O processo de reconstrução pós-genocídio e a Cooperação Internacional Descentralizada em Ruanda: reflexões sobre o Estado de Mil Colinas

May 27, 2017 | Autor: Camila Andrade | Categoria: Rwanda, Decentralized Cooperation, Post-genocide Rwanda, Paradiplomacy in Africa
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O processo de reconstrução pós-genocídio e a Cooperação Internacional Descentralizada em Ruanda: reflexões sobre o Estado de Mil Colinas Camila Santos Andrade1

Resumo O presente artigo tem como objetivo analisar as iniciativas de cooperação descentralizada a partir do processo de reconstrução pós-genocídio de Ruanda, explorando as áreas de trabalho na criação de capacidades locais. Acredita-se que, com o processo de reconstrução empreendido pelo Governo de Ruanda em diversas dimensões governamentais, houve um cenário propício para maior autonomia dos governos locais, com a criação da Rwanda Association of Local Governments Authorities (RALGA). Para isso, o marco temporal da pesquisa será de 2003 aos dias atuais, com a pretensão de analisar as iniciativas de cooperação internacional descentralizada em Ruanda por meio da RALGA. Será feita uma revisão bibliográfica na temática proposta, além da pesquisa em documentos oficiais de organismos internacionais, de órgãos do Governo de Ruanda e da RALGA. Palavras-chave: Ruanda; Reconstrução; Governos Locais; Cooperação Descentralizada.

Introdução Em 1994, o Estado com pequena extensão territorial situado na região dos Grandes Lagos, na África, esteve sob os holofotes internacionais: o confronto entre hutus e tutsis – grupos étnicos componentes da sociedade ruandesa, construídos ao longo do processo colonial belga – culminou na morte de aproximadamente 800.000 ruandeses (NAÇÕES UNIDAS, 1999). Em suma, um dos países mais pobres do mundo carrega em sua história palavras como colonização, racismo, dominação e genocídio. O evento, o qual marcou uma profunda crise humanitária, não ocorreu como um fato inesperado: existiam indícios relevantes de que as movimentações poderiam levar a um conflito maior (DES FORGES, 1999). Apesar dos sinais existirem desde 1993, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) reconheceu tardiamente que se tratava de um assassinato em massa, com o conflito obtendo o status de genocídio meses após a perpetuação das atrocidades. Com isso, a responsabilidade moral pela proteção de indivíduos teve um papel relevante para as contrapartidas seguintes no processo de reconstrução de Ruanda. Em outras palavras, a intervenção falha das Nações Unidas gerou comoção e visibilidade negativa internacional, sendo as iniciativas 1

Mestranda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina. [email protected]. FAPESC. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

internacionais de reconstrução pós-genocídio uma forma de dirimir o genocídio assistido internacionalmente e os danos causados à população local. Após 20 anos do genocídio, Ruanda ganhou destaque nos estudos de caso e mídias internacionais por conta dos níveis de desenvolvimento e de reconciliação da sociedade, tornandose um modelo de reconstrução. Em relatórios de organismos internacionais, como o do Banco Mundial (2014), Ruanda ganha destaque pelo seu processo de desenvolvimento e crescimento econômico. Atrelado a isso, as iniciativas empreendidas pelo Governo de Ruanda, especialmente no que tange a área territorial-espacial, contribuiu para o emporamento dos governos locais e maior participação nas tomadas de decisão nacional, possibilitando a criação da Rwanda Association of Local Governments Authorities (RALGA) em 2003, organização não governamental com o objetivo de representar os governos locais ruandeses no âmbito nacional, regional e internacional. Com a RALGA os governos locais podem ser representados em fóruns internacionais e redes de cidades, além do estabelecimento de cooperação internacional descentralizada com organismos internacionais, agências de cooperação e com governos locais estrangeiros, gerando desenvolvimento local, regional e capacity building. Apesar de ser um fenômeno reconhecido internacionalmente pela academia e a sua prática disseminada, os estudos voltados para a cooperação internacional descentralizada africana ainda são incipientes,

e não há documentação/publicações

funcionamento/desenvolvimento

da

cooperação

disponíveis internacional

para a

compreensão do

descentralizada

africana,

especialmente em Ruanda. Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo analisar a constituição/desenvolvimento da participação dos governos locais ruandeses no cenário internacional sob a ótica do processo de reconstrução pós-genocídio de Ruanda. Para isso, a Rwanda Association of Local Governments Authorities (RALGA) será considerada na pesquisa como marco temporal para as atividades de cooperação internacional descentralizada em Ruanda, de 2003 aos dias atuais, com a pretensão de analisar elementos que contribuíram para sua criação (como o processo de descentralização política), sua participação em organizações e estabelecimento de cooperação descentralizada. Para isso, será feita uma revisão bibliográfica na temática proposta, além da pesquisa em documentos oficiais de organismos internacionais, do Governo de Ruanda e da RALGA.

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Este artigo é dividido em quatro seções, além da introdução: na primeira seção serão apresentados elementos históricos de Ruanda; na segunda seção serão explorados os elementos constituintes das iniciativas de reconstrução pós-genocídio de Ruanda; a terceira seção busca descrever a cooperação internacional descentralizada em Ruanda por meio da RALGA; e, por fim, serão trazidas as considerações finais sobre o tema proposto. Partido dessa estrutura será possível entender a intensificação das atividades de cooperação descentralizada em Ruanda por meio das iniciativas de reconstrução pós-genocídio, de forma a entender o papel da descentralização política e da criação da RALGA no recorte conjuntural proposto. O objetivo do presente artigo, além do citado anteriormente, é de iluminar os caminhos da paradiplomacia africana e intensificar a produção e o debate acadêmico na temática.

