submetida, fazendo com que nasça uma afeição entre esses personagens. Afeição esta que acaba de forma trágica.

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2 A CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM:

Durante minha experiência acadêmica nos cursos de bacharelado e licenciatura em Teatro pude conhecer diversos autores cujas obras tratam da interpretação teatral. Tive também a oportunidade de experimentar na prática a teoria de alguns deles. E optei por trabalhar na minha carreira profissional com os ensinamentos de Constantin Stanislavski8. Seu sistema está baseado no profundo estudo psicológico do personagem a partir do texto dramático. É o campo de trabalho com o qual mais me adaptei, acabando, portanto, por adotá-lo como a base do meu trabalho de ator. Logicamente, já pude vivenciar outras experiências na área da interpretação teatral, mas os conceitos de Stanislavski, até agora, têm-se mostrado pertinentes a todos os processos pelos quais passei. Para entender melhor o sistema stanislavskiano, é importante saber que sua obra foi disseminada pelo mundo através do casal Hapgood, que traduziu seus dois volumes do russo para o inglês americano com um atraso de treze anos entre eles, o que levou as publicações serem absorvidas erroneamente pelo público como duas obras em separado (DELDUQUE, 2012). Esse episódio pode ser descrito também em diversas literaturas sobre interpretação teatral, como, por exemplo, na tese de doutorado de Sílvia Balestreri Nunes, professora do Departamento de Arte Dramática e do Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas da UFRGS: “durante muito tempo, apenas o primeiro livro de sua trilogia estava disponível em inglês, levando a entender que o recorrer às próprias emoções do ator correspondia à totalidade de suas formulações.”(NUNES, 2004, p. 73). A trilogia citada por Nunes é completada por A Criação do Papel, obra na qual Stanislavski exemplifica os conceitos dos dois primeiros livros na montagem de dois espetáculos. Ainda de acordo com Nunes (2004), para o Actor’s Studio, comandado por Lee Strasberg (que divulgou a obra de Stanislavski pelos Estados Unidos e pela Europa Ocidental), que acabou formando atores9 para o emergente cinema hollywoodiano que se firmava nos Estados Unidos, o primeiro volume da obra intitulado An Actor Prepares atendeu às expectativas de diretores e produtores de cinema que buscavam uma atuação 8

Ator e diretor russo de grande destaque no final do século XIX e início do século XX. Um dos pioneiros a tratar sobre o ensino da representação teatral, tornando-se referência mundial para grande parte das técnicas de interpretação teatral que surgiram posteriormente. 9 Marlon Brando, Marilyn Monroe, James Dean, Al Pacino, Jane Fonda, Robert De Niro, entre outros atores famosos, receberam sua formação no Actor’s Studio, fundado por Lee Strasberg, em 1947.

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mais internalizada e naturalista. O segundo volume da mesma obra, que trata da caracterização do personagem pelo ator, com ênfase nos aspectos externos da representação teatral, foi publicado na versão norte-americana como Building a Character, tendo sido um tanto preterido pelos profissionais da área naquele país. No Brasil, as versões em português, que utilizo para embasar esse trabalho, foram traduzidas, não do original russo, mas dessas obras em inglês do casal Hapgood. No entanto, conheço uma tradução em espanhol, feita por Jorge Saura, a partir do original russo, dita como a mais fiel ao que Stanislavski pensava, intitulada El trabajo del actor sobre si mismo, volumes I e II. Porém, penso que o material que temos disponível em português é correto e ético o suficiente para ser utilizado nessa pesquisa, desde que se dê aos conceitos explicados nos dois livros a mesma importância, haja vista serem partes integrantes de uma única obra, como o autor a concebeu em sua origem, não sofrendo, com isso, prejuízo algum em sua compreensão.

2.1 A preparação do ator

É importante lembrar o momento em que esse ator e diretor russo viveu para compreender melhor essa primeira etapa do seu sistema: “pode-se dizer que a psicanálise nasceu com o século XX, com a publicação de A interpretação dos sonhos, em 1900” (JOLIBERT, 2010, p.33). A obra citada por Jolibert é uma publicação clássica de Sigmund Freud, cujas ideias influenciaram (e influenciam até hoje) os mais diversos profissionais nas áreas da educação, da psicologia, da biologia, da saúde, da administração, entre tantas outras, transformando o modo de entender o ser humano e a sociedade em geral. Compreendendo a psicanálise de Freud, podemos entender o método stanislavskiano. Segundo ele, “nosso consciente muitas vezes aponta a direção em que o subconsciente continuará com a tarefa. Portanto, o objetivo fundamental da nossa técnica é colocar-nos em um estado criador no qual o nosso subconsciente funcione naturalmente” (STANISLAVSKI, 2005, p. 335, grifos meus).Partindo, então, de alguns conceitos e colocando-os em prática de modo intenso, Stanislavski afirma que o ator pode entrar no estado de criação interior onde reside a chamada inspiração, na qual “quase tudo o que faz é subconsciente, e ele [o ator] não tem noção consciente de como efetua seu propósito” (Ibidem, p. 363). 23

Porém, Stanislavski alerta que a inspiração não pode ser construída, mas acessada a partir de seu método. “Meu sistema nunca fabricará inspiração. Pode apenas preparar um terreno favorável a ela” (Ibidem, p. 331). Esse processo se efetua a partir da realização prática de alguns conceitos simples. O primeiro deles chama-se linha de ação direta, que vem a ser uma “linha de esforço, que guia os atores do começo ao fim da peça (...) encaminhando-os ao superobjetivo” (Ibidem, p. 325). Entende-se que essa linha de ação direta vem a ser o encadeamento das ações que o personagem realiza ao longo do espetáculo, conduzindo-o ao superobjetivo, que, por sua vez, compreende-se como o grande objetivo do personagem, aquilo que ele mais deseja e que está por trás de todas as suas ações, guiando-as do início ao final da história: “numa peça, toda a corrente dos objetivos individuais, menores, todos os pensamentos imaginativos, sentimentos e ações do ator devem convergir para a execução do superobjetivo da trama” (Ibidem, p. 323). Portanto, estudando o personagem a fim de entender seu superobjetivo e executando as ações propostas para a peça em uma linha contínua, Stanislavski afirma poder criar um terreno seguro para que a inspiração tome conta do ator e o faça tomar consciência das emoções do personagem: Dentro de vocês, paralela à linha das ações físicas, tem uma linha contínua de emoções, que raiam pelo inconsciente. Não é possível seguir sincera e diretamente a linha de ação externa e deixar de sentir as emoções correspondentes (Ibidem, p. 358)

A esse sistema, Stanislavski chamou mais tarde de Método das Ações Físicas, tendo sido aprimorado até o final de sua vida. Como se pode notar, o estudo do personagem, para ele, vem, primordialmente, das informações contidas no texto dramático. Sendo o espetáculo O Corcunda de Notre Dame do gênero Teatro Musical, parte de sua dramaturgia está contida também nas canções da peça teatral, cantada pelos atores. Com isso, compreendemos que a letra das canções também serviu de base para que eu encontrasse o superobjetivo de Quasímodo, que foi de fundamental importância para a sua compreensão, como veremos no quarto capítulo.

2.2 A construção da personagem

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Enquanto o primeiro volume da obra de Stanislavski trata da preparação interior do ator ao realizar seu ofício, o segundo, intitulado A Construção da Personagem, versa sobre os aspectos exteriores desse trabalho, chamado de caracterização. Sobre esse processo, o autor nos diz que “a caracterização é a máscara que esconde o indivíduoator. Protegido por ela, pode despir a alma até o último, o mais íntimo detalhe. Este é um importante atributo ou traço da transformação” (STANISLAVSKI, 2003, p. 60). Portanto, entende-se que, ao criar uma “máscara” para o seu papel, o ator pode vesti-la, “encarnando” o personagem de forma mais efetiva. Esse processo realizado na construção de Quasímodo será mais detalhado no quarto capítulo. Porém, destaco aqui dois conceitos dessa segunda parte da obra stanislavskiana que ajudaram no trabalho de construção da personagem. O primeiro deles é o subtexto, que se entende pelas intenções que o ator emprega às palavras do texto que está dizendo. De acordo com Stanislavski: Todo o sentido de qualquer criação dessa espécie está no subtexto latente. Sem ele, as palavras não têm nenhuma desculpa para se apresentar no palco. Quando são faladas, as palavras vêm do autor, o subtexto vem do ator. Se assim não fosse, o público não teria o trabalho de vir ao teatro, ficaria em casa, lendo a peça impressa (Ibidem, p.165).

O autor afirma com isso a fundamental importância do subtexto como sendo um direcionamento do ator para a obra escrita que está sendo encenada no palco, pois “a palavra falada, o texto de uma peça, não vale por si mesma, porém adquire valor pelo conteúdo do subtexto e daquilo que ele contém” (Ibidem, p. 165). É a chamada interpretação que um artista faz da obra que outro artista criou. No caso do teatro, o ator interpreta o personagem criado pelo escritor. No caso da música, o cantor ou instrumentista interpreta a obra do compositor. Sendo assim, Logo que as pessoas – quer atores quer músicos – instilam a vida de seu próprio sentimento no subtexto de uma obra escrita para ser transmitida a uma plateia, os mananciais espirituais, a essência íntima, são libertados – as coisas reais que inspiraram a composição da peça, do poema, da partitura musical. (Ibidem, p. 165)

Portanto, o subtexto complementa a obra do seu criador original (escritor ou compositor), expandindo as informações a respeito do papel, preenchendo as lacunas a respeito do personagem que não estão no texto. Assim, a plateia pode compreender de forma mais profunda aquele ser fictício que se apresenta no palco. O segundo aspecto relevante da obra stanislavskiana é o gesto típico do papel, pois “o ator tampouco deve esquecer que o gesto típico ajuda-o a aproximar-se da 25

personagem que ele está encarnando” (Ibidem, p. 118). De acordo com esse autor, os gestos pessoais do ator devem ser controlados, dando espaço a pequenos gestos que o papel pode desenvolver, facilitando o trabalho do ator em “entrar no personagem”. Dessa forma, o ator acaba por finalizar a sua obra de arte, que é o personagem, apresentando a plateia um produto com acabamento, dando o seu toque pessoal à criação. Assim, Stanislavski reconhece a qualidade de um bom ator: Entre as mais belas qualidades dos artistas de teatro que atingiram a categoria suprema estão a contenção e o acabamento. Seguindo o modo como eles desdobram uma interpretação ante nossos olhos e vendo-a crescer, temos a impressão de estar presentes a algum miraculoso ato de trazer à vida uma grande obra de arte. (Ibidem, p. 121)

2.3 Ação Vocal

Entretanto, as técnicas explicadas para a composição de personagens ainda não são suficientes para abranger a complexidade do ato de interpretar um personagem ao cantar uma música em um espetáculo de teatro musical. Dentre as diversas teorias estudadas ao longo de minha trajetória artística, e mesmo as encontradas durante fase de elaboração do projeto da presente pesquisa, a que mais vem ao encontro da experiência vivida nesse processo é da ação vocal. É importante ressaltar que esse conceito já havia sido abordado por Stanislavski em sua obra, mas que foi, posteriormente, aprofundado por diversos autores, entre eles a fonoaudióloga Lúcia Helena Gayotto, cuja obra é citada aqui. Ação vocal nada mais é do que dar ação à voz enquanto veículo de comunicação espetacular, seja ela falada ou cantada. Stanislavski nos conta que Se ele próprio [o ator] penetra fundo na alma das palavras do seu papel, carrega-me com ele aos lugares secretos da composição do dramaturgo, bem como aos da sua própria alma. Quando um ator acrescenta o vívido ornamento do som àquele conteúdo vivo das palavras, faz-me vislumbrar com uma visão interior as imagens que amoldou com sua própria imaginação criadora (STANISLAVSKI, 2003, p. 128).

