O Programa Espacial Brasileiro e a Cooperação em Ciência e Tecnologia Espacial com a China no BRICS – O exemplo do programa CBERS

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Curso de Relações Internacionais Instituto de Humanidades

O Programa Espacial Brasileiro e a Cooperação em Ciência e Tecnologia Espacial com a China no BRICS – O exemplo do programa CBERS

Monografia II Michael Hugo Barroso Rodrigues Rocha Matrícula: 10290901

Rio de Janeiro Junho, 2014

Michael Hugo Barroso Rodrigues Rocha

O Programa Espacial Brasileiro e a Cooperação em Ciência e Tecnologia Espacial com a China no BRICS – O exemplo do programa CBERS

Pesquisa apresentada à disciplina de Monografia II, como requisito para elaboração da monografia de conclusão do curso de graduação em Relações Internacionais, tendo como orientador de conteúdo o Prof. Bruno Rosi

UCAM - IUPERJ Rio de Janeiro Junho, 2014

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Agradecimentos

Agradeço principalmente à minha família, que muito me ajudou e me apoiou nos momentos difíceis e de ansiedade, apesar do obstáculo imposto pela distância e curta frequência de nossos encontros nos últimos meses desde sua mudança para o interior, e que me deu o privilégio e a preparação necessária para poder chegar até aqui, de onde tenho certeza que serei eternamente grato por seus ensinamentos, amor e cuidados desde que vim ao mundo e me lembrarei sempre de todos com muito carinho: meu avô José Rodrigues, minha avó Vera Lúcia, minha mãe Ana Paula e minha irmã Maria Luiza, assim como de meu irmão Andrew, meus avós paternos Célia e Gilberto, meu pai Henry, e de todos os outros com os quais gostaria de poder passar mais tempo junto. Da mesma forma, sou eternamente grato à minha fiel e amada companheira Morgana e a meus grandes amigos Marcelle, André, Ísis, Pietro, Letícia, Gabriel, Tamires, Cássio e todos os outros que fazem meus dias mais felizes, me inspiram e me encorajaram a seguir sempre em frente na vida acadêmica e profissional, assim como a todos meus colegas de trabalho. Agradeço também a meu orientador Bruno Rosi e a meus excelentes professores João Ricardo Viegas, Natalia Rayol Fontoura, Miguel Borba de Sá, Mayra Goulart, Guilherme Bystronski, Ivi Elias e Jorge Moreira, assim como a meu “professor particular” Anderson Almeida, pelas valiosíssimas lições e conhecimentos trocados em aulas animadas e debates acalorados nesses últimos quatro anos de vida acadêmica. A todos vocês, muito obrigado por tudo!

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“A nação que tiver domínio da tecnologia espacial terá domínio na economia.” – Wernher von Braun, engenheiro aeroespacial.

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RESUMO

A partir de uma abordagem histórica da chamada Era Espacial desde seu marco inicial, o lançamento do primeiro satélite artificial do mundo Sputnik 1 pela União Soviética, e das relações políticas entre Brasil e China, o presente trabalho procura discutir de maneira breve e teórica o atual programa de cooperação bilateral CBERS (China-Brasil Earth Resources Satellite, ou Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres) e sua relevância para o desenvolvimento científico-tecnológico dos dois Estados. Este estudo visa, acima de tudo, reafirmar a importância do projeto, citado mundialmente como exemplo de cooperação Sul-Sul, no aperfeiçoamento da capacidade de produção de satélites e processamento de dados dos institutos especializados brasileiros e chineses, assim como realçar a necessidade de maiores investimentos nesse setor estratégico frente às presentes dificuldades, não apenas no programa CBERS, mas também em outros possíveis empreendimentos bi ou multilaterais, dentro e fora do âmbito do BRICS.

ABSTRACT

From a historical approach of the so called Space Era since its initial milestone, the launch of the world’s first artificial satellite Sputnik 1 by the USSR, and from the political relations between Brazil and China, this paper seeks to discuss in a brief and theoretical manner the ongoing bilateral cooperation program CBERS (China-Brazil Earth Resources Satellite) and its relevance to the scientific and technological development of both States. This study seeks above all to reaffirm the importance of this project, cited worldwide as an example of South-South cooperation, to the improvement of the Brazilian and Chinese satellite production and data processing capabilities, highlighting the importance of greater investment in this strategic sector, not only in CBERS but in other possible bi or multilateral joint ventures too, inside or outside the scope of BRICS.

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Sumário

Agradecimentos ..................................................................................................................... 3 RESUMO ............................................................................................................................... 5 ABSTRACT .......................................................................................................................... 5 Sumário .................................................................................................................................. 6 Apresentação ......................................................................................................................... 8 Introdução .......................................................................................................................... 8 Delimitação do Tema ........................................................................................................ 9 Justificativa ...................................................................................................................... 10 Objetivos .......................................................................................................................... 11 Metodologia ..................................................................................................................... 12 Revisão bibliográfica ...................................................................................................... 12 Conteúdo .............................................................................................................................. 13 1-

Capítulo 1: Teoria de cooperação internacional .................................................... 13

1.1

Definição e paradigmas inerentes ao debate ...................................................... 13

1.1.1

O sistema internacional anárquico .............................................................. 13

1.1.2

Segurança coletiva........................................................................................ 15

1.1.3

Dilema de segurança e teoria dos jogos ...................................................... 17

1.2

Visões otimistas – Liberalismo ........................................................................... 20

1.3

Visões pessimistas – Realismo............................................................................ 21

2-

Capítulo 2: A era espacial no mundo e no Brasil .................................................. 24

2.1

Contexto internacional ......................................................................................... 25

2.1.1

Histórico e motivações iniciais .................................................................... 25

2.1.2

Institucionalização e reconversão ................................................................ 27

2.2

Contexto nacional ................................................................................................ 32

2.2.1

Histórico e motivações iniciais .................................................................... 32 6

2.2.2

Institucionalização e reconversão ................................................................ 33

2.2.3

Desafios enfrentados .................................................................................... 36

Capítulo 3: Cooperação com a China – O caso CBERS e seus resultados .......... 39

33.1

China-Brazil Earth Resources Satellite (CBERS) ............................................. 39

3.1.1

Histórico ........................................................................................................ 39

3.1.2

Resultados ..................................................................................................... 40

3.2

Implicações na política externa brasileira e na comunidade internacional ...... 41

3.2.1

Pontos positivos ............................................................................................ 41

3.2.2

Pontos negativos ........................................................................................... 45

Considerações finais ........................................................................................................... 47 Referências bibliográficas .................................................................................................. 50 Apêndices ............................................................................................................................ 55 Apêndice A – Siglas e acrônimos................................................................................... 55 Apêndice B – Datas importantes .................................................................................... 56 Anexos ................................................................................................................................. 58 Anexo A – Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, inclusive a Lua e Demais Corpos Celestes de 1967 .................................................................................................................................. 58 Anexo B – Acordo em Cooperação Científica e Tecnológica de 1982 ....................... 63 Cronograma ......................................................................................................................... 67

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Apresentaçao Introdução Um dos mais promissores agrupamentos de países na atualidade, o BRICS é constituído inicialmente por Brasil, Rússia, Índia e China e, mais recentemente, África do Sul, nações que emprestam suas iniciais ao acrônimo criado no início do século pelo economista britânico Jim O’Neil em uma de suas publicações, “Building Better Global economic BRICs” 1 , para se referir ao grupo de países emergentes de economias e trajetórias políticas promissoras. A respeito de seu potencial e rápidos índices de crescimento, há estudos que demonstram a possibilidade destes países assumirem uma posição significativa no cenário internacional num futuro próximo. Partindo de cálculos tomando por base o PIB do grupo em dólares americanos, especula-se que as economias do mesmo possam ultrapassar as do G7, por exemplo, por volta de 2027 2 , embora previsões menos otimistas baseadas em projeções demográficas, modelos de acumulação de capital e crescimento de produtividade suponham que somente em 2050 os membros do BRICS poderão figurar como as maiores economias do mundo 3. Com esse cenário como pano de fundo e tendo em vista sua grande extensão territorial (respondendo por mais de 25% da área terrestre do planeta 4), vem à tona a preocupação de defender seu território, proteger suas fronteiras, controlar a exploração de recursos através de mapeamento constante de áreas vigiadas, estudar com detalhes locais de difícil acesso e outras necessidades de modo a exercer de fato sua soberania enquanto Estados autônomos e independentes no sistema internacional anárquico. A cooperação internacional nesse assunto é muito importante, pois ajuda a desenvolver áreas afins, como tecnologia aeronáutica e aeroespacial, cuja produção e pesquisa no Brasil está

Jim O’Neill é um economista britânico e atual chefe de pesquisas em economia global no Grupo Goldman Sachs Inc.. É bastante conhecido por ter introduzido o termo “BRIC(S)” no meio acadêmico, citado pela primeira vez em sua publicação Building Better Economic BRICs. (Goldman Sachs Global Economics Paper No. 66, 30 nov. 2001). 2 Para mais detalhes, ver AHMED (2011) e FOROOHAR (2009) 3 PURUSHOTHAMAN, Dominic Wilson R. Dreaming With BRICs: The Path to 2050. Goldman Sachs Global Economics Paper No. 99, 2003. 4 Dados retirados do site http://geography.about.com/od/geographyglossaryb/g/ggbric.htm 1

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fortemente vinculada à Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) 5 (e que, a exemplo da americana Boeing, pode vir a ter a capacidade de produzir veículos de lançamento espacial, satélites e outros aparatos), na posição de quarta maior empresa do setor em todo o mundo 6 , assim como à Avibrás e outras empresas, defesa e segurança nacional, telecomuniações, monitoração climática e localização geográfica através de satélites, pesquisa científica e outras.

Delimitação do Tema O tema desta monografia teve sua escolha baseada na demanda de estudos a respeito da cooperação multilateral entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul como candidatos a deixar a condição de países emergentes e figurar entre as principais economias globais nas próximas décadas. Um dos âmbitos dessa cooperação, e o que será abordado aqui, é a troca em ciência e tecnologia (C&T) com enfoque no desnvolvimento de tecnologia espacial, quais medidas estão sendo tomadas nesse sentido, programas espaciais selecionados de alguns Estados, suas consequências e dificuldades de execução perante o clima de tensão dos anos da Guerra Fria e a questão do dilema de segurança, estrategicamente inerente ao debate de cooperação internacional. O trabalho abordará, como um exemplo da cooperação intra-bloco, principalmente o caso Brasil-China de cooperação espacial, com a produção e lançamento conjuntos de satélites do programa “CBERS” (China-Brazil Earth Resources Satellite), e também de medidas corretivas necessárias para dar continuidade aos projetos na área. Serão apresentados eventos correspondentes à história do programa desde sua criação, um balanço de seus resultados e perspectivas para o futuro do projeto de cooperação, que, de acordo com as necessidades e capacidades de ambos países, mostra um cenário positivo porém contraditório: Apesar de buscar no programa superar dificuldades como a restrição

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A criação da EMBRAER está intimamente relacionada com os investimentos no setor aeronáutico e aeroespacial característicos do período, como será abordado no Capítulo 2. Pode-se dizer que a empresa foi um produto direto da Política de Substituição de Importações (PSI), que buscava diminuir a dependência de produtos e tecnologias estrangeiras incentivando o desenvolvimento da indústria nacional, e dos empreendimentos no então CTA para produzir tanto aviões de transporte quanto de combate, para suprir a demanda do mercado brasileiro e garantir a importância estratégica à aeronáutica. Para mais detalhes, ver FILHO (2002, p. 89), FORJAZ (2005) e o website do Centro Histórico da Embraer (http://www.centrohistoricoembraer.com.br/). 6 MAROWITS, Ross. Embraer poised to extend lead in regional jet sales over Bombardier. Financial Post, 26 ago. 2013.

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de transferência de tecnologia Norte-Sul, o Brasil encontra ainda outras dificuldades, dessa vez para receber da China, com quem mantém parceria no ramo aeroespacial há mais de trinta anos, acesso a algumas tecnologias estratégicas na área de fabricação de satélites.

Justificativa É visível a disponibilidade, a vontade e, sobretudo, a competência para iniciar novos projetos conjuntos de cooperação na área de C&T e no mesmo escopo de atuação aqui abordado, a exploração espacial, com outros membros do grupo, demonstrando a possibilidade de abrir também iniciativas bilaterais específicas ou mesmo multilaterais. Baseando-nos em projetos como o CBERS, no âmbito da China, podemos testemunhar o fato de que é imprescindível para os dois países de dimensões continentais e potencial econômico em rápido crescimento a valoração da questão do uso do espaço e de tecnologias associadas para sua permanência como potências globais e regionais e para garantir o pleno exercício de suas soberanias. Não fazendo referência aqui apenas à ameaça de conflitos beligerantes partindo de terceiros, mas também à importância de setores primordiais para o avanço sócio-econômico como a agricultura, o urbanismo e planejamento das cidades, os sistemas de posicionamento global (GPS), as telecomunicações e o desenvolvimento científico, por exemplo, percebemos que o uso do espaço exterior para fins pacíficos desperta o interesse não só do Brasil e da China, mas de todos os Estados, que certamente fazem desse tipo de tecnologia as bases para o futuro. É importante notar que toda e qualquer ação tomada nesse campo deve ser guiada pelos princípios do Tratado do Espaço Exterior 7 (ver Anexo A), que regula toda e qualquer ação tomada por governos e entidades nacionais e internacionais no campo da exploração do espaço de forma a garantir o uso pacífico, seguro e prudente de seus recursos. Desse modo, trazendo à tona a questão da segurança internacional e reforçando a necessidade de promover efetiva cooperação entre todos os Estados do globo, o quesito

O “Tratado do Espaço”, ou “Tratado sobre os Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Utilização do Espaço Cósmico, Incluindo a Lua e Outros Corpos Celestes” (tradução livre) é um acordo internacional criado e disposto para assinatura no ano de 1967, em plena Guerra Fria, que visa comprometer os Estados signatários a zelar pelo uso pacífico e neutro do espaço sideral e dos corpos celestes nele situados. O tratado é o principal documento de referência em matéria de Direito Espacial, e é o ponto de partida para vários outros documentos e resoluções na mesma área. 7

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espacial atenta para conceitos como segurança coletiva, dilema de segurança e riscos de novos conflitos de dimensões globais. A cooperação Brasil-China, por envolver objetivos como a construção de veículos lançadores baseados em foguetes, que também podem ser usados para fins bélicos, e satélites, que também podem ser aproveitados para espionagem internacional, pode acabar sendo vista com maus olhos por alguns Estados e por isso sofrer uma série de embargos e dificuldades de execução, o que requere uma análise acadêmica mais aprofundada de caráter geopolítico sobre as adversidades do projeto.

Objetivos Os pontos-chave desse trabalho de pesquisa serão a necessidade de fomentar a cooperação em C&T no Estado brasileiro e nos Estados do BRICS, mostrar as vantagens do exemplo de cooperação Brasil-China, os obstáculos impostos e complicações decorrentes do debate do dilema da segurança envolvendo esse caso de desenvolvimento espacial, como ocorreu durante a Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética. Essas questões serão abordadas neste estudo, buscando uma resposta a perguntas como: 

O Brasil deve insistir na parceria espacial com a China enquanto decisão estratégica para estreitar os laços de cooperação entre os BRICS e, assim, reafirmar sua presença em outros continentes, como principalmente na Ásia?



Quais as vantagens trazidas por esses projetos e quais as implicações para suas devidas imagens no cenário internacional de acordo com o dilema de segurança?