1 No Coração da África: Ruanda Repubulika y’u Rwanda, conhecida comumente como Ruanda, é um Estado com 26.338 km² de extensão territorial (RUANDA, 2015) e 11.776.522 habitantes (GRUPO BANCO MUNDIAL, 2015). Com Uganda, Tanzânia, Burundi e República Democrática do Congo como países limítrofes, o Estado de Mil Colinas situa-se na África Central (África Subsaariana), na região dos Grandes Lagos (RUANDA, 2015), fazendo parte de organizações internacionais como a ONU, e organizações regionais como a Comunidade do Leste Africano (CLA). Considerado como um player emergente na região dos Grandes Lagos e da União Africana (STRAUS; WALDORF, 2011), o Estado ruandês ocupa a quadragésima sexta posição no ranking de países com melhor ambiente e facilidade para fazer negócios. Ademais, um país de renda média e com sua capital sediada em Kigali (GRUPO BANCO MUNDIAL, 2015), a estrutura etária ruandesa é composta majoritariamente por crianças, além das taxas de representação do sexo feminino ser mais altas do que a do sexo masculino em todas as categorias da pirâmide populacional2 (AGÊNCIA DE INTELIGÊNCIA CENTRAL, 2014) – refletindo as consequências do embate de 1994. Após o genocídio, o Estado passou a ter três línguas oficiais: o kinyarwanda (língua nacional), o francês e o inglês (RUANDA, 2003). Em 2008, o Governo de Ruanda adotou políticas

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Segundo a Agência de Inteligência Central (2014), a pirâmide populacional de Ruanda é composta por 42,1% de 0 a 14 anos, seguido por 32,5 de 25 a 54 anos, 18,9% de 15 a 24 anos, 4% de 55-64 e 2,5% de 65 anos para cima. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

nacionais de educação baseando-se no ensino do inglês, não sendo mais ensinado em francês-inglês (RUANDA, 2010), aproximando dos países anglófonos no que tange as relações internacionais. A priorização do inglês como língua de ensino e o contexto no qual Ruanda se encontra atualmente podem ser entendidos melhor por meio da história colonial: “Este legado histórico vai de alguma forma explicar os desafios que Ruanda enfrenta hoje em dia” (RUANDA, 2000, p. 5, tradução nossa). Após a Conferência de Berlim de 1884, que dividiu o continente africano entre os colonizadores europeus, Ruanda ficou sob o comando alemão, sendo incluída a África Leste Alemã; com a nova repartição da África em 1910, “grande parte de Ruanda foi anexada aos países vizinhos”, com “perda de ⅓ do mercado interno e uma grande parte dos seus recursos naturais” (RUANDA, 2000, p. 4, tradução nossa). Com o fim da Primeira Guerra Mundial e a derrota da Alemanha, o comando de Ruanda foi passado para a Bélgica como “território protetorado sob a autoridade da Liga das Nações”, protetorado da ONU a partir da criação desta organização e obteve sua independência em 1962 (RUANDA, 2000, p. 5, tradução nossa). Sob a administração belga foram aplicadas separações étnicas, privilegiando os tutsis aos hutus por terem traços semelhantes aos europeus, construindo a gama para a perpetuação do genocídio

em

1994

(RUANDA,

2000;

ORGANIZAÇÃO

PARA

COOPERAÇÃO

E

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, 2009). A partir da semeação do ódio entre as etnias, após a queda do avião em que estava o presidente Habiyarimana, em 6 de abril de 1994, deu-se início a uma das tragédias mais marcantes da história: o genocídio de Ruanda, culminando em 100 dias de terror - “Este genocídio foi, sem dúvida, uma das piores atrocidades do século passado.” (STRAUS; WALDORF, 2011, p. 3, tradução nossa). Pelo fato de existirem embates posteriores entre tutsis e hutus (especialmente em 1990, o que ocasionou no Acordo de Paz de Arusha), existiam evidências de que havia um planejamento para algo maior (DES FORGES, 1999). Mesmo com a definição do genocídio como crime internacional, por meio da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime do Genocídio em 1948, a ONU não proporcionou respostas imediatas para a contenção das ações genocidas. As transformações na conjuntura internacional, com a saída de um cenário bipolar para unipolar no final da Guerra Fria (WOHLFORTH, 1999), contribuíram não só para o posicionamento e as decisões tomadas no CSNU, mas também para as consequências das ações do Conselho em conflitos intraestatais (o caso de Ruanda, como exemplo). Rezende (2013, p. 12)

