O Programa Minha Casa Minha Vida e seus efeitos eleitorais

May 30, 2017 | Autor: S. Simoni Junior | Categoria: Housing Policy, Distributive Politics, Programa Minha Casa Minha Vida
Share Embed


Descrição do Produto

O Programa Minha Casa Minha Vida e seus efeitos eleitorais1

Edney Cielici Dias2 e Sergio Simoni Junior3

Resumo: Uma das principais linhas de pesquisa da ciência política investiga em que medida existe uma relação entre a distribuição de gastos públicos e resultados eleitorais. O presente artigo procura dar uma contribuição a essa corrente de estudos ao analisar o processo de contratação de moradias do Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) no Estado de São Paulo. A emergência do programa está diretamente ligada à estratégia eleitoral do PT em nível nacional, elaborado e implementado como medida anticíclica em preparação às eleições gerais de 2010. A conexão da implementação da política pública com resultados eleitorais propriamente ditos não foi, no entanto, objeto de investigação detida até o momento. Este artigo visa contribuição inicial para o entendimento da questão. Os resultados encontrados indicam que, contrariamente ao que seria esperado, o PT não se beneficiou eleitoralmente do programa em São Paulo, apresentando mesmo uma desvantagem eleitoral em alguns testes que realizamos. Essas evidências merecem mais desdobramentos teóricos e empíricos.

Palavras chave: Minha Casa Minha Vida; política pública; competição eleitoral; PT; Estado de São Paulo.

1 Trabalho financiado pela Capes/Proex. 2 Doutorando em Ciência Política pelo DCP-USP. E-mail: [email protected]. 3 Doutorando em Ciência Política pelo DCP-USP. E-mail: [email protected]. Bolsista Capes.

0

1 - Introdução A relação de gastos públicos com a agenda eleitoral é característica das democracias, sendo objeto de uma vasta tradição de estudos na ciência política. As decisões maximizadoras de votos condicionadas pelo investimento governamental são, no entanto, mediadas pela dinâmica do processo de escolha e implementação da política pública, o que implica considerar relações causais complexas na investigação do problema. Este artigo, ainda em versão inicial, visa uma contribuição a essa linha de pesquisas, considerando um exemplo recente de política social adotada no Brasil. O Minha Casa, Minha Vida (MCMV) representa uma quebra de paradigma na política habitacional brasileira por conceder um volume expressivo de subsídios às famílias na aquisição de casa própria e também ao colocar construtoras como protagonistas na proposição de projetos de moradia social. Lançado no contexto de políticas anticíclicas de combate aos efeitos da crise financeira mundial de 2008, o programa compôs o repertório de medidas de sustentação do projeto desenvolvimentista do PT, que se pretendia contribuir para que o PT e o presidente Lula lograsse eleger sua sucessora, Dilma Rousseff, nas eleições gerais de 2010. Se a ligação do programa com a estratégia de poder petista está demostrada (DIAS, 2012 e 2015), o entendimento de como isso se dá no plano eleitoral é tema que carece de investigação e justifica este trabalho. De uma forma geral, como a implementação da política pública se relaciona com os resultados eleitorais? Estes são determinados em parte pela alocação de recursos da política pública? Alternativamente, a decisão do governo de fazer este ou aquele investimento é afetada pela distribuição dos votos nas eleições anteriores? Qual a hipótese alternativa caso essas relações diretas não se verifiquem? O foco de investigação se detém no Estado de São Paulo, que concentra o maior volume de necessidades habitacionais na Federação e que é governado pelo PSDB, partido de oposição ao governo federal – adicionalmente, o Estado destina parte da arrecadação do ICMS, referente a um ponto percentual da alíquota, para a provisão de moradias, o que lhe confere autonomia de recursos para essa política pública. Segundo dados do Censo de 2010, São Paulo detinha 20,1% do déficit habitacional brasileiro e, em novembro de 2014, dados oficiais mostram que 17,9% das contratações do MCMV haviam sido realizadas no Estado. Logo, as contratações expressivas do programa no território paulista estão abaixo da distribuição do déficit habitacional – indicador que baliza a Política Nacional de Habitação, mas esse resultado pode, em dada medida, ser atribuído a fatores relacionados à própria dificuldade de contratação de empreendimentos em especial relacionada ao preço da terra em áreas metropolitanas. Assim, interessa-nos saber: como essas contratações no Estado se distribuíram entre os municípios? É condicionada pela presença de prefeito do petista ou da base aliada do governo federal ou guarda mais fortemente uma relação com o déficit habitacional? A distribuição de contratação de moradias favoreceu os resultados eleitorais da base de sustentação do governo federal? 1