Seria este o responsável pela explicação para a estagnação do Programa Espacial Brasileiro e anterior falta de vontade política em promovê-lo?



Apesar do sucesso parcial do programa CBERS, foi superado o problema das restrições ao processo de transferência de tecnologia observado nas relações de cooperação Norte-Sul?



A cooperação com a China é vantajosa para o Programa Espacial Brasileiro?

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Metodologia O estudo foi realizado basicamente a partir de levantamento documental e bibliográfico de textos relacionados ao tema abordado. A pesquisa foi embasada principalmente em fontes primárias, ou seja, livros, artigos acadêmicos, publicações em periódicos, relatórios oficiais e afins, como também em fontes secundárias que possam enriquecer a investigação epistemológica. Foi escolhido o método de pesquisa bibliográfica por haver reconhecidamente um volume significativo de dados acerca do assunto disponibilizadas em materiais derivados de pesquisas dedicadas anteriores, informações divulgadas pelos próprios meios oficiais de comunicação dos Estados e organizações em questão e vasto acervo acadêmico sobre o estudo dos BRICs enquanto potenciais economias desenvolvidas das próximas décadas.

Revisão bibliográfica Foi feito um levantamento tomando por base autores nacionais e internacionais com publicações dedicadas ao tema e entidades diretamente ligadas aos objetos de estudo, como organizações governamentais e intergovernamentais, universidades e institutos de pesquisa acadêmica e a mídia. Destacam-se autores brasileiros como Edmilson Costa Filho, Meireluce Fernandes da Silva, José Monserrat Filho, Amado L. Cervo e Clodoaldo Bueno, nas áreas de política espacial, direito espacial e política externa brasileira, além de publicações oficiais da Agência Espacial Brasileira (AEB), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) e do Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica da Câmara dos Deputados (CAEAT). Entre os textos internacionais figuram autores como Robert Jervis, Joseph Grieco, Robert Keohane, Charles Lipson e Kenneth Oye, na área de cooperação internacional e teoria dos jogos, além de economistas como Jim O’Neill (responsável por cunhar o termo BRICS) e Dominic Wilson Purushothaman. Constam ainda publicações oficiais da República Popular da China e de seu principal veículo de imprensa, a agência de notícias Xinhua (Nova China), assim como da Administração Nacional de Aeronáutica e do Espaço dos EUA (NASA) e do Escritório das Nações Unidas para Assuntos do Espaço Exterior (UNOOSA, na sigla em inglês). Além destes, foram incorporadas colaborações presentes em artigos acadêmicos relacionados com o tema de pesquisa em periódicos tanto gerais quanto especializados em C&T.

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Conteú do 1 - Capítulo 1: Teoria de cooperação internacional

1.1 Definição e paradigmas inerentes ao debate Uma das maneiras mais adequadas de começar esta pesquisa não poderia ser outra senão fazendo uma análise do tema através do estudo da cooperação entre os Estados, vista aqui como uma estratégia multi-participativa de buscar alcançar objetivos em comum no cenário internacional anárquico. Baseamo-nos em autores que fizeram diversas contribuições à área, como Robert Jervis, John Hermann Herz, Kenneth Oye e Robert Keohane, para introduzir conceitos elementares de cooperação internacional que criarão as bases para investigar de maneira comparativa as relações entre Brasil e China, que aqui cooperam na área de ciência e tecnologia (C&T) para desenvolver seus respectivos Programas Espaciais e gerenciam a atividade conjunta de construção e lançamento de satélites artificiais do projeto CBERS.

1.1.1 O sistema internacional anárquico Ao contrário do que podemos notar na estrutura institucional dos Estados, e de maneira oposta também a diversas organizações internacionais, sejam elas de caráter governamental ou não, o atual sistema internacional de Estados, baseado no modelo criado e posto em prática após os eventos que resultaram no que conhecemos como Paz de Vestfália, caracteriza-se principalmente por sua natureza política anárquica. Não devemos interpretar “anarquia” aqui como sinônimo de caos e baderna, ou ausência total de qualquer tipo de ordenação, disciplina ou mesmo garantia de não-violação de um pacto comum de não-agressão, em comparação com o Contrato Social de Rosseau 8. O conceito não implica, também, num confuso ambiente sem alguma forma de ordenamento jurídico, 8

Para Rosseau, o homem seria uma criatura de natureza tranquila e benevolente, sendo a sociedade a verdadeira responsável por sua deterioração. A “assinatura do contrato social” se daria no momento em que os homens, livres por natureza, abrissem mão de sua liberdade para formar antes uma sociedade, e só então um Estado soberano para governá-la. Rosseau descreve a sociedade e o Estado como coisas distintas, ou “membros” e “corpo político”. Esta noção é diferente da de Hobbes, que vê a sociedade e o Estado como coisas intrínsecas.

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de repentinas e decorrentes hostilidades e ataques furtivos, atentando contra terceiros sem motivos aparentes que não a necessidade de lutar por sua sobrevivência e sem outros estímulos que não meros impulsos bestiais e instintivos de violência gratuita para assegurar sua prevalência sobre outrém. Utilizaremos o termo aqui apenas com a intenção de fazer menção à ausência de uma organização governamental, entidade ou força coerciva de grande autoridade, como o Leviatã de Hobbes 9, para legislar, julgar e punir atos transgressores por parte dos países do globo como se fossem apenas regiões autônomas porém não-soberanas dentro de uma unidade administrativa superior. Segundo Griveaud (BULL, 1995, apud GRIVEAUD, 2010-2011),

“Anarquia” no contexto do sistema internacional implica na não-existência de maiores autoridades e, de maneira que os Estados-nação são considerados por muitos como os atores principais nas relações internacionais 10 , um mundo anárquico seria um mundo onde não há maior autoridade do que aquela que do Estado (tradução livre).

Apesar de deficiente de um governo central que regule as atividades internacionais, é possível observar presente na conjuntura global uma gama de recursos legislativos, jurídicos e executivos que têm a finalidade de intermediar relações e resolver pacificamente impasses e litígios de forma cooperativa sem que se perca de vista a noção essencial da soberania dos Estados e de sua inviolabilidade. São recursos diplomáticos como acordos, protocolos e tratados internacionais assinados em convenções, fórums mundiais para assuntos específicos e reuniões de cúpula entre chefes de Estado no sentido de resolver pacificamente disputas em diversos campos como o social, o cultural, o econômico, o financeiro, o territorial e o político, dentre outros.

Como postulado por Thomas Hobbes em sua obra “O Leviatã”, os homens, donos de suas soberanias e liberdades, viveriam originalmente num estado de natureza, uma eterna condição de guerra onde reinasse entre todos apenas a desconfiança, a mentira, a sabotagem, a traição e a violência. De modo a se livrarem dessa condição, em um determinado momento esses homens teriam aberto mão de parte de suas liberdades, confidenciando-as a um único soberano ou a um grupo de indivíduos que ficaria responsável por tutelar a população submissa e zelar por sua segurança, usando do legítimo e exclusivo poder de uso da força a ele concedida. A essa entidade soberana Hobbes associa o nome “Leviatã”. 10 Como será discutido mais à frente, é fundamental ressaltar que essa visão exclusivista está presente integralmente na teoria Realista, onde se acredita que os Estados são os atores principais e absolutos no Sistema Internacional. Essa assunção vai de encontro ao neoliberalismo (ou liberalismo institucional), que discursa sobre outros atores relevantes, como observa e compara Joseph Grieco (1988, p. 488 . Ver também p. 494, Tab. 1). 9

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A isso tudo soma-se ainda a participação de atores não-estatais, ou seja, instituições e/ou grupos notadamente influentes no debate e no andamento de questões internacionais e, por isso, de suma importância. Por “atores não-estatais” podemos fazer referência às organizações

internacionais,

divididas

sumariamente

entre

Organizações

Intergovernamentais (OIGs) e Organizações Não-Governamentais Internacionais (ONGIs) (HERZ & HOFFMAN, 2004). As OIGs, como sugere o nome, são organizações criadas a partir de iniciativas entre dois ou mais Estados e/ou outras OIGs, a exemplo da Organização das Nações Unidas (ONU) e suas subdivisões, da Organização Mundial do Comércio (OMC) e do Fundo Monetário Internacional (FMI); já as ONGIs são instituições criadas principalmente por indivíduos comuns da sociedade civil com a finalidade de promover desenvolvimento social, econômico, saúde, conservação do meioambiente e outros assuntos, e têm como exemplo a Oxfam International, a Cruz Vermelha e o Greenpeace. Também são considerados atores não-estatais grandes empresas multinacionais, a mídia internacional, “redes de advocacia” (advocacy networks), movimentos de libertação nacionais, máfias ou redes de crime organizado e grupos armados transnacionais e diversos outros grupos civis e militares de interesses 11 e atividades amplamente ligadas por suas naturezas características à causa internacional.

1.1.2 Segurança coletiva Para entender a teoria de cooperação internacional em si, precisamos nos abster a questões de segurança internacional, como a preocupação de um Estado em ser atacado e subjugado por outros, tendo seus recursos concretos e abstratos subtraídos e/ou destruídos e perdendo o poder de exercício de sua própria soberania; e de como a enxergam, moldam-na e dela participam através de políticas cunhadas com base nas suas interpretações, interesses e necessidades. Para defender os interesses nacionais e garantir sua soberania, então, os Estados adotam políticas de segurança de modo a assegurar sua capacidade de defesa e/ou ataque ou sua neutralidade perante os outros atores externos e mesmo domésticos (dada a probabilidade de descontentamento interno e insurreição contra o governo).

A inclusão de outros grupos na categoria de “atores internacionais”, numa hipótese em que são tão importantes quanto os Estados na formulação e adoção de políticas exteriores, deve-se principalmente a teóricos do Liberalismo e do Neoliberalismo, a exemplo Robert Keohane e Joseph Nye. 11

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Essas políticas podem envolver, por exemplo, mais investimentos diretos e indiretos em defesa e aumento de gastos militares (aquisição de equipamento de artilharia; veículos de combate como submarinos, navios, aviões e tanques de guerra; armas biológicas, químicas e nucleares; equipamentos de radar e suporte em batalha etc) ou assinatura de tratados para o controle de armas e para o desarmamento, assoiação a coalizões ou alianças militares, como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN); adesão a tratados de paz ou não-agressão, acordos de cessar-fogo e outros de finalidade beligerante ou não. A promoção de políticas de segurança se dá também através de sistemas de segurança coletiva, modelos de cooperação que associam diversos Estados numa espécie de grande pacto estratégico de defesa e de não-agressão mútua, passível de retaliação em caso de violação. Segundo Herz e Hoffman (2004, p.83),

O sistema é baseado na idéia da criação de um mecanismo internacional que conjuga compromissos de Estados nacionais para evitar, ou até suprimir, a agressão de um Estado contra o outro. Ao engengrar uma ameaça crível de que uma reação coletiva, através de boicotes, de pressões econômicas e de intervenção militar, seria produzida em qualquer hipótese de agressão, o sistema deveria deter os atores dispostos a iniciar uma empreitada militar. A imensa agregação de recursos de poder levaria atores racionais a evitar uma derrota já prevista.

A Liga das Nações, fundada em 1919, foi o primeiro exemplo no século XX de uma tentativa 12 de implementação de um sistema de segurança coletiva. Em 1946, a Liga foi declarada como encerrada e novos projetos de segurança começaram a tomar forma em sua sucessora, a Organização das Nações Unidas (ONU), através do Conselho de Segurança. O órgão, chefiado inicialmente pelos vencedores da Segunda Guerra Mundial, passou por uma longa fase de estagnação durante a Guerra Fria, embora tenha ainda assim apoiado e deliberado intervenções em áreas como a península coreana, o Congo e o Chipre. Nesse contexto de segurança coletiva entram os tratados e acordos internacionais que servem como medidas preventivas, tais como o Missile Technology Control Regime (MTCR), que veremos mais à frente como sendo ao mesmo tempo um dos responsáveis 12

Dentre os diversos motivos que levaram a Liga das Nações ao fracasso, alguns dos mais relevantes foram a ênfase excessiva dada pela OI no desarmamento dos Estados, o que gerou polêmica e dúvidas acerca da necessidade e do interesse universal das nações sobre o tema; a incapacidade de envolver no processo decisivo e de planejamento nações então colonizadas, até então meros territórios representados por seus Estados colonizadores; a inexistência de uma efetivo militar próprio e consequente dependência das forças armadas de Estados-membros; a falta de participação e apoio por parte dos Estados Unidos e o impacto causado pela então Grande Depressão, ou Crise de 1929.

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por atrasos no programa espacial do Brasil, devido aos controles de exportação de alguns itens nele baseados, e também um dos principais meios de inserção do país no cenário internacional, explicitando suas intenções com a tecnologia espacial e passando segurança aos outros Estados ao mostrar sua disposição e compromisso em contribuir para esse sistema.

1.1.3 Dilema de segurança e teoria dos jogos Não obstante a existência de todo um sistema internacional de segurança coletiva, não se verifica ainda entre as nações a existência de um estado de paz absoluta. Discordâncias da teoria realista sobre um “otimismo” característico da escola do pensamento liberal quanto à resolução pacífica de litígios ou à possibilidade de cooperar junto a outros Estados para evitar conflitos militares evidencia a existência de uma atmosfera de receio e desconfiança, sob a qual configura-se o dilema de segurança. A expressão faz alusão à preocupação gerada por um Estado a outros, ligados ou não à sua política de segurança, no momento em que o primeiro decide adquirir armamentos e investir em poderio militar para aumentar sua própria sensação de segurança. O resultado seria, porém, mais medo por parte dos outros Estados, que sentiriam-se menos seguros ao entender o ato como beligerância e também começar a se armar, desencadeando uma corrida armamentista. É o exemplo do que verificamos durante toda a extensão da Guerra Fria: os EUA e a URSS viviam em uma permanente corrida armamentista, se armando cada vez mais em quantidade e em qualidade para garantir a sensação de segurança nacional e intimidar um ao outro, com a constante modernização da indústria bélica e a construção de arsenais nucleares à época. É comum utilizar-se de alguns modelos de teoria dos jogos passíveis de testes para calcular diversos cenários possíveis no dilema de segurança, sendo um dos principais jogos o Stag Hunt (ou “caçada aos veados”). Esse jogo, criado com base em uma história narrada por Rosseau (1754) onde vários indivíduos podem somar esforços para caçar um veado ou abandonar um ao outro e caçar uma lebre que ocasionalmente passa por perto, ilustra uma das possibilidades observadas no cenário internacional onde dois ou mais Estados devem cooperar para alcançar um interesse compartilhado por todos. Comparando o stag hunt com uma situação hipotética ambientada no sistema anárquico internacional marcado pelo dilema de segurança pelo desarmamento, Jervis (1978, p. 16717

168) enumera quatro possíveis cenários: (1) os dois cooperam e atingem seu objetivo (cooperação e desarmamento); (2) o primeiro não coopera quando os outros mantém sua palavra (manter um grande nível de armas enquanto os outros estão desarmados); (3) nenhum Estado coopera (corrida armamentista e grandes riscos de guerra); e (4) o primeiro mantém sua palavra enquanto os outros não (se desarmar quando os outros mantém suas armas). Nesse caso, a não ser que cada um tenha em mente que todos os outros irão cooperar, eles não irão fazê-lo. Trata-se de um teste de confiança no qual o melhor cenário seria aquele onde A e B cooperam e chegam a um objetivo em comum. Em outro jogo frequentemente empregado nos estudos de segurança internacional, o Dilema do Prisioneiro, não há uma solução que satisfaça ao mesmo tempo por completo o interesse dos dois jogadores, pois não há uma situação totalmente benéfica para ambos como no stag hunt, apenas alternativas não tão ruins quanto as outras. Esse jogo é derivado de uma história fictícia na qual dois sujeitos são detidos por um crime que supostamente cometeram, porém a autoridade policial apenas tem provas para culpabilizá-los por um crime menos grave, logo só poderia imputá-los uma pena menor. Aqui, as possibilidades são: (1) A não delata B por um crime que ele cometeu e se diz inocente e vice-versa, e os dois recebem a sentença de 5 anos de prisão; (2) A delata B, que permanece calado, então A é solto e B recebe uma sentença de 20 anos; (3) B delata A, que permanece calado, então B é solto e A recebe 20 anos de prisão; e (4) A e B delatam um ao outro, então ambos recebem uma sentença de 1 ano cada. Se jogado apenas uma vez, como haveria de ser em uma situação comum, a única escolha e a mais racional para A ou B seria delatar o outro e esperar não ser delatado (DC, ou Defecção/Delação e Cooperação), para ter direito à sua liberdade enquanto o outro seria punido com um longo período de detenção. Porém, interpretando o jogo como se os Estados fossem como os prisioneiros e onde o jogo se repetisse diversas vezes, DC não seria mais a única possibilidade aplicável e os atores teriam o interesse comum de que o outro abrisse mão dessa escolha, tornando os próximos cenários mais prováveis CC (Cooperação e Cooperação), DD e DC, respectivamente (Jervis, 1978, p.171). As ordens de preferência de cada ator nesses dois jogos, como descrito por Jervis, podem ser observadas no diagrama abaixo:

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Fig. 1: Diagramas de possibilidades em teoria dos jogos.