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apresenta algumas das implicações da mudança conjuntural no desenvolvimento das funções da ONU, em especial duas: a “inquestionabilidade das políticas estadunidenses” e a ONU “como mantenedora da posição favorável dos Estados Unidos”. Essas implicações são evidenciadas com o reconhecimento de que graves atividades que atingiam o Direito Internacional Humanitário estavam sendo empreendidas e “possíveis atos de genocídio” em julho de 1994 (NAÇÕES UNIDAS, 1994a, p. 2), quando centenas de pessoas já estavam mortas. Em um momento de decisão, o CSNU não se posiciona de forma rápida, influenciado pelos interesses norte-americanos de não engajar forças na África - uma área pertencente da estratégia de desengajamento3 dos Estados Unidos entre 1990 e 20014, principalmente a partir da retirada das tropas na Somália em 1994 (MONTEIRO, 2011). Com isso, a política de desengajamento tem uma relação essencial com a crise de legitimdade da ONU diante o genocídio de Ruanda, perpetuando a dependência da ONU em relação às tomadas de decisão dos Estados Unidos na ascensão da unipolaridade. A ONU utilizava as missões de paz para resolver conflitos entre Estados, mas com o pósguerra fria as mesmas eram comumente usadas para resolver conflitos intraestatais 5 (ou seja, dentro de Estados) (REZENDE, 2012), encaixando-se a atuação da Missão de Assistência das Nações Unidas para Ruanda (UNAMIR) no escopo pós-guerra fria. Diante da repercussão internacional do genocídio, acrescido pela baixa margem de manobra de atuação da UNAMIR, parâmetros de intervenção humanitária foram revisados, com a reflexão por parte da ONU sobre o que deu errado na contenção das atrocidades perpetuadas em Ruanda por meio do Inquérito Independente (Independent Inquiry).

The international community did not prevent the genocide, nor di it stop the killing once the genocide had begun. This failure has left deep wounds within Rwandan society, and in the relationship between Rwanda and the international community, in particular the United Nations. [...] the Independent Enquiry hopes [...] to contribute to prevent similar tragedies from occurring ever again. [...] Acknowledgement of responsibility must also be accompanied by a will for change: a commitment to ensure that 3

O desengajamento é uma das escolhas estratégias empreendida pelo unipolo (os Estados Unidos), não se preocupando com a manutenção do status quo em uma determinada área e “permitindo que outros mudem ao seu favor” (MONTEIRO, 2011, p. 14, tradução nossa). Com o fim da Guerra Fria, a África perde a sua relevância estratégia de equilíbrio de poder, visto na bipolaridade o equilíbrio entre os Estados Unidos e a União Soviética. 4 Os Estados Unidos mantém a estratégia de desengajamento na África entre 2001 e 2005 (MONTEIRO, 2011). 5 A grande questão levantada é se a ONU, por ser uma organização composta por Estados soberanos, não teria a autorização de intervir em questões domésticas dos Estados-membros (REZENDE, 2012, p. 32). I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

catastrophes such as the genocide in Rwanda never occur anywhere in the future. (NAÇÕES UNIDAS, 1999, p. 3). Em consonância, houve uma mobilização de recursos de cunho emergencial humanitário, de reabilitação e desenvolvimento, fazendo com que algumas das ações iniciais sejam patrocinadas/organizadas pela ONU. Por meio das pressões internacionais é vista a necessidade de legitimar os recursos disponibilizados para o desenvolvimento de projetos no que tange a reabilitação e reconstrução de Ruanda, ilustrada como um modelo próspero de desenvolvimento. Segundo as Nações Unidas (1995, s/p, tradução nossa), um “[...] progresso significante tem sido feito por parte do Governo de Ruanda e seus parceiros internacionais para restaurar uma aparência de normalidade no país.”. Com uma campanha midiática favorável, sendo “um modelo para o renascimento africano” (ZAKARIA, 2009, s/p, tradução nossa) e “um caso de alto perfil de reconstrução pós-conflito e pósatrocidade a qual a experiência reverbera para além da África Central” (STAUS; WALDORF, 2011, p. 5, tradução nossa), Ruanda sai da condição de país fora dos holofotes do cenário internacional para o país queridinho das organizações internacionais e da mídia, representando o “símbolo de esperança para o continente africano” (STRAUS; WALDORF, 2011, p. 6, tradução nossa). Ademais, “Nenhum país a simboliza as mudanças na África do que Ruanda. Ele adotou importantes reformas políticas e econômicas. O Banco Mundial agora classifica o país como uma das 10 economias mais aperfeiçoadas do mundo. A agricultura e o turismo estão crescendo.” (AON ONE, 2011, s/p, tradução nossa). Segundo o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (2009), o processo de capacity building6 do Estado ruandês é uma representação de renascimento social, além da urgência da comunidade de doadores do processo ter sucesso. Além disso, é relevante a análise das realizações das atividades durante os quinze anos de processo de reconstrução, sendo Ruanda uma lição de aprendizado para o mundo (ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, 2009). Aliado à propaganda positiva do progresso econômico do país, é vista a preferência de exaltar o sucesso econômico do que falar sobre as questões políticas existentes em Ruanda (COOKE, 2011).

