O processo de implantação do Luteranismo no Brasil: o caso da região de Nova Friburgo (1824 a 1857)

June 4, 2017 | Autor: Ronald Lopes | Categoria: Historia Cultural
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O processo de implantação do Luteranismo no Brasil: o caso da região de
Nova Friburgo (1824 a 1857)



Ronald Lopes de Oliveira [1]



Resumo

O Processo de construção do Brasil Império não foi de todo homogêneo e
na medida em que houve sua fomentação também houve elaboração das condições
de possibilidades para que ocorressem desconstruções ideológicas,
políticas, econômicas, sociais e religiosas vigentes que neste caso,
abrange a deliberada introdução do trabalho livre, promoção de uma
organização social fundamentada na pequena propriedade e a construção de um
templo luterano antes da edificação de uma igreja católica tangenciando a
Constituição de 1824. Tais fatos me levam também a buscar compreender a
vertente historiográfica que analisa a implementação do Luteranismo no
Brasil, cujo palco foi a colônia de Nova Friburgo - Cantagalo - Rio de
Janeiro. Frente a tudo isso, esta comunicação busca apreender sobre a
construção do processo de organização do espaço administrativo da citada
região, através de um estudo de caso, o da implantação da Igreja Luterana
de Nova Friburgo durante a primeira metade do século XIX.

Palavras-chave: Imigração alemã, Igreja Luterana, Nova Friburgo

Résumé
Le processus de construction de l'Empire du Brésil n'était pas un ensemble
homogène et dans la mesure où il a été aussi de favoriser leur
développement des conditions de possibilité de la déconstruction de se
produire idéologique, force politique, économique, sociale et religieuse
dans ce cas couvre l'introduction délibérée de main-d'œuvre gratuite, la
promotion de l'organisation sociale fondée sur une petite propriété et la
construction d'une église luthérienne, avant l'érection d'une tangente
église catholique pour les faits Constitution 1824.Tais m'amènent aussi à
chercher à comprendre l'aspect de l'historiographie qui analyse la mise en
œuvre du luthéranisme au Brésil , dont la scène était la colonie de la
Nouvelle-Fribourg - Cantagalo - Rio de Janeiro. Face à tout cela, cet
article cherche à en apprendre davantage sur le processus de construction
d'organiser l'espace administratif de cette région, à travers une étude de
cas, le déploiement de l'Eglise luthérienne de la Nouvelle-Fribourg au
cours de la première moitié du XIXe siècle.

Mots-clés: Immigration Eglise luthérienne allemande, la Nouvelle-Fribourg



A presente comunicação é parte inicial da pesquisa a ser
desenvolvida como requisitos necessários para realização do trabalho de
final do Curso de Licenciatura em História pela Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro/ UNIRIO. Esse estudo tem a religião e a
religiosidade protestante como tema e a História Cultural como uma
perspectiva de análise. Desta forma, o objetivo desta investigação será o
de analisar o processo de ocupação, constituição e organização do espaço
social, administrativo e religioso a partir do estabelecimento da Igreja
Luterana no Brasil, na primeira metade do século XIX. Neste sentido,
procurarei entender como este protestantismo luterano se expressou no
Brasil no período joanino e posteriormente no início do Império Brasileiro,
a partir da instalação da colônia alemã em Nova Friburgo/RJ em 1824.

Dois motivos instigaram o interesse por esta temática: o meu
primeiro intuito ocorreu quando, após várias reflexões, resolvi fazer uma
homenagem ao bombeiro militar Victor Lembo, que durante o resgate das
vítimas daquela que foi considerada como a maior catástrofe natural do
Brasil, ocorrida em 11 de janeiro de 2011, veio a falecer em serviço,
tentando resgatar o Sr. Wellington da Silva e seu filho Nicolas com três
meses de idade que foram soterrados vivos. Victor Lembo, um herói anônimo
que fora sepultado sem honrarias militares no Cemitério dos Alemães, em
Nova Friburgo, foi ali enterrado porque os seus parentes tinham vínculos
com a comunidade alemã que lá chegou no início do século XIX. A minha
segunda motivação refere-se à questão de caráter social e religioso que, no
decorrer do curso de História, me levou com outros dois amigos de classe a
buscarmos juntos o estímulo da nossa pesquisa acadêmica.