Fonte: JERVIS, 1978, p. 171.

Há ainda um terceiro jogo utilizado como base de estudos na área, o “Chicken” (ou “frangote”, num sentido conotativo atribuído ao desertor e perdedor de um duelo de honra). Em Chicken, dois indivíduos disputam um jogo suicida no qual dirigem seus respectivos carros na mesma direção e em sentidos opostos um do outro por uma rua, de modo a se chocarem no meio do trajeto. Os cenários possíveis são: (1) A desvia enquanto B continua em frente, então A seria estigmatizado como um “frangote”, um desertor, desmerecedor da admiração do público (CD), ao contrário de B, que seria tido como um herói de grande valentia (DC); (2) A e B não cooperam um com o outro e não se desviam (DD), provocando uma batida que pode resultar na morte de ambos; e (3) A e B desviam simultaneamente, limitando eventuais danos às suas reputações como corredores. No jogo do “frango”, a característica observada é que as partes preferem cada uma não cooperar enquanto a outra o faz, para tirar vantagem deste fato e permanecer em sua posição superior e de destaque, fazendo com que a ordem de preferência do desafiante seja DC > CC > CD > DD. Em testes repetitivos, entretanto, o medo de que o outro não coopere (CD) afeta a probabilidade de cooperação ou defecção, possibilitando alteração dos resultados do jogo.

19

1.2 Visões otimistas – Liberalismo A corrente teórica do Liberalismo se mostra favorável às idéias e esforços na área de cooperação internacional como uma alternativa viável de resolução pacífica de conflitos e desenvolvimento simultâneo de todos os países. Tendo como fundamento um de seus princípios, o de defender sempre uma ação reduzida da figura estatal, o Liberalismo assume a premissa de que os Estados não devem ser considerados como os únicos atores importantes nas relações internacionais. Somam-se também ao conjunto de global

players

atores

não-estatais,

como

organizações

não-governamentais

internacionais, empresas multinacionais, grupos armados e organizações criminosas regionais e/ou transnacionais, a mídia internacional, comunidades de diáspora13 e grupos religiosos. A teoria liberal acredita caracteristicamente na indispensabilidade das instituições internacionais, ou seja, organizações não-governamentais internacionais ou organizações intergovernamentais, de mediar conflitos e resolver controvérsias bilaterais ou multilaterais através de estratégias derivadas de modelos analíticos como os presentes na teoria dos jogos e na microeconomia. Aplicado à teoria dos jogos em situações previstas aqui, o liberalismo propõe algumas manobras táticas que consistem na tentativa de manipular variáveis dos “jogos” feitos pelos Estados, aqui representados como personagens ou “jogadores”, em situações fictícias aplicáveis à prática, calculando um sistema de determinadas possibilidades resultantes de diferentes combinações de ações tomadas pelos jogadores, a fim de tirar proveito de situações positivas e benéficas aos mesmos em detrimento de consequências negativas de um jogo onde as partes não cooperam em busca de ganhos mútuos. Há de se considerar que a teoria dos jogos apresenta possibilidades totalmente diferentes entre as calculadas para jogos únicos ocasionais e entre as para jogos repetitivos, por exemplo. A percepção dos jogadores sobre os possíveis resultados finais são alteradas quando se tem a possibilidade de jogar diversas vezes seguidas um jogo de confiança como o dilema do prisioneiro, onde em um jogo único a mais provável ação a ser tomada e preferida pelos

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Conjunto de imigrantes oriundos de um lugar comum ou grupos étnicos ligados a redes de imigração formadas na ocasião de saídas em massa de pessoas de uma determinada região, o que pode se dar por diversos motivos: busca por melhores condições econômicas; necessidade de fugir à perseguição política, cultural, étnica, de gênero ou orientação sexual e evasão de zonas de conflito armado e regimes ditatoriais, por exemplo.

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jogadores é “DC” (defecção unilateral) enquanto que em jogos repetidos o cenário “CC” (cooperação mútua) se torna cada vez mais desejado em detrimento de DC. São fatores capazes de alterar os cálculos, então, a frequência em que os jogos acontecem; a percepção que os Estados têm uns dos outros em relação à ação prevista em um jogo; a intenção que os Estados têm ou não de cooperar e seus prospectos sobre o empreendimento e quais são os possíveis benefícios advindos deste e o número de jogadores participando em cada rodada 14. Estudos liberais sugerem utilizar-se do artifício de políticas de reciprocidade entre os Estados para aumentar a visibilidade da intenção mútua de continuar cooperando, em cenários onde exige-se repetitivamente uma ação conjunta, de maneira a aumentar a probabilidade de cooperação e diminuir a probabilidade de defecção. Diminuir os custos de cooperação bilateral e aumentar os benefícios desta, ao mesmo tempo que aumentar os custos de defecção uni ou bilateral e diminuir os benefícios gerados por esse tipo de posicionamento (como em uma orientação ideológica baseada na meritocracia), ou seja, alterar a estrutura de resultados 15 também é uma das estratégias do Liberalismo para promover a cooperação.

1.3 Visões pessimistas – Realismo Devemos ressaltar o fato de que a intenção de cooperar não é necessariamente um princípio universal, e há de se levar em conta também que as decisões dos Estados em promover políticas de segurança são guiadas por diferentes ideologias, tais como o realismo e o liberalismo. De acordo com a análise de Joseph M. Grieco (1988, Vol. 42, No. 3, p. 485), o pensamento da escola realista apresenta uma opinião pessimista acerca do tema da cooperação internacional:

O Realismo tem dominado a teoria de relações internacionais pelo menos desde a Segunda Guerra Mundial. Para os realistas, a anarquia internacional promove a competição e os conflitos entre os Estados e inibe a disposição para cooperar Em seu artigo “Explaining Cooperation under Anarchy: Hypothesis and Strategies”, Kenneth A. Oye (1985) enumera as variáveis capazes de afetar a probabilidade de cooperação e explica como elas de fato alteram o comportamento dos Estados em cenários de cooperação internacional. 15 Oye (1985, p.9) dá alguns exemplos práticos, como a adoção de políticas bélicas defensivas ao invés de ofensivas num conflito para diminuir seus próprios ganhos decorrentes de um ataque surpresa (DC) e diminuir o medo de um adversário em cooperação unilateral seguida de defecção (DC), para ilustrar a tática conhecida como “altering the payoff structure”, ou “alterar a estrutura de resultados (positivos ou negativos)”. 14

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mesmo quando têm interesses em comum. A teoria realista também argumenta que instituições internacionais são incapazes de mitigar os efeitos constrangedores da anarquia em relação à cooperação interestadual. O realismo, então, apresenta uma análise pessimista dos prospectos para cooperação internacional e das capacidades das instituições internacionais. (Tradução própria)

A partir dessa concepção, observamos alguns argumentos comuns ao pensamento realista e expresso por escritores como Edward H. Carr e Hans Morgenthau (realismo clássico) e Kenneth Waltz, Robert Jervis e Joseph M. Grieco. Essas premissas são a base da crítica realista endereçada ao liberalismo, e são fundamentalmente cinco, segundo Grieco (1988, p. 488): 1 – Os Estados são vistos como os principais atores no âmbito mundial, estando seu poder de influência e decisões acima de outras formas de organização não-estatal; 2 – Esses são atores unitários e racionais, o que significa que tendem a perseguir seus próprios interesses baseando-se em escolhas racionais, calculando vantagens e desvantagens resultantes de seu posicionamento político; 3- A anarquia no contexto internacional é a principal responsável por influenciar nas decisões dos Estados; 4 – Suas principais preocupações são as relações de poder e sua segurança, estão sempre propensos a conflitos e competição e frequentemente falham ao tentar cooperar com outros, mesmo que por interesses comuns; e 5 – A ingerência de instituições internacionais em questões de cooperação é ínfima e afeta apenas minimamente a realidade em si. Conforme abordado por Grieco, um dos pontos da crítica endereçada ao liberalismo institucional, também tratado como “neoliberalismo”, é que, embora esta teoria concorde com alguns pontos de vista do realismo (como quanto à influência que a anarquia internacional exerce sobre as unidades constituintes), os neoliberais falham ao assumir que os Estados só cooperam com o intuito de conseguir alcançar ganhos absolutos unilateralmente, pois os enxergam como atores atomísticos16. Isso acaba impedindo que se preocupem com ganhos relativos alheios, ou seja, que podem trazer algum tipo de vantagem comparativa significativa para sobrepor o poder ou influência de um segundo Estado por parte do primeiro. Baseado no argumento de Kenneth Waltz, Grieco afirma também que crê que os Estados são posicionais e não atomísticos, ou seja, seus planos e ações derivam de um posicionamento diferente para cada situação na qual os Estados se 16

Segundo Keohane (1984, p. 27 apud GRIECO, John M., 1988, p.496), Estados atomísticos são aqueles que agem independentemente em relação a outros e de suas capacidades, buscando sempre aumentar sua própria utilidade sem contar com as vantagens e desvantagens de outros.

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encontram em um determinado momento. Esse posicionamento faz questionar a respeito de como os Estados devem agir em novos casos de cooperação, e faz comparar de maneira estatística e estratégica se os ganhos relativos da segunda parte em um exemplo de cooperação serão maiores do que seus próprios ganhos relativos, e se isso oferecerá riscos de conflito ou algum desconforto entre os dois “jogadores”. O realismo, então, apresenta um ponto de vista muitas vezes descrente na potencialidade de atos de cooperação entre os Estados, vistos como peças principais do cenário anárquico e hostil que é o mundo parecido com a descrição do estado de natureza Hobbesiano onde todos são movidos por constantes disputas pelo poder e sobrevivência, de causar efetivamente mudanças positivas permanentes, pois assume a premissa de que os mesmos não têm interesse nem capacidade de cooperar. No que tange as instituições internacionais, a teoria renega a competência dessas organizações em causar mudanças significativas no meio internacional.

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2 - Capítulo 2: A era espacial no mundo e no Brasil

Este capítulo tem como propósito ambientar o leitor no contexto histórico da Era Espacial desde seu início, procurando facilitar a compreensão do panorama espacial e dos questionamentos que dão forma ao debate. O capítulo está dividido basicamente em dois itens onde serão abordados aspectos internacionais e nacionais (no caso do Brasil) quanto às concepções da política espacial dos países envolvidos em atividades de pesquisa e desenvolvimento espacial desde o fim da Segunda Guerra Mundial até o início da formação de órgãos que seriam os embriões do atual Programa Espacial Brasileiro. No primeiro item, serão abordados pontos como as primeiras motivações para o enfoque de países desenvolvidos e em desenvolvimento em seus respectivos programas espaciais e seus objetivos militares e civis, a organização básica de seus programas e como isso refletiu em seu desenvolvimento até o presente momento, dando como exemplos alguns países como Estados Unidos, URSS e França, assim como o programa da China, uma das duas principais referências deste trabalho. De acordo com o pesquisador em política científica e tecnológica Edmilson Costa Filho (2002), são fatores relevantes para explicar o desenvolvimento da política espacial desses e de outros países à época condições como: 1) A disputa por poder e prestígio principalmente entre os Estados Unidos e a então União Soviética, que dividiram as relações mundiais em uma lógica bipolar capitalista e comunista, e a urgência dessas duas superpotências em garantir sua influência global por meio de grandes investimentos militares de modo a reafirmar sua supremacia bélica; e 2) O fenômeno surgido entre meados da década de 1980 e início da década de 1990, chamado pelo autor de “reconversão” (Ibid., p. 22), que caracteriza a transição geral de intenções governamentais de empregar a tecnologia espacial para fins militares, como armas bélicas orbitais ou dispositivos de espionagem, para usos exclusivamente pacíficos com aplicações comerciais e no desenvolvimento científico de tecnologias que possam ser utilizadas para fins civis. Essas intenções de desmilitarização do espaço, instigadas pelo fim da Guerra Fria e consequente desmantelamento da União Soviética, se tornam evidentes em instrumentos como acordos e tratados multilaterais assinados durante e depois da corrida armamentista e ressaltados após a reconversão de motivação das atividades espaciais, principalmente no Tratado do Espaço Exterior.

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O segundo item fala principalmene do desenvolvimento de políticas espaciais no Brasil e de seus principais projetos, como o Veículo Lançador de Satélites (VLS-1), e os satélites da família CBERS e as bases operacionais como o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Estado do Maranhão, e o Centro de Lançamento Barreira do Inferno (CLBI), como fala também de outros pequenos projetos concretizados e em planejamento pelas instituições que compõem o programa. É possível observar aqui, apesar do início precoce das atividades brasileiras no espaço após tomar forma através da criação do Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais (GOCNAE) pelo governo de Jânio Quadros em 1961, que as atividades espaciais brasileiras têm se desenvolvido de certa maneira tardia em comparação com os programas de outros países que iniciaram seus projetos entre a década de 1960 e meados de 1970. Serão abordadas as causas responsáveis por provocar o atraso do desenvolvimento do setor espacial no Brasil, como fatores internos e externos ao programa espacial em si, e as dificuldades e desafios atuais para a recuperação do tempo perdido em termos de desenvolvimento tecnológico sincronizado entre os três componentes do sistema de lançamentos do programa composto de veículos lançadores, satélites de coleta de dados e/ou de sensoriamento remoto e centros de lançamento.