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Para o Programa das nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) (2002, p. 11, tradução nossa), capacity building tem vários significados, sendo o mais apropriado para este artigo uma forma de melhorar as capacidades técnicas de pessoas, fazendo com que “adaptem-se a novas demandas e situações”, estabelecendo assim capacidades locais. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

Ocupando a sétima posição como o país mais lucrativo para se investir em um ranking mundial (ALTMAN, 2014), Ruanda tem obtido grandes progressos, saindo de um cenário de devastação estrutural para a reconstrução e reabilitação, por meio de normas sociais (BANCO MUNDIAL, 2009). Apesar dos números consideráveis e de propagandas em relação à reabilitação, reconstrução e desenvolvimento, para Straus e Waldorf (2011) Ruanda é um caso crítico de análise pela sua condição de passagem de um período de conflito (genocídio), pelo grande fluxo de ajuda internacional para a sua reconstrução desde 1994 e pela sua representação como um modelo pósconflito. Por meio das ações iniciais da ONU (representando suas agências especializadas, organizações e Estados-membros) acrescidas das iniciativas empreendidas pelo Governo de Ruanda, é visto a integração entre as esferas doméstica e internacional, caracterizando assim o modelo de reconstrução pós-genocidio, o que será visto a seguir a partir das iniciativas do Governo de Ruanda.

2 As Iniciativas de Reconstrução Pós-Genocídio

Para entendimento das ações de cooperação internacional descentralizada na lógica do processo de reconstrução pós-genocídio é relevante analisar algumas inicitativas empreendidas pelo Governo de Ruanda que contribuíram para o aparecimento da associação de governos locais (RALGA) e de ações descentralizadas de governos subnacionais. As iniciativas de reconstrução pós-genocídio de Ruanda transitam entre o período de foco para a assistência humanitária e desenvolvimento sustentável (RUANDA, 2000). Por haver a transição em relação ao caráter da ajuda internacional para as iniciativas em Ruanda, não há um consenso entre qual seria o início/final de cada fase, como por exemplo, Kumar e Tardif-Douglin (1996) consideram que no período pós-genocídio (a partir de setembro de 1994) já existiam atividades de reabilitação, reconstrução e desenvolvimento; já no documento da Associação de Desenvolvimento Internacional e o Fundo Monetário Internacional (2000) apresentam políticas macroeconômicas na fase emergencial (95-98), políticas macroeconômicas na fase de transição (982000) e reformas estruturas na fase de transição (98-2000). A partir dos autores supracitados, para a elaboração deste artigo foram consideradas as ações iniciais pós-genocídio com objetivo de reabilitação, reconstrução e desenvolvimento.

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No que tange as iniciativas do plano doméstico, o Governo de Ruanda7 iniciou estratégias para a reconstrução pós-genocídio essencialmente por meio da tentativa de mudança na engenharia social ruandesa, com o objetivo de mudar a maquinaria colonial perpetuadora das atividades genocidas (STRAUS; WALDORF, 2011). Partindo disso, a nova engenharia social do Governo de Ruanda8 é composta por quatro áreas: 1) cultural, 2) econômica, 3) política e 4) território-espacial, com estas áreas interligando-se, assim como as iniciativas aqui citadas. No plano cultural, o Governo de Ruanda buscou modificar a forma como os ruandeses se vêem, saindo da ideia de categorias étnicas para a percepção de uma nacionalidade ruandesa, com base na ideologia de “unidade nacional e reconciliação” (STRAUS, WALDORF, 2011, p. 8). Para auxiliar nesse processo foi organizado um programa de reeducação nacional para se reflexionar sobre o passado nos níveis locais de Ruanda. No plano político, após o genocídio formou-se uma coalizão multi-partite objetivando a demonstração de “reconciliação e cura social” (RUGUMAMU; GBLA, p. 40), constituindo o governo da união nacional, formado pelo Presidente e Primeiro Ministro Hutu e Vice Presidente Tutsi Paul Kagame (atual Presidente de Ruanda) (RUGUMAMU; GBLA, 2003, p. 40). As políticas nacionais de educação, especialmente no que se refere à adoção do inglês como língua de ensino, fazem parte do desenvolvimento de políticas sociais para unidade e reconciliação nacional. Como descrito na seção 1, o ensino em Ruanda passou a ser inicialmente com o kinyarwanda como língua de aprendizagem e o inglês como a nova língua de instrução média (RUANDA, 2010). Além de ser uma forma de redução dos gastos governamentais, essa medida facilita e impulsiona a inserção de Ruanda como player internacional, sendo o inglês “um importante veículo para comércio e desenvolvimento socioeconomico como uma porta de entrada para economia de conhecimento global” (RUANDA, 2010, p. 14, tradução nossa). Com a adoção do inglês como língua de ensino, o Governo de Ruanda aproxima-se das relações anglófonas e afasta-se das relações francófonas, reduzindo o francês a língua adicional (RUANDA, 2010). Isso é um reflexo das políticas empreendidas para a construção de uma nova imagem de Ruanda.

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O governo era composto inicialmente por uma coalizão multipartidária de unidade nacional, inspirada pelos Acordos de Arusha e incluindo Hutu moderados (RUGUMAMU; GBLA, 2003, p. 40). Ademais, na Rwanda Vision 2020 relata que a FPR constituiu o Governo da União Nacional (Government of National Unity - GNU) e a Assembleia Nacional Transicional (Transitional National Assembly), em parceria com outros partidos, com o objetivo de traçar “um novo futuro para Ruanda por meio de instituições democráticas” (RUANDA, 2000, p. 5. Tradução Nossa). 8 Como ressalva, as quatro esferas aqui trabalhadas possuíram diversas políticas adotadas as quais transbordam entre as esferas, sendo de cunho didático para o artigo elencar as principais iniciativas do Governo de Ruanda. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