Assim sendo, o nosso primeiro contato com a Igreja Luterana foi
através do seu cemitério, o que, aliás, também marcaria o ponto de partida
para a minha pesquisa. Logo no início da nossa investigação pudemos
corroborar o fato de que a Igreja Luterana de Nova Friburgo foi a primeira
Igreja Protestante da América Latina, e que o seu estabelecimento acorreu
antes mesmo da instituição do primeiro templo católico. Este fato tornou-se
ainda mais instigante quando identificamos que isto ocorreu em uma colônia
destinada aos imigrantes suíços e católicos. Todavia, é neste contexto que
pretendo estabelecer o cerne da minha inquirição: como seria possível que
uma igreja protestante viesse a ser erguida antes mesmo do estabelecimento
da igreja católica em Nova Friburgo e consequentemente no Brasil? Nesta
perspectiva, pretendo ainda verificar de que forma este acontecimento se
efetivou em plena colônia de suíços católicos, e cujo catolicismo era a
religião oficial do jovem Império Brasileiro. Para tal, a minha perspectiva
de análise visa compreender o processo de ocupação, constituição e a
organização do espaço administrativo, social e religioso a partir da
instituição da Igreja Luterana e como o protestantismo se expressou no
Brasil em especial em Nova Friburgo durante a primeira metade do século
XIX.

Nos seus primórdios, Nova Friburgo era uma fazenda localizada na
extensa região das Minas de Cantagalo, também identificada como Sertões do
leste ou de Macacu, situada no Centro Norte Fluminense cuja ocupação
ocorreu por volta da segunda metade do século XVIII, em função da extração
clandestina do ouro. Atualmente, o município de Nova Friburgo insere-se na
região serrana do estado do Rio de Janeiro. No início do século XIX, o
território friburguense foi palco de dois fluxos imigratórios, a saber: em
1819 ocorreu a imigração suíça e em 1824, a região recebeu colonos
protestantes da Alemanha.

É de concordância entre os historiadores e pesquisadores que o
incentivo do Estado brasileiro à imigração suíça e germânica era um fator
das políticas, tanto de D. João VI quanto do Imperador D. Pedro I. Neste
sentido, Martin Dreher afirma que "é necessário apoiar o desenvolvimento da
agricultura, é absolutamente necessário facilitar a travessia e fomentar o
aliciamento de bons colonos que aumentem o numero de braços, dos quais
necessitamos (DREHER, 2003: 29). Desta forma, pode-se acrescer também que
havia uma sugestão da Imperatriz Leopoldina, filha do Imperador Francisco I
da Áustria, de que o Brasil pudesse "importar" alguns imigrantes alemães.
No contexto da política joanina e posteriormente na visão do imperador
Pedro I, era inadequado convidar imigrantes das nações possuidoras de
antigas colônias e que, neste caso, estavam se referindo às nações
europeias França, Holanda, Inglaterra e Espanha.