2.1 Contexto internacional

2.1.1 Histórico e motivações iniciais As atividades espaciais no mundo têm início oficialmente com um evento ocorrido a 4 de Outubro do ano de 1957 – uma tentativa bem-sucedida pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) de lançar e colocar em órbita o primeiro satélite artificial terráqueo, o Sputnik-1 (ou “Satélite-1” no idioma russo). Esse lançamento, providenciado pelos soviéticos como a primeira atitude de confronto e desafio aos Estados Unidos, foi o ponto de partida para posteriores movimentos que evidenciariam as tensões decorrentes do caráter beligerante e competitivo da Guerra Fria. Apesar de que já tinha sido definido no ano de 1955 pelo então presidente dos EUA, Dwight Eisenhower, e posteriormente pela URSS o objetivo de lançar um satélite no período correspondente ao Ano

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Internacional de Geofísica 17 (International Geophysical Year, ou IGY), entre 1º de Julho de 1957 e 31 de Dezembro de 1958, os americanos foram abalados pela declaração dos soviéticos de que estes haviam saído na liderança ao ter lançado no dia 4 de Outubro de 1957 o satélite Sputnik-1, causando pânico geral, pois não se acreditava que a tecnologia espacial americana tinha sido ultrapassada tão rapidamente. Quatro anos depois, em 1961, novamente a União Soviética surpreende os Estados Unidos com o lançamento do primeiro homem ao espaço, Iuri Gagarin, a bordo da cápsula espacial Vostok 1 (“Leste1”, em russo). A resposta americana viria em 1º de Fevereiro de 1958, com o satélite Explorer (que, apesar do esforço americano em adiantar o projeto, só foi ao espaço depois do segundo satélite soviético, o Sputnik-2, lançado em 3 de Novembro de 1957), e em 1969, após o lançamento do módulo tripulado Eagle na missão Apolo 11, quando os Estados Unidos conseguiram a proeza de enviar pela primeira vez humanos à Lua 18. Esses três acontecimentos históricos marcam não apenas a abertura de uma era, a da exploração espacial pela humanidade, como também o início de uma corrida armamentista entre as duas maiores e mais poderosas nações da segunda metade do Século XX. Como mostra o passado, apesar de ter como antecedentes os foguetes V1 e V2 desevolvidos pela Alemanha nazista à época da Segunda Guerra Mundial e utilizados em ataques contra o Reino Unido, o desenvolvimento significativo de tecnologias espaciais deu-se inicialmente devido à competição entre EUA e URSS via alocação de grandes quantidades de recursos direcionados para P&D em ciência e tecnologia na área militar, disfarçada sob a égide do desenvolvimento de veículos de transporte espacial, de satélites de telecomunicações e outras aplicações. A preocupação óbvia dos americanos não era o inofensivo satélite Sputnik-1, mas a capacidade demonstrada pelo foguete R-7 Semyorka de lançar a uma distância de mais de 8.000 km 19, pouco mais que a distância

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Estabelecido pela ONU em 1957, o Ano Internacional da Geofísica tinha como intenção aproximar cientistas de todo o mundo, inclusive do Brasil, e promover o desenvolvimento científico-tecnológico em questões relacionadas à área, como meteorologia, geomagnetismo, sismologia, oceanografia, radiação cósmica, ionosfera, glaciologia, paleoclimatologia e pesquisas biológicas e geolósicas. Para mais informações, ver CARDOSO (2005) e NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES. 18 A missão bem-sucedida comandada pelos Estados Unidos foi considerada o ápice da corrida espacial e determinou, apesar do atraso em responder à altura, o “vencedor” da competição, dada a maior complexidade do empreendimento americano em vista dos lançamentos soviéticos anteriores. O módulo de pouso lunar levou dois astronautas à superfície do satélite natural da Terra, Neil A. Armstrong e Edwin E. “Buzz” Aldrin Jr., enquanto um terceiro, Michael Collins, operava da órbita da Lua o módulo de comando responsável por retornar os tripulantes à Terra. 19 Dados disponibilizados no site oficial da própria RSC Energia, empresa russa responsável por manufaturar o foguete R-7 e outros mísseis balísticos intercontinentais, na página http://www.energia.ru/english/energia/launchers/rocket-r7.html.

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entre Washington DC e Moscou 20 o objeto de 84kg, que poderia ser simplesmente substituído por uma ogiva nuclear, o que significava que a União Soviética fora capaz de desenvolver, testar e lançar com sucesso o que se caracterizaria como o primeiro Míssil Balístico Intercontinental (ICBM, na sigla em inglês) do mundo. Humble (1988, apud MONSERRAT, 2007, p.22), destaca o discurso ameaçador de Nikita Kruchev sobre o evento: “A URSS lançou um míssil balístico intercontinental; o teste produziu resultados positivos. Agora podemos enviar um míssil a qualquer ponto do globo, carregando, se necessário, uma bomba de hidrogênio21.” Era claro, apesar da alegação de que os Estados buscavam apenas o desenvolvimento científico despretensioso, que apenas aquele que fosse capaz de ampliar suas competências na área seria capaz de manter-se acima na hierarquia de poder e vencer uma eventual batalha física de dimensões intercontinentais pela permanência de suas ideologias e modo de governo, confronto esse que por pouco nunca chegou efetivamente a acontecer. Segundo Mark Williamson (2006, apud MONSERRAT FILHO, Idem),

A pesquisa de foguetes no pós-guerra era usada muito mais no desenvolvimento de mísseis balísticos intercontinentais do que em lançadores para a pesquisa espacial. O objetivo dos foguetes da Guerra Frio era passar por cima das mais pesadas e destrutivas ogivas e penetrar o mais fundo possível no território inimigo, virando, assim, a balança de poder em favor do arremessador.

2.1.2

Institucionalização e reconversão Nos casos dos principais países que adotaram políticas voltadas para o setor

espacial, observa-se existência de um certo “processo evolutivo” caracterizado por estruturas e etapas comuns aos projetos espaciais e delas dependentes para seu erguimento e manutenção. Segundo Costa Filho (2002, p. 25), a existência de uma indústria de tecnologia avançada no setor aeronáutico e aeroespacial, por exemplo, é fundamental para o empreendimento, embora seja algo que não esteja disponível em todos os países. Mesmo em países subdesenvolvidos que participam ou participaram de alguma forma de

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Distância calculada com ajuda da ferramenta disponível no site http://www.distance.to/. A bomba de hidrogênio, caracterizada pelo processo de fusão nuclear entre os isótopos do hidrogênio deutério e trítio, é o maior engenho explosivo já desenvolvido pela humanidade. Seu potencial pode corresponder a até cinquenta vezes mais que o de uma bomba atômica como a utilizada no ataque à cidade de Hiroshima pelos Estados Unidos em 1945. Ver “InfoEscola - Bomba de hidrogênio”, disponível em: . Acesso em: 15 abr. 2014. 21

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atividades espaciais é possível observar a presença de um aparato industrial avançado que possibilitou o a criação de foguetes, satélites de várias aplicações e centros de lançamento. Para obter êxito no empreendimento de consolidar uma estrutura capaz de pesquisar, projetar e concretizar planos nessa área, se tornam evidentes duas características fundamentais: a importância do Estado enquanto formulador de políticas setoriais e das agências espaciais enquanto personagens principais da institucionalização das atividades espaciais. Podemos listar, então, como requisitos básicos: a presença de uma estrutura de base industrial aeroespacial, planejamento político inicial e políticas de incentivo e fomento ao crescimento dessas indústrias. De modo geral, em um primeiro momento temos a elaboração de estruturas governamentais, a definição de objetivos da política espacial e o financiamento de seus projetos por parte do Estado. Em um segundo momento, esses projetos deverão ser repassados a um órgão aglomerante, a agência espacial, que fica responsável por coordenar assuntos como prospecção e treinamento de mão-de-obra altamente qualificada, definição de objetivos de longo prazo, relacionamento com órgãos e governos estrangeiros no que tange a cooperação internacional e administração do orçamento anualmente definido pelo governo central para o desenvolvimento de seus projetos. Depois de consolidadas as agências, os governos passam a promover também iniciativas para integrar as descobertas científicas e inovações tecnológicas das agências espaciais em outros setores da sociedade civil e incorporar essa nova tecnologia aos sistemas nacionais de inovação, ou seja, instituições de pesquisa públicas e privadas como universidades, associações dedicadas e laboratórios privados de P&D científicotecnológica. A essas transferências de tecnologia a nível doméstico associamos a expressão “spin-offs 22 ”. O maior e mais observável exemplo de agência espacial a produzir esse tipo de efeito é a NASA (EUA), que até o momento é detentora de aproximadamente 1800 patentes23 de produtos derivados de tecnologias desenvolvidas para suas missões espaciais desde 1976.

O conceito de “spin off” (traduzido como “derivados”) nesse contexto foi criado em 1962, quando o governo americano criou o Technology Utilization Program, projeto responsável por reaproveitar tecnologias desenvolvidas para o setor espacial de forma a comercializá-las e incrementar o orçamento do programa espacial. Spin offs são basicamente tecnologias desenvolvidas em laboratórios de pesquisa espacial que podem ser empregadas em outros âmbitos da vida social civil-militar, integrada através de sistemas de inovação nacional e da indústria. Para saber mais, ver “SCHNEE, Jerome – the economic impacts of the US space program” e a página da NASA dedicada às tecnologias spin offs. 23 Dados do website oficial da NASA dedicado ao tema: http://spinoff.nasa.gov/spinhist.html 22

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O modelo de desenvolvimento em três fases apresentado acima pode ser verificado no exemplo um dos precursores da exploração espacial: os Estados Unidos. Nesse caso, após a agitação causada na sociedade americana durante o governo Eisenhower devido ao lançamento do satélite Sputnik pela União Soviética, é criado em 1958 um comitê específico para tratar assuntos relacionados ao tema, o House Select Committee on Astronautics and Space Exploration (HSCASE), que cunhou a base administrativa e organizacional da NASA (National Aeronautics and Space Administration), fundada ainda no mesmo ano24. A instituição recebeu uma função óbvia, que era a de reinventar a tecnologia espacial americana de modo a recuperar o atraso em relação ao programa espacial soviético, recebendo profissionais transferidos de instituições militares envolvidas no desenvolvimento das tecnologias de lançamento e de satélites artificiais, assim como técnicos de outros órgãos públicos ligados à exploração do espaço (COSTA FILHO, 2002, p. 33). Tempos depois do fim da corrida espacial e da justificabilidade de crescentes gastos militares com o programa, nota-se a mudança de prioridades marciais para civis e comerciais, o que toma força com uma série de incentivos fiscais a empresas que registrassem gastos com P&D na área espacial. O terceiro momento da estrutura de desenvolvimento tecnológico se mostra, então, quando o governo americano cria iniciativas de desenvolver através de sua estrutura espacial áreas de pesquisa de retorno incerto dos investimentos e torná-la “comercialmente atrativa para posteriormente delegá-la à iniciativa privada” (Ibid., p. 34), possibilitando que aquelas empresas beneficiadas se especializem enquanto parte fundamental da indústria aeroespacial e contribuam incrementando a competência da inústria aeroespacial indispensável ao processo produtivo, diminuindo a dependência de produtos de fornecedores externos. Podemos dizer que um processo semelhante aconteceu no programa espacial da França, onde o governo demonstrou a preocupação em desenvolver mísseis balísticos de longo alcance na década de 1960 e tomou um conjunto de outras medidas relacionadas à tecnologia aeronáutica como política de fortalecimento do Estado e prevenção de um ataque pela URSS, assim como capacidade de garantir e exercer sua soberania. No ano de 1962 é fundado o Centre National d’Études Spatiales (CNES), que assume o papel de agência espacial francesa e concentra tarefas na área de pesquisa espacial e relações

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De acordo com o site oficial do Comitê sobre o Espaço, Ciência e Tecnologia, entidade dedicada criada pelo governo nacional para lidar com temas referentes a questões de exploração espacial, energia nuclear, meio-ambiente e pesquisa científica responsável inicialmente pela elaboração de parte dos projetos espaciais dos EUA. Acessível em: http://science.house.gov/history.

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comerciais civis com o mercado, através da administração de recursos alocados para P&D pelo governo francês, e busca de associação com a iniciativa privada. Assim, a França foi capaz de investir inicialmente em satélites, veículos lançadores e centro de lançamento, sendo os dois últimos os principais ativos de seu Programa atualmente e ocupando posições de destaque entre os demais competidores internacionais: a firma de capital misto Arianespace, criada em 1980, foi a primeira empresa comercial de logística espacial do mundo25 e é responsável pela linha de lançadores Ariane, encomendada para suprir a necessidade francesa de lançar satélites à época. Quanto ao centro de lançamentos, a França organizou em seu departamento ultramarino da Guiana Francesa o espaçoporto de Kourou, atualmente um dos mais modernos do mundo e que serve também como plataforma de lançamentos para o programa espacial europeu, administrado pela European Space Agency (ESA). A localização do centro, também conhecido como Centro Espacial da Guiana, é relativamente vantajosa, em comparação a outros centros ao redor do planeta, pois permite maior economia de combustível e facilidade de lançamento por estar posicionado a apenas 5º a norte da Linha do Equador. Esse ponto é considerado ideal para os lançamentos, pois é onde a velocidade de rotação de objetos na terra é maior devido à sua localização a 0º de latitude, o que consequentemente aumenta a velocidade da nave e diminui gastos com combustível 26. O programa da União Soviética, ao contrário do exemplo dos EUA e da França, não contemplou a criação de uma instituição centralizadora de planejamento e recursos e desviou sutilmente do “modelo” seguido por aqueles e outros países, embora isso não tenha significado necessariamente o fracasso do empreendimento. Apenas após o completo desmembramento da União Soviética, em 1991, a Rússia institucionaliza o que restou de seu programa espacial através da Agência Federal Espacial Russa (ou Федеральное Kосмическое Aгентство России), também conhecida como Roscosmos.

25

Conforme site oficial da empresa: http://www.arianespace.com/about-us/milestones.asp Δ𝑆 Com base na fórmula matemática para cálculo de velocidade 𝑉 = Δ𝑇 , onde ∆𝑆 representa a distância percorrida por um corpo (como por exemplo um foguete em terra) em movimento e ∆𝑇 o tempo que o mesmo leva para cumprir a trajetória, considerando ∆𝑇 constante, a velocidade em que esse foguete se desloca em relação a um ponto fora da superfície terrestre é maior na faixa correspondente ao Equador, devido ao movimento de rotação da Terra, do que em outro ponto da superfície, onde a circunferência é menor, e logo a distância percorrida também. No caso de um lançamento, devido à inércia, a velocidade do foguete se incrementa também à velocidade de rotação da Terra, ou seja, 1670 km/h na Linha do Equador. Sendo assim, quanto mais próximo a esse paralelo, maior é a velocidade do foguete no momento da decolagem e menor o esforço que precisa ser emprendido para colocá-lo em órbita. Para saber mais, ver artigo “Why is it better to launch a spaceship from near the Equator?”, disponível em: . 26

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Atualmente, a agência é responsável pela comercialização de lançamentos através dos foguetes Soyuz, designados para carregar os módulos espaciais Soyuz que transportam astronautas à Estação Espacial Internacional em um acordo multilateral com seus Estados-membros, e através dos foguetes Proton, também capazes de levar cargas úteis a serviço de governos e de empresas. É perceptível, apesar da demora na criação de uma agência espacial, que o programa passou pelas três etapas descritas por Edmilson Costa Filho, indo da militarização e concentração em uma agência espacial até a desmilitarização e uso de seus produtos e sub-produtos para fins comerciais (terceirização de lançamentos). Por fim, pode-se dizer que o programa espacial da China, em comparação com os exemplos anteriores, seguiu uma linha de desenvolvimento completa, incluindo satélites, lançadores e sítios de lançamento, e seguindo as três fases de desenvolvimento descritas por Costa Filho. O início do programa remonta à época pós-Revolução Cultural, quando foi fundada a República Popular. Após a morte de Stalin, a tentativa de descontinuar a linha do socialismo stalinista através das medidas de reforma econômica impostas por Nikita Kruschev resultou em discordância entre os dirigentes chineses e soviéticos, o que causou a separação ideológica entre os dois países e o fim do apoio soviético à entrada da China nas Nações Unidas. A partir disso, Mao Tse Tung encorajou a elaboração de um programa de exploração e uso do espaço, assim como a obtenção da tecnologia de bombas atômicas, como instrumentos e afirmação nacional frente aos Estados Unidos e à União Soviética, começando seu projeto de lançadores a partir de um foguete R-2 cedido pela própria URSS. 27 Criado em 1956, o programa espacial chinês está hoje em dia entre um dos maiores programas de exploração espacial de todo o mundo. Além de ter cumprido projetos fundamentais à natureza da operação, a China ainda foi capaz de lançar uma sonda lunar, a Chang-e 3, carregando um veículo não-tripulado para exploração do satélite natural da Terra, o Yutu 28, fato que não ocorria desde 1976, quando uma sonda soviética desembarcou por lá 29 . A nação tem planos para orbitar sua própria estação espacial permanente para pesquisas em ambiente de microgravidade, a Tiangong ( 天宫,

Encyclopedia Astronautica – China. Disponível em: Sonda espacial chinesa pousa na Lua: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/12/sonda-espacialchinesa-pousa-na-lua.html 29 Artigo sobre o fato pela agência oficial de notícias chinesa Xinhua disponível em: . Acesso em: 10 mai 2014. 27 28

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literalmente “Paraíso Celestial”), que será formada por diversos módulos acoplados em uma estrutura única; assim como também prevê missões tripuladas à Lua e a Marte.