No plano econômico, para Rugumamu e Gbla (2003), as principais políticas de reconstrução empreendidas pelo Governo de Ruanda foram a Rwanda Vision 2020, a Estratégia de Redução da Pobreza e a Estratégia Nacional de Investimento. Podemos considerar as três políticas supracitadas basicamente econômicas, irradiando para outros setores do Governo de Ruanda. Como exemplo, a Rwanda Vision 2020 (chamada aqui de Vision 2020), constituída por meio de consulta popular entre os anos de 1998 e 1999, tem como objetivo tornar a “economia de Ruanda em país de renda média”, traçando um futuro claro para o país (RUGUMAMU; GBLA, 2003, p. 3, tradução nossa). Para alcançar o objetivo, o documento apresenta três grandes objetivos: 1) a curto prazo, a promoção da estabilidade matroeconômica e a criação de riqueza para diminuir a dependência da ajuda internacional; 2) a médio prazo, a transformação de uma economia agrária para uma economia baseada no conhecimento; e 3) a longo prazo, a criação de uma classe média produtiva e o fomento do empreendedorismo (RUANDA, 2000). Além dos grandes objetivos, a Vision 2020 apresenta seis aspectos-chave (pilares) e interligados a eles, além de áreas transversais que abordam desde a proteção ao meio ambiente até ciência e tecnologia (RUANDA, 2000). Por meio disso, a Vision 2020 abarca uma gama de aŕeas para concretizar o objetivo final de país renda-média, tendo o peso político de guiar outras políticas nacionais em distintas áreas e setores do Governo de Ruanda – a Estratégia de Redução da Pobreza e a Estratégia de Investimento Nacional são exemplos de ramificações (programas de média duração) da Rwanda Vision 2020. Assim como a Vision 2020, a Estratégia de Redução da Pobreza foi concebida por meio de processo consultivo nacional, priorizando seis áreas de trabalhando, elencadas por sua importância: 1) desenvolvimento rural e transformação agricultural; 2) desenvolvimento humano; 3) infraestrutura econômica; 4) governança; 5) desenvolvimento do setor privado; e 6) capacitybuilding institucional (RUANDA, 2002). Já sobre a Estratégia de Investimento Nacional (NIS), citada na Rwanda Vision 2020 e por Rugumamu e Gbla (2003), a mesma não foi encontrada nos endereços de internet do Governo de Ruanda9, sendo a pesquisa muitas vezes direcionada para a Estratégia Nacional de Exportação (NES). No plano território-espacial o Governo de Ruanda adotou medidas para reconfigurar o espaço estatal, como a vilarização (mudança de pessoas para a formação de vilarejos), a 9

Foram visitados sites relacionados com finanças e investimento, como o Ministério da Indústria e Comércio (2015b), o Ministério das Finanças e Planejamento Econômico (2015c), o Institute of Policy Analysis and Research - Rwanda (2015) e o Rwanda Development Board (2015). I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

descentralização política e o redesenho do mapa de Ruanda, modificando cidades, vilarejos, etc (STRAUS; WALDORRF, 2011, p. 9). Pelo genocídio ter sido um ato tão violento e que ocasionou na destruição da infraestrutura e dos créditos das instituições, o Governo viu a oportunidade e justificativa para empreender tais reformas e reconfigurações: “reinventar Ruanda e ruandeses” (STRAUS; WALDORRF, 2011, p. 13). Ademais, é importante ressaltar o papel do processo de descentralização política para o desenvolvimento de políticas locais e maior participação local nos processos decisórios. A descentralização política fez com que espaços locais ganhassem novos significados, irradiando para a área política (delegação de funções para governos locais) e social (empoderamento e maior participação da população). O processo de descentralização em Ruanda iniciou-se em 2000, com o objetivo de inclusão da população no âmbito político, econômico, e bem-estar social (RUANDA, 2001, p. 3). Em uma política historicamente centralizada e com raízes coloniais, a proposta do Governo Central é de reparar alguns problemas existentes até o momento da implementação da política de descentralização, como por exemplo: “1) a capacidade inadequada nos governos locais e centrais; e 2) pouca presença de mulheres e jovens no gerenciamento do sistema político-econômico e administrativo;” (RUANDA, 2001, p. 4, tradução nossa) Na política de descentralização algumas competências são delegadas ou desconcentradas para níveis mais baixos, com o objetivo de eficiência e efetividade na distribuição dos serviços, como no âmbito do comércio local, indústrias de escala pequena, turismo e proteção ambiental, etc (RUANDA, 2001, p. 11). Porém, o Governo Central ruandês ressalta que algumas competências não serão delegadas ou desconcentradas para níveis mais baixos, como o comércio internacional, a formulação de política nacional e a política externa estatal. A partir das iniciativas supracitadas é possível visualizar a estratégia do Governo de Ruanda para alcançar sua meta final, a de ser um país de renda média. Ademais, a utilização de uma nova engenharia social não apenas pretende conter novas tentativas de genocídio, mas também posicionar estrategicamente Ruanda como global player, resignificando o papel do Estado na região dos Grandes Lados e no cenário internacional.