Os resultados encontrados caminham no sentido contrário ao que se poderia esperar do discurso político dos atores envolvidos e do senso comum: os empreendimentos contratados nos municípios paulista tem pouca relação com a distribuição partidária local e com a competição presidencial. Quando essa relação é estatisticamente significativa, ela aponta no sentido negativo, ou seja, quanto mais unidades do MCMV foram contratadas, mais o PT se viu prejudicado nos pleitos para a presidência da república e para as prefeituras. A explicação e a interpretação teórica dos resultados, bem como a ampliação da análise para o nível nacional, faz parte da agenda de pesquisa sobre essa temática que iniciamos com este artigo. Este trabalho se desenvolve, na seção 2, com uma breve revisão da literatura de conexão eleitoral e de política habitacional. A seção 3 trata do MCMV, seu contexto e características. Na seção 4, são detalhados os testes realizados. As conclusões e os próximos passos da pesquisa estão sumarizados na seção 5.

2 – Conexão eleitoral e política habitacional Quais são as principais vertentes dos estudos que relacionam a competição eleitoral e as políticas públicas? Os termos do debate estabelecidos pelos textos clássicos, LINDBECK e WEIBULL (1987), COX e MCCUBBINS (1986), DIXIT e LONDREGAN (1998) e MELTZER e RICHARD (1981) dentre outros, consistiam em verificar como seria o jogo redistributivo em diferentes configurações de competição eleitoral: quando, de que forma e quais partidos defenderiam políticas redistributivas tendo em vista diferentes distribuições ideológicas e socioeconômicas dos eleitores.

Os modelos abarcam duas

perspectivas: as estratégias dos partidos na oferta de políticas públicas e o comportamento dos eleitores. Na primeira abordagem, é analiticamente importante considerar que, se toda política pública embute, em maior ou menor grau, um cálculo eleitoral, sua distribuição é condicionada pelo seu desenho e pelas complexidades de seu implementação. Na segunda perspectiva, por sua vez, ressaltamos que a resposta eleitoral não é resultado automático dos objetivos e estratégias dos partidos. Em outras palavras, os resultados eleitorais podem não ser afetados pela estratégia partidária. De modo geral, os estudos brasileiros que apresentam essa questão de pesquisa buscam, de um lado, verificar se existe relação entre emendas orçamentárias de deputados e suas bases eleitorais (AMES, 2001; PEREIRA E RENNÓ, 2007) e, de outro, em verificar se e em que grau existe um efeito eleitoral do Programa Bolsa-Família nas eleições presidenciais (ZUCCO, 2008; 2013, NICOLAU e PEIXOTO, 2007; HUNTER e POWER, 2007). No entanto, pouco se analisou o impacto de outras políticas públicas nas eleições brasileiras. Com este trabalho, procuramos avançar para uma maior compreensão da relação entre políticas públicas e eleições no Brasil, analisando as contratações de empreendimentos um programa do governo federal de grande visibilidade e com desenho diverso dos tradicionalmente estudados programas de transferência de renda. 2