Entretanto, já com a vinda da Família Real, em 1808, e com
justificados enfraquecimentos do antigo Pacto Colonial e do exclusivismo
comercial na colônia portuguesa da América entre os anos de 1808 e 1821, e
tendo o Brasil se tornado o centro administrativo da Coroa Portuguesa fatos
que provocaram algumas desconstruções ideológicas e das políticas
econômicas vigentes até então na colônia, o que acabou contribuindo de
certa forma para a abertura política, econômica, cultural e religiosa. Foi
neste contexto histórico que em 16 de maio de 1818, o príncipe regente D.
João VI, autorizou, através de decreto, que o agente Sebastião Nicolau
Gachet que era natural do Cantão de Friburg - na Suíça- estabelecesse uma
colônia de cem famílias suíças na Fazenda do Morro Queimado em Cantagalo, e
atualmente Nova Friburgo. A partir de então foi nomeado o Monsenhor Pedro
Machado de Miranda Malheiros, também conhecido como Monsenhor Miranda, como
inspetor para administrar a colônia que nascia. De acordo com o relato do
viajante Joseph Hecht, que acompanhou a primeira leva de imigrantes
oriundos da Suíça, a vila de Nova Friburgo foi criada pelo Alvará de 03 de
janeiro de1820, assentando cerca de 260 famílias suíças nas áreas próximas
à confluência dos Rios Cônego, Santo Antônio e o Bengala, lugar onde hoje
se localiza a Praça Getúlio Vargas também conhecida como Praça do
Pelourinho (HECHT, 2009).
Com referência ao recrutamento de imigrantes alemães, o governo
brasileiro enviou diversos agentes à Alemanha. O mais referendado dentre
eles foi o major Geog Anton Von Schaeffer que por sua vez tinha a missão de
reunir e contratar o maior número de imigrantes alemães para as colônias de
Leopoldina e Frankenthal, estes já estabelecidos na então Província da
Bahia (ao Sul) localizada às margens dos rios Caravelas e Viçosa desde
1816. A maioria dos colonos, cerca de 110 agricultores, provinha de
Kirnbecherbach, Oberamt Weissenheim em Hessen-Hamburgo situada no sudeste
da Alemanha e foram também enviados a Nova Friburgo. Mesmo estando no
início da pesquisa é possível defender a ideia de que o motivo deste
deslocamento interno de colonos alemães teve sua motivação no fato de a
colonização suíça não ter se efetivado na sua totalidade em Nova Friburgo,
isto pela razão de aos suíços não ter se acostumado ao clima da região, e
foram forçados a migrarem para área central de Cantagalo e Macaé.
Assim sendo, entre os dias 3 e 4 de maio de 1824, cerca de 80
famílias de alemães protestantes – sob a orientação do pastor Friedrich
Oswald Sauerbronn – e recepcionadas pelo Monsenhor Miranda, inspetor da
colônia, chegaram a Nova Friburgo. Segundo Martin Nicoulin, uma parte deste
grupo havia partido também da Europa no navio Argus, no dia 19 de julho de
1823, chegando ao Rio de Janeiro em 14 de janeiro de 1824. A outra parte
partiu no navio Carolina, em 18 de dezembro de 1823, chegando ao Rio de
Janeiro em 15 de abril de 1824. Este segundo grupo oriundo da Alemanha pode
ter se estabelecido em São Leopoldo no Rio Grande do Sul.
Assim como os suíços, os alemães também sentiram a falta de
infraestrutura para acolhê-los. As terras que lhes foram destinadas eram
ruins e não havia estradas para atender as suas necessidades básicas e se
encontravam a uma distancia de 4 dias à cavalo da Corte. Assim, um grande
número de colonos acabou retornando para a capital do Império ou deslocando-
se para outras regiões consideradas mais férteis, como já foi referendado
anteriormente, pois tanto os suíços quanto os alemães vieram para o Brasil
com o objetivo de cultivar a lavoura cafeeira em plena expansão no Brasil.
Somando-se a isso, um acontecimento em especial, marcaria
intensamente a chegada dos alemães em Nova Friburgo. Refiro-me à morte do
filho do pastor luterano Sauebronn e líder dos colonos vindos da Alemanha,
fato que agora passo a narrar. Um mês após a chegada destes imigrantes, em
13 de maio de 1824, às oito horas da noite faleceu Peter Leopold, filho do
pastor protestante Friedrich Sauerbronn. De acordo com a certidão de óbito
Peter Leopold, nasceu no dia 17 de novembro de 1823, durante a viagem para
a América, perto das ilhas de Cabo Verde e em consequência deste parto a
sua mãe Charlotte veio a falecer. Tal acontecimento marcaria o primeiro ato
de intolerância religiosa entre um membro da Igreja Católica e um pastor
protestante na nova colônia Friburguense. O Monsenhor Miranda, que
possivelmente tenha sido influenciado pelo padre Joyer que era o pároco de
Nova Friburgo e que veio junto com os imigrantes suíços, negara
sepultamento no único cemitério ali existente, pois o mesmo era destinado
só para o enterramentos dos colonos católicos. Tendo em vista a negação do
pároco, o pastor Sauerbronn escolheu um lugar em uma área distante do
cemitério católico e no dia seguinte o sepultamento de Peter Leopold foi
realizado, às 16 horas no cemitério recém instalado para esse fim, sendo o
primeiro a ser ali sepultado e o próprio pai oficiou a cerimônia de
enterramento do seu filho (Registro do primeiro óbito protestante em Nova
Friburgo. 13/05/1824)
Para além da problemática dos enterramentos de não católicos e na
tentativa de compreender as tensões e conflitos das diferentes vertentes
das religiões cristãs ocorridos no Brasil no século XIX, é importante
ressaltar que foi neste contexto que também foi criada uma das primeiras
Igrejas Protestantes no Brasil, antes mesmo da construção do templo
católico na Colônia de Nova Friburgo, erguido de pau a pique pelo próprio
Sauerbronn, que de acordo com J. E. Schlupp
"em 1827, construíram o seu primeiro Templo, na então
'Praça do Pelourinho', mas as autoridades locais mandaram
demolir o mesmo. Somente em 1857 foi possível construir
uma igreja perto do local da anterior. Obedecendo as leis
vigentes, não tinha torre, nem sinos e nem nada que a
diferenciasse de outras casas".


Por conseguinte, na nova conjectura do recém-criado Estado
brasileiro, é importante ressaltar que apesar de a primeira Constituição do
Império, promulgada em 1824, afirmar que a religião Católica Apostólica
Romana continuaria a ser a religião do Brasil, no seu art. 5º. ela
ressalvava também que "todas as outras religiões serão permitidas com o seu
culto doméstico ou particular em casa para isso destinadas, sem a forma
alguma exterior de templo". Igualmente, no Art. 179 § 5º. constava que
"Ninguém pode ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeite a
do estado e não ofenda a moral pública".