2.2 Contexto nacional

2.2.1 Histórico e motivações iniciais Após a Segunda Guerra Mundial, assim como outros países do globo como EUA e URSS, por receio de passar por novos conflitos e pela necessidade de se manter atualizado frente às tecnologias militares, o governo adere às aspirações da política tecnológica em voga na época e começa a investir em tecnologias espaciais de caráter estratégico, de modo a tentar manter sua posição de influência. No Brasil, esse caminho é iniciado com pequenos acordos de cooperação bilateral de transferência de tecnologia, formação de recursos humanos e projetos em C&T conjuntos com os Estados Unidos. A cooperação com os americanos, porém, seria descontinuada anos mais tarde devido a embargos tecnológicos impostos pelos mesmos com receio de que o projeto brasileiro fosse trazer consequências beligerantes a outras nações e/ou conflitantes com seus próprios interesses. Mesmo mostrando sua preocupação em aplicar a tecnologia de lançadores e de satélites para usos exclusivamente civis e pacíficos, o Brasil não consegue apoio americano e é obrigado a buscar alternativas de cooperação com outros países ou de desenvolvimento autônomo. É nesse contexto que, em finais do século XX, o Brasil começa a criar ligações com outros países interessados em desenvolver o campo espacial, mas não logra êxito em todos objetivos necessários à construção de uma estrutura completa como previa a MECB. Com base em um sistema bi-institucional, o país observa que o INPE, responsável pelos satélites e por subprojetos civis, opta pelo modelo de troca com outros países e avança significativamente mais do que o CTA, que escolheu não cooperar e não mais desenvolver os lançadores com ajuda externa. Embora seja oficialmente uma instituição civil e neutra, a AEB tem ainda um sistema administrativo muito complexo, assim como parte do antigo programa que ainda não passou por uma reforma administrativa, e que inclui um órgão militar em sua composição: o então Centro Tecnológico de Aeronáutica (CTA), hoje Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA). A prioridade atualmente é corrigir essa distorção causada com o isolamento institucional de muitos anos e desenvolver veículos nacionais capazes de 32

transportar os satélites do próprio INPE, que geralmente são lançados por instituições estrangeiras.

2.2.2 Institucionalização e reconversão Segundo Edmilson Costa Filho (2002, p. 67), a institucionalização das pesquisas e operações espaciais no Brasil pode ser dividida conceitualmente em três períodos-chave na sua fase inicial: de 1950 a 1960, quando da formação do CTA e do ITA; de 1961 a 1970, período em que foi criado e desenvolvido o GOCNAE, de modo a isntitucionalizar oficialmente o programa espacial brasileiro, e logo em seguida o lançamento de uma linha de foguetes de sondagem experiemental lançados em parceria com os EUA; e de 1971 a 1979, quando deu-se uma divisão de trabalho mais evidente entre o CTA e o CNAE, renomeado então para INPE. Esse período antes da criação da Missão Comum Espacial Brasileira (MECB) compreende a fase militar das atividades espaciais no país. A partir daí, o programa já tem sua estrutura básica formada e entra em uma segunda fase, a de especialização e busca de desenvolvimento completo, como diz o nome, dos itens necessários ao setor espacial: um novo sítio de lançamento em local remoto, para evitar acidentes, e próximo ao oceano, para possibilitar a recuperação por embarcações (CLA), um veículo de lançamento mais complexo capaz de orbitar satélites (VLS-1); e quatro satélites, sendo dois de coleta de dados (SCD-1 e SCD-2) e dois para sensoriamento remoto (SSR-1 e SSR-2).

- Primeiro período (1950-1960) Após a Segunda Guerra Mundial, em 1946, o governo brasileiro nomeia representantes para a Comissão de Organização do Centro Técnico da Aeronáutica (COCTA), incumbida de delinear uma instituição dentro das Forças Armadas especializada no ramo aéreo que serviria de base para desenvolver a tecnologia e indústrias aeronáutica e aeroespacial. Meses mais tarde, cria-se na cidade de São José dos Campos o Centro Técnico de Aeronáutica (CTA), que só seria considerado como definitivamente organizado em 1º de Janeiro de 1954, após a extinção da Comissão no

33

ano anterior pelo decreto nº 34.701 de 26 de Novembro de 1953. 30 O órgão sofreria então uma série de alterações em seu nome: em 1971 passa a se chamar Centro Técnico Aeroespacial e depois, em 2009, Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), acrônimo que carrega até hoje. A respeito da função do CTA dentro do programa espacial, em outras palavras, tratava-se do órgão militar responsável pela pesquisa na área de lançadores. Na estrutura do CTA, é importante destacar o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), que surgiu em 1948 no Rio de Janeiro e se transferiu em 1950 para São José dos Campos, em parceria com professores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados Unidos, para prover formação científica necessária e suprir a demanda de mão-de-obra especializada com engenheiros e outros profissionais necessários para o empreendimento em vista.

- Segundo período (1961-1970) Caracterizado pela criação da primeira instituição dedicada a gerir os objetivos do programa espacial brasileiro, a década de 60 marcou o início oficial da institucionalização do mesmo. Em 1961, após carta recomendativa da Sociedade Interplanetária Brasileira, o então presidente Jânio Quadros cria o Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais (GOCNAE), que anos mais tarde viria a se tornar a Comissão Nacional de Atividades Nacionais (CNAE) (COSTA FILHO, 2002, p. 83). À instituição de caráter híbrido, formada tanto por civis quanto por militares de baixa patente, foram delegados os papéis de gerir os rumos das atividades espaciais e gerir a parte civil do projeto, que englobava basicamente os satélites, sistemas elétricos e outros subitens relacionados ao mesmo, enquanto o CTA cuidava da parte militar (tecnologia balística e suas aplicações em foguetes e o sítio de lançamento). Essa divisão de tarefas, porém, causou um problema de coordenação no CNAE, que ficou demasiado atarefado e encarou atrasos por concentrar as funções de duas partes importantes (coordenação de tudo e parte relacionada às atividades civis). O período abordado também foi quando surgiu, em cooperação com o governo dos Estados Unidos, o programa SONDA. Consistia basicamente de foguetes de sonsagem de pequeno a médio porte lançados a partir do Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI) que carregavam experimentos científicos de biologia, física e

30

Conforme linha temporal de eventos no site oficial do CTA: http://www.cta.br/hist_cocta.php

34

química que poderiam ser testados em grandes altitudes e diferentes condições atmosféricas

(considerando-se

Conseqüentemente,

variação

de

pressão,

microgravidade

etc).

surgiram também diversos outros projetos nacionais que

contribuiriam para empregar os conhecimentos desenvolvidos no ITA e agregar experiência no setor, assim como novas gerações de foguetes das famílias SONDA e VS, com o VS-30, VS-40 e VSB-30.

- Terceiro período (1971-1979) A década de 1970 é marcada pela militarização completa do programa e pela consolidação da estrutura bi-institucional (COSTA FILHO, 2002), além da extinção da CNAE em razão de sua substituição pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Sendo assim, haveria nova divisão de tarefas: o CTA, experiente com foguetes, ficaria com o desenvolvimento do veículo lançador e projetos semelhantes, o INPE, recém-criado, absorveu a experiência da antiga Comissão e ficou com a tarefa de desenvolver satélites artificiais e pensar suas aplicações civis. A função de coordenação e planejamento, então, fica delegada apenas à Comissão Brasileira de Atividades Espaciais (COBAE), criada em 1971 junto ao INPE.

- Segunda fase: MECB, AEB e rumos atuais do programa Em 1979 é criada a Missão Espacial Comum Brasileira (MECB), que integra todos os esforços e atribuições anteriores à sua criação e dá os rumos para projetos futuros. A COBAE, responsável por gerí-la, é transformada em Agência Espacial Brasileira (AEB) em 1994, tornando-se o principal órgão do programa. Um dos principais motivos da criação da agência foi a necessidade de “dar um caráter civil ao programa espacial e exorcizar as desconfianças sobre suas intenções bélicas, que causaram entraves à cooperação internacional” (MARQUES, 2011, p. 24), de maneira a melhorar a imagem brasileira e viabilizar a importação da tecnologia estratégica envolvida. Atualmente, a AEB planeja e desenvolve relações e projetos de C&T com órgãos inernacionais como o Comitê das Nações Unidas para Usos Pacíficos do Espaço Exterior (COPUOS, na sigla em inglês) e a Federação Internacional de Astronáutica (IAF) e países relavantes ao setor, estando entre os principais Alemanha, Argentina, China, Estados Unidos, França, Índia, Japão, Rússia, Ucrânia, além da multilateral Agência Espacial Européia (ESA). Estão em destaque projetos como a série de satélites de monitoramento de recursos florestais 35

AMAZÔNIA, satélite de pesquisa sobre fenômenos astronáuticos e atmosféricos Lattes e o satélite oceanográfico SABIA-MAR, em cooperação com a Argentina, além de outros de natureza meteorológica e até mesmo um Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC).

Fig. 2: Organograma atual do Programa Espacial Brasileiro

Fonte: Agência Espacial Brasileira.

2.2.3 Desafios enfrentados Apesar de ter sido um dos primeiros países a inaugurar a Era Espacial, o Brasil apresenta um quadro de estagnação frente aos programas de exploração de outras nações do globo engajadas com algum tipo de atividade no setor e várias controvérsias de épocas passadas permanecem até os dias de hoje, sendo parte das causas que explicam a situação atual. O programa espacial brasileiro, por exemplo, embora tenha sido iniciado com foco em instituições militares designadas para garantir o posicionamento global do país, declara-se a partir de 1993 exclusivamente civil, buscando apenas utilizar o espaço e suas 36

tecnologias para fins pacíficos. Essas intenções foram reforçadas através da adesão brasileira em 1995 ao Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (Missile Technology Control Regime, ou MTCR na sigla em inglês), controle imposto pelos países signatários para desencorajar e restringir a proliferação de mísseis balísticos de longa distância, com alcance de 300 km e capacidade de carga de até 500 Kg, e outras tecnologias de natureza dual (utilizáveis tanto para fins militares quanto civis) envolvidas em lançamentos de qualquer tipo de arma de destruição em massa 31. Além desse controle internacional, os Estados Unidos reforçam ainda mais seu controle sobre esses meios com um regulamento restritivo à importação e exportação de itens relacionados a segurança e defesa, o International Traffic in Arms Regulations (ITAR). Não obstante, o Estado brasileiro sofre ainda muitos atrasos e problemas organizacionais em razão de um dos ramos do programa espacial ainda ser controlado por militares (o DCTA). Esse atraso na total desmilitarização até os dias atuais implica em desconfiança estrangeira e imposição de obstáculos por governos, entidades e mesmo empresas em promover qualquer tipo de transferência de experiência ou tecnologia de uso ambíguo. Como explica Costa Filho (2002, p. 164), essa foi uma das causas para o atraso da parte equivalente ao veículo de lançamento, que foi penalizado pelo isolamento científico observado ao longo da história. No início, era de conhecimento geral que o programa espacial brasileiro demandava crescer apenas com a ajuda de meios nacionais, ao mesmo tempo em que, por não ter condições de desenvolver pesquisas em C&T aeroespacial, uma das únicas maneiras de fazê-lo seria adotando um modelo de cooperação com outros países que já possuíam capacidade de produção e know-how necessário para tal. Em 1977, porém, a trajetória dos esforços militares seria abalada pela interrupção do acordo de cooperação estadunidense com a NASA, órgão que então era o principal parceiro tecnológico brasileiro no quesito de pesquisa em C&T na área de foguetes de sondagem e lançamento de satélites32. Tempos depois, os militares brasileiros

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Texto com os princípios básicos do acordo e anexos de classificação de itens podem ser encontrados no site do Departamento de Estado dos EUA, ao qual este e outros países utilizam como referência para restringir a exportação de alguns produtos direta ou indiretamente ligados a riscos de proliferação de armas de destruição em massa. Disponível em: . Acesso em: 18 mai. 2014. 32 Como abordado anteriormente, a cooperação com os americanos foi descontinuada por motivos de insegurança dos mesmos em repassar tecnologia de uso dual civil-militar. Ressaltando o fato de que em 1977 no Brasil ainda era vigente uma ditadura militar e que as relações diplomáticas com os EUA estavam em declínio, o fornecimento de tecnologias estratégicas já não era mais do interesse americano, que também suspendeu repentinamente o fornecimento de urânio à usina nuclear de Angra em 1974 por receio de seu

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rejeitariam um acordo de cooperação proposto pela França 33 para a fabricação de foguetes à base de propelente líquido. Hoje, apesar de ter apresentado relativo sucesso com os foguetes SONDA, a parte referente ao veículo de lançamento brasileiro ainda enfrenta atrasos e paralisação devido à desmilitarização tardia do setor e a diversos outros fatores econômicos, políticos, sociais, institucionais, organizacionais e até mesmo motivacionais, como o desconforto e frustração causados por um incidente na torre móvel de integração (TMI) do VLS-1, que explodiu junto com o terceiro protótipo do foguete em 22 de Agosto de 2003 34, três dias antes do lançamento oficial do Veículo. Nesse “acidente”, embora o relatório oficial lançado dias depois tenha descartado a hipótese, estudiosos e trabalhadores envolvidos diretamente com o projeto consideram e afirmarm a possibilidade de sabotagem estrangeira 35, o que de certa maneira coincide com a realidade, dado o fato que o Brasil possui espaçoporto privilegiado em localização geográfica e tem seu programa espacial visto com ares de beligerância por alguns Estados.

uso para desenvolvimento de armas nucleares. Para mais informações sobre turbulência nas relações Brasil - Estados Unidos no período em questão, ver Cervo e Bueno (2002) e Cunha e Farias (2011). 33 Segundo Costa Filho (2002, p. 100), a rejeição da proposta de cooperação com os franceses tinha três motivos: a dependência dos franceses ao desenvolver foguetes à base de combustível líquido, enquanto os foguetes da linha SONDA já desenvolvidos no Brasil eram movidos a propelente sólido; os altos custos do projeto, se comparado ao orçamento de construção proposto pelo próprio CTA e a própria questão estratégica de desenvolver o lançador de forma autônoma, de modo a evitar diversos riscos como espionagem e sabotagem, já que se tratava de um projeto de cunho essencialmente militar. 34 Para saber mais, ver: http://noticias.terra.com.br/ciencia/interna/0,,OI134438-EI238,00.html 35 Apesar de o resultado da perícia realizada após o ocorrido ter descartado a hipótese de imediato, estudiosos acreditam que o “acidente” possa de fato ter sido provocado por espiões americanos. Suspeitas também recaíram sobre a França, que mantém uma base espacial bem próxima ao Brasil, na Guiana Francesa, e que veria no país vizinho um concorrente nos lançamentos comerciais, o que gerou desconfiança entre civis e militares. Para detalhes, ver: CHERNIJ (Superinteressante, out. 2005), disponível em: e FERRAZ (Folha de S. Paulo, 05 nov. 2013), disponível em: . Acesso em: 21/05/2014.