A escolha de investimento em uma dada política pública, como mostra a literatura específica, é em regra um processo complexo, entremeado por confluência de agendas, estratégias graduais e experiências de aprendizagem.4 No campo da ciência política, AZEVEDO E ANDRADE (1982) e AZEVEDO (1988) trataram a relação da habitação com o clientelismo no período pré-1964 e, durante o governo militar, como projeto de favorecimento à classe média de forma a dar sustentação ao regime. MELO (1988 e 1993) dedicou-se a estudar atores, alianças e formação de agenda no período militar e na Nova República; ARRETCHE (1990, 1995 e 1996), por sua vez, analisou os modelos de provisão habitacional em perspectiva comparada e a fragmentação institucional da política pública ocorrida na democratização. A esses trabalhos, seguiu-se uma quase ausência de produção acadêmica, sintomaticamente relacionada ao segundo plano ao qual a habitação foi relegada na democratização. De Sarney a FHC, a política habitacional se tornou, à exceção de iniciativas isoladas, um assunto incômodo para os governos. A agenda de reformas do governo FHC, na análise de ARRETCHE (2002), visou rever o paradigma de centralização da política habitacional dos governos militares, por meio da descentralização da alocação dos recursos federais e pela introdução de princípios de mercado na provisão de serviços, com o objetivo de abrir espaço para a participação do setor privado e introduzir uma política de crédito para o mutuário final. Mas, como mostram os indicadores de produção, efeitos substantivos disso não seriam verificados na gestão tucana. A retomada da produção em grande escala da produção de moradias se deu com ascensão do PT à Presidência da República, como postulava sua proposta de governo de Lula (INSTITUTO CIDADANIA, 2000), que enxergava a habitação como elemento decisivo de política social e também promotora de geração de renda e emprego na economia, em uma confluência de interesses com o empresariado da construção civil (DIAS, 2012 e 2015). Nesse contexto, emerge o Minha Casa, Minha Vida, comentado a seguir.

3 – Emergência do Minha Casa, Minha Vida O programa representou uma dupla quebra de paradigma. Em uma perspectiva, inovou pelo volume de subsídios anunciados, aproximadamente R$ 110 bilhões na meta original das suas duas fases. O papel do setor privado, em outro ponto de vista, passou a ser central na formulação e execução de projetos de moradia social, contanto com uma estrutura até então inédita na Caixa Econômica Federal. Deu-se materialidade à participação do setor privado, de organizações não-governamentais e das próprias comunidades beneficiadas na formulação dos projetos, com ampliação da faixa de atendimento (MARICATO, 2007 e 2009). A política habitacional desenvolveu-se a partir de então por meio de dois eixos (DIAS, 2012):

4

Não é o caso de detalhar os modelos de análise de políticas públicas, seus ciclos e subsistemas. A discussão sintética desses temas se encontra, por exemplo, em HOWLETT, RAMESH E PERL (2013).

3



Qualificação de mercado: com aperfeiçoamento institucional, de forma a assegurar segurança jurídica às operações e determinação de aplicação dos principais fundos habitacionais em habitação;



Recursos à política social: com crescente participação dos recursos orçamentários destinados à política de habitação, o que se acentua ainda mais com o PMCMV, a partir de 2009.

A débâcle financeira mundial, ocorrida em 2008, representava um problema gravíssimo para a agenda econômica interna, particularmente em um momento delicado do ponto de vista da agenda eleitoral. O governo passou, então, a mobilizar todos os elementos que impedissem a queda do nível da atividade econômica, em uma resposta keynesiana não só em termos de política de gastos públicos e de oferta de crédito. Os investimentos em habitação representavam uma boa alternativa – a despeito dos avanços na produção de moradias até então, o crédito habitacional estava ainda no patamar de 2% do PIB em 2008 – em contraste com os 12,5% no México e percentuais superiores a 50% nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Espanha. O governo federal havia definido em 2007 investimentos em habitação no PAC, visando sobretudo a urbanização de favelas, mas as obras seguiam em um ritmo lento em razão de processos burocráticos morosos. Nesse contexto, a habitação configurava-se um problema social que poderia ser enfrentado de maneira mais incisiva no pacote de medidas anticíclicas. A ideia de um programa habitacional de grande escala ganha força então junto à Presidência da República. É adotado um projeto nos moldes defendidos pelas entidades representativas da indústria da construção civil, no qual o governo deveria acentuar estimular a edificação formal e fomentar meios mais acessíveis de crédito habitacional com subsídios.5 O movimento social de moradia é convencido a participar do MCMV, pois poderia gerir pequena parte dos projetos habitacionais – 1% do total das unidades contratadas até agosto de 2013. Se a crise e a agenda eleitoral impuseram o MCMV como medida estimuladora do crescimento econômico, o programa representava, ao mesmo tempo, um passo adiante na lógica de progressão de benefícios sociais. Significou uma mudança pragmática de rota na condução da política habitacional, com a quebra do que a militância petista ligada ao movimento de habitação defendia fortemente, ou seja, uma via com forte ênfase na urbanização de assentamentos precários e construção autogerida.6 No início do governo Lula, havia o compromisso histórico de aprovar o FNHIS (Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social), o que resultou em um instrumento de natureza orçamentária com características que restringem fortemente a operacionalidade dos programas. O MCMV, em contraste, daria condições de execução na parceria com empresas privadas, não sujeitas aos trâmites dos órgãos de controle do governo e à necessidade de licitação. O desenho institucional do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), instituído no governo FHC e utilizado na Faixa 1 do PMCMV, possibilita o repasse de recursos de forma direta às empresas 5 6