Portanto, é necessário que o ator carregue o espectador através das palavras, dando a elas ação, pois é ela que, segundo Stanislavski, deve ser primordial no trabalho teatral: “em cena, vocês têm sempre de pôr alguma coisa em ação. A ação, o movimento, é a base da arte que o ator persegue” (STANISLAVSKI, 2005, p. 66,).

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Sabe-se até aqui que, criando uma linha de ações do personagem, consegue-se chegar à linha emocional dele. Pois bem, essa linha de ações pode ser feita através da voz, visto que falar é agir. Esta ação nos determina um objetivo: instilar em outros o que vemos dentro de nós. Não é tão importante que a outra pessoa venha ou não a ver o que temos em mente. A natureza e o subconsciente podem cuidar disso. Nossa tarefa é querer induzir nossas visões interiores em outras pessoas e esse desejo origina a ação. (STANISLAVSKI, 2003, p. 175)

Partindo desses pressupostos, Gayotto (1997) afirma a importância da ação vocal no trabalho teatral quando narra a tomada de consciência que teve ao assistir a uma peça teatral: “minha gargalhada, minha lágrima, minha revolta, meu desejo, minha indignação, minha surpresa, eram vibrações produzidas também por um contato físico invisível, que ocorria quando havia ação na fala do ator” (GAYOTTO, 1997, p. 22). Sendo assim, ao cantar as músicas do espetáculo, já que são parte integrante do texto da peça teatral, é necessário que o ator de teatro musical coloque ação em sua voz cantada, para que possa, assim, levar o espectador a perceber as emoções do personagem interpretado. A autora ainda afirma que o trabalho vocal em teatro deve possibilitar a conscientização dos atores para seus recursos vocais, entendido como tudo o que se dispõe para falar (respiração, vibração, articulação e ressonância) combinados com suas forças vitais, ou a forma como o indivíduo expressa suas sensações, afetos, vontades e desejos em seu meio. De acordo com a autora, “quando na emissão da voz cênica se fundem as forças vitais e os recursos vocais, tem-se o que será chamado de ação vocal: a voz interferindo decisivamente na situação cênica e, consequentemente, afetando os rumos do espetáculo e atando o espectador” (ibidem, p. 20). Nesse ponto, Gayotto dialoga com Stanislavski ao afirmar que a ação vocal tem a função de guiar o público pelo espetáculo apresentado. Portanto, compreendo, nesse processo, que os recursos vocais foram os aspectos trabalhados pelo preparador vocal explicitados no próximo capítulo. Já no quarto capítulo, apresento os recursos vocais aliados às forças vitais, aplicados à construção do personagem Quasímodo no espetáculo O Corcunda de NotreDame. A maioria desses conceitos foi percebida por mim durante os ensaios, porém alguns deles ainda se efetuaram durante as apresentações públicas da peça.

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3 A(S) TÉCNICA(S) VOCAL(IS):

Analiso neste capítulo o aspecto vocal do processo de construção do personagem Quasímodo, abordando os fundamentos teóricos que nortearam o trabalho do preparador vocal. Igualmente, observo similaridades encontradas da técnica vocal trabalhada por ele com aquela que mais possuo familiaridade, devido ao tempo de estudo dedicado a ela. Por essa razão, o título do presente capítulo encontra-se no plural.

3.1 A técnica proposta pelo preparador vocal e o Speech Level Singing

Em março, iniciamos o trabalho de preparação vocal. Alguns atores do elenco nunca tiveram qualquer experiência com o ato de cantar em peças teatrais, muito menos com qualquer exercício de técnica vocal. Outros colegas, apesar de não possuírem formação na área musical, já tiveram aulas de técnica vocal, algumas ministradas até pelo mesmo preparador vocal em outros espetáculos da companhia. E outros integrantes ainda já possuem uma vasta experiência em técnica vocal e/ou em cantar em peças teatrais. No entanto, segundo o próprio preparador vocal, ele deve “começar do começo” para que todos os participantes vão, aos poucos, nivelando-se nos conhecimentos da sua técnica vocal. Segundo ele próprio relatou no nosso primeiro encontro, todo o trabalho executado com o grupo seria baseado na sua experiência coral, nas preparações anteriores de outras peças de teatro, estudos de voz acadêmicos e masterclasses dos quais participou durante e após sua formação acadêmica. Sendo assim, o preparador vocal organizou o ensino de técnica vocal em quatro categorias, a saber: respiração, vibração, ressonância e articulação. Apesar de o preparador vocal trabalhar com o grupo com essa técnica específica, eu venho desenvolvendo há alguns anos um estudo prático de Speech Level Singing (a partir de agora, denominada SLS), técnica vocal criada por Seth Riggs, e percebendo seus benefícios em meu trabalho artístico. O preceito básico da técnica SLS está em seu próprio nome, que pode ser traduzido como “cantar ao nível da fala”, ou seja, de forma que a laringe, parte do corpo humano importante para a fonação, fique em uma posição estável durante o cantar, assim como o é durante a produção da voz falada. Afinal, se para a maioria das pessoas é confortável o ato de falar, também o deveria ser o ato de 28

cantar. Assim, já no prefácio de sua obra, o autor afirma que ela “permite que você cante com a mesma voz confortável e facilmente produzida que você usa, ou deveria usar, para falar” (RIGGS, 1998, p. 7, tradução minha). Dadas as circunstâncias, analiso, portanto, o trabalho técnico da voz nos ensaios do espetáculo O Corcunda de Notre Dame apresentando os conceitos abordados nas duas técnicas, ou seja, a do preparador vocal e a técnica que estudei. Importante ressaltar que chamo aqui de “técnica vocal do preparador”, os exercícios que ele passou ao elenco do espetáculo durante os encontros, que não são baseados em nenhuma escola específica, mas um resultado de diversas experiências vivenciadas por ele que acabou tornando-se o seu método particular. Em grande parte do trabalho, as técnicas se assemelharam bastante e, quando divergiram, não trouxeram grandes problemas em relação à construção vocal a que me propus.

3.1.1 A respiração

Segundo relatos do preparador nos ensaios, a respiração deve ser trabalhada com o objetivo de tonificar os músculos responsáveis pelo ato respiratório, ao que ele chamou de apoio. Segundo Phillips, “apoio significa usar seu corpo para controlar a respiração e o som de forma que sua garganta fique livre e aberta” (PHILLIPS, 2013, p. 43). Essa palavra é considerada um jargão na área da técnica vocal, sendo bastante conhecida, e significa apenas que a voz deve apoiar-se nos músculos responsáveis pela respiração para que soe mais livre e com menos tensão. Esses músculos são “principalmente os músculos da cinta abdominal (reto abdominal, oblíquo interno e externo e transverso do abdômen)” (BAÊ; PACHECO, 2011, p. 20), e o trabalho inicial de preparação vocal concentrou-se no aumento de consciência dessa região, assim como outros músculos, pois “também estão em atividade durante o apoio os músculos presentes na musculatura torácica superior (diafragma e intercostais, internos e externos) e musculatura torácica inferior (quadrado lombar, oblíquos e ilíaco)” (Ibidem, p. 20). Tonificando esses músculos e aumentando a consciência sobre eles, consegue-se controlar a expiração, produzindo uma emissão de ar mais segura, constante e suave “para que você cante aquelas notas agudas e frases lentas e longas, tão trabalhosas” (PHILLIPS, 2013, p. 40), portanto, ao vibrar das pregas vocais sobre esse ar, produz-se também um som vocal mais seguro e constante. 29

Para tal, o preparador vocal utilizou-se de diversos exercícios. O primeiro deles foi a emissão de ar em sopro e com o fonema “S” em legato10e staccato11. Depois, fazíamos a duração em “S” que consiste em emitir o fonema “S” no máximo de tempo possível, trabalhando o controle de saída de ar para aumentar o tempo de emissão. Outro exercício bastante realizado nos ensaios foi o que o preparador vocal chamou de “S” cadenciado, que é a emissão do “S” forte e de curta duração de forma ritmada como segue: 1, 2, 3, 2, 1, esses números indicando a quantidade de emissões de “S” que devem ser executadas na mesma expiração, intercaladas com pequenas pausas para deixar o ar entrar. Também fizemos um exercício de consciência respiratória em duplas, na qual um colega inspirava e expirava e o outro o tocava na região abdominal e das costelas, ajudando-o a engajar os músculos na movimentação respiratória de forma exagerada. Um exercício que me chamou a atenção foi o da expiração em sopro em 8 tempos, depois em 4 tempos, 2, 1 e ½, pois já começa a trabalhar a noção de ritmo12, ou seja, um elemento musical aliado à técnica vocal. Fomos orientados também a emitir uma baforada, soltando apenas ar pela boca, realizando a embocadura das vogais, já preparando para o trabalho de articulação que se seguiria. Notei, no processo, certa dificuldade de compreensão por parte dos meus colegas em relação ao apoio. Por exemplo, mesmo após três meses de ensaios, uma das colegas de elenco ainda não sabia o que era exatamente o “apoio”, pois afirmava que aprendeu a projetar os músculos abdominais para fora, mas outros professores a ensinaram a contrair para dentro os mesmos músculos com o objetivo de apoiar a voz no ato de cantar. Ao que o preparador vocal foi coerente com Philips (2013), afirmando que ambos estão corretos. Ele ainda acrescentou prefere a primeira alternativa, mas que cada um deve encontrar a sua, pois cada corpo é diferente e se adapta melhor a uma ou outra técnica de respiração. Acima de tudo, o importante é que o cantor perceba como a sua respiração funciona para cantar, trazendo-a à consciência para que se possa ter controle sobre esse ato, que é involuntário em nosso modo habitual.

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Palavra italiana usada para indicar que a passagem de um som para outro deve ser feita sem interrupção (MED, 1996, p. 47) 11 A palavra staccato (italiano), que significa, em português, destacado, indica que os sons são articulados de modo separado e seco. (Ibidem, p. 44) 12 Em música existem sons longos e sons breves. Há também momentos quando se interrompe a emissão do som: os silêncios. A duração do som depende da duração da vibração do corpo elástico. A duração é a maior ou a menor continuidade do som. A relação entre durações de sons define o ritmo. (Ibidem, p. 20)

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Em contrapartida, a obra de Seth Riggs, Singing For The Stars (1998), não propõe exercícios que trabalhem a respiração. Portanto, esse é o único ponto em que as duas técnicas não se assemelham. Para o preparador vocal, treinar os músculos envolvidos no ato respiratório é fundamental para tonificar o apoio da voz, fornecendo ar suficiente para que as pregas vocais vibrem. Já no SLS, a respiração para o canto é um processo relaxado, no qual o cantor apenas permite que ela aconteça, pois “diafragma, músculos intercostais e abdominais já são fortes o suficientes para suas necessidades como cantor” (RIGGS, 1998, p. 27, tradução minha), não necessitando, portanto, executar exercícios específicos para tonificá-los. Segundo ele, se o cantor mantiver uma boa postura ao cantar e tentar não controlar seus músculos respiratórios, eles serão acionados automaticamente para o ato de cantar, eliminando uma tensão extra que possivelmente viria a prejudicar essa ação.

3.1.2 A vibração

Para que a voz seja produzida, é necessário que as pregas vocais, que ficam dentro da laringe, abram e fechem em coordenação com a respiração, produzindo uma vibração (PHILLIPS, 2013). Essa vibração dará origem a um som que será amplificado em nosso corpo. Portanto, também se trabalhou a estabilização da vibração das pregas vocais através de exercícios específicos para que essa vibração seja mais livre e controlada, produzindo um som com essas mesmas características. Nesse ponto, a técnica do preparador vocal e o SLS convergem para o mesmo objetivo. O preparador vocal afirmava durante os ensaios que o trabalho de vibração das pregas vocais de diferentes formas deveria ser realizado com o mínimo de tensão muscular para que o corpo produzisse cada vez menos tensão ao cantar. Essa tensão muscular pode ocorrer de duas formas (BAÊ; PACHECO, 2011, p. 35): executando movimentos de elevação e abaixamento da laringe, ocasionada pelos músculos extrínsecos (ou seja, ao redor da laringe); e realizando a abertura e o fechamento das pregas vocais, o que irá produzir a sua vibração, responsabilidade dos músculos intrínsecos (ou seja, dentro da laringe). A tensão a que o preparador se refere deve-se ao excesso de movimentação que os músculos extrínsecos podem gerar, provocando desestabilização da laringe, o que provoca um som igualmente sem controle.

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Ao estudar a obra de Seth Riggs (1998), vê-se que ele propõe duas etapas correspondentes à noção de vibração. A primeira etapa, proposta ao introduzir a técnica SLS é a da não interferência dos músculos extrínsecos da laringe na emissão vocal. Segundo Riggs (1998), essa é a causa da instabilidade da laringe ao cantar ou falar. Para evitar esse processo, Riggs propõe os exercícios de lip roll (que consiste em fazer vibrar os lábios com o som vocal, como uma criança imitando o som de um carro) e tongue thrill (que consiste em fazer vibrar a ponta da língua em contato com o palato duro, perto dos dentes incisivos superiores, como ao imitar o som de um telefone antigo tocando): “uma vez que você conseguir fazer o lip roll e o tongue thrill com pouco esforço indica que você está se livrando da interferência dos músculos extrínsecos da laringe na produção vocal” (Ibidem, p. 45). O preparador vocal de O Corcunda de Notre Dame chama esses exercícios, respectivamente, de vibração de lábio e vibração de língua, cujas execuções são idênticas. Com esses dois exercícios, exploramos bastante as regiões da voz, a saber: grave, média e aguda. Também trabalhamos intervalos

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e escalas musicais

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executando o lip roll e tongue thrill, contribuindo também para o trabalho de musicalização. Foi comentado por alguns colegas no ensaio que, ao emitir uma nota cantando, o ar que está dentro do corpo acaba mais rapidamente do que nos exercícios de vibração. Para explicar o motivo, Francis demonstrou o funcionamento das pregas vocais soprando entre duas folhas de papel, que vibram quando o ar passa por elas. Da mesma forma, a pressão de ar faz com que as pregas vocais vibrem, emitindo um som que será amplificado nas cavidades de ressonância do corpo, conferindo o som vocal que nós ouvimos. Por isso, é tão necessário trabalhar a vibração saudável das pregas vocais para evitar que muito ar escape durante essa vibração, o que também ocasiona descontrole da saída de ar, além de ressecamento das pregas vocais, prejudicando a saúde vocal. Em um dos ensaios, a intérprete da personagem Esmeralda, comentou que só conseguia executar o lip roll levantando um pouco as bochechas com a ajuda das mãos, conforme foi orientada por uma pessoa que conhecia a técnica SLS, que disse que o próprio Seth Riggs orienta a executar o lip roll com a ajuda das mãos, ao que o Francis 13

É a diferença de altura entre dois sons. É a relação existente entre duas alturas. É o espaço que separa um som do outro. (MED, 1996, p. 60) 14 É uma sucessão ascendente ou descendente de notas diferentes consecutivas. (...) É a sucessão ordenada de sons, compreendidos no limite de uma oitava. A palavra escala tem sua origem no latim scala, que significa gama ou escada. (Ibidem, p. 86)

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concordou que fosse feito, caso mais alguém tivesse a mesma dificuldade. Fiquei surpreso e contente por mais alguém do elenco também conhecer a técnica vocal que estudo há anos.

3.1.3 A ressonância e a articulação

Também a ressonância e a articulação tiveram sua importância no processo de preparação vocal. Coloco esses dois aspectos nesse mesmo subcapítulo, pois os exercícios ministrados pelo preparador vocal mais ao final de cada encontro trabalharam os dois aspectos de forma conjunta. A ressonância, em técnica vocal, é trabalhada para amplificar a vibração do som vocal, pois “a voz nasce na laringe, daí irradiando-se para todas as regiões e espaços do corpo (...) enriquecida por cada uma dessas partes que vibra (reverbera) em contato com a onda sonora” (OLIVEIRA In: GUBERFAIN, 2004, p. 5). Dessa forma, a voz sofre um processo de amplificação de sua sonoridade, contribuindo para a projeção vocal em teatros de médio e grande porte, diminuindo a tensão na laringe para tal feito (Ibidem, p.18). Completando o trabalho técnico vocal, a articulação facilita a compreensão das palavras a serem faladas ou cantadas. Segundo Baê e Pacheco (2011), o trato vocal humano possui dois tipos de articuladores: Os articuladores ativos do som, ou seja, aqueles que realizam movimentos são: língua, mandíbula, lábios, palato mole e pregas vocais. Os articuladores passivos são: dentes, palato duro e parede posterior da faringe. As vogais e consoantes são produzidas a partir dos movimentos realizados por essas estruturas. (BAÊ; PACHECO, 2011, p. 48)

Sendo assim, todo o trabalho de preparação vocal que se seguiu, trabalhou vogais, consoantes, sílabas e palavras para a emissão de notas, intervalos e escalas. Após o período inicial de correção da vibração das pregas vocais para a produção vocal no SLS, Riggs (1998) propõe uma segunda etapa onde sugere a emissão de um som parecido com uma porta rangendo, que ele chama de edge sound, que pode ser traduzido como “som inacabado”, para que o aluno sinta onde o som da voz é produzido (Ibidem, p. 58). A partir do exercício 19, constante na página 63 de sua obra, Riggs (1998) propõe a eliminação do “som inacabado”: “é hora de começar a eliminar o edge sound, gradualmente permitindo que mais ar esteja envolvido no processo de 33

vibração das pregas vocais”, substituindo-o pelo fonema correspondente a letra M, chamado, por Seth Riggs, de humming, trabalhando dessa maneira a ressonância da voz, terceiro aspecto trabalhado por Francis. Nessa segunda etapa, Riggs afirma que o cantor começa a sentir o que é o Speech Level Singing: cantar ao nível da fala. Em outras palavras, cantar com a laringe em posição estável, nem subindo para emitir agudos, nem descendo para entoar sons graves, como pôde ser percebido por mim durante os ensaios musicais, ao que o preparador vocal sempre orientou que se mantivesse estável, mesmo desconhecendo a técnica de Riggs. Em vez de humming, ele denomina o mesmo exercício de bocca chiusa, porém, não orienta a partir do edge sound para realizá-lo. Mesmo assim, senti a necessidade de explicitar esse processo, visto que, ao executar o humming, deve-se saber que eu passei pelo processo do edge sound anteriormente. Partindo do humming, Riggs começa a trabalhar a transformação desse som em cada uma das vogais, compreendendo o trabalho de articulação. As vogais propostas na obra de Riggs advêm do idioma inglês, língua nativa do autor. Francis executa o mesmo trabalho, porém usando os sons correspondentes às vogais da língua portuguesa, a saber: A, Ã, Ê, É, I, Ô, Ó e U, tomando consciência da posição da boca, língua, dentes e palatos na emissão de cada vogal e também de algumas consoantes. Executamos bastante a emissão dos fonemas “G”, “Z” e “V”, pois, segundo o preparador vocal, eles ajudam a direcionar o som, facilitando a projeção: “direcionar não é gritar, falar com maior intensidade, mas entregar sua mensagem” (BRITO In: GUBERFAIN, 2004, p. 35). Quanto melhor a articulação, mais inteligível as palavras são para os espectadores, portanto, melhor entregue será a mensagem. O preparador vocal também ministrou exercícios utilizando escalas, emitindo sílabas para a sua execução. Ele chamou esse trabalho de vocalize. Citarei aqui os principais, ou seja, aqueles que mais senti trabalhar os aspectos de ressonância e articulatórios. Um deles foi o exercício da escala maior do primeiro ao quinto grau de forma ascendente e descendente com os fonemas “Ô”, “SÔ”, “NÔ”, “NA”, NÊ”, “NI”, “NÔ”, “NU”, articulando a consoante apenas na primeira nota, mantendo a vogal nas outras em legato. Inicialmente, fizemos uma tomada de ar para, durante a expiração, executarmos cada vocalize. Depois, passamos a executar os fonemas “NA”, “NÊ”, “NI”, juntos, e depois os “NI”, “NÔ”, “NU”, em uma mesma expiração, executando a escala maior de forma ascendente e descendente do primeiro ao quinto grau, para cada sílaba. Finalmente, juntamos a execução das cinco sílabas em uma única expiração por algumas vezes. 34

Outro vocalize realizado foi também a partir da escala maior, entoando com o fonema “Z” os graus a seguir: I, II, III, IV, V, VI, VII, VI, V, VI, VII, VI, V, IV II, II, I, com uma sustentação maior no primeiro grau V que aparece nessa sequência. Depois, executamos a escala maior completa de forma ascendente e descendente com os fonemas “G”, “Z” e “V”. Também emitimos os fonemas “IU”, “IÔ”, “IA”, cada um deles a partir da escala maior, do primeiro ao quinto graus, de forma ascendente e descendente, em uma única expiração, uma vez a escala para cada fonema, sendo que o “I” é emitido apenas na primeira nota. Não somente realizamos os vocalizes de forma ascendente e descendente, mas também apenas de forma descendente. Em um deles, executamos somente do quinto ao primeiro grau da escala maior, de forma descendente, começando em uma nota bem aguda, com a sílaba “XU”, emitindo a consoante apenas na primeira nota.

3.2 A musicalização

Além desses aspectos de fisiologia vocal abordados nos encontros, o preparador vocal sentiu também a necessidade de realizar um trabalho de musicalização com o grupo, ou seja, fazer com que os integrantes se familiarizassem com os elementos musicais, visto que grande parte do elenco não os conhecia. Segundo ele, essa medida foi “básica e emergencial”, conforme relata em e-mail enviado por ele ao final do processo (PADILHA, 2014). O preparador vocal conta que esse trabalho foi necessário por diversos motivos: Fui convidado para fazer a preparação vocal de um elenco muito heterogêneo. Atores com diferentes experiências e níveis de conhecimento musical. Um elenco que não audicionou 15 , como normalmente acontece na maioria das produções de teatro musical. Foi priorizada a escolha do ator e não do cantor. Um elenco já fechado. Durante o trabalho houve trocas de atores e mesmo nos últimos 15 dias, mais um ator sem experiência de canto foi adicionado ao elenco. A preparação deveria ser feita num curto período de tempo. (Ibidem).

Nesse breve relato por e-mail, ele já aborda resumidamente os desafios pelos quais ele e o grupo passaram na montagem desse espetáculo. Pois bem, a rápida

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Audicionar, ou seja, realizar uma audição significa fazer uma “apresentação de trecho de música ou peça teatral ou de dança por um artista perante diretor de teatro, júri etc., como teste para admissão no elenco de uma companhia. “(HOUAISS; VILLAR, 2009 ,p. 220)

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musicalização do elenco foi trabalhada com exercícios de vocalizes que exploravam a consciência rítmica e a compreensão da escala maior. Muitos deles já foram citados nesse mesmo capítulo. Acrescento ainda alguns, como o das baforadas em staccato,emitindo nove expirações para cada vogal (A, Ã, Ê, É, I, Ô, Ó e U) de forma breve e ritmada. Depois, faz-se o mesmo com quinze expirações para cada vogal. Nove expirações são referentes ao número de emissões para o vocalize que vai do primeiro ao quinto grau da escala maior de forma ascendente e descendente; quinze expirações referem-se às expirações do vocalize que compreende uma escala completa, ascendente e descendente. A cada vogal, foi orientado a deixar o ar entrar pela boca, como um pequeno susto. Além de trabalhar a consciência rítmica, como referido no subcapítulo sobre respiração, esse exercício também traz a consciência da escala maior, preparando o trabalho muscular e respiratório para que depois, emita-se as notas da escala com a vibração das pregas vocais. Outro exercício realizado foi o de reproduzir vocalmente uma escala maior, de forma ascendente e descendente, diversas vezes, trocando o nome das notas musicais por números, ou seja, em vez de cantarmos Dó – Ré – Mi – Fá – Sol – Lá – Si, em suas alturas correspondentes, cantamos 1 – 2 – 3 – 4 – 5 – 6 – 7. Fizemos todos juntos e, depois, em pequenos grupos: vozes femininas, vozes masculinas médio-agudas e vozes masculinas médio-graves. Por fim, fizemos todos juntos, trocando os números pela letra “O”, depois pela letra “U”. De acordo com o preparador vocal, esses exercícios foram parte de “um trabalho que envolvia audição e sensação muscular para treinar o controle da voz dentro de um modelo específico de altura do som, não volume” (Ibidem). Todos os encontros tiveram o foco de concentração nas sensações de cada um ao executar os exercícios propostos, de forma a aumentar a percepção de cada um para com a sua própria voz e para com as músicas do espetáculo. Por fim, sempre foi oferecido um aquecimento vocal durante os ensaios que, atualmente, é reproduzido por alguns dos atores do elenco antes das apresentações. Esse trabalho foi realizado visando a autonomia do elenco em relação suas vozes, aproximando a pedagogia do preparador vocal a de Freire (1996) e também para preservar a continuidade do trabalho realizado durante o processo de ensaios. Assim como se percebe a importância de aquecer, o ato de “desaquecer” a voz também pode ser realizado para que a ressonância vocal volte a se concentrar nas regiões mais graves da voz, próximas a da fala. E, segundo o preparador, estávamos 36

cansados vocalmente, pois no dia em que nos foi passada uma sequência de “desaquecimento vocal”, trabalhamos ininterruptamente por cinco horas, utilizando a voz de maneira intensa. Apenas executamos o tongue thrill entoando uma nota aguda e em glissando16, descendo a afinação para uma nota mais grave, próxima ao registro da fala. Depois, terminamos com o humming também em notas graves, emitido em glissandos descendentes, buscando fazer com que a voz reforçasse a ressonância na região mais grave. De acordo com o preparador vocal, esse trabalho deve ser realizado sempre que sentirmos um cansaço na voz, ou que a trabalharmos de forma mais intensa, combinado com a posterior ingestão de bastante água e repouso vocal. Importante informar aqui que Riggs (1998) não acha necessário aquecer, nem desaquecer a voz, pois entende que o corpo já está preparado para cantar a qualquer momento, assim como já o está para falar. Sendo assim, a única preocupação que eu tive em relação a esse aspecto foi o de beber bastante água, fazer repouso vocal e relaxar a musculatura próxima a região da garganta, prescindindo dos exercícios sugeridos pelo preparador vocal. Esses três cuidados citados eram realizados sempre antes e depois de cada apresentação durante a temporada.

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Ornamento relativamente moderno que consiste no deslizamento rápido entre duas notas reais. (MED, 1996, p. 327)

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4 ANALISANDO O PROCESSO:

No presente capítulo, será analisada a composição vocal de Quasímodo e seus efeitos nas músicas do espetáculo. Serão apresentados os aspectos metodológicos que nortearam essa pesquisa. Em seguida, será realizada a sua análise.

4.1 Aspectos Metodológicos:

Realizei observações diretas (ou participantes) dos ensaios, visto que fiz parte do processo, interpretando o personagem-título da obra. Segundo Chizotti (1997), a “observação direta ou participante é obtida por meio do contato direto do pesquisador com o fenômeno observado, para recolher as ações dos atores em seu contexto natural, a partir de sua perspectiva e seus pontos de vista”(CHIZOTTI, 1997, p. 90). Porém, há nesse processo o fato de eu ser, ao mesmo tempo, observador participante e sujeito pesquisado, o que não é nada fácil. Para tal, procurei gravar em áudio os encontros, buscando não interferir no processo, sem a intenção de direcionar o mesmo para a pesquisa, apenas deixando-me entregue aos caminhos pelos quais o processo foi percorrendo. Acrescentadas às gravações, estão minhas anotações pessoais, pontuando alguns aspectos que julguei importantes nesse percurso. Após a coleta dos dados, realizei sua análise e codificação para o desenvolvimento do presente trabalho, sempre visando a atingir os objetivos da pesquisa e fundamentando os conceitos com os referenciais teóricos descritos anteriormente. Por se tratar de uma pesquisa qualitativa, torna-se mais adequado para a organização e análise dos dados, verificar a “presença ou ausência de alguma qualidade ou característica” (MARCONI; LAKATOS, 2012, p. 136) nos diários de observação. Essa verificação foi realizada com o objetivo de encontrar alguma categoria que se repete em cada um dos encontros. Isso acabou por definir unidades que “são segmentos de dados aos quais é possível atribuir um significado, e são identificados quando se verifica que existe algo comum entre os dados” (GIL, 2010, p. 22). Por fim, os significados atribuídos a esses dados foram corroborados a partir dos referenciais teóricos, o que é chamado de triangulação (Ibid., p. 124). A partir de então, esses dados foram organizados, descritos e analisados neste capítulo.

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4.2 O processo de montagem do espetáculo

Os ensaios do espetáculo O Corcunda de Notre Dame iniciaram oficialmente no dia 09 de janeiro de 2014, no Teatro Novo DC, localizado no Shopping DC Navegantes, no bairro Navegantes, em Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul. Nesse primeiro ensaio, estavam presentes os integrantes do elenco até então confirmados, mais alguns profissionais que fariam parte do processo, como o dramaturgo, a figurinista e as produtoras. Foi-nos apresentado o projeto de forma geral, que teria, a princípio, sua estreia em 18 de Maio, e recebemos informações sobre a equipe que trabalharia conosco, como o cenógrafo, o compositor musical, o preparador vocal, a coreógrafa, o assessor de imprensa, entre outros. Durante os meses de Janeiro e Fevereiro de 2014, os ensaios contavam exclusivamente com duas partes distintas: uma parte de leitura do texto na qual organizávamos em conjunto as falas, eliminando ou acrescentando conforme se fizesse necessário, sempre sob a supervisão do diretor; e outra parte de preparação corporal, na qual executávamos exercícios de dança orientados pela coreógrafa. A partir do mês de Março é que iniciamos o processo de trabalho de preparação vocal. Devido a questões de produção e captação de recursos para a montagem do espetáculo, sua estreia foi prorrogada para o dia 08 de agosto, o que nos deixou aliviados, visto termos mais tempo para aprimorar o espetáculo. No final de Abril, já havíamos começado a esboçar algumas cenas que continuaram a ser trabalhadas. A partir do mês de Junho, já havíamos montado praticamente todas as cenas do espetáculo, portanto, passamos a realizar ensaios gerais, ou seja, apresentar o espetáculo do início ao fim. Inicialmente, era necessário parar e fazer pequenas alterações, seguindo orientações do diretor. No mês seguinte, tentávamos realizar o espetáculo sem interrupções, como seria apresentado ao público. Essa fase de ensaios gerais é extremamente importante para acertarmos também detalhes técnicos, tais como entradas e saídas de cena, materiais que entram e saem do palco e ajudas nos bastidores a quem precisa trocar de figurino entre as cenas. Nesse momento, vivenciamos a apresentação do espetáculo inteiro com a inserção gradual de alguns elementos, tais como: figurinos, cenário, acessórios cênicos, trilha sonora gravada, headsets para captação do som, cobertura fotográfica para divulgação, possíveis patrocinadores, maquiagem e cobertura jornalística para 39

divulgação, nessa ordem até a estreia para o público no dia 15 de Agosto de 2014. Abordo agora alguns elementos que me chamaram a atenção, interferindo principalmente na composição vocal do meu personagem. De fato, não foram apenas os aspectos fundamentais da composição de personagem e da técnica vocal que influenciaram a minha atuação nesse espetáculo de Teatro Musical, mas todo elemento subjacente ao processo contribuiu para o resultado final alcançado.

4.2.1 O uso de microfones headsets

Já tive algumas experiências usando esses microfones headsets para atuar em peças de teatro. É necessário que ele fique bem fixo no rosto e no corpo para que não caia durante as movimentações de cena. Porém, houve alguns problemas técnicos com as caixas de som para o público e para o nosso retorno no palco, nos primeiros ensaios que os utilizamos. De qualquer forma, foi muito produtivo ensaiar com os microfones com mais de um mês de antecedência da estreia para nos acostumarmos com esses aparelhos e perceber as dificuldades que deveríamos sanar e como devemos utilizá-los da melhor maneira possível em favor do espetáculo. Da mesma forma, o técnico de som precisou conhecer nossas vozes e a forma como nos as utilizamos no palco para poder equalizá-las: O responsável pelo som precisa ficar atento e equalizar esse som de acordo com a emissão vocal de cada ator: aqueles que já estão acostumados a interpretar para a televisão, ou com microfones, ou que simplesmente têm problemas para projetar a voz em espaços grandes, exigem uma equalização diferente daqueles que a utilizam de forma mais expansiva, mais projetada, com maior intensidade, chegando a “estourar” o som. (BRITO In: GUBERFAIN, 2004, p. 34)

Definitivamente, eu faço parte do segundo tipo de ator, devido a extensa carreira teatral que me impeliu a trabalhar a projeção vocal, com forte intensidade de som. No entanto, o trabalho de técnica vocal ministrado pelo preparador, explicitado no capítulo anterior ampliou a consciência a respeito da minha voz, permitindo um maior controle da sua intensidade, a partir do trabalho com o apoio e a ressonância. Por fim, optou-se por colocar no palco três microfones captadores para amplificar os sons realizados em cena de forma geral. Dessa forma, os headsets foram usados apenas para captar as vozes durante as canções do espetáculo. Nos outros

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momentos, os headsets eram desligados pelo operador de som. Os trechos falados eram amplificados, então, pelos microfones captadores do palco.

4.2.2 Figurino e Maquiagem

Ensaiar com o figurino mais ao final do processo de montagem, após ter aprimorado a composição do personagem, fez-me concentrar ainda mais em Quasímodo, o que afetou também a sua voz. Nesse dia, comecei a incluir nas cenas uma respiração mais forte e sonora, bem como grunhidos e sons guturais, que dão a impressão de algo animalesco, de um homem que age de acordo com seus instintos. A partir desse ensaio, pude ficar com a corcunda de espuma confeccionada pela figurinista, o que facilitou o aprimoramento da composição corporal do personagem. Também auxiliou o processo de composição do personagem a presença da maquiadora, contratada especialmente para criar a maquiagem dos personagens Quasímodo e Frollo e realizar uma assessoria para os outros personagens. A presença da maquiadora foi fundamental para finalizar as caracterizações desses dois personagens. Particularmente em Quasímodo, devido à abstenção do uso de qualquer tipo de prótese para conferir deformidade no seu rosto. A maquiadora ainda nos acompanhou nas duas primeiras apresentações, ensinando como fazermos nossas maquiagens caracterizadoras dos personagens autonomamente.

4.2.3 De coro a protagonista

Inicialmente, fui chamado para participar deste espetáculo para fazer parte do coro. No entanto, logo na primeira semana de ensaios, devido à recusa do preparador vocal em interpretar o personagem Coplin, eu fui convidado a fazê-lo, integrando o elenco principal, mas continuando no coro em algumas cenas. Mais adiante no processo, um ator que integrava o coro, passou a participar dos ensaios como o protagonista Quasímodo, devido à saída de outro ator do projeto, inicialmente chamado para interpretar o personagem-título. No início do mês de abril, esse ator optou por deixar o projeto, pois não poderia acompanhar os ensaios devido a uma turnê que faria com seu outro grupo de teatro. Ele 41

próprio, com apoio do diretor e da produção do Teatro Novo DC, me convidou para interpretar o personagem-título do espetáculo em seu lugar. O convite foi aceito e passei a participar dos ensaios como o protagonista dessa peça teatral. Essa mudança acarretou um novo olhar sobre meu trabalho vocal no projeto. O personagem que vinha interpretando até então, Coplin, era intitulado o rei dos mendigos, mais agressivo, autoritário, mas também protetor do seu clã. Por isso, estava investindo em uma voz de tom mais baixo, escura e com intensidade forte, pela força que confere uma voz mais grave e potente, pois dá um sentido de ordem expressa, de “mando autoritário”, ou mesmo discurso político, como vemos em nossa cultura. No entanto, ao ter de pensar em compor uma voz para o personagem Quasímodo, tive de pensar em quem esse personagem é, e no que ele representa no espetáculo. Sabia que ele havia ficado surdo, por ter de tocar os sinos da Catedral de NotreDame de Paris, e que não tinha um convívio social com a população parisiense, permanecendo enclausurado pelo seu tutor Frollo, o arquidiácono de Paris. Portanto, sua voz precisaria transmitir algo primitivo, animalesco, ao que busquei alguns sons guturais, nas primeiras leituras do texto como Quasímodo, lembrando o som basal da voz que surdos por vezes emitem ao se comunicar. Isso foi conquistado, relaxando bem a garganta e língua, deixando a ressonância no fundo da garganta, sem trazê-la para a máscara, tirando o excesso de brilho da voz.

4.2.4 De barítono a tenor

Nos ensaios de preparação vocal, o preparador organizava o grupo em diferentes classificações vocais, sendo as mulheres com vozes mais agudas classificadas como “sopranos”, as de vozes mais graves como “contraltos”, os homens com vozes mais agudas de “tenores” e os de vozes mais graves de “barítonos”, ficando eu, inicialmente, classificado nesse último naipe de voz. Inicialmente, sentia-me confortável nesse naipe, pois já havia, em minhas breves passagens por corais, sido classificado tanto como barítono quanto como tenor. No decorrer dos ensaios, ao cantar as músicas compostas para o personagem Quasímodo, não sentia qualquer dificuldade. Após a troca de atores, chegou-se a cogitar uma troca na tonalidade da música Tema de Quasímodo, pois ela havia sido composta para o ator anterior, um tenor popular de voz leve e clara. Porém, ao cantar a música 42

para o compositor, não senti dificuldades e ele próprio disse que não seria necessária a troca de tom. Por fim, ao final de um ensaio individual com o preparador vocal, ele fez com que eu realizasse alguns vocalizes, muitos deles explorando bastante as regiões de passagem e limites da extensão vocal. Ao iniciar, achei que fosse apenas um desaquecimento vocal. Porém, como normalmente os desaquecimentos exploram mais a região grave da voz, próxima à da fala, imaginei que não era essa a intenção dele. Ao final de diversos vocalizes, ele repetiu alguns deles e pediu que eu também os executasse novamente, prestando atenção na dificuldade que ele, um barítono com larga experiência, demonstrava ao alcançar notas agudas que eu emitia com bastante conforto. Também falou das minhas passagens de voz e da tendência a desafinar para notas agudas, quando a melodia fica muito grave. Tudo para afirmar que minha voz, ao contrário do que eu pensava, era de tenor! Pois bem, segundo ele, minha voz estava amadurecendo no ato de cantar e, agora, estava sendo possível o vislumbre de uma voz mais profissional, com a sua classificação mais claramente estabelecida. Por essa razão, diversos profissionais tiveram dificuldade em classificar o meu registro vocal que agora se firmava como tenor. Isso foi extremamente importante no processo, deixando-me mais confortável para emitir a voz nos agudos, sem preocupação de estar cantando notas fora da minha tessitura vocal, imbricando, portanto, questões psicológicas ao ato de cantar que foram deixadas de lado.

4.2.5 Em francês

Outro aspecto desafiador nesse processo foi o fato de cantarmos alguns trechos das canções do espetáculo em francês, devido a uma parceria do projeto com a Aliança Francesa de Porto Alegre (escola tradicional do idioma francês na capital gaúcha), visto também o fato de a história se passar em Paris. Esse recurso é bastante utilizado no teatro musical pelos compositores “para chamar a atenção do público para o universo da história e circunstâncias do personagem” (DEER; DAL VERA, 2013, p. 74).

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Inicialmente o grupo passou por um rápido processo, comandado pelo preparador vocal, de aprendizagem e execução da música Tourdion17, pois ela possui uma sonoridade próxima a da época em que a história acontece e sua letra é toda em francês. Foi também realizado um estudo da pronúncia da língua francesa, oferecido pela produção do espetáculo através da parceria com a Aliança Francesa, onde fomos orientados, juntamente com o preparador vocal, por Jacques Pètriment18, por meio de imitação e repetição das letras das músicas no idioma francês. Para iniciar esse processo com a instituição, fizemos um ensaio geral do espetáculo no dia 25 de Julho, contando com a presença na plateia do diretor da Aliança Francesa e de Lenira Fleck19. Ao final do ensaio, combinamos algumas aulas especiais de pronúncia francesa com o diretor da Aliança Francesa. Nesse momento do processo é que as versões em francês das canções ficaram prontas e, então, poderíamos nos dedicar a mais esse desafio no processo de montagem do espetáculo. Às 14 horas do dia 27 de Julho, teve início a nossa primeira aula particular de pronúncia do idioma francês, na Aliança Francesa. A partir da versão da música Já É Novo Dia 20 (canção de abertura do espetáculo) em francês, o professor nos ensinou como pronunciar cada uma das palavras em seu idioma nativo, apontando algumas diferenças entre alguns fonemas em francês e português. Particularmente, senti um pouco de dificuldade na pronúncia dos sons nasais, que não possuem um correspondente na minha língua mãe, o português. Porém, segundo o professor, minha pronúncia estava muito boa, indicando uma facilidade nata para o idioma estrangeiro. Depois de aprendermos toda a letra em francês da música Já É Novo Dia, pedi que o professor me passasse a pronúncia da canção Minha Alma Quer Partir, última canção do espetáculo, cuja versão em francês já havia recebido no último ensaio. Ele, porém, fez com que eu gravasse a minha própria pronúncia, ao que ele apenas fez pequenas correções. Encerramos o encontro já combinando o próximo, onde cantaríamos as músicas e ele faria a correção da pronúncia, se necessário. Eu saí daquele ensaio já elaborando como faria a versão de Minha Alma Quer Partir a ser cantada no espetáculo, misturando

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Ver Anexo G Diretor da Aliança Francesa e professor de francês que auxiliou o grupo na pronúncia das letras das músicas em francês em aulas particulares na instituição que dirige. 19 Versionista do projeto, responsável por escrever as versões em francês das canções do espetáculo. 20 Ver Anexo C 18

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os idiomas de forma que o público que não soubesse francês conseguisse entender a letra, de qualquer forma. Em um ensaio individual com o preparador vocal, cantei toda a canção da forma como imaginei, mesclando os idiomas. Na primeira estrofe, organizei a letra da seguinte forma: primeiro verso em português, segundo verso em francês, terceiro verso em português e quarto verso em francês. A segunda estrofe toda em português. No refrão, que é composto por duas estrofes cantadas duas vezes (entre a primeira e a segunda vez há uma parte instrumental em que ocorre uma modulação na qual a música eleva um tom inteiro, passando de Dó Maior para Ré Maior), optei inicialmente por cantar a primeira estrofe em português e a segunda em francês para, depois da modulação, inverter essa ordem. No entanto, o preparador sugeriu que eu fizesse o contrário: cantasse a primeira estrofe do refrão em francês, depois em português e, depois da modulação, fizesse em português e terminasse a canção em francês, na última estrofe. Disse que ia realizar as duas formas no ensaio e questionar o grupo e o diretor sobre qual das opções ficaria melhor. Às 15 horas do dia 05 de Agosto, realizamos nosso segundo encontro na Aliança Francesa para o trabalho de pronúncia dos trechos das canções em francês para o espetáculo. Eu cantei Minha Alma Quer Partir na versão que seria cantada nas apresentações, sugerida pelo preparador vocal no último encontro individual que tive com ele, e aceita pelo diretor no último ensaio 21 . O professor de francês não fez qualquer correção, elogiando inclusive a minha pronúncia do francês. Encerramos o encontro combinando que ele e a versionista assistiriam a alguns outros ensaios e verificariam assim como a pronúncia se concretiza no palco para finalizar o trabalho e estrearmos com segurança nesse aspecto. A versionista do projeto esteve presente no ensaio de 14 de Agosto e questioneia sobre a minha pronúncia em Minha Alma Quer Partir, música final do espetáculo. Ela disse que eu cuidasse apenas a palavra sang, pois não é necessário pronunciar a última letra “g”, pois ao cantar, tende-se a alongar os fonemas, o que acaba por fazer com que a palavra, em francês, soe como a sua correspondente em português, “sangue”. Após a segunda repetição, ela aprovou a correção da pronúncia dessa palavra. Também pedi que ela me ensinasse como dizer “mestre” em francês, pois é a forma como Quasímodo

21

Ver Anexo B

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se refere a Frollo, para inserir essa palavra no espetáculo, ao que ela indicou como sendo maître, ou melhor, mon maître, equivalente a “meu mestre” em português. Posso concluir que o fato de cantar em outra língua é desafiador pelo fato da pronúncia francesa ser bastante distinta da portuguesa. Levou-me a ter bastante cuidado ao estudar as partes da música nesse idioma e ouvir muito a gravação que fiz na presença do professor de francês. Da mesma forma, fez-me prestar atenção sobre a importância de passar a mensagem do texto da canção, visto que, para a maioria das pessoas que me assistiria, a interpretação que pudesse imprimir nas canções, seria o único meio de comunicação possível.

4.3 A construção do personagem Quasímodo

No dia 27 de Junho, antes do ensaio, participei de uma capacitação para professores em uma das escolas onde trabalho cujo tema era inclusão educacional de pessoas com deficiência. Entre os diversos materiais a que tivemos acesso nessa capacitação, chamou-me a atenção um trecho de uma entrevista da atriz Sueli Ramalho22. Assistir a essa entrevista, fez-me refletir sobre a voz que vinha investindo para o meu personagem e, no ensaio desse dia, optei por não realizar a voz gutural que vinha realizando. Experimentei interpretar o personagem Quasímodo com uma voz próxima a minha. Senti-me mais confortável com essa ação, pois o contraste da voz falada com a cantada estava ficando muito grande, o que me incomodava muito. Dessa forma, soou-me menos aparente esse contraste e, portanto, mais agradável e coerente com o espetáculo. Ao final desse ensaio, o diretor disse que também achou mais adequada essa interpretação mais natural, pois a que vinha fazendo estava beirando o gênero cômico, e não era isso que ele estava querendo. Houve uma cena em particular na qual pude buscar um refinamento maior com relação ao corpo do personagem, que é a cena em que Quasímodo salva Esmeralda da condenação por enforcamento e a leva até o alto da Catedral de Notre Dame, escondendo-a. Nessa cena é onde ocorre a canção Tema de Quasímodo23. Algo que me ajudou foi investir na dificuldade que Quasímodo teria ao alcançar água e comida para Esmeralda, deixando o braço direito mais rígido. Também me ajudou a ação de 22 23

Surda congênita que foi oralizada e possui uma voz com timbre vocal bem próximo ao de um ouvinte. Ver subcapítulo 4.4.1

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esconder o rosto quase o tempo todo, pois, um pouco antes de começar cantar o Tema de Quasímodo, Esmeralda toca em seu rosto, deixando claro que não se importa com a deficiência dele. Dessa forma, a ação de esconder o rosto é justificada por esse subtexto24, como em outros momentos que serão apresentados nessa análise. Antes do ensaio seguinte a esse dia, conversei com o diretor a respeito do que ele vinha observando da minha construção do personagem Quasímodo. Fui orientado por ele a buscar uma expressão mais sofrida, e a evitar sorrisos muito amplos, pois eu, Douglas Carvalho, já possuo uma expressão jovial e simpática naturalmente, e que não cabe emprestar ao personagem essas características. Corporalmente, o diretor ainda me vê com a coluna ainda muito ereta, pedindo que eu fique ainda mais abaixado, evidenciando a deformação na coluna. Logicamente, ela foi acentuada com uma prótese de espuma que vesti junto ao figurino, que, aliás, já vinha usando de forma improvisada com um tecido enrolado que amarrava nas costas antes de cada ensaio. Naquele mesmo dia, após o término do ensaio, tive uma conversa com Karen Radde25. Ela me disse que Quasímodo ainda precisava de um “embrutecimento” maior. Pediu que eu visse alguns filmes como “Planeta dos Macacos” e “King Kong”, para inspiração, e que buscasse nos ensaios algo mais animalesco e primitivo no modo de me movimentar. Nesse mesmo dia, questionei ainda o diretor a respeito da voz, e ele disse que não queria que eu usasse a minha voz; que seria melhor investir em uma voz específica para o personagem, prestando atenção que a deformidade que ele possui prejudica a emissão vocal, fazendo com que ele fale com dificuldade. Também sugeriu que a todo instante se ouvisse um som vindo dele, seja de respiração mais forte, ou gemido, ou urros, mas que ele se fizesse presente sonoramente a todo instante em que estiver em cena. Depois, durante o ensaio que realizamos, investi em uma voz um pouco mais áspera, emitindo ar junto com o som da minha voz. Por vezes, incluí uma respiração mais forte e alguns sons guturais que ressoaram no peito, como gemidos e urros. Depois, em um ensaio individual com o preparador vocal, combinamos que, nas músicas, eu cantaria com uma voz mais limpa, deixando os efeitos vocais virem a partir da interpretação da letra da música. Antes do ensaio seguinte, o diretor conversou comigo a respeito do corpo do personagem Quasímodo e fez algumas sugestões. Uma delas foi deixar o pescoço mais fixo a corcunda, pois o pescoço livre não passava a ideia de deformidade. Outra 24 25

Ver subcapítulo 2.2 Assistente de direção, responsável por orientar a composição dos personagens.

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sugestão foi investir na rigidez do braço direito (mesmo lado onde se encontram todas as outras deformidades), para deixar o corpo ainda mais tridimensional e reforçar o aspecto grotesco da figura. Tentei investir nessas sugestões durante o ensaio, porém, pareceu-me complexo demais absorver tudo o que o diretor pediu, mais o trabalho feito com a coreógrafa alguns dias antes (que será detalhado a seguir) e mais o próprio ato de interpretar. Ao final do ensaio, o diretor falou que a composição havia ficado bem melhor, e que eu não precisaria preocupar-me tanto em absorver e fazer tudo de uma vez só, pois que o trabalho contínuo me faria aprender tudo o que me foi dito e até mais, bastava eu continuar com a mesma dedicação e entrega que vinha trazendo aos ensaios. No dia 09 de agosto, menos de uma semana da estreia, realizamos um ensaio geral. Senti-me um pouco mais confortável com relação a construção do personagem, embora em algumas cenas eu esquecesse alguns detalhes, como o pescoço fixo à corcunda, o mais difícil deles que se apresentou nos últimos dias antes da estreia. Os grunhidos e sons guturais que vinha realizando foram incorporados às falas do personagem, exceto durante as canções. Não posso relatar de que forma eu os produzi (e venho produzindo), pois surgiram espontaneamente durante os ensaios. Sei que quando estou concentrado no personagem, essa voz mais “suja”, com uma grande aspereza, próxima a rouquidão, e também com bastante escape de ar, se faz presente em cena. Ressalto que não senti qualquer alteração na voz, seja rouquidão, aeração ou baixa de tom, nos dias que se seguiram, mesmo com os repetidos ensaios posteriores até a estreia, ou mesmo durante as apresentações da temporada. Tudo isso, certamente, deveu-se ao trabalho de preparação vocal que vivenciamos, deixando-nos aptos a explorar nossos recursos vocais 26 de forma segura e criativa. Apenas senti um leve cansaço vocal após a primeira semana de apresentações, ao que fiz repouso vocal e ingeri quantidades ainda maiores de água para recuperar a saúde da voz, conforme orientado pelo preparador vocal. Uma grande descoberta de Quasímodo deu-se durante o último ensaio antes da estreia. Em um determinado momento, comecei a dar pequenos socos com o punho esquerdo no braço direito (o do lado deformado), como forma de autopunição. A coreógrafa do espetáculo notou esse gesto típico 27 do personagem e sinalizou-me positivamente. Ao longo das apresentações, fui aprimorando esse gesto, colocando em determinados momentos do espetáculo onde ele foi valorizado. 26 27

Ver subcapítulo 2.3 Ver subcapítulo 2.2

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Por fim, mesmo após a estreia, algumas descobertas ainda se fizeram presentes com relação a construção do personagem. Destaco a mania de tirar excessos de fios das roupas, o que expressa um grande perfeccionismo, característica encontrada na canção Minha Alma Quer Partir28. Outra descoberta foi a de sempre falar em uma intensidade forte, visto que Quasímodo não é totalmente surdo, apenas tem baixa audição, devido a uma vida inteira dedicada a tocar os sinos da catedral de Notre Dame.

4.4 A construção vocal do personagem nas canções do espetáculo

O estudo das músicas do espetáculo foi realizado com ajuda de um CD com gravação das músicas por uma voz masculina: a voz do compositor. A repetição sistemática das melodias nos ensaios foi usada como recurso didático para aprendizagem sob orientação do preparador vocal. Sendo assim, não foram disponibilizadas as partituras das canções, apenas suas respectivas letras. Após o trabalho de memorização das canções, o elenco executava as ações teatrais ou coreografias correspondentes, integrando as linguagens artísticas para a montagem das cenas.

4.4.1 Tema de Quasímodo

No início de Abril, recebemos a primeira canção do espetáculo, intitulada Tema de Quasímodo:

QUASÍMODO: Eu só quero que compreendam minha alma e respeitem o meu ser Que me vejam pelo coração Eu só quero andar pelas calçadas e poder sentir o aroma dos jardins Como qualquer um em Paris

Mas eu não posso, pois todos me veem como um monstro

28

Ver subcapítulo 4.4.2

49

Eu não tenho culpa de ser assim Quem sou eu? O que eu sou?

Vejo aqui do alto a cidade e seu pulsar E os sons de Notre Dame com seus sinos a tocar É o que me faz viver e me faz acreditar Que sou parte de Paris, que pertenço a esse lugar

ESMERALDA: Eu posso ver a tua alma e entender tua aflição Compreendo teus sentimentos e tua razão

QUASÍMODO: Como pode entender a minha angústia e solidão?

QUASÍMODO E ESMERALDA: Sentimos o que manda o coração

A primeira música composta para o espetáculo possui um tom bastante agudo. Não tive, porém, qualquer dificuldade em cantar a música em questão no seu tom original, como já foi citado anteriormente29. O timbre resultante ficou leve e doce, o que condiz com a cena em questão, já que é o primeiro momento em que Quasímodo e Esmeralda ficam a sós e onde ele revela todo o seu sofrimento e dor causados pela sua deficiência física que o impede de ter uma vida normal como as outras pessoas. O primeiro procedimento para a aprendizagem da canção foi o da apreciação. Ouvia muito a canção (cantada pelo compositor como guia) em meu dia-a-dia, através de aparelhos portáteis, em qualquer momento livre que tivesse ao longo do dia para memorizar. Após ouvir a canção diversas vezes, tentava cantar junto com a gravação. Por fim, quando vieram as músicas somente em bases instrumentais, sem a voz guia, realizei o mesmo processo: primeiramente, apenas ouvia, “cantando mentalmente” a letra da música; em seguida, tentava cantar com a base instrumental, como faria nas apresentações. Considero esse procedimento interessante e necessário para todo cantor,

29

Ver subcapítulo 4.2.4

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pois requer sua extrema atenção para manter o ritmo e a afinação enquanto se executa o ato de cantar, visto que não existe a possibilidade de, por exemplo, os músicos de uma banda se apresentando “ao vivo”, ajudarem o cantor na performance. E o ato de ouvir a canção ainda pode fazer com que o ator/cantor vá além: “a habilidade mais importante que você vai precisar adquirir para a análise musical de suas canções será a capacidade de ouvir os diferentes aspectos da música e identificar como eles expressam a experiência emocional de seu personagem ao longo dela” (DEER; DAL VERA, 2013, p. 61). Tanto nessa canção como na seguinte, o ato de ouvir, permitiu que as emoções do personagem fossem melhor compreendidas por mim para serem expressas durante a interpretação. No ensaio individual que tive com o preparador vocal, ele propôs um aquecimento diferente, que me fez aprender a canção, definitivamente. Comecei entoando toda a canção apenas com “S” em vez da letra e melodia. Senti uma maior consciência do uso do ar na música e dos momentos mais propícios a deixar o ar entrar. E também notei que as pausas para deixar o ar entrar, na maioria das vezes, são muito curtas, devendo acontecer pela boca, com o movimento que o preparador chamou de “respiração de susto”, na qual o ar entra pela boca rapidamente para dar tempo de entoar as próximas frases melódicas da canção. Em momentos específicos, quando a pausa é um pouco maior, posso deixar o ar entrar pelo nariz. Logo após, entoei novamente a mesma canção, porém, com lip roll e tongue thrill. Em seguida, entoei a melodia apenas com o fonema “V”. Depois, fiz o mesmo com um som de “N” com a boca aberta e língua relaxada, resultando algo parecido com um som nasal, cuja ressonância é reforçada na região da cabeça. Logo após, cantei a música com a letra, prestando bastante atenção nas pausas para deixar o ar entrar, seja pela boca ou pelo nariz. Nesse mesmo ensaio, foi referida por mim uma pequena dificuldade na última frase do Tema de Quasímodo, cantada junto com a intérprete da personagem Esmeralda, na qual sempre falta um pouco de ar para executá-la, prejudicando o entendimento e a afinação. Estávamos executando a frase “Sentimos o que manda o coração” como foi sugerido na voz guia: com a elisão do “a” de “manda” com o “o” que vem em seguida, alongando as notas das duas últimas sílabas de “coração”. Combinamos então de alongar o último “a” de “manda”, fazer uma breve pausa para deixar entrar mais um pouco de ar e continuar a frase cantando “o coração”, sem alongar as outras notas, apenas dividindo a última nota, ficando a intérprete de Esmeralda com a nota da melodia, e eu cantando um intervalo de terça maior acima. 51

Por fim, o preparador vocal pediu, na primeira vez em que cantei essa música na frente de todos os colegas de elenco, que eu expressasse a emoção do personagem através da música, tentando passar raiva quando eu achar que ele sinta raiva, passar tristeza quando eu achar que ele sinta tristeza, pensando em dividir a música em momentos e ir expressando essas emoções aos poucos no decorrer da canção. Lembreime das forças vitais30de Gayotto (1997), parte do processo de ação vocal, que vai ao encontro da interpretação para musicais: Os musicais operam em uma escala dramática aumentada. Mesmo quando eles tratam de temas banais, os sucessos tendem a parecer incríveis e os fracassos, não menos trágicos. As vitórias e perdas afetam o seu personagem tão fortemente que, ao falar sobre elas, você é levado a dançar e cantar. A necessidade de falar, cantar ou dançar surge dos sentimentos avassaladores do personagem – emoções que são grandes demais para serem contidas, e por isso devem encontram uma forma de serem expressas. Esses sentimentos parecem tão grandes que se tornam uma questão de vida ou morte para o personagem. (DEER; DAL VERA, 2013, p. 57)

Vimos no capítulo 2 que para acessar as emoções do personagem, é necessário seguir sua linha de ações (STANISLAVSKI, 2005). No caso dos musicais, conforme citado acima, essas emoções são ainda mais exacerbadas, levando o personagem a extravasá-la em forma de dança e/ou música. Portanto, é necessária muita concentração, durante o espetáculo, nos subtextos31 de cada fala ou verso cantado, para que essa linha de ações32do personagem não se rompa, principalmente no momento desta cena em questão em que as ações executadas vão levando-me a sentir as emoções que ele sente até que chega o momento de expressá-las através de Tema de Quasímodo.

4.4.2 Minha Alma Quer Partir

A segunda canção analisada nessa pesquisa foi a música do final do espetáculo, intitulada Minha Alma Quer Partir, trazida pelo compositor no ensaio do dia 29 de Junho. Ao final da audição, o diretor sugeriu algumas alterações na letra, ao que o compositor se comprometeu de reelaborar para o ensaio subsequente. Dois dias depois, havia recebido por e-mail a música final Minha Alma Quer Partir já alterada, tratando

30

Ver subcapítulo 2.3 Ver subcapítulo 2.2 32 Ver subcapítulo 2.1 31

52

de colocá-la em meu aparelho portátil para poder ouvi-la no caminho ao ensaio do dia posterior:

QUASÍMODO: Arrancai meu coração, abutres de Montfaucon E derramai o meu sangue no átrio de Notre Dame Mostrai-me o caminho da luz, oh, anjos dos céus E afastai-me da exiguidade da Terra

Esmeralda, você me mostrou a pureza do amor Despiu a minha alma Não se importou com a minha imperfeição Eu entrego a minha vida Morrer por ti não é morrer

(2X): Esmeralda, não se vá Volta e diz que é ilusão Sorria para mim agora Esmeralda, não se vá Minha alma quer partir E te encontrar na imensidão

Fui escutando a canção no caminho ao ensaio e, prestando atenção na nova letra, pude compreender um pouco mais do personagem e seus sentimentos em relação a Esmeralda. No trecho da música em que Quasímodo canta Esmeralda, você me mostrou a pureza do amor / Despiu a minha alma / Não se importou com a minha imperfeição mostra que a cigana Esmeralda foi a única pessoa que o viu por seus atributos sentimentais e humanos, e não por suas deficiências como os outros, e, por isso, acabou por nutrir um carinho especial por ela. Nesse momento, dentro do ônibus que me levaria até o local do ensaio, comecei a chorar, pois entrei em contato profundo com os

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sentimentos do personagem, devido ao entendimento profundo do seu superobjetivo33. Foi uma experiência enriquecedora e necessária para a compreensão do personagem. Compreendi, portanto, que devia entregar-me, naquele momento, àquelas emoções e que elas não eram minhas, mas do personagem Quasímodo. O próprio Stanislavski explica esse processo: A nossa arte requer que o ator sinta a agonia do seu papel, e chore até mais não poder em casa ou durante os ensaios e que depois se acalme, liberte-se de todo o sentimento que seja alheio ao papel ou o obstrua. Vai então ao palco para transmitir ao público, em termos claros, prenhes, profundamente sentidos, inteligíveis e eloquentes, aquilo por que passou. A essa altura os espectadores serão mais atingidos que o ator e este conservará todas as suas forças a fim de encaminhá-las para onde elas lhe são mais necessárias: para a reprodução da vida interior da personagem que ele está interpretando. (STANISLAVSKI, 2003 p. 115)

Em encontro individual com o preparador vocal, executamos um processo semelhante de memorização e estudo da canção ao realizado com Tema de Quasímodo, começando com a emissão de “S”, em vez de cantar a letra. Em seguida, executei toda a melodia da canção com tongue thrill, depois com o fonema “V”. Logo após, fiz a mesma coisa com o som nasal, sem ainda articular nenhuma palavra. Em seguida, com a sílaba “SÓ”, emitindo o “S” apenas na primeira nota da frase melódica. Por fim, cantei toda a música com a letra original. Neste mesmo dia, apresentei ao preparador vocal a versão de Minha Alma Quer Partir toda em francês e realizamos juntos o trabalho de encaixar a letra na melodia da canção, adaptando os acentos das palavras com os acentos da melodia. Cantei toda a música em francês e, em seguida, decidimos as frases e estrofes que seriam cantadas em português e em francês34. Depois, pedi que ele trabalhasse comigo os ataques vocais na música, pois não estava satisfeito em como eles vinham sendo emitidos durante os ensaios, especialmente nas vezes em que deveria cantar “Esmeralda”, a primeira palavra do refrão. O preparador salientou que realizar um ataque vocal com um vogal é mais difícil tecnicamente, se comparado com uma consoante. Além disso, verificou que a nota na qual devo cantar essa sílaba é justamente um Mi na terceira oitava, que vem a ser uma nota de passagem do registro médio para o agudo, no caso de tenores, o que dificulta a emissão. Na segunda parte desse ensaio, portanto, realizei alguns vocalizes acompanhado pelo teclado. Os vocalizes visaram principalmente o trabalho da voz nessa passagem de 33 34

Idem Ver subcapítulo 4.2.5

54

registro. A emissão dessas notas exige um apoio diafragmático maior e uma maior concentração. Cantei a escala maior ascendente e descendente com lip roll, humming, com o fonema “V”, e com a vogal “A”, sempre prestando muita atenção na projeção das notas, e no início dos vocalizes, onde o ataque vocal é realizado. Alguns detalhes técnicos foram solucionados, nos quais eu vinha tendo dificuldades. Um deles foi o trecho “e afastai-me da exiguidade da terra”, no qual eu estava deixando a nota correspondente a sílaba “-me” muito metalizada, e o preparador sugeriu que eu a fizesse mais suave e “redonda”. O outro foi na passagem “despiu a minha alma”, na qual a voz guia faz um glissando, escorregando de uma nota aguda para outra mais grave na palavra “alma”. O preparador propôs que o contraste fosse feito pela intensidade, começando com uma emissão forte na sílaba “al-“, diminuindo para uma emissão mais suave na sílaba “-ma”. Depois, trabalhamos algumas intenções a serem expressas durante a música. A primeira foi deixar bem claro um contraste entre a primeira estrofe, que pode expressar, segundo ele “terra, morte e sofrimento” e a segunda algo mais “ar, céu, angelical”. Na terceira estrofe, combinamos de começar forte, depois suavizar mais no trecho “despiu a minha alma”, e crescer na intensidade no final da estrofe para cantar o refrão bastante forte. O preparador, no entanto, diz que, na hora de cantar, eu posso fazer o que eu quiser e, até mesmo, realizar coisas diferentes das que estamos trabalhando ali, desde que sejam justificadas internamente, sendo coerentes com a interpretação na hora do espetáculo e com o que a história está contando, mais uma vez indo ao encontro de Stanislavski (2003) no que diz respeito ao subtexto35, assim como de Gayotto (1997) em seu conceito de forças vitais36. Ou seja, o trabalho dele foi apenas sugestivo, pois, segundo ele, o ator que interpreta o personagem é quem deve justificar as suas emoções através da voz ao cantar a música. E mais, o preparador vocal acrescenta que quando o ator vem com o entendimento do personagem, sabendo as intenções dele na música, com o corpo integrado no ato de cantar, muitos problemas técnicos são resolvidos, bastando a concentração do ator em atuar no personagem. Segundo ele, um trabalho mais detalhado seria necessário, caso o ator fosse mais iniciante na arte dos musicais e não trouxesse um estudo mais detalhado do personagem, o que não é o meu caso.

35 36

Ver subcapítulo 2.2 Ver subcapítulo 2.3

55

Um trabalho bastante importante no processo foi o que realizei com a coreógrafa: trabalhamos a movimentação durante a execução da canção final Minha Alma Quer Partir. Primeiramente, ela sugeriu algumas modificações no corpo do personagem para auxiliar na minha composição. A primeira delas foi a assimetria, na qual procurei elevar um pouco mais o ombro direito, visto ser o lado no qual estava mantendo o olho fechado para dar a impressão de deformidade. A segunda dica foi investir em uma das pernas mais curta que a outra, o que conferiria um caminhar mais grotesco. A partir dessas modificações, ela pediu que eu executasse a música com o microfone, cantando como farei na apresentação, acompanhado pela base instrumental gravada. Comecei a cena no fundo do palco, caminhando lentamente para a sua parte média, bem ao centro, onde começo a cantar. Depois, no refrão, vou até a forca, volto ao centro e, após a parte instrumental da música, vou para o proscênio (parte do palco mais perto do público), terminando a música dirigindo-me para a forca novamente. A coreógrafa sugeriu alguns gestos que o personagem poderia fazer nos versos “pureza do amor” (abrir as mãos, deixando mostrar o peito) e “não se importou com a minha imperfeição” (passar as costas das mãos no rosto). Outra sugestão interessante foi projetar o peito para a plateia ao cantar o refrão pela segunda vez, quando o personagem se imagina sem deformidade e eu, portanto, fico com a coluna ereta e os olhos bem abertos, mostrando como o personagem seria sem a deficiência. Combinamos também que essas transições seriam realizadas de maneira lenta para dar tempo de o público perceber a construção/desconstrução do personagem. Mais uma vez, devo-me lembrar da linha de ações do personagem para conseguir entrar nas suas emoções e expressá-las ao público. Quasímodo acaba de matar com suas próprias mãos, por sufocamento, o seu mestre Frollo, depois que presencia a execução e morte de Esmeralda, seu grande e único amor. Sendo assim, Quasímodo passa por um grande desespero e desesperança ao cantar a música final do espetáculo, chegando mesmo a pensar em tirar a própria vida, como a letra sugere. Entretanto, o que mais me fez concentrar na interpretação do personagem durante essa canção foi ouvir atentamente a base instrumental, suas nuances, instrumentos e em como minha voz completaria a sua mensagem. Essa percepção se deu principalmente no momento da modulação 37 que ocorre entre um refrão e a sua 37

Modulação ou tonulação é a passagem de um tom para outro tom. A palavra vem do latim e significa “ajustar”. (MED, 1996, p. 162)

56

posterior repetição, no qual a música sobe um tom inteiro, passando de Dó Maior para Ré Maior. Esse recurso é utilizado para expressar uma intensificação das emoções do personagem durante a música (DEER; DAL VERA, 2013). Ouvindo a riqueza de timbres, ritmos, tonalidades, entre outros elementos musicais, vou me apropriando da paisagem sonora (SCHAFER, 2009), ou seja, de todos os sons que se fazem presentes no palco, e das sensações que eles me provocam. Aliado à memória do momento de choro no ônibus que tive ao entender o superobjetivo38 do personagem, pude expressar as emoções do personagem Quasímodo ao interpretar as canções do espetáculo O Corcunda de Notre Dame, estabelecendo uma comunicação direta com o espectador. Sendo assim, compreendi que a voz no teatro musical, seja falada ou cantada, deve ser duplamente trabalhada. Os recursos vocais 39 , ou seja, os elementos de respiração, vibração, ressonância e articulação, independentemente da técnica escolhida, devem ser continuamente aprimorados. Dessa forma, o ator adquire um domínio técnico que permite que o corpo não necessite mais pensar sobre a técnica, permitindo que ele se concentre nas forças vitais 40 do personagem, ou seja, em todos os elementos da história a ser contada. Assim, o ator consegue acessar as emoções do seu personagem e transmiti-las para a voz através da ação, buscando levar o espectador a se identificar com as emoções desse personagem.

38

Ver subcapítulo 2.1 Ver subcapítulo 2.3 40 Idem 39

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CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Considero esse processo vivenciado para a montagem do espetáculo O Corcunda de Notre Dame um dos mais intensos e importantes da minha carreira. Primeiramente, porque tive a oportunidade de colocar em prática conhecimentos sobre o teatro musical que vinha construindo há muito tempo, refletindo sobre as semelhanças entre a linguagem teatral e a musical. E, depois, pela possibilidade de análise profunda sobre esse mesmo processo, viabilizada pela presente pesquisa, o que permitiu a consolidação desses conceitos vivenciados. O fato de ser, ao mesmo tempo, pesquisador e sujeito de pesquisa permitiu que eu mergulhasse nesse processo de forma profunda, visto que continuamente deveria refletir sobre minha própria aprendizagem a fim de que pudesse transmiti-la ao leitor desse trabalho o mais fielmente possível. Foi ao mesmo tempo um exercício de reflexão e também de abnegação, pois o ego do artista teve de ser deixado de lado para que as descobertas realizadas nesse caminho pudessem ser reveladas sem julgamentos, com a correta importância a que coube cada uma delas. Certamente, não teria atingido o resultado apresentado no palco do Teatro Novo DC se não houvesse feito essa pesquisa. Da mesma forma, esse trabalho não teria essa análise e conclusões obtidas, caso analisasse outros processos, e não o meu próprio. O grande aprendizado de todo esse processo foi a confirmação de algo que eu já sentia, uma realidade da alma que não conseguia explicar, mas que tornou-se palpável com esse trabalho: a relação com o público deve-se dar a partir de uma conexão emocional, indo além do simples entendimento da história, mas gerando uma proximidade de emoções na comunicação entre o ator e o espectador. Penso que o teatro e a música só cumprem sua missão como arte quando geram transformação. E essa transformação só pode se estabelecer em nível emocional, de profunda identificação, na qual o espectador compreende as motivações do personagem e fica conhecendo um pouco mais da complexa alma humana. Sendo assim, todo e qualquer ator pode se valer desses conceitos ao interpretar um personagem, prestando atenção na sua voz ao executar essa ação, usando-a como veículo de transmissão de emoções do seu personagem. Não apenas o ator de teatro pode se apropriar desses aprendizados, como também o ator de cinema ou televisão, pois sempre que uma pessoa tiver de viver uma vida que não é a sua, terá de usar suas habilidades vocais para expressar as emoções desse ser ficcional. 58

Da mesma forma, todo e qualquer cantor pode concentrar-se mais no subtexto da letra das canções que interpreta, imaginando um superobjetivo para aquele personagem que pede para ser interpretado por ele. Como um ator, o cantor pode também se deixar levar pelas emoções desse ser ficcional, colocando ação em sua voz, convidando seu ouvinte a tornar-se seu espectador, levando-o a sentir a música que ele está cantando. Por fim, creio que essa pesquisa poderá servir de base para futuras incursões a respeito da voz de cena. Concluí, a partir dessa pesquisa, que a voz é um recurso cênico que transmite as emoções do personagem, ou ainda, “as realidades da alma”, como diria Victor Hugo, autor de O Corcunda de Notre Dame, e que agora se tornam um pouco mais palpáveis, pelo menos, para o autor desse trabalho. Acredito, no entanto, que essa pesquisa é apenas uma gota no imenso oceano chamado voz, que pode e deve ser explorado por todos aqueles dispostos a investigar essa realidade da alma.

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REFERÊNCIAS:

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BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro. Trad. Maria Paula V. Zurawski, J. Guinsburg, Sérgio Coelho e Clóvis Garcia. São Paulo: Perspectiva, 2001;

BRECHT, Bertolt. Teatro Dialético. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967;

BOURSCHEID, Clarice de Campos. Cantores que atuam/Atores que cantam: barreiras, desafios e aprendizagens na prática artística interdisciplinar. (Monografia de Conclusão do Curso de Pedagogia da Arte da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2010);

CALVENTE, Ana Lúcia de Alcântara. Falar e Cantar em Cena: A voz do Ator Brasileiro no Teatro Musical Contemporâneo. (Dissertação de Mestrado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2008);

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64

ANEXOS ANEXO A – Letra de Tema de Quasímodo

QUASÍMODO: Eu só quero que compreendam minha alma e respeitem o meu ser Que me vejam pelo coração Eu só quero andar pelas calçadas e poder sentir o aroma dos jardins Como qualquer um em Paris

Mas eu não posso, pois todos me veem como um monstro Eu não tenho culpa de ser assim Quem sou eu? O que eu sou?

Vejo aqui do alto a cidade e seu pulsar E os sons de Notre Dame com seus sinos a tocar É o que me faz viver e me faz acreditar Que sou parte de Paris, que pertenço a esse lugar

ESMERALDA: Eu posso ver a tua alma e entender tua aflição Compreendo teus sentimentos e tua razão

QUASÍMODO: Como pode entender a minha angústia e solidão?

QUASÍMODO E ESMERALDA: Sentimos o que manda o coração

65

ANEXO B – Letra de Minha Alma Quer Partir

QUASÍMODO: Arrancai meu coração, abutres de Montfaucon E versez mon sang sur le parvis de Notre Dame Mostrai-me o caminho da luz, oh, anjos dos céus Délivre moi de l’exiguïté de la terre

Esmeralda, você me mostrou a pureza do amor Despiu a minha alma Não se importou com a minha imperfeição Eu entrego a minha vida Morrer por ti não é morrer Esmeralda, ne t’en va pas Rassure moi c’est une illusion Souriez moi maintenant

Esmeralda, não se vá Minha alma quer partir E te encontrar na imensidão

Esmeralda, não se vá Volta e diz que é ilusão Sorria para mim agora Esmeralda, ne t’en va pas Mon ame vaut partir Et te recouvré dans l’immensité

66

ANEXO C – Letra de Já É Novo Dia

TODOS: Já é novo dia em Île de La Cité, Há flores na feira e pães para vender Histórias de Amor, mistérios pelo ar Com os sinos de Notre Dame a soar

Hoje é festa, dia dos loucos Estão todos a celebrar “Mesdames et messieurs” a dançar O sol refletindo, rio Sena a brilhar Hoje é festa, vamos todos comemorar

Ciganos pelas praças, fidalgos fazendo a guarda E a realeza com sua Nobreza a admirar Em Paris nasce um novo dia e os mendigos na sua rotina Querendo apenas um pedaço de pão Crianças livres a brincar, membros do Clero estão a chegar Todos cantando a mesma canção

Um nouveau jour se leve sur l’Île de la Cité, Il ya des fleurs et du pain à vendre sur le marché Des histoires d'amour, des mystères dans l'air Et les cloches sonnant de Notre Dame Aujourd'hui c’est la fête des fous On est tous a célébrer, "Mesdames et messieurs” à danser, Le reflet du soleil brille sur la Seine C’est la fête, on vas tous commémoré

Hoje é festa, vamos todos comemorar

67

ANEXO D – Letra de Tema dos Mendigos

TODOS: Andamos pelas ruas à espera de uma chance À espreita de uma breve distração Sorrateiramente, sutis feito serpentes Na hora certa o bote é a solução

Nós somos indecentes, enganamos inocentes A nossa diversão é perturbar Nós somos artistas, artistas da trapaça Tratados como vermes que sabem falar

Andamos com os ratos, roubamos feito gatos Sobrevivemos feito animais Andamos maltrapilhos, subindo nas calçadas E a guarda sempre atenta a nos vigiar

Andamos pelas ruas à espera de uma chance À espreita de uma breve distração Sorrateiramente, sutis feito serpentes Na hora certa o bote é a solução

Andamos com os ratos, roubamos feito gatos Sobrevivemos feito animais Andamos maltrapilhos, subindo nas calçadas E a guarda sempre atenta a nos vigiar

68

ANEXO E – Letra de Casar, Casar, Casar

TODOS:

TODOS

Casar, casar, casar

Não aceita! Não aceita!

COPLIN:

GRINGOIRE:

É conveniente no momento certamente

Aceite, por favor, acabe de uma vez

O teu pescoço irás livrar ao se casar

com esse pavor!

E do inferno irás te libertar TODOS: TODOS:

Casar, casar, casar

Casar, casar, casar

É conveniente no momento certamente O teu pescoço irás livrar ao se casar

GRINGOIRE: Deidade,

E do inferno irás te libertar

divindade,

onde

está

a

Casar, casar, casar

verdade? GRINGOIRE: JEAN:

Caridade, mademoiselle! Por favor,

Casamento sem amor, sem esplendor,

tenha piedade!

Meu Deus, perdoe esse pobre senhor TODOS: COPLIN: Você

aceita

Casamento sem amor, sem esplendor, se

casar

com

esse

Ó Deus, perdoe esse senhor

mulambo? GRINGOIRE: ESMERALDA:

Casar, casar, casar

Ainda não sei, nesse momento, estou pensando

TODOS: Casar

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ANEXO F – Letra de Saia de Mim!

FROLLO: Minha cabeça, essas lembranças Esta cigana mundana Saia de mim, me deixe em paz Tudo o que eu criei ficou para trás

Saia de mim, pensamento ruim Eu não posso perder tudo assim Tanto cuidado e dedicação E aqui estou eu, aprisionado em minha obsessão

Todas as noites, possui os meus sonhos Em todo lugar eu te vejo Ó, meu Deus, eu te imploro perdão, Afasta-me desta loucura e desta prisão...

Saia de mim... Saia de mim... Saia de mim, saia de mim, saia de mim Saia de mim....

1 70

ANEXO G – Partitura de Tourdion

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