3 A Cooperação Internacional Descentralizada em Ruanda

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A cooperação internacional descentralizada em Ruanda é um fenômeno visto sob a ótica do processo de reconstrução pós-genocídio, sendo percebida sua intensificação por meio do cenário internacional propício para tal (com países da região criando associações de governos locais, por exemplo) e de iniciativas de reconstrução empreendidas pelo Governo de Ruanda. Para uma breve análise, por meio das ações da RALGA, inicialmente é necessário estabelecer alguns marcos conceituais sobre a concepção de cooperação internacional descentralizada, entendendo a mesma dentro da lógica da cooperação internacional para o desenvolvimento. Em um contexto de final da Segunda Guerra Mundial, a cooperação internacional para o desenvolvimento ganhou ênfase a partir das atividades de ajuda externa internacional (AYLLÓN, 2006). Esta prática foi influenciada pelos desdobramentos históricos, como a configuração da bipolaridade e o conflito Leste-Oeste/Norte-Sul; o processo de descolonização na África e o aparecimento do Terceiro Mundo; e as dinâmicas da globalização e integração econômica (AYLLÓN, 2006). Pensando nisso, entende-se como cooperação internacional para o desenvolvimento

Conjunto de atuações de caráter internacional realizadas pelos atores públicos e privados, entre países de diferentes níveis de renda, para promover o progresso econômico e social dos Países em Vias de Desenvolvimento (PVD), e conseguir um progresso mais justo e equilibrado no mundo, com o objetivo de construir um planeta mais seguro e pacífico (AYLLÓN, 2006, p. 7). Em uma lógica hierárquica, ou seja, da assistência proveniente do Norte para o Sul, a partir dos anos de 1960, os países que a forneciam (a partir do Plano Marshall, considerado como marco do início da cooperação internacional para o desenvolvimento) eram considerados doadores e os países que recebiam a ajuda (alguns deles recém-independentes e dependentes da ajuda) eram considerados receptores (SOUZA, 2014). Os processos de globalização, o aparecimento de novos Estados independentes e a intensificação dos debates sobre o desenvolvimento possibilitou uma nova lógica para a cooperação internacional, com a aproximação e participação dos países do Terceiro Mundo em uma cooperação horizontal e simétrica, ou seja, entre países do Sul (considerada como Sul-Sul, entre países considerados menos desenvolvidos), sem que a lógica anterior desaparecesse. Com isso, a cooperação internacional para o desenvolvimento torna-se mais

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complexa, com uma gama de áreas de trabalho e com a possibilidade da mudança de países da condição de doadores para receptores e vice-versa (SOUZA, 2014). Dentro da lógica da cooperação internacional para o desenvolvimento, o termo cooperação internacional descentralizada tem seu surgimento associado à Quarta Convenção de Lomé, em 1989, sendo esperado “to be an innovation on the micro projects approach introduced under Lome 1 (1975-80)” (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2008, p. 1). Mesmo com indícios de atividades anteriores, a cooperação internacional descentralizada teve sua intensificação no plano internacional a partir da década de 1980, coincidindo com o contexto histórico do pósguerra fria, além da “reavaliação da Cooperação para o Desenvolvimento de maneira geral, e também com o fortalecimento da chamada Cooperação Sul-Sul, outra das dimensões específicas da Cooperação para o Desenvolvimento.” (DESSOTTI, 2009, p. 10). Ademais,

Entende-se que a cooperação descentralizada é reflexo de quatro processos, que, de alguma forma, podem ser considerados interligados ou complementares: i) o processo de globalização; ii) as novas dinâmicas de cooperação internacional; iii) o crescimento da inserção internacional das cidades; e iv) as novas configurações das ações para o desenvolvimento das localidades.” (DESSOTTI, 2009, p. 2). A prática descentralizada proporciona aos governos locais atuar com maior autonomia em relação às necessidades locais, sendo uma fonte de aumento de participação democrática, de governança

e

de

responsabilidade

de

desenvolvimento

local10

(UNITED

NATIONS

DEVELOPMENT PROGRAMME, 2008). A cooperação internacional descentralizada é uma dimensão da paradiplomacia, constituída por relações bilaterais e multilaterais entre governos subnacionais dentro do marco da cooperação para o desenvolvimento (SALOMÓN, 2012b). Como forma de atuação de governo subnacionais, entende-se a paradiplomacia como a participação dos governos locais e regionais na formulação e implementação de política externa, sendo uma característica institucionalizada de políticas de governos democráticos (KINCAID, 2015). Pelo fato de as conferências e fóruns internacionais proporcionarem espaços de conexão entre os governos subnacionais (ou seja, o governo municipal e estadual), gestores com atuação nesses níveis utilizam-se dos mesmos para contribuir para o desenvolvimento local e o

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Como ressalva, é pressuposta uma maior autonomia e participação democrática nas práticas paradiplomáticas no plano teórico, variando conforme a estrutura governamental de cada país. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

compartilhamento de boas práticas. Esta prática abrange diferentes temas e em áreas de trabalho, como a promoção comercial e econômica, o city marketing, a captação de recursos e a cooperação internacional descentralizada (SALOMÓN, 2012a). A intensificação das práticas de cooperação descentralizada pode ser entendida por dois elementos: a ascensão de governos subnacionais no cenário internacional (elaborando e implementando a política externa subnacional) e o desenvolvimento de mecanismos para o êxito da cooperação para o desenvolvimento (SALOMÓN, 2012b). Por ser articulada no marco da cooperação para o desenvolvimento, a cooperação descentralizada é considerada como uma via potencial de geração de desenvolvimento local e nacional, sendo incentivada por relações bilaterais e multilaterais (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2008). Por meio da transferência de tecnologia, de conhecimento, de patrocínio de projetos e a disseminação de boas práticas, a cooperação internacional descentralizada tende a propiciar impactos locais a partir das próprias instâncias locais. Apesar de a cooperação descentralizada ser considerada uma via potencial de desenvolvimento, há autores, como Milani e Loureiro (2013), que trazem um olhar crítico às práticas que utilizam o desenvolvimento local em seu discurso. A cooperação internacional para o desenvolvimento possui