Sobre os fatores que determinaram a formatação do PMCMV, ver DIAS, 2012 e 2015. Sobre esse aspecto, ver BONDUKI (2008 e 2009) e ROLNIK E NAKANO (2009).

4

executoras. A lei 11.977, de 2009, possibilitou o repasse de recursos orçamentários de forma não contingenciável, sem as dificuldades de transferência às quais o FNHIS está sujeito (DIAS, 2012). O MCMV não é propriamente uma jabuticaba institucional, ou seja, uma criação tipicamente brasileira, mas está associado a um paradigma implementado em países como o Chile e o México, em uma tendência de reduzir a intervenção direta dos agentes públicos no processo de provisão habitacional e de estimular a participação do setor privado, de organizações não governamentais e das próprias comunidades beneficiadas. A política de maior participação do mercado privado na provisão de habitação em países em desenvolvimento foi fortemente advogada pelo Banco Mundial nos anos 80. “Nessa década, o banco e teóricos desenvolveram uma estratégia denominada de facilitação (enabling), que tinha como princípio básico o apoio do setor público à atividade do mercado privado nesse setor” (WERNA ET AL., 2001, pág. 45). Com o MCMV, as construtoras passam a ter um papel que ultrapassa a edificação em si, atuando também na elaboração de projetos habitacionais de cunho social e na sua viabilização, em parceria com Estados, prefeituras e entidades pró-moradia. A Caixa Econômica Federal, além de sua tradicional função de financiadora, torna-se a grande facilitadora dos projetos, responsável pela coordenação das ações públicas e privadas nos empreendimentos, sendo – de fato – o grande agente executivo do programa. A instituição passou a ser responsável pela efetivação de um coupling entre o setor público e o setor privado na proposição, viabilização e implementação de projetos habitacionais de interesse social. Nesse contexto, uma curva de aprendizado que envolveu as unidades da Federação, as empresas construtoras e a instituição financeira (DIAS, 2012). O programa está estruturado por faixas de atendimento, sendo a Faixa 1 a voltada à população de mais baixa renda (ver Quadro 1) e tem como fonte recursos orçamentários. Em um aumento progressivo de renda, a Faixa 2 embute subsídios do FGTS na forma de desconto no preço final do imóvel. A Faixa 3, para uma faixa de renda mais alta, não traz subsídios diretos, mas condições gerais de crédito facilitada presentes nas demais faixas. Para dar uma ideia do salto do volume subsídios embutidos no MCMV em relação ao passado, basta considerar que foram direcionados, de 2003 a 2006, aproximadamente R$ 6 bilhões em subsídios do FGTS e do Orçamento Geral da União (OGU) para uso habitacional (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2010). O montante de subsídios do FGTS foi mais elevado nos anos de 2006 e 2008 de acordo com Maricato (2011), com aproximadamente R$ 1,8 bilhão/ano. O MCMV, por sua vez, teve previsão de mais R$ 34 bilhões em subsídios em sua fase 1, valor que mais do que dobraria na fase 2, chegando a R$ 72,6 bilhões. Em resumo, o MCMV surge de em uma conjuntura de crise, em contexto de cálculo eleitoral, e também reflete aprendizados ao longo de um caminho de reestruturação da política habitacional brasileira. O MCMV representa uma quebra de paradigma, produto de uma lógica de reconstrução política pública, 5

conferindo a esta operacionalidade e propiciando salto em termos de produção. Essa quebra de paradigma, construída gradualmente, teve como elemento catalisador a crise financeira mundial de 2008 e a bandeira eleitoral petista em nível nacional, que implicava a geração de renda e emprego e expansão de programas sociais (DIAS, 2012 e 2015).

Quadro 1 – As Faixas de atendimento do MCMV Faixa 1 Para famílias de renda mensal até R$ 1.600, com subsídios que podem superar 90% do valor do imóvel. Operação por meio do FAR (Fundo de Arrendamento Residencial), com atuação principalmente nas cidades médias e grandes, e por OPRs (Ofertas Públicas de Recursos) em municípios com população de até 50 mil habitantes. Para a Faixa 1, há Programa Habitacional Popular-Entidades, voltado a cooperativas e associações habitacionais e também programa específico para a habitação rural. Os imóveis são comprados com recursos do FAR e orçamentários, com base em um valor máximo estabelecido para cada região. Nas modalidades do MCMV voltadas às famílias de mais baixa renda, as funções que cabem aos entes federativos (municípios, estados e DF) são: seleção e o cadastramento dos beneficiários, medidas de facilitação dos projetos, como de desoneração tributária, realização de aportes financeiros ou de bens, como doação de terrenos. Cabe ao poder municipal público estabelecer instrumentos de política urbana, como zonas especiais de interesse social. Faixa 2 Para famílias com renda familiar de R$ 1.600 a R$ 3.275, com subsídios na forma “descontos” no valor imóvel pelo FGTS. A política de concessão de subsídios do Conselho Curador do FGTS estabelece prioridade de aplicação a municípios integrantes de RMs ou equivalentes, municípios-sedes de capitais estaduais e municípios com população urbana igual ou superior a 100 mil habitantes. O valor do desconto chega ao equivalente a uma subvenção máxima de OPR para imóveis de valor bem mais elevado do que na Faixa 1. Faixa 3 Para famílias de renda familiar de R$ 3.275 até R$ 4.300 (ou R$ 5.400 em municípios integrantes de Regiões Metropolitanas ou equivalentes, capitais estaduais ou municípios com população igual ou superior a 250 mil habitantes). Trata-se uma faixa que não tem subsídios na forma de descontos, mas traz que traz vantagens para as 6

famílias de renda relativamente baixa pela própria disponibilidade de crédito do FGTS em contextos urbanos valorizados. Fonte: KRAUSE, BALBIM E LIMA NETO (2013)

O critério geral de distribuição do MCMV pode ser resumido no disposto no decreto 6.962:

Art. 5º – Os recursos do PNHU serão distribuídos entre as unidades da Federação, de acordo com a estimativa do déficit habitacional, considerando os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD, da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, referentes ao ano de 2007 e suas atualizações. Parágrafo único. É facultado ao Ministério das Cidades efetuar remanejamentos de recursos entre unidades da Federação, em função da demanda qualificada para contratação.

Isso significa que, a despeito, da orientação geral de obedecer à distribuição de acordo com as carências habitacionais das unidades da Federação, o governo tem discricionariedade de remanejar recursos em razão da capacidade de contratação, ou seja, da existência de projetos qualificados nos municípios. Essa discricionariedade poderia, também, ser utilizada na distribuição das contratações de acordo com a preferência do governo federal, ou seja, privilegiando o próprio PT e sua base aliada. A pesquisa do déficit habitacional com base na PNAD possibilita estimar o indicador por Estado, mas não por município. Para esse fim, é necessária uma base censitária, o que ocorreu apenas em 2010. A base de déficit habitacional utilizada neste estudo foi calculada por FURTADO, LIMA NETO E KRAUSE (2013) e segue a metodologia da Fundação João Pinheiro, utilizada pela Secretaria da Nacional de Habitação como referência no diagnóstico as deficiências habitacionais.

4 – Análise do MCMV no Estado de São Paulo

Analisaremos, de forma independente, duas direções de relações causais: de um lado, se e como a posse de prefeituras impacta na distribuição da política pública, de outro, como a distribuição de unidades do MCMV afeta os resultados presidenciais. Para o primeiro tipo de pergunta, verificaremos inicialmente se a distribuição partidária das prefeituras tem efeito na distribuição de unidades contratadas. Particularmente, se municípios administrados por PT e demais partidos da base aliada têm mais investimentos, em termos de

7

unidades contratadas, do que a oposição. Chamamos essa análise (i) de teste da discricionariedade na distribuição de unidades do MCMV. Para a segunda pergunta, verificaremos se a distribuição de unidades do MCMV resulta em mais votos para o PT no pleito presidencial. Assim, a soma das unidades contratadas em 2009 e 2010 será utilizada como variável independente do desempenho do PT para presidente nos municípios de São Paulo em 2010, e aquelas contratadas entre 2009 e 2014 serão as explicativas da votação do partido em 2014. Denominamos esse problema de pesquisa como (ii) efeito eleitoral da distribuição do MCMV nas eleições presidenciais (2010 e 2014) Por fim, aprofundaremos a análise municipal destacando a relação entre a força local de PT e PSDB em 2008 e 2012 e os empreendimentos da política social habitacional. Neste caso, selecionamos aquelas cidades que elegeram prefeitos do PT e do PSDB em 2008 e as separamos em três grupos cada: o primeiro engloba aquelas que mantiveram esses respectivos partidos no controle do executivo local em 2012, o segundo inclui aquelas cidades que ambos os partidos perderam a incumbência nesta segunda eleição e o terceiro diz respeito àqueles municípios que passaram por uma troca de comando entre PT e PSDB, ou viceversa, entre 2008 e 2012. A intenção é verificar se existe alguma relação entre a trajetória da competição eleitoral entre PT e PSDB local com as unidades contratadas do MCMV. Chamamos este teste de (iii) competição municipal entre PT e PSDB e distribuição do MCMV. Nossa unidade de análise é sempre o município. Ele é a unidade de distribuição do MCMV e assumimos, provavelmente de forma razoável, que é a unidade geográfica principal na estratégia eleitoral dos partidos. Nosso banco de dados contém, para as 645 cidades do Estado de São Paulo, todas as unidades do MCMV contratadas anualmente de 2009 até 2014, assim como as demais informações demográficas. Para analisarmos essas relações, utilizamos tanto modelos de mínimos quadrados ordinários multivariados quanto uma análise descritiva. Como variáveis de controles, incluímos características de referência para o desenho dessa política pública: o déficit habitacional, os municípios que pertencem a Regiões Metropolitanas e os com menos de 50.000 habitantes. A seguir apresentamos os resultados de nossas análises:

(i)

Discricionariedade na distribuição de unidades do MCMV

Neste primeiro momento, buscamos verificar se a distribuição do programa está relacionada com o quadro partidário nos municípios paulistas. Consideramos os resultados das eleições de 2008 como um dos possíveis determinantes do MCMV. Interessa-nos saber, por exemplo, se municípios do PT recebem mais investimentos habitacionais, ou se cidades governadas pelo PSDB recebem menos. 8

Para tanto, agregamos as cidades do Estado de São Paulo de acordo com os partidos que a governavam e tratamos esses agregados como unidade de análise. Somamos o número de unidades do MCMV contratadas entre 2009 e 2012, e dividimos pelo número somado de domicílios e de domicílios em déficit das cidades, sempre obedecendo à agregação de acordo com a agremiação partidária eleita em 2008. Nosso objetivo é verificar se existe diferença de contratações desta política social entre os diferentes partidos, com as devidas ponderações. Selecionamos para análise os partidos que consideramos importantes para compreender a possível lógica entre a disputa partidária e entre coalizão e oposição na referida política pública. Além de PT e PSDB, incluímos o PMDB, dada sua importância nacional na coalizão federal e na história da política estadual de São Paulo; o DEM, um dos principais opositores do PT no plano federal e partido do prefeito da capital eleito em 2008; o PSB, um aliado histórico do PT e que apresentara um crescimento notável no período que estamos analisado; e o PP, membro da coalizão federal e titular da pasta do Ministério das Cidades de então. Na Tabela 1 encontram-se os dados descritivos da presença local dos partidos. Observamos que, enquanto PSDB se destaca na posse de diferentes prefeituras, o DEM administrou, naquele período, cerca de um terço dos domicílios paulistas, e dos domicílios em déficit. O PT, por sua vez, elegeu-se em cerca de 10% das cidades, ficando atrás de PSDB, DEM e PMDB. No entanto, os domicílios que governava compunham quase 17% do total do Estado.