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3 - Capítulo 3: Cooperação com a China – O caso CBERS e seus resultados

Nesse capítulo, serão abordadas questões referentes ao próprio caso de cooperação entre Brasil e China, assim como um breve histórico da parceria e de seu principal projeto, a linha de satélites binacionais de coleta de dados CBERS, desafios à sua concretização e uma análise crítica dos resultados do programa, seguidos de breves considerações a respeito da efetividade da cooperação entre os dois países, de seus resultados positivos e negativos e uma reflexão sobre se o mesmo foi proveitoso para satisfazer as necessidades de transferência de tecnologia e os interesses geopolíticos de ambos os países e que rumos deve tomar baseado na análise de desempenho e perspectiva de benefícios advindos dessa interação.

3.1 China-Brazil Earth Resources Satellite (CBERS)

3.1.1 Histórico As relações entre Brasil e China na área de ciência e tecnologia são, de uma perspectiva histórica, relativamente recentes. A parceria foi iniciada com o Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica de 25 de Março de 1982 (ver Anexo B), e anos mais tarde, em 1988, culminaria na assinatura de um tratado celebrado entre o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e a China Academy of Space Technology (CAST), que previa a construção de dois satélites da família CBERS, tendo sido o programa orçamentado em aproximadamente US$ 300 milhões 36 pelos dois dispositivos. A iniciativa era uma resposta brasileira à decadência das relações com os EUA naquela década (CERVO, 2008, p. 278 apud FERNANDES et alia, 2013, p. 9) e também uma estratégia chinesa de diminuir também a dependência nos Estados Unidos e Europa,

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Os custos iniciais do projeto seriam divididos em 70% para a China e 30% para o Brasil, o que mostra certa disposição dos chineses em iniciar a cooperação. Anos mais tarde, os projetos assumiriam o atual modelo mais igualitário no rateio de custos: 50% para a China e 50% para o Brasil. Fonte: INPE. Disponível em: . Acesso em: 10 mai. 2014.

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enquanto implantavam seu programa desenvolvimentista e de reestruturação interna da indústria (Idem). O projeto inicial previa dois satélites idênticos, CBERS-1 e 2. Em 2002, foi assinado novo acordo de cooperação prevendo a construção de mais dois satélites, CBERS-3 e CBERS-4, que, apesar dos esforços das duas partes em aprontá-lo o mais rápido possível, só ficariam prontos para lançamento no fim da década de 2000. Em 2004, para preencher o tempo no qual não haveria atividade de nenhum satélite por motivo de desativação do CBERS-2 devido ao fim de sua vida-útil, os dois Estados decidem construir outra versão para lançamento em 2007, o CBERS-2B, que funcionou normalmente até uma falha no sistema de alimentação causar a descarga de suas baterias em 2010, fazendo com que o INPE e a CAST o retirassem de operação permanentemente37.

3.1.2 Resultados Após a assinatura do acordo de cooperação de 1988, iniciou-se a produção do primeiro dispositivo da linha, lançado em 1999, anos mais tarde seguida da assinatura de mais acordos garantindo outras duas. O CBERS-2 entrou em órbita no ano de 2003, seguido do CBERS-2b em 2007, todos a partir do espaçoporto chinês de Taiyuan e a bordo do foguete Longa Marcha 4. A missão designada para lançar o CBERS-3, no etanto, não teve sucesso. O lançamento, executado em 9 de Dezembro de 2013 a partir da base de Taiyuan e através do foguete Longa Marcha 4B, não deu certo, e o satélite não chegou a atingir a altitude necessária para entrar em órbita, 780 Km, o que o fez cair e ser destruído antes de chegar ao chão, devido ao rápido aumento de calor na superfície causado pela resistência do ar. Nesse caso, apesar de Brasil e China terem perdido cada um o investimento de aproximadamente US$ 160 milhões, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação informou em nota oficial após o incidente que os países tiveram juntos resultados bastante positivos na P&D tecnológica e, por isso, continuariam buscando o regime de colaboração mútua para a construção de outros satélites como o

“INPE desliga o satélite brasileiro CBERS 2b”. Disponível em: . Acesso em: 07 mai. 2014. 37

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CBERS-4, que será adiantado para Dezembro de 2014 de maneira a compensar o vazio deixado por seu antecessor.

Fig. 3: Infográfico sobre o satélite CBERS-3

Fonte: http://www.g1.com.br/

3.2 Implicações na política externa brasileira e na comunidade internacional

3.2.1 Pontos positivos Apesar de todo o ceticismo sobre o projeto e dos eventuais atrasos sofridos ao longo do mesmo, a cooperação na linha de produção dos satélites CBERS foi benéfica tanto para o Brasil quanto para a China. Tal fato se comprova ao observarmos que antes da produção e lançamento nenhum dos dois países possuía total domínio da tecnologia incorporada nos satélites (SILVA, 2012, p. 67), o que comprova o sucesso da empreitada com ganhos mútuos, como em uma rodada do jogo “stag hunt” estudado anteriormente em teoria do jogos. Nesse caso, com alternativas que envolviam cooperação e ganhos recíprocos (CC), cooperação unilateral (CD ou DC) e desistência de ambos (DD), pode41

se dizer que os prospectos positivos fortaleceram o sucesso do projeto. Observando a proposta inicial de cooperação, porém, nota-se também que as circunstâncias sofreram intervenções para oferecer um cenário mais atrativo para o Brasil, já que nos três primeiros satélites do acordo (1, 2 e 2B) a divisão de custos seria desigual (70% para a China e apenas 30% para o Brasil). Esse é claramente um exemplo no qual se aplica a teoria liberal de RI de Kenneth Oye onde, como vimos anteriormente, se adotam estratégias diversas para diminuir os custos de cooperação bilateral e alterar a estrutura de possibilidades e ganhos em um jogo. Para Severino Cabral, o projeto representa um grande avanço não só para os dois Estados, mas como também para todos os outros que não têm a capacidade de lançar satélites e que urgem por avanços no campo, pois representa a quebra do monopólio pelo restrito grupo de países desenvolvidos e “demonstra a possibilidade de união e solidariedade dos países do mundo em desenvolvimento na exploração comum dos recursos do espaço e na aquisição dos avanços da mais alta ciência e tecnologia” (CABRAL, 2000, p. 28). Sobre isso, cabe destacar o programa de cooperação internacional “CBERS for Africa”, lançado pelas partes para distribuir gratuitamente aos países do continente africano imagens capturadas pelos satélites binacionais. Aqui, é evidente o intuito de fomentar a cooperação com os países de África em uma iniciativa de cooperação sul-sul. Percebe-se um grande interesse tanto brasileiro quanto chinês de expandir sua presença global para a região, o que justificaria o projeto por seu caráter político, ao mesmo tempo em que também representa abertura de novos mercados e demandas por lançamentos espaciais de satélites na região. O caso de cooperação em questão é citado na esfera internacional como uma boa referência para outros países, tanto para os Estados desenvolvidos quanto para os em desenvolvimento de suas capacidades tecnológicas. De acordo com Jiang Zemin, presidente da China no período de 1993 a 2003, “o desenvolvimento conjunto do satélite sino-brasileiro de rastreamento dos recursos da terra (CBERS) é um modelo de cooperação entre países em desenvolvimento (um modelo de cooperação Sul-Sul)” (apud CABRAL, 2000, p.28). Tomando por base a avaliação positiva do projeto, podemos afirmar que se trata não apenas de um exemplo de cooperação intra-bloco no BRICS, podendo ser reproduzido bi ou multilateralmente para fortalecimento das relações SulSul (FERNANDES et alia, 2013, p.2), mas também um ensinamento no campo da cooperação internacional entre países emergentes, já que, apesar do longo tempo para sua 42

realização e de restrições político-tecnológicas impostas por Estados do Norte Global que dominam a ciência aeroespacial, demonstrou resultados positivos para ambas as partes e colabora para o avanço das nações africanas devido à sua política de livre acesso às imagens para os países do continente. A tecnologia de imageamento disponível nos satélites permitiu a ambos os países a execução de projetos científicos de grandes proporções, como o mapeamento de lugares desabitados e de difícil acesso, demarcação cartográfica de territórios e dependências, monitoramento do desflorestamento, secas e alterações climáticas e em rios, lagos e outros biomas, demarcação de terras agrícolas destinadas para a agricultura e pecuária, além da vigilância de fronteiras e da evolução do crime organizado e do tráfico de drogas. Os dados de imageamento transmitidos pelos satélites são capturados por estações de processamento de dados espalhadas pelo terrirótio dos dois países (ver figs. 4 e 5), sendo duas no Brasil (Cuiabá e Alcântara) e três na China (Nanning, Changchun e Kashgar/Keshi). Trata-se de um recurso de suma importância para os dois países para garantir a boa administração e o exercício pleno de suas respectivas soberanias, e agrega valor positivo ao portfólio de projetos de cooperação internacional de ambos e do próprio BRICS, sendo recomendável continuá-lo planejando e lançando versões mais modernizadas e aperfeiçoadas, investindo em programas de treinamento de pessoal e intercâmbio de profissionais com know-how específico e estendendo a participação a outros membros do BRICS. Dessa maneira, de uma perspectiva liberal, podemos dizer que o CBERS foi benéfico a ambas as partes, que trabalharam conjuntamente procurando ganhos mútuos e conseguiram chegar a um cenário de relativo sucesso no projeto executado, que ganhou visibilidade e é citado como modelo de cooperação técnica entre países emergentes dentro e fora do BRICS. O empreendimento contribuiu para a aproximação política e diplomática entre as duas partes e aprovisionou certa auto-suficiência na obtenção de dados para suprir demandas nacionais sem ter de recorrer à compra de imagens de satélites estrangeiros, dando margens para uma futura expansão no sentido de continuar a produção binacional independente de barreiras não-tarifárias38 não só de satélites de observação terrestre mas como também de outros sistemas espaciais inovadores.

Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ), “Barreiras Não Tarifárias (BNTs) são quaisquer mecanismos e instrumentos de política econômica que influenciam o comércio internacional sem o uso de mecanismos tarifários”. 38

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Fig. 4: Estações de coleta de dados de satélite no Brasil e campos de alcance

Disponível em: . Acesso em: 05 mai 2014.

Fig. 5: Estações de coleta de dados de satélite na China e campos de alcance

Disponível em: . Acesso em: 05 mai 2014.

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3.2.2 Pontos negativos Todavia, a despeito de o programa CBERS ter sido um sucesso em si, talvez o mesmo não possa se dizer da própria relação de colaboração do Brasil com a China, que, ainda que tenha se mostrado aberta à proposta de fabricar conjuntamente os satélites, não abriu mão de alguns conhecimentos e evitou repassar tecnologia estratégica empregada em alguns sistemas do dispositivo em questão (FERNANDES et alia, 2013). A cooperação apresenta essa sua outra face quando falamos em problemas com restrições à transferência de tecnologia na relação Norte-Sul, i. e., entre países desenvolvidos, como os EUA e os da União Européia, e países em desenvolvimento, como o Brasil. Em relatório publicado pelo centro de pesquisas especializado Brics Policy Center, embora o programa CBERS tenha tido êxito para o Brasil no quesito de superar as restrições impostas pelos países do Norte Global, percebemos que o mesmo não aconteceu integralmente, pois foram impostas restrições pela própria China quanto a tecnologias de caráter principal dentro dos satélites (Ibid., p. 14). Fernandes et alia citam que, conquanto tivéssemos produzido com perícia complexos sistemas de dados e mesmo a parte estrutural do dispositivo, não foi delegada a institutos brasileiros a produção dos subsistemas de controle de órbita e altitude ou de propulsão e supervisão de bordo, sistemas críticos ao funcionamento e controles de manobra do satélite em órbita, o que é colocado pelos autores como um “elemento crítico fundamental à evolução do projeto CBERS” (Idem). A experiência negativa nesse ponto faz refletir sobre qual a verdadeira face dos interesses chineses na cooperação com o Brasil, abrindo espaço para indagações sobre a real natureza da relação com base na teoria de cooperação internacional. Ora, se por um lado a República Popular da China a princípio se mostrou liberal, no sentido de estar disposta a cooperar em troca de expertise em tecnologia aeroespacial e parceria política enquanto estabelecia laços diplomáticos, por um momento demonstra agir puramente a partir de uma ideologia realista, estratégica e calculista. O problema é que além de apenas fornecer tecnologia estratégica ao Brasil, se fosse o caso de que essa transferência de fato tivesse ocorrido, a RPC certamente despertaria suspeitas de atores do Norte Global que também detém o controle dessas técnicas espaciais avançadas, como os Estados Unidos, França, Rússia e a União Européia, quanto à natureza dessa relação de cooperação. Essas suspeitas, quando expressas pelos governos dos Estados em questão, criam um certo desconforto a nível global e acabam colocando tanto a China quanto o Brasil em uma 45

situação que explica a estagnação do setor aeroespacial brasileiro: o receio de que algum deles promova algum tipo de atentado ao sistema internacional de segurança coletiva, empregando a tecnologia espacial para tal. As expectativas seriam piores ainda se o caso de cooperação envolvesse a troca de tecnologia em veículos lançadores, ao invés de satélites, uma vez que esse têm potencial bélico e de destruição mais preocupantes que um satélite de sondagem remota. Apesar de ser uma das grandes necessidades do programa espacial brasileiro no momento, aperfeiçoar o foguete VLS-1 e dar sequência ao mesmo, introduzindo outros modelos, esse objetivo não está na agenda de cooperação em C&T com a China, portanto não há o envolvimento nesse tipo de projeto com o país oriental. Entendemos que, por se tratar de um tipo de projeto de natureza ambígua, tanto civil quanto militar, e cujo desenvolvimento está geralmente ligado a um passado marcial e à evolução histórica no contexto nacional em que se sucedem, o Brasil fechou as portas à cooperação internacional em veículos de lançamento.