Entretanto, consultando o relato do Pastor Sauerbronn enviado à
comunidade de Becherbach em 1824, pude constatar a seguinte informação:
"Os colonos chegaram a uma vasta área pertencente ao
Imperador, chamada Armação e eu consegui com minha
família, uma casa excelente, com livre alimentação, junto
a Monsenhor Miranda, Inspetor da Colonização Estrangeira
ocupando uma posição de Ministro. Ficamos três meses e
meio por conta do Imperador e todos em "Dulce" júbilo. O
Imperador e a Imperatriz nos visitaram várias vezes; eram
muito condescendentes e conversavam com cada criança. Dia
25 de abril, fomos transportados por conta ainda do
Imperador para Nova Friburgo, 40 horas distante do Rio de
Janeiro. O lugar tem o tamanho aproximado de Glanddernheim
e consta de prédios pertencentes ao Imperador, prédios de
um andar com telhados muito bons, quatro quartos cada um"
(Relato do Pastor Sauerbronn enviado à comunidade de
Becherbach em 1824).

Com base no relato do pastor acima mencionado, é possível constatar
o grau de complexidade que envolvia as relações do Imperador d. Pedro I e
os países envolvidos na política de Imigrações do Império Brasileiro no
primeiro quartel do século XIX, em especial a Alemanha, tendo em vista que
a Imperatriz Leopoldina era filha do Imperador Francisco I da Áustria.
Neste sentido, este relato permite, no mínimo, fazer uma inferência a qual
poderá conduzir uma análise sobre a composição da Casa de Bragança e as
suas relações com os protestantes alemães, porém essa ilação será tratada
de forma mais apurada no decorrer da minha pesquisa monográfica.
E será justamente dentro desta perspectiva de análise que pretendo
conduzir o estudo da temática da religiosidade protestante no Brasil a
partir da instalação da Igreja Luterana em Nova Friburgo no processo de
assentamento desses colonos em 1824 e, como resultado desta pesquisa,
contribuir para a preservação da identidade cultural no âmbito da história
regional. Além disso, pretendo verificar as especificidades dos estatutos
político e jurídicos que definiriam a construção de igrejas em terras
brasileiras, observando a sua relação com a instituição da igreja luterana
no Brasil e a sua ligação com o processo de formação da sociedade
friburguense.


FONTES

ACERVO DA IGREJA LUTERANA DE NOVA FRIBURGO/RJ.

- Relato do Pastor Sauerbronn enviado à comunidade de Becherbach em 1824

- Registro do primeiro óbito protestante em Nova Friburgo. 13/05/1824

-Sínodo Evangélico do Brasil Central. Boletim Informativo, n.16. Rio de
Janeiro, 1º/06/1964. (AHIECLB – SBC 20/1)



REFERÊNCIAS

ARAÚJO, João Raimundo; MAYER, Jorge Miguel (org). Teia Serrana: formação
histórica de Nova Friburgo [et all]. Rio de Janeiro: Editora Ao Livro
Técnico. 2003

DREHER, Martin. Igreja e Germanidade. São Leopoldo, Rio Grande do Sul:
Editora Sinodal. 2003.
FISHER, Carlos Rodolpho. História em quatro tempos. Rio de Janeiro:
Publicações Arp,1986

HECHT, Joseph. A imigração suíça no Brasil 1819-1823. Trad. Armindo L.
Muller. Independente. Rio de janeiro: 2009

NICOULIN, Martin. A Gênese de Nova Friburgo. Fundação Biblioteca Nacional,
1995
Jornal Serrano Online - São Pedro da Serra, Nova Friburgo, Rio de Janeiro,
Brasil acessado em 20/08/2010 http://www.jornalserranonline.com.br/noticia-
lumiar-sao-pedro-da-serra-003.html

SCHL.[UPP], J.[ohannes]. Resumo da história da Comunidade Evangélica
Lutherana de Nova Friburgo. In: BEGRICH, Martin (Hrgb.) 1912 1962; Em
Comemoração do 50.° Aniversário do Sínodo Evangélico do Brasil Central
fundado em 28/30 de junho de 1912. São Paulo: Hugo Grobel, [1962].

SCHORODER, Ferdinand. Brasilien und Winttenberg, p. 33 apud DREHER, Martin.
Igreja e Germanidade. São Leopoldo, Rio Grande do Sul: Editora Sinodal. 20






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[1]Graduando do Curso de Licenciatura em História da Universidade Federal
do Rio de Janeiro/UNIRIO
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