Tabela 1 – Porcentagens de municípios, domicílios e de domicílios em déficit por partido eleito em 2008, % sobre o total do Estado Partidos

% município

% domicilio

% déficit

DEM PMDB PP PSB PSDB PT

11,94 10,85 3,57 4,03 31,63 9,92

34,67 8,39 0,73 3,79 17,72 16,70

37,31 8,02 0,60 3,94 15,90 17,92

Fonte: Governo federal, TSE.

A tabela abaixo apresenta o número de unidades contratadas do MCMV, ponderado pelo número de domicílios e de déficit habitacional, calculado pelo somatório dos municípios administradas por esses partidos. Destacamos que PSB e PT apresentam um número maior de empreendimentos do programa social quando visto como proporção do total de domicílios (segunda coluna), ao passo que DEM e PP apresentam os menores números; PSDB e PMDB, por sua vez, ficam em posição intermediária. 9

Tabela 2 – Distribuição das contratações do MCMV (2009-2012) entre partidos em SP, % sobre o total do Estado

Partidos

MCMV 2009-2012 / domicilio

MCMV 2009-2012 / deficit

DEM PMDB PP PSB PSDB PT

1,96 3,59 1,76 5,26 3,82 4,43

17,86 36,79 20,71 49,50 41,71 40,38

Fonte: Governo federal, TSE.

No entanto, quando ponderamos pelo número de domicílios em déficit, a terceira coluna da tabela 2, observamos que prefeituras do PT e do PSDB receberam número de unidades similares. O PSB mantém a dianteira, o PMDB posição mediana, à frente do PP. As cidades governadas pelo DEM, por seu turno, foram as que menos unidades habitacionais foram contratadas, apenas cerca de 18% do total do déficit habitacional. Em síntese, os números não são claros no que diz respeito à existência de uma lógica partidária da distribuição do MCMV entre 2009-2012 nos municípios paulistas: enquanto PSB e PT tem certa proeminência, o que poderia indicar um possível favorecimento da base governista federal, a ponderação pelo déficit habitacional torna o PT similar ao PSDB. Por sua vez, o PP, partido que possui a titularidade do Ministério das Cidades naquele momento, apresentou baixas taxas de contratações. O baixo desempenho do DEM é o único caso que poderia mostrar uma estratégia partidária. No entanto, como mostramos na tabela 3 abaixo, esse desempenho é influenciado por uma única cidade: São Paulo. A tabela abaixo replica as informações de acima sobre os municípios administrados pelos diferentes partidos, com a exclusão da capital do Estado:

Tabela 3 – Porcentagens de municípios, domicílios e de domicílios em déficit por partido eleito em 2008, % sobre o total do Estado, exceto cidade São Paulo Partidos

% município

% domicilio

% déficit

DEM PMDB PP PSB PSDB PT

11,80 10,87 3,57 4,04 31,68 9,94

9,71 11,60 1,00 5,24 24,50 23,09

9,35 11,59 0,87 5,70 22,98 25,91

Fonte: Governo federal, TSE.

10

Observamos agora que o DEM diminui muito sua participação tanto no total de domicílios administrados quanto no de domicílios em déficit. A tabela 4 mostra a distribuição do MCMV nesse novo cenário:

Tabela 4 – Distribuição das contratações do MCMV (2009-2012) entre partidos em SP, sobre domicílio e domicílio em déficit, exceto cidade São Paulo

Partidos

MCMV 2009-2012 / domicilio

MCMV 2009-2012 / déficit

DEM PMDB PP PSB PSDB PT

4,48 3,59 1,76 5,26 3,82 4,43

47,55 36,79 20,71 49,50 41,71 40,38

Fonte: Governo federal, TSE.