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Consideraçoes finais Após rápida análise comparada de programas espaciais seletos em sua fase inicial, como o dos Estados Unidos, França, União Soviética e China, vimos que o Brasil, uma das primeiras nações a oficializar o desejo e tomar atitudes no sentido de criar um programa de atividades espaciais, chegou em um nível mediano de desenvolvimento, mas enfrentou diversos desafios por muito tempo insuperados e, por isso, apresenta ainda hoje certa defasagem em vários setidos. Apesar de ter recebido oficialmente uma agência espacial no ano de 1994, de caráter centralizador e integralmente civil, o programa continua de certa forma com estrutura organizacional ainda fragmentada e subordinada a órgãos de diversas áreas distintas, o que atrasa o processo decisório e operacional e resulta em menor produtividade para o setor. Além disso, persistem antigas adversidades como baixo número de servidores com formação específica, falta de verbas e orçamento insuficiente para expandir o número de projetos nacionais e internacionais, falta de apoio político e principalmente a evolução descompassada dos dois principais órgãos do programa, o INPE e o DCTA, que tomaram decisões opostas em relação à abertura para a cooperação internacional no período entre 1970 e 1990 e, por isso e por falha na integração bi-institucional (devido ao caráter civil-militar da ex-CNAE/INPE e militar do então CTA), hoje operam com os principais projetos de satélites e lançador incompatíveis. Toda essa deficiência aponta para a necessidade de reestruturar o programa, sendo a cooperação com outros Estados experientes na área imprescindível para promover a troca de conhecimento específico. Nesse sentido, o programa de cooperação CBERS, iniciado entre Brasil e China no ano de 1988, se destaca como importante elemento estruturante e de fortalecimento das relações sino-brasileiras enquanto partes do BRICS e parceiros estratégicos no contexto global. Vimos que a experiência positiva dessa coparticipação na pesquisa, desenvolvimento e lançamento da linha de satélites trouxe grandes benefícios aos dois países, que hoje em dia distribuem para outros governos e organizações gratuitamente as imagens obtidas ao longo do tempo. A estrutura de divisão de custos permitiu o lançamento de cinco projetos até o momento, dos quais três foram lançados com sucesso e apenas um falhou devido a problemas técnicos durante seu

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lançamento, o CBERS-3, tendo a próxima versão sido adiantada para dar continuidade à captura de imagens e à parceria estratégica. Mais do que apenas focar na cooperação internacional, o Brasil tinha em vista, desde o momento de cessão da cooperação em foguetes e sondagem SONDA com os americanos em 1977, a necessidade de diversificar suas parcerias estratégicas para diminuir a dependência em serviços e fornecidos por governos ou empresas norteamericanas ou européias, os dois maiores grandes expoentes da comercialização da tecnologia espacial até então. A parceria com a China, então, foi um convite a desenvolver nos dois países, com divisão de custos, uma alternativa aos satélites estadunidenses e europeus que gerou resultados satisfatórios. No etanto, o problema de restrições americanas à importação de componentes e transferência de tecnologia crítica para o Brasil, sob o argumento de controlar a exportação de peças para manufatura de equipamentos de uso dual (de capacidade comercial e beligerante) de modo a evitar riscos de proliferação de armas de destruição em massa, não foi totalmente superado. No processo de produção dos satélites CBERS não houve, a partir da China, iniciativa para transferir ao Brasil conhecimentos necessários e a responsabilidade de produzir elementos críticos a um satélite, como propulsores de manobra do aparato no espaço para controle de altitude e órbita, além de sistemas de supervisão de bordo, sistemas cruciais a qualquer satélite, embora não se tenha sido falado muito sobre isso. Longe da questão dos satélites, não foi estabelecido também nenhum tipo de programa de cooperação na produção de veículos lançadores, sobre os quais o DCTA é responsável na esfera nacional, o que, na opinião do autor, seria de suma importância para igualar o nível de desenvolvimento entre INPE e DCTA, reiterando a importância do programa espacial brasileiro e da AEB para o país enquanto representante da alta ciência e tecnologia astronáutica para aplicações civis comerciais e de pesquisa. Percebemos, de acordo com Fernandes et alia (2013), que o embargo tecnológico Norte-Sul foi substituído aqui por um embargo Sul-Sul, o que representa limitações na troca entre países em desenvolvimento e faz refletir a respeito da validade da cooperação com a China no futuro. É de conhecimento geral que tanto o programa brasileiro de satélites quanto o de veículos lançadores é visto com maus olhos por outros Estados, e vice-versa, devido à própria natureza dos equipamentos, que podem, respectivamente, fundamentar missões de espionagem por imagens aéreas e entregar tanto satélites quanto explosivos diversos ou ogivas nucleares à atmosfera ou outro alvo, e devido ao ainda 48

presente caráter militar de algumas instituições que constituem o PEB. Então, embora haja diversas razões para expandir as atividades espaciais no Brasil, país continuará encontrando dificuldades de execução enquanto não houver um completo processo de desmilitarização, além de constante reafirmação dos objetivos exclusivamente civis e pacíficos das missões operadas pelo governo e/ou por representantes do setor privado envolvidos. Diante do que foi dito, enfim, concluimos que, apesar das dificuldades de ordem econômica, política, física e estrutural enfrentadas, o programa de cooperação bilateral CBERS foi capaz de gerar resultados satisfatórios no que se refere a imageamento espacial e pelo aprimoramento das capacidades científico-tecnológicas das partes, diminuindo os custos desse tipo de operação e trazendo certa autossuficiência em relação a serviços prestados pelos Estados Unidos, França e outros países do chamado Norte Global, assim como da União Européia. O sucesso do projeto e a grande demanda por outras versões expõe sua importância para o fortalecimento das relações diplomáticas Brasil-China, que adquirem visibilidade, autonomia e se beneficiam, mesmo que assimetricamente, de seu reposicionamento no cenário global. Para que a cooperação continue, porém, é fundamental esclarecer questões como as restrições para transferência de tecnologia impostas pelo governo chinês quanto aos sistemas e subsistemas dos satélites CBERS e negociar a expansão da cooperação para outras áreas dentro do mesmo escopo, como veículos lançadores ou participação em projetos de C&T aeroespacial, após a reformulação e completa desmilitarização do programa espacial brasileiro e reafirmação de seus objetivos exclusivamente civis e pacíficos.

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Apêndices Apêndice A – Siglas e acrônimos AEB – Agência Espacial Brasileira BRICS – Brazil, Russia, India, China, South Africa C&T – Ciência e Tecnologia CAST – China Academy of Space Technology (Academia Chinesa de Tecnologia Espacial) CBERS – China-Brazil Earth Resources Satellite (Satélite de Recursos Terrestres ChinaBrasil) CLA – Centro de Lançamento de Alcântara CLBI – Centro de Lançamento da Barreira do Inferno CNAE – Comissão Nacional de Atividades Espaciais CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNSA – Chinese National Space Administration (Administração Espacial Nacional da China) COBAE – Comissão Brasileira de Atividades Espaciais COCTA – Comissão de Organização do Centro Técnico da Aeronáutica CRESDA – China Centre for Resources Satellite Data and Application (Centro Chinês e Dados de Satélites de Recursos e suas Aplicações, tradução do autor) CTA – Centro Técnico da Aeronáutica (1946); Centro Técnico Aeroespacial (1971) DCTA – Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (2009) EMBRAER – Empresa Brasileira de Aeronáutica (alterado em 2010 para apenas “Embraer S.A.”) FMI – Fundo Monetário Internacional GOCNAE – Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais IAE – Instituto de Aeronáutica e Espaço INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais ITA – Instuto Tecnológico de Aeronáutica MECB – Missão Espacial Completa Brasileira NASA – National Aeronautics and Space Administration (Administração Nacional de Aeronáutica e do Espaço) OI – Organização Internacional OIG – Organização Intergovernamental Internacional OMC – Organização Mundial do Comércio ONGI – Organização Não-Governamental Internacional ONU – Organização das Nações Unidas P&D – Pesquisa e Desenvolvimento PNAE – Programa Nacional de Atividades Espaciais RPC – República Popular da China SBDA – Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial 55

UNOOSA – United Nations Office for Outer Space Affairs (Escritório das Nações Unidas para Assuntos do Espaço Exterior) VLS – Veículo Lançador de Satélite

Apêndice B – Datas importantes 1956 – Ano Internacional de Geofísica 1957 – Lançamento do Sputnik I, primeiro satélite artificial a entrar em órbita, pela URSS 1958 – Fundação da Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço (NASA) 1961 – Criação do Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais (GOCNAE), subordinado ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), hoje Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico 1961 – Primeiro ser humano a ir ao espaço (Yuri Gagarin), a bordo da espaçonave Vostok-1 (“Leste-1”), pela URSS 1965 – Criação do Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI), em Natal (RN), dedicado à prestação de serviços de rastreio e lançamento de foguetes de sondagem nacionais e estrangeiros 1966 – Criação, no âmbito do então Ministério da Aeronáutica, do Grupo Executivo e de Trabalhos e Estudos de Projetos Espaciais (GETEPE) 1967 – Abertura para assinatura do Tratado do Espaço Exterior 1968 – Instituição da Academia Chinesa de Tecnologia Espacial (CAST) 1969 – Criação do atual IAE (Instituto de Aeronaútica e Espaço) 1969 – Primeiro ser humano a pisar na Lua (Neil Armstrong), lançado na missão Apollo 11, pelos Estados Unidos 1970 – Lançamento do primeiro satélite chinês, Dong Fang Hong-1 (“Oriente Vermelho-1”, tradução do autor) 1971 – Instituição da Comissão Brasileira de Atividades Espaciais (COBAE), órgão de coordenação interministerial presidido pelo ministro-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA) 1971 – Transformação do INPE em Instituto de Pesquisas Espaciais. Subordinado diretamente ao Ministério da Ciência e Tecnologia desde 1985, em 1990 o Inpe passou a chamar-se Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais 1977 – Fim do projeto de cooperação em foguetes de sondagem com os Estados Unidos 1979 – Instituição pelo governo federal da Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), primeiro Programa Espacial Brasileiro de grande porte, com metas de desenvolver pequenos satélites de aplicações e um veículo lançador compatível 1982 – Assinatura do Acordo em Cooperação Científica e Tecnológica, a base para tratados e acordos bilaterais posteriores, entre Brasil e China 1983 – Início da implantação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão 1988 – Assinatura de acordo entre o INPE e a CAST iniciando o Programa CBERS 1993 – Criação da Administração Espacial Nacional da China (CNSA) 56

1994 – Adesão do Brasil ao Missile Technology Control Regime – MTCR estabelecido no âmbito do G-7 1994 – Criação da Agência Espacial Brasileira (AEB), de natureza civil, inicialmente vinculada à Presidência da República e, em 1996, transferida para a alçada do Ministério da Ciência e Tecnologia 1996 – Instituição do Sistema Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (Sindae), com a finalidade de organizar a execução das atividades destinadas ao desenvolvimento espacial de interesse nacional, como o Programa Nacional deAtividades Espaciais (PNAE) 1999 – Lançamento do CBERS-1 2003 – Lançamento do CBERS-2 2003 – Explosão do foguete VLS-1 três dias antes de seu lançamento, em Alcântara 2003 – Primeiro astronauta chinês no espaço (Yang Liwei), lançado na missão Shenzhou-5 (“Navio Divino-5”), a bordo de espaçonave de mesmo nome 2007 – Lançamento do CBERS-2b 2007 – Lançamento da Chang’e-1 (nome deusa da Lua na mitologia chinesa), primeira sonda lunar da China a entrar na órbita da Lua 2013 – Perda em lançamento do CBERS-3 2014 – Nova previsão de lançamento do CBERS-4

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Anexos Anexo A – Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, inclusive a Lua e Demais Corpos Celestes de 1967

Aberto à assinatura, em 27 de janeiro de 1967, em Londres, Moscou e Washington. Assinado pelo Brasil em Moscou em 30 de janeiro de 1967 e em Londres e Washington em 2 de fevereiro de 1967. Aprovado pelo Decreto Legislativo nº 41, de 10 de outubro de 1968. Depósito dos instrumentos brasileiros de ratificação em 5 de março de 1969, junto aos Governos dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e da União Soviética. Promulgado pelo Decreto nº 64.362, de 17 de abril de 1969. Publicado no DOU de 22 de abril de 1969. Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, Inclusive a Lua e Demais Corpos Celestes

Os Estados-Partes do presente Tratado: — inspirando-se nas vastas perspectivas que a descoberta do espaço cósmico pelo homem oferece à humanidade; — reconhecendo o interesse que apresenta para toda a humanidade o programa da exploração e uso do espaço cósmico para fins pacíficos; — julgando que a exploração e o uso do espaço cósmico deveriam efetuar-se para o bem de todos os povos, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento econômico e científico; — desejosos de contribuir para o desenvolvimento de uma ampla cooperação internacional no que concerne aos aspectos científicos e jurídicos da exploração e uso do espaço cósmico para fins pacíficos; — julgando que esta cooperação contribuirá para desenvolver a compreensão mútua e para consolidar as relações de amizade entre os Estados e os povos; — recordando a resolução de 1962 (XVIII), intitulada «Declaração dos princípios jurídicos reguladores das atividades dos Estados na exploração e uso do espaço cósmico», adotada por unanimidade pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 13 de dezembro de 1963; — recordando a resolução de 1884 (XVIII), que insiste junto aos Estados de se absterem de colocar em órbita quaisquer objetos portadores de armas nucleares ou de qualquer outro tipo de arma de destruição em massa e de instalar tais armas em corpos celestes, resolução que a Assembléia Geral das Nações Unidas adotou, por unanimidade, a 17 de outubro de 1963; — considerando que a resolução 110 (II) da Assembléia Geral das Nações Unidas, datada de 3 de novembro de 1947, condena a propaganda destinada a ou suscetível de

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provocar ou encorajar qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou qualquer ato de agressão, e considerando que a referida resolução é aplicável ao espaço cósmico; — convencidos de que o Tratado sobre os princípios que regem as atividades dos Estados na exploração e uso do espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, contribuirá para a realização dos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas, convieram no seguinte: ARTIGO 1º A exploração e o uso do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, só deverão ter em mira o bem e interesse de todos os países, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento econômico e científico, e são incumbência de toda a humanidade. O espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, poderá ser explorado e utilizado livremente por todos os Estados sem qualquer discriminação, em condições de igualdade e em conformidade com o direito internacional, devendo haver liberdade de acesso a todas as regiões dos corpos celestes. O espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, estará aberto às pesquisas científicas, devendo os Estados facilitar e encorajar a cooperação internacional naquelas pesquisas. ARTIGO 2º O espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, não poderá ser objeto de apropriação nacional por proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro meio. ARTIGO 3º As atividades dos Estados-Partes deste Tratado, relativas à exploração e ao uso do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, deverão efetuar-se em conformidade com o direito internacional, inclusive a Carta das Nações Unidas, com a finalidade de manter a paz e a segurança internacional e de favorecer a cooperação e a compreensão internacionais. ARTIGO 4º Os Estados-Partes do Tratado se comprometem a não colocar em órbita qualquer objeto portador de armas nucleares ou de qualquer outro tipo de armas de destruição em massa, a não instalar tais armas sobre os corpos celestes e a não colocar tais armas, de nenhuma maneira, no espaço cósmico. Todos os Estados-Partes do Tratado utilizarão a Lua e os demais corpos celestes exclusivamente para fins pacíficos. estarão proibidos nos corpos celestes o estabelecimento de bases, instalações ou fortificações militares, os ensaios de armas de qualquer tipo e a execução de manobras militares. Não se proíbe a utilização de pessoal militar para fins de pesquisas científicas ou para qualquer outro fim pacífico. Não se proíbe, do mesmo modo, a utilização de qualquer equipamento ou instalação necessária à exploração pacífica da Lua e demais corpos celestes. ARTIGO 5º Os Estados-Partes do Tratado considerarão os astronautas como enviados da humanidade no espaço cósmico e lhes prestarão toda a assistência possível em caso de acidente, perigo ou aterrissagem forçada sobre o território de um outro Estado-Parte do 59