[...] ideologias forjadas e refinadas no Ocidente com o objetivo de manter e reproduzir estruturas de dominação econômica, cultural e política, [...]. Nesse sentido, a cooperação seria o instrumento de poder (soft power), por excelência, de intervenção do Ocidente no Terceiro Mundo [...]. (MILANI; LOUREIRO, 2013, pp. 236-237). Já no caso Ruandês, uma maior intensificação da cooperação internacional descentralizada é percebida a partir do processo de descentralização política e da criação de uma associação local11. A política de descentralização foi composta em três fases: a desconcentração, a delegação e a devolução12. Visto na seção anterior, com a política de descentralização algumas competências

11

Em documentos que retratam o contexto que contribuiu para a ascensão de representações de governos locais, como em Ruanda e na África do Sul, a descentralização política é elencada como um elemento para a criação de associações de governos locais (RWANDA ASSOCIATION OF LOCAL GOVERNMENTS AUTHORITIES, 2015b). 12 Como nota de conhecimento, a devolução acontece quando o governo central confere capacidades para as comunidades locais, com o objetivo de empoderamento e participação político-popular, com a delegação interorganizacional de responsabilidades e de autoridade discrecionária. A desconcentração tem como objetivo melhorar a eficiência e efetividade do sistema administrativo central, com a transferência intraorganizacional de I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

são delegadas para os governos subnacionais, sendo algumas (como relações exteriores) de responsabilidade do Governo Central. Rodrigues (2008, p. 1015) elucida o debate acadêmico da legitimidade da política externa subnacional afirmando que quem costuma deter o monopólio da formulação de políticas públicas é o Estado. Isso faz com que haja debates sobre o fenômeno da atuação de governos subnacionais no cenário internacional e a produção acadêmica contribuindo para o fomento do mesmo a partir da década de 1980. No caso específico de Ruanda as entidades administrativas descentralizadas com personalidade legal (no caso, a Cidade de Kigali e o distrito) são “as bases para desenvolvimento da comunidade e têm autonomia financeira e administrativa” (RUANDA, 2013, p. 3, tradução nossa). A institucionalização das relações cooperação de forma descentralizada só ocorreu a partir de 2013, de acordo com o artigo 83 da Lei Nº 87/2013,

Decentralized administrative entities with legal personality shall have the right to engage in cooperation relationships with foreign Districts, Provinces and Cities after prior notification to the Minister in charge of Local Government and the Minister in charge of foreign affairs. (RUANDA, 2013, p. 73-74). A partir desse cenário, a Rwanda Association of Local Governments Authorities (RALGA) – uma organização não governamental de abrangência nacional, apesar de seus membros serem instituições públicas13 –, teve como o processo de descentralização política em Ruanda, referido anteriormente, como um elemento relevante para a criação oficial dessa instituição, em 2003. Esse organismo tem o poder de representar seus membros dentro do Estado e internacionalmente (RWANDA ASSOCIATION OF LOCAL GOVERNMENTS AUTHORITIES, 2015b, p. 1), com mandato indefinido e sede na capital de Ruanda (Kigali) (RWANDA ASSOCIATION OF LOCAL GOVERNMENTS AUTHORITIES, 2013). No contexto de descentralização política, a RALGA foi criada com o objetivo de “to assist local Government entities in achieving their mission, complying with principles of good governance responsabilidades. As federações se relacionam com a delimitação de responsabilidades entre a entidade do nível nacional e a entidade do nível meso ou regional, utilizando o princípio de não-centralização constitucional (OLOWU, 2001, p. 3). 13 A RALGA é constituída por trinta (30) distritos ruandeses e a Cidade de Kigali. Justificando sua atuação, “The move is within the framework of good political and economic governance as formulated in the long term country’s vision 2020.” (RWANDA ASSOCIATION OF LOCAL GOVERNMENTS AUTHORITIES, 2015, s/p). Pensando na conjuntura da criação da RALGA, a pesquisa de campo permitirá saber os elementos, além da descentralização política, que motivaram a criação da mesma e sua atuação representando as instituições públicas. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

and

decentralization.”

(RWANDA

ASSOCIATION

OF

LOCAL

GOVERNMENTS

AUTHORITIES, 2013). Ademais, a “RALGA is responsible for strengthening collaboration between Rwanda local Government entities among themselves and with foreign local Government entities.” (RWANDA ASSOCIATION OF LOCAL GOVERNMENTS AUTHORITIES, 2015a, s/p). Sintetizando, a criação da RALGA foi impulsionada pela busca de geração de capacidades locais e boa governança dos governos locais, além de maior cooperação/relação com atores externos. Os programas da associação situam-se em três grandes áreas dentro da lógica da cooperação internacional descentralizada: capacity building14, lobby e advocacy. Objetivando lograr avanços nas três grandes áreas, a RALGA estabelece parcerias com instituições internacionais, tais como organizações,