Com a exclusão da capital do Estado, a distribuição do Minha Casa Minha Vida entre os diferentes municípios apresenta padrão mais igualitário: enquanto o PSB mantém a dianteira, agora o segundo partido com mais investimentos é o DEM, seguido por PSDB, PT e PMDB. O PP se apresenta mais abaixo. Esses resultados necessitam de aprofundamentos futuros para melhor compreensão. A coordenação entre o governo federal e as prefeituras para a implementação da política é um elemento-chave que ainda não incorporamos adequadamente em nosso modelo analítico. Além disso, nos dados apresentados acima não controlamos pelo fato da cidade pertencer a uma região metropolitana. No entanto, podemos concluir com as evidências aqui levantadas que a discricionariedade na distribuição de unidades do MCMV não mostra um claro padrão de viés partidário. Abaixo abordaremos essa questão de outra forma, analisando se MCMV está relacionado ao voto do PT nas corridas presidenciais de 2010 e 2014.

(ii)

Efeito eleitoral da distribuição do MCMV nas eleições presidenciais (2010 e 2014)

Inicialmente, apresentamos algumas estatísticas descritivas dos dados. Nos dois anos iniciais do programa Minha Casa Minha Vida, 2009 e 2010, 181.915 unidades foram contratadas nos municípios de São Paulo. Em termos absolutos, evidentemente, a capital do estado foi a que mais recebeu investimentos, da ordem de 28.838 unidades habitacionais, seguida por Campinas e Guarulhos; 132 cidades, por sua vez, não foram alvo de nenhuma contratação nesse período inicial do programa. Em termos relativos, ou seja, tendo em vista o número de domicílios em cada municípios, o MCMV esteve mais presente na cidade de 11

Cajamar, com 13% de cobertura do total de domicílios. Na cidade de São Paulo, essa cobertura foi da ordem de 0,8%, ou seja, de pequeníssima magnitude. Em relação aos dados eleitorais, os municípios da cidade de São Paulo apresentaram a seguinte distribuição, em média, o PT obteve 38,33% de votos válidos, enquanto que o PSDB, 45,49%. Os desvio-padrões são de 9,4% e 8,97%, respectivamente A tabela 5 abaixo apresenta os resultados de nossas estimativas. A primeira coluna mostra o resultado de uma regressão simples da proporção de votos do PT para presidente em 2010 em cada cidade paulista sobre número de unidades contratadas pelo MCMV em 2009 e 2010 dividido pelo número de domicílios. Observamos que o impacto estimado é negativo: quanto maior o número de unidades contratadas, menor o valor esperado do voto do PT em 2010. Esse resultado não é o esperado pela literatura e por analistas políticos. Para refinarmos um pouco nosso modelo, incluímos controles nos modelos 2 e 3. Na segunda estimativa, adicionamos variáveis que dizem respeito ao desenho do MCMV: uma dummy que indica se a cidade possui menos de 50 mil habitantes, outra que indica se ela pertence a uma região metropolitana e uma variável que mostra a proporção de domicílios em déficit em cada cidade. O raciocínio por trás disso é que o MCMV tem, comparativamente, dificuldade de contratar empreendimentos em cidades maiores e de regiões metropolitanas. Com essa especificação do modelo, o MCMV diminui seu efeito sobre o voto no PT. No entanto, ele continua negativo e estatisticamente significativo a 5%. Novamente o resultado encontrado não é trivial: contrariamente ao que seria de esperar, o maior número de unidades contratadas pelo programa tem relação inversa com a performance eleitoral do partido. No último modelo adicionamos, além das já citadas variáveis de controle, a porcentagem de votos válidos que o PT obteve em 2006. Essa variável permite verificar se a distribuição do Minha Casa Minha Vida esteve relacionada com a variação da votação do PT entre 2010 e 2006.

12

Tabela 5 – Regressão linear de votos do PT em 2010 sobre alocação do MCMV, porte municipal e votação anterior do PT modelo1 unidades MCMV

modelo2

-1.120*** (0.32)

-0.718* (0.36) 2.376* (1.17) -0.650 (1.04) 0.003 (0.17)

39.070*** (0.42)

36.989*** (1.90)

< 50 mil hab RM proporcao deficit PT 2006 Constant

R-squared rmse N

0.017 9.315921 645

0.023 9.287536 645

modelo3 -0.317 (0.20) 2.933*** (0.64) -0.860 (0.57) -0.456*** (0.09) 0.803*** (0.02) 12.154*** (1.23) 0.704 5.114575 645

* p
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.