Tratado ou em alto-mar. Em caso de tal aterrissagem, o retorno dos astronautas ao Estado de matrícula do seu veículo espacial deverá ser efetuado prontamente e com toda a segurança. Sempre que desenvolverem atividades no espaço cósmico e nos corpos celestes, os astronautas de um Estado-Parte do Tratado prestarão toda a assistência possível aos astronautas dos outros Estados-Partes do Tratado. Os Estados-Partes do Tratado levarão imediatamente ao conhecimento dos outros Estados-Partes do Tratado ou do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas qualquer fenômeno por estes descoberto no espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, que possa representar perigo para a vida ou a saúde dos astronautas. ARTIGO 6º Os Estados-Partes do Tratado têm a responsabilidade internacional das atividades nacionais realizadas no espaço cósmico, inclusive na Lua e demais corpos celestes, quer sejam elas exercidas por organismos governamentais ou por entidades nãogovernamentais, e de velar para que as atividades nacionais sejam efetuadas de acordo com as disposições anunciadas no presente Tratado. As atividades das entidades nãogovernamentais no espaço cósmico, inclusive na Lua e demais corpos celestes, devem ser objeto de uma autorização e de uma vigilância contínua pelo componente EstadoParte do Tratado. Em caso de atividades realizadas por uma organização internacional no espaço cósmico, inclusive na Lua e demais corpos celestes, a responsabilidade no que se refere às disposições do presente Tratado caberá a esta organização internacional e aos Estados-Partes do Tratado que fazem parte da referida organização. ARTIGO 7º Todo Estado-Parte do Tratado que proceda ou mande proceder ao lançamento de um objeto ao espaço cósmico, inclusive à Lua e demais corpos celestes, e qualquer EstadoParte, cujo território ou instalações servirem ao lançamento de um objeto, será responsável do ponto de vista internacional pelos danos causados a outro Estado-Parte do Tratado ou a suas pessoas naturais pelo referido objeto ou por seus elementos constitutivos, sobre a Terra, no espaço cósmico ou no espaço aéreo, inclusive na Lua e demais corpos celestes. ARTIGO 8º O Estado-Parte do Tratado em cujo registro figure o objeto lançado ao espaço cósmico conservará sob sua jurisdição e controle o referido objeto e todo o pessoal do mesmo objeto, enquanto se encontrarem no espaço cósmico ou em um corpo celeste. Os direitos de propriedade sobre os objetos lançados no espaço cósmico, inclusive os objetos levados ou construídos num corpo celeste, assim como seus elementos constitutivos, permanecerão inalteráveis enquanto estes objetos ou elementos se encontrarem no espaço cósmico ou em um corpo celeste e durante seu retorno à Terra. Tais objetos ou elementos constitutivos de objetos encontrados além dos limites do Estado-Parte do Tratado em cujo registro estão inscritos deverão ser restituídos a este Estado, devendo este fornecer, sob solicitação os dados de identificação antes da restituição. ARTIGO 9º No que concerne à exploração e ao uso do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, os Estados-Partes do Tratado deverão fundamentar-se sobre os 60

princípios da cooperação e de assistência mútua e exercerão as suas atividades no espaço cósmico, inclusive na Lua e demais corpos celestes, levando devidamente em conta os interesses correspondentes dos demais Estados-Partes do Tratado. Os Estados-Partes do Tratado farão o estudo do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, e procederão à exploração de maneira a evitar os efeitos prejudiciais de sua contaminação, assim como as modificações nocivas no meio ambiente da Terra, resultantes da introdução de substâncias extraterrestres, e, quando necessário, tomarão as medidas apropriadas para este fim. Se um Estado-Parte do Tratado tem razões para crer que uma atividade ou experiência realizada por ele mesmo ou por seus nacionais no espaço cósmico, inclusive na Lua e demais corpos celestes, criaria um obstáculo capaz de prejudicar as atividades dos demais Estados-Partes do Tratado em matéria de exploração e utilização pacífica do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, deverá fazer as consultas internacionais adequadas antes de empreender a referida atividade ou experiência. Qualquer Estado-Parte do Tratado que tenha razões para crer que uma experiência ou atividade realizada por outro Estado-Parte do Tratado no espaço cósmico, inclusive na Lua e demais corpos celestes, criaria um obstáculo capaz de prejudicar as atividades exercidas em matéria de exploração e utilização pacífica do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, poderá solicitar a realização de consultas relativas à referida atividade ou experiência. ARTIGO 10º A fim de favorecer a cooperação internacional em matéria de exploração e uso do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, em conformidade com os fins do presente Tratado, os Estados-Partes do Tratado examinarão em condições de igualdade as solicitações dos demais Estados-Partes do Tratado no sentido de contarem com facilidades de observação do vôo dos objetos espaciais lançados por esses Estados. A natureza de tais facilidades de observação e as condições em que poderiam ser concedidas serão determinadas de comum acordo pelos Estados interessados. ARTIGO 11º A fim de favorecer a cooperação internacional em matéria de exploração e uso do espaço cósmico, os Estados-Partes do Tratado que desenvolvam atividades no espaço cósmico, inclusive na Lua e demais corpos celestes, convieram, na medida em que isto seja possível e realizável, em informar ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, assim como ao público e à comunidade científica internacional, sobre a natureza da conduta dessas atividades, o lugar onde serão exercidas e seus resultados. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas deverá estar em condições de assegurar, assim que as tenha recebido, a difusão efetiva dessas informações. ARTIGO 12º Todas as estações, instalações, material e veículos espaciais que se encontrarem na Lua ou nos demais corpos celestes serão acessíveis, nas condições de reciprocidade aos representantes dos demais Estados-Partes do Tratado. Estes representantes notificarão, com antecedência, qualquer visita projetada, de maneira que as consultas desejadas possam realizar-se e que se possa tomar o máximo de precaução para garantir a segurança e evitar perturbações no funcionamento normal da instalação a ser visitada. ARTIGO 13º 61

As disposições do presente Tratado aplicar-se-ão às atividades exercidas pelos EstadosPartes do Tratado na exploração e uso do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, quer estas atividades sejam exercidas por um Estado-Parte do Tratado por si só, quer juntamente com outros Estados, principalmente no quadro das organizações intergovernamentais internacionais. Todas as questões práticas que possam surgir em virtude das atividades exercidas por organizações intergovernamentais internacionais em matéria de exploração e uso do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, serão resolvidas pelos Estados-Partes do Tratado, seja com a organização competente, seja com um ou vários dos Estados-Membros da referida organização que sejam parte do Tratado. ARTIGO 14º 1 — O presente Tratado ficará aberto à assinatura de todos os Estados. Qualquer Estado que não tenha assinado o presente Tratado antes de sua entrada em vigor, em conformidade com o § 3º do presente artigo, poderá a ele aderir a qualquer momento. 2 — O presente Tratado ficará sujeito à ratificação dos Estados signatários. Os instrumentos de ratificação e os instrumentos de adesão ficarão depositados junto aos governos do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, dos Estados Unidos da América e da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, que estão, no presente Tratado, designados como governos depositários. 3 — O presente Tratado entrará em vigor após o depósito dos instrumentos de ratificação de cinco governos, inclusive daqueles designados depositários nos termos do presente Tratado. 4 — Para os Estados cujos instrumentos de ratificação ou adesão forem depositados após a entrada em vigor do presente Tratado, este entrará em vigor na data do depósito de seus instrumentos de ratificação ou adesão. 5 — Os governos depositários informarão sem demora todos os Estados signatários do presente Tratado e os que a ele tenham aderido da data de cada assinatura, do depósito de cada instrumento de ratificação ou de adesão ao presente Tratado, da data de sua entrada em vigor, assim como qualquer outra observação. 6 — O presente Tratado será registrado pelos governos depositários, em conformidade com o Artigo 102 da Carta das Nações Unidas. ARTIGO 15º Qualquer Estado-Parte do presente Tratado poderá propor emendas. As emendas entrarão em vigor para cada Estado-Parte do Tratado que as aceite, após a aprovação da maioria dos Estados-Partes do Tratado, na data em que tiver sido recebida. ARTIGO 16º Qualquer Estado-Parte do presente Tratado poderá, um ano após a entrada em vigor do Tratado, comunicar sua intenção de deixar de ser Parte por meio de notificação escrita enviada aos governos depositários. Esta notificação surtirá efeito um ano após a data em que for recebida. ARTIGO 17º O presente Tratado, cujos textos em inglês, espanhol, francês e chinês fazem igualmente fé, será depositado nos arquivos dos governos depositários. Cópias devidamente

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autenticadas do presente Tratado serão remetidas pelos governos depositários aos governos dos Estados que houverem assinado o Tratado ou que a ele houverem aderido. Em fé do que, os abaixo assinados, devidamente habilitados para esse fim, assinaram este Tratado. Feito em três exemplares em Londres, Moscou e Washington, aos vinte e sete dias de janeiro de mil novecentos e sessenta e sete.

Anexo B – Acordo em Cooperação Científica e Tecnológica de 1982

DECRETO No 638, DE 24 DE AGOSTO DE 1992. Promulga o Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica, entre a Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Popular da China.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, inciso VIII, da Constituição, e Considerando que o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Popular da China assinaram, em 25 de março de 1982, em Beijing, um Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica; Considerando que o Congresso Nacional aprovou esse acordo por meio de Decreto Legislativo n° 2, de 19 de março de 1984; Considerando que o acordo entrou em vigor em 30 de março de 1984 na forma de seu art. IX. DECRETA: Art. 1º O Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica, assinado em 25 de março de 1982, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Popular da China, apenso por cópia ao presente decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém. Art. 2º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 24 de agosto de 1992; 171º da Independência e 104º da República. FERNANDO Celso Lafer

COLLOR

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Este texto não substitui o publicado no DOU de 25.8.1992 ANEXO AO DECRETO DE PROMULGAÇÃO DO ACORDO DE COOPERAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA ENTRE O GOVERNO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E O GOVERNO DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA. ACORDO DE COOPERAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLOGICA ENTRE O GOVERNO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E O GOVERNO DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA O Governo da República Federativa do Brasil e O Governo da República Popular da China, Desejosos de fortalecer a cooperação entre ambos os países no campo da ciência e da tecnologia, Com base nos princípios do respeito à soberania e da não-ingerência nos assuntos internos, e Para dinamizar o desenvolvimento científico e tecnológico de ambos os países, Convêm no seguinte: ARTIGO I As Partes Contratantes promoverão o desenvolvimento recíproco da cooperação científico-tecnológica, com base no interesse e benefício mútuos, igualdade e reciprocidade em setores a serem estabelecidos por via diplomática. ARTIGO II A cooperação científico-tecnológica, a que se refere o presente Acordo, será desenvolvida através de: 1) intercâmbio de cientistas, técnicos e especialistas para estudar os conhecimentos, as experiências e os resultados obtidos nos campos científico e tecnológico, e para realizar estágios naqueles campos nas Partes Contratantes; 2) contratação mútua de especialistas e técnicos para fins de transmissão de experiências científicas e tecnológicas; 3) pesquisa conjunta de questões científicas e tecnológicas com vistas à utilização prática ulterior dos resultados obtidos; 4) organização de seminários, simpósios e conferencias;

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5) intercâmbio mútuo de documentação e informação científica e tecnológicas, bem como sementes, plantas, amostras etc. destinados à pesquisa e à experimentação científica; 6) intercâmbio de resultados de pesquisas e experimentos, inclusive de licenças e patentes; 7) outras formas de cooperação científica e tecnológica a serem acordadas pelas Partes Contratantes. ARTIGO III 1. As Partes Contratantes poderão concluir Ajustes Complementares ao presente Acordo, com base nos quais se desenvolverá a cooperação. 2. Cada Ajuste Complementar estabelecerá as condições de cooperação, o conteúdo dos projetos específicos, órgãos de execução, bem como a duração, datas de execução e número de cientistas, técnicos e especialistas necessários a execução dos projetos indicados. 3. Os Ajustes Complementares mencionados nos parágrafos 1 e 2 acima serão negociados e aprovados por via diplomática ou pela Comissão Mista Brasil-China de Cooperação Científica e Tecnológica, estabelecida segundo o estipulado no Artigo IV. ARTIGO IV 1. As Partes Contratantes concordam em estabelecer uma Comissão Mista BrasilChina de Cooperação Científica e Tecnológica, que terá a incumbência de deliberar sobre os assuntos relacionados com a execução do presente Acordo e dos Ajustes que lhe forem complementares, especialmente através da avaliação periódica dos resultados alcançados e da formulação de recomendações para ambas as Partes. 2. A Comissão Mista Brasil-China de Cooperação Científica e Tecnológica será coordenada pelo Ministério das Relações Exteriores da República Federativa do Brasil e pelo Ministério das Relações Econômicas e Comércio com o Exterior da República Popular da China, e se reunirá alternadamente no Brasil e na China, sempre que julgado conveniente por ambas as Partes. 3. As reuniões da Comissão Mista Brasil-China de Cooperação Cientifica e Tecnológica poderão, quando as Partes julgarem necessário ser simultâneas ás da Comissão Mista Comercial Brasil-China. 4. Nos intervalos entre as reuniões da Comissão Mista Brasil-China de Cooperação Cientifica e Tecnológica, os contatos entre os organismos executivos, no quadro do presente Acordo, serão assegurados por via diplomática.

ARTIGO V

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O método de pagamento das despesas a serem efetuadas em função do presente Acordo será determinado por via diplomática ou pela Comissão Mista Brasil-China de Cooperação Científica e Tecnológica. ARTIGO VI O ministério das Relações Exteriores da República Federativa do Brasil e o Ministério das Relações Econômicas e Comércio com o Exterior da República Popular da China serão os organismos executivos do presente Acordo. ARTIGO VII Os cientistas, técnicos e especialistas enviados por uma das Partes Contratantes à outra, para os fins de que trata o Artigo II do presente Acordo, submeter-se-ão as disposições da legislação nacional do país receptor e não poderão dedicar-se a qualquer atividade alheia as duas funções sem a autorização prévia de ambas as Partes. ARTIGO VIII As Partes Contratantes tomarão as medidas cabíveis para o cumprimento do disposto no presente Acordo e, para tanto, proporcionarão as facilidades necessárias, de conformidade com as leis vigentes em cada país. ARTIGO IX 1. Cada Parte Contratante informará a outra, por via diplomática, do cumprimento dos requisitos legais internos necessários a aprovação do presente Acordo, o qual entrará em vigor na data da segunda notificação. 2. O presente Acordo terá a vigência de 5 (cinco) anos e será renovado, automaticamente, por períodos iguais e sucessivos, a menos que uma das Partes Contratantes notifique a outra de sua decisão de denunciá-lo. Neste caso, a denúncia surtirá efeito 90 (noventa) dias após a data de recebimento da notificação. 3. O término do presente Acordo não afetará o desenvolvimento de programas e projetos em execução, decorrentes dos Ajustes Complementares previstos no Artigo III, salvo se as Partes Contratantes Convierem de forma diversa. Feito em Beijing, aos 25 dias do mês de março de 1982, em dois exemplares originais, nos idiomas português e chinês, sendo ambos os textos igualmente autênticos. PELO GOVERNO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL Chanceler (Ramiro Saraiva Guerreiro) PELO GOVERNO DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA: Chanceler (Huang Hua)

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Cronograma

Fases / Meses Escolha do tema Levantamento bibliográfico Elaboração do projeto Entrega do projeto Organização dos capítulos Redação da monografia Revisão textual final Entrega do trabalho Defesa da monografia

set/13 out/13 nov/13 dez/13 jan/14 fev/14 mar/14 abr/14 mai/14 jun/14 X X

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