O progresso na obra de Adoniran Barbosa

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Reflexão e prática 87

ENCARTE DO PROFESSOR

Adoniran Barbosa e a Filosofia

Uma relação entre o samba, o progresso e a implementação do projeto positivista na cidade de São Paulo

Sonoridade paulistana

Os personagens de João Rubinato e as práticas do cotidiano ao longo do século XX, transformadas em canções

Com curadoria de Carolina Desoti Fernandes Carolina Desoti Fernandes é graduada em Filosofia pela PUC-Campinas e pesquisa o feminismo vinculado às manifestações tradicionais brasileiras. É professora, editora, redatora e produtora cultural.

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o progrEsso na oBr a dE adonIr an BarBosa Por Lucas Andrietta,Thiago Fernandes Franco e Robson Gabioneta

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ão se trata de enaltecer um heroico espírito paulista ou paulistano, que certamente não existe nem existiu. A História cuidará de explicar por que foi em São Paulo que o Brasil começou a andar mais rápido. Também se engana quem pensa que essa palavra mágica, progresso, foi escrita neste texto no seu sentido mais positivista e ufanista. Quem pensa assim nunca ouviu uma música de Adoniran Barbosa. E se ouviu, não entendeu. E se não ouviu, deveria ouvir! A Filosofia, ao longo de sua história, trabalhou de diferentes maneiras com a noção de

progresso. Se por um lado alguns autores lidaram com ela de maneira ufanista, tentando provar a sua inevitabilidade, por outro, muitos criticaram de modo veemente o mito do desenvolvimento que costuma vir associado à ideia de progresso. A nós interessa ressaltar que há uma concepção mais específica e recente de progresso, muito presente em nosso senso comum – inclusive em nossa bandeira! –, que é herdeira da doutrina positivista, cuja maior referência foi Auguste Comte (1798-1857). Para esta corrente fi losófica, apenas a Ciência seria capaz de garantir o progresso da humanidade no sentido mais desejável possível.

Lucas Andrietta é economista e mestrando em Economia Social e do Trabalho pela Unicamp. Th iago Fernandes Franco é bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela Unicamp e bacharel em Relações Internacionais pela Facamp. Mestre e doutorando em História Econômica pela Unicamp. