O Processo Judicial Eletrônico (PJe) à Luz da Teoria Sistêmica de Niklas Luhmann

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O PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO (PJE) À LUZ DA TEORIA SISTÊMICA DE NIKLAS LUHMANN. Por Ricardo Betiatto O objetivo deste artigo é dirigir um olhar para o Processo Judicial eletrônico (PJe) e enquadrá-lo segundo à Teoria Sistêmica de Niklas Luhmann. O Processo Judicial Eletrônico – que, a partir desse momento, será referido apenas como Pje – foi implantado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tendo como parceiros os Tribunais e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Com o intuito de unifcar as esferas nacional, estadual e municipal da justiça, tal sistema foi implantado em 2011, não obstante devesse ser considerado no momento da implantação – e possivelmente até o presente momento – como sendo uma “versão beta” (versão de teste), haja vista se encontrar incompleto, inconsistente e estar sofrendo inúmeras atualizações constantemente, o que resultam não só na instabilidade do sistema, mas também no descrédito, desconforto e baixa efciência daqueles que o operam. Segundo o CNJ, o objetivo do Pje é reduzir o tempo que levaria para se chegar à decisão fnal.1 Algumas palavras retiradas da apresentação do sistema no sítio do CNJ indicando os benefícios oferecidos por esse sistema nos dão algumas pistas de como se alcançará – ou se pretende alcançar - tal diminuição no tempo de tramitação: extinguindo; suprimindo; eliminando; otimizando (sic); automatizando2. Todavia, parece haver algo ainda não tão bem resolvido no que tange ao dispositivo comunicativo sistema-processo-direito. Um trecho extraído do sítio do CNJ explicita bem o paradoxo do Pje e que vai ser explorado neste artigo, bem como seu entendimento à luz da teoria de Niklas Luhamnn: Embora seja apenas um meio, o processo eletrônico traz algumas mudanças signifcativas na gestão dos tribunais. Há uma verdadeira revolução na forma de trabalhar o processo judicial. A essa revolução deve corresponder uma revisão das rotinas e práticas tradicionais, porquanto o que havia antes deve adaptar-se à nova realidade. 3

A Teoria do Sistema proposta por Luhmann consiste em entender a sociedade como sendo formada por diferentes sistemas, ao mesmo tempo fechados – autopiéticos e 1 Processo Judicial Eletrônico (Pje). http://www.cnj.jus.br/tecnologia-da-informacao/processo-judicial-eletronicopje. Acessado em: 08 Set 2015. 2 Ibidem. 3 Ibidem.

autorreferenciais, reproduzindo-se e se auto-organizando por meio da comunicação especializada, própria de seu sistema – e abertos – trocam informação com o meio, sofrem infuência do meio e de outros sistemas, operando no sentido de diminuir a complexidade, ou seja, reduzir as probabilidades, o que pode ser conseguido - quando a complexidade é extremada - a partir de sub-sistemas que trabalharão no mesmo sentido de diminuir a complexidade cada um deles, dentro do sistema principal. Outro artifício utilizado pelos sistemas é a da complexão de expectativas. Atuando como um “enfeixamento” de expectativas – seja por intermédio dos papéis, seja pelos programas – que fará com que se tratem expectativas de uma forma não individual, não a determinada pessoa, mas a determinados papéis a serem cumpridos na sociedade4. Um dos sistemas que Niklas Luhmann elenca é o direito, que opera segundo o código binário lícito/ilícito, que seria a única comunicação aceito dentro do sistema e que seria responsável por fazê-lo um sistema fechado. É fato também que o direito sofre infuências externas, do mesmo modo que ocorre com os sistemas econômico e político, por exemplo, e são essas infuências que também o confguram como um sistema aberto. Contudo, há de se esclarecer, que, mesmo a infuência partindo de outros sistemas, quando operar-se dentro do sistema do direito, sempre obedecerá a regra de comunicação diferenciada e específca deste sistema, qual seja, o lícito-ilícito. Sendo, portanto, uma das tarefas do sistema a redução da complexidade, proporcionando aumento no atendimento às expectativas e consequente diminuição dos desapontamentos, por meio da estabilização normativa. Contudo, se o direito processual diretamente ligado ao Pje e que é, a priori, a base fundamental sobre a qual se ergue o Processo Judicial Eletrônico – deve ser entendido como um dispositivo garantidor da expectativa do sujeito, como extensão disso o Pje deveria ser uma garantia da realização da expectativa processual.5 Dessa forma, a expectativa do sistema Pje é que se diminua o desencantamento por meio da estabilização das expectativas normativas 6, seja pela redução da duração do trâmite processual, seja pela eliminação de etapas, seja pela facilidade de acesso. Ressalte-se que tais pretensas melhorias proporcionadas pelo sistema PJe ocorrem após serem vencidas algumas etapas, permanentes ou temporárias: o usuário do sistema deve estar devidamente certifcado 4 LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983. p. 101. 5 LIMA, Fernando Rister de Sousa. Sociologia do Direito: O Direito e o Processo à Luz da Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann. Curitiba: Juruá, 2012. p. 42. 6 Ibidem, p. 78.