agências de cooperação, promovendo assim a cooperação internacional

descentralizada. Alguns dos parceiros da RALGA são: Swedish International Development Cooperation Agency (SIDA), Swiss Agency for Development and Cooperation (SDC), VGN International, Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ), Canadian International Development Agency (CIDA) e United Nations Population Fund (UNFPA). Além dos programas, a RALGA possui projetos em parceria com o UNFPA (UNFPA Project), com o Fundo Global (AIDS) e um projeto voltado para questões de gênero. O plano estratégico da Rwandese Association of Local Government Authorities (2006, p. 9, tradução nossa)15 ressalta o estreitamento das “relações entre as associações de governos locais nacionais da Suécia (SALA) e Holanda (VGN), como resultado da participação dos mesmos na criação da RALGA”. Ademais, a RALGA participa de fóruns internacionais em consonância com seu programa de capacity building, proporcionando aos governos locais trocas de experiências, com influências

e

aprendizado

recíproco

(RWANDESE

ASSOCIATION

OF

LOCAL

GOVERNMENTS AUTHORITIES, 2006, p. 9). Como exemplos de fóruns internacionais em que a RALGA participa ativamente, pode-se indicar: United Cities and Local Governments of Africa (UCLGA), United Cities and Local Governments (UCLG), International Council of Local Environmental Initiatives (ICLEI-Africa) e 14

Para o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) (2002, p. 11, tradução nossa), capacity building tem vários significados, sendo o mais apropriado para este artigo uma forma de melhorar as capacidades técnicas de pessoas, fazendo com que “adaptem-se a novas demandas e situações”, estabelecendo assim capacidades locais – ou seja, capacitação de recursos humanos. 15 A Rwanda Association of Local Governments Authorities e a Rwandese Association of Local Government Authorities são a mesma organização. Houve a mudança de nome, mas não há documentação que relate a transição da nomenclatura, apenas documentos oficiais com os dois nomes. Atualmente é utilizada a primeira nomeação. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

East African Local Government Association (EALGA) (RWANDESE ASSOCIATION OF LOCAL GOVERNMENTS AUTHORITIES, 2006, p. 9). Apesar da sua recente criação, a RALGA vem articulando espaços no cenário intraestatal, regional e internacional, de forma a contribuir para o empoderamento e desenvolvimento de relações entre governos locais ruandeses e governos locais de outros países. Com respeito à cooperação internacional descentralizada dos governos subnacionais ruandeses independentes específicos não foram encontradas até agora informações online relevantes, de qualquer natureza, seja bibliográfica ou documental, capazes de permitir a percepção – ainda que em traços gerais e preliminares – da cooperação internacional descentralizada protagonizada por governos locais ruandeses. Por conta disso, foram enviados e-mails para órgãos do Governo de Ruanda, objetivando solicitar informações sobre atores envolvidos com a problemática dos níveis locais de gestão pública e dos projetos empreendidos por esses governos. Houve a confirmação de relação entre distritos ruandeses e cidades estrangeiras, mas ainda sem documentação prévia que paute a pesquisa. Pensando nisso, será feita uma pesquisa de campo para descrever e explorar a cooperação internacional descentralizada em novembro, de forma a contribuir para o fomento de debates acadêmicos referentes à cooperação internacional descentralizada na África e maior conhecimento sobre a mesma.

Considerações Finais A análise do processo de reconstrução pós-genocídio em Ruanda proporciona o entendimento das interações e ações contemporâneas do país em relação ao cenário internaiconal. A partir das políticas empreendidas pelo Governo de Ruanda, especialmente no âmbito territórioespacial, é possível visualizar uma intensificação nas atividades descentralizadas dos governos subnacionais por meio da RALGA. Entender o processo de reconstrução pós-genocídio dá sentido as dinâmicas contemporâneas vistas em Ruanda, seja por meio do crescimento econômico como em estreitamento de relações internacionais (buscando ser regional player). Como foi visto, a RALGA possibilitou parcerias entre organismos internacionais, agências de cooperação internacional e a participação em redes de cidades e fúruns internacionais, contribuindo para otimização dos processos administrativos, de recursos humanos e outras áreas no âmbito internacional. Vale ressaltar a abertura do Governo Central para as atividades de cooperação I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

internacional descentralizada desenvolvidas pela RALGA, levando em conta a primazia ainda existente de derminadas áras de competência do Governo Central, como a formulação de política externa. Ademais, com este artigo foi evidenciada a produção incipiente dos aspectos da cooperação internacional descentralizada voltados para a África, com poucas produções acadêmicas referente à linha histórica da iniciação das atividades internacionais descentralizadas no continente, além de poucos estudos de caso, majoritariamente visto como maior produção acadêmica sobre a África do Sul (com uma associação de governos locais significativamente ativa). Cabe ressaltar a importância da análise de conjuntura continental, regional e nacional sobre o tema proposto nesse artigo com o objetivo de disseminar as boas práticas, informar a comunidade acadêmica e sociedade civil, além da promoção de maiores debates no âmbito de desenvolvimento local e regional, capacity building e o empoderamento de governos locais por meio de processos institucionais. Sendo assim, para os cenários futuros da cooperação internacional descentralizada africana e ruandesa, uma análise de conjuntura histórica e estudos de casos sobre países africanos serão significativos para desenvolvimento de um arcabouço teórico sobre a temática proposta, possibilidades para uma nova pauta para pesquisa.

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