digitalmente; o equipamento deve estar corretamente confgurado e com determinados programas atualizados para o acesso ao sistema, de acordo com as determinações do CNJ; o sistema cumpre a expectativa de estar funcionando com considerável rapidez, sem “travamentos” e estável. Expectativas estas que, não raro, são frustradas. Se entendermos que o Pje é um sistema em que só podem ser executadas tarefas prédeterminadas, podemos entender que ele atua como um redutor das possibilidades procedimentais, diminuindo a chance de que sejam executados procedimentos de forma equivocada. Quando da juntada de um documento, por exemplo, já está previamente determinado pelo sistema o procedimento a ser executado, não podendo ser feito de forma diversa e não havendo a possibilidade de se juntar documento (ou classifcar o documento) diversamente das opções já elencadas. A discussão passa a ser, então, se o sistema proporciona todas as possibilidades para todas as áreas da justiça, sem ocasionar decepções quando da juntada de um documento, ou na qualifcação de uma parte, ou, ainda, no ajuizamento de uma ação que não possua referência no sistema. Como o sistema foi baseado no Código de Processo Civil de 1973 ele não contempla algumas situações encontradas na Justiça do Trabalho que, apesar de utilizar-se supletivamente do CPC (art. 769, CLT)7, tem suas regras processuais primárias elencadas na Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943. A partir disso, mais um problema surge, que é a introdução do novo CPC, de 2015, que terá sua “vacatio legis” terminada em março de 2016, quando entrará em vigor e trará novos elementos processuais não previstos no Pje e, mais importante e preocupante, não foi pensado para ser aplicado em um ambiente digital, apesar de sua pretensa modernidade, haja vista ter surgido em um ambiente amplamente diverso daquele em que surgiu o CPC de 1973. O Juiz do Trabalho Jorge Luiz Souto Maior, em seu artigo “O confito entre o novo CPC e o processo do trabalho”, destaca algumas anomalias do novo CPC: Os exemplos de dispositivos inúteis no Código são tantos que seria preciso elaborar outro texto (bastante grande) apenas para descrevê-los. De todo modo, não posso me furtar de apresentar alguns exemplos, dos quais o art. 208 se destaca: “Art. 208. Os termos de juntada, vista, conclusão e outros semelhantes constarão de notas datadas e rubricadas pelo escrivão ou pelo chefe de secretaria.”8

Tal artigo ainda trata de termos como juntadas datadas e rubricadas pelo escrivão, 7 Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título. Art. 769 da CLT (Decreto-Lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943) 8 O confito entre o novo CPC e o processo do trabalho. Disponível em: http://www.anamatra.org.br/index.php/artigos/o-confito-entre-o-novo-cpc-e-o-processo-do-trabalho. Acessado em: 30 Out 2015.

sabendo-se que a juntada é realizada não mais de uma forma manual por meio da anexação de um documento em papel, mas de forma digital, em um ambiente virtual e por meio não de uma rubrica do escrivão, mas de uma assinatura digital realizada por dispositivo próprio (token) e mediante senha. Ora, algo parece estar se encaminhado em caminho diametralmente oposto ao que se pretende. Se o Pje surge tendo por base o Código de Processo Civil de 1973, ou seja, da adaptação de um código de uma era onde não havia nada que se aproximasse da era digital que se vive atualmente, e, quando este código é enfm atualizado, ele não prevê uma atuação em ambiente digital, procurando se formatar e se remanejar de tal forma que possa se utilizar das características e instrumentos que o ambiente digital proporciona, fcará cada vez mais longe a pretensão de “uma verdadeira revolução na forma de trabalhar o processo judicial” para se chegar a uma decisão fnal em menor tempo, como o CNJ prenunciou. A pretensão de autorreferência do direito e especifcamente do Pje, como um subsistema do direito processual, não vem sendo verifcada, haja vista teria sido preciso prever um Código de Processo Civil que contemplasse as possibilidades de atuação em um ambiente diverso daquele que tem sido utilizado nos últimos dois séculos, sendo necessário, portanto, não somente uma aplicação de um subsistema em outro, mas a tradução – ou previsão de aplicação – de regras da informática, com vistas a um ambiente virtual, em normas processuais e vice-versa. O ambiente virtual do Pje foi criado sem uma arquitetura sólida e ao mesmo tempo fexível e dessa forma foi inserida “à forceps” no ambiente processual. Da mesma forma normas processuais - que muitas vezes não produzem nenhuma lógica em um ambiente digital – continuam presentes até mesmo nos códigos mais recentes, tendo de ser ignoradas e fazendo com que os operadores do sistema tenham de criar soluções temporárias, não normatizadas, para suprir a defciência e incompatibilidade de linguagem dos dois subsistemas.

REFERÊNCIAS LIMA, Fernando Rister de Sousa. Sociologia do Direito: O Direito e o Processo à Luz da Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann. Curitiba: Juruá, 2012. LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983.

MAIOR, Jorge Luiz Souto. O confito entre o novo CPC e o processo do trabalho. Disponível em: http://www.anamatra.org.br/index.php/artigos/o-confito-entre-o-novo-cpc-e-oprocesso-do-trabalho. Acessado em: 30 Out 2015. P r o c e s s o J u d i c i a l E l e t r ô n i c o ( P j e ) . http://www.cnj.jus.br/tecnologia-dainformacao/processo-judicial-eletronico-pje. Acessado em: 08 Set 2015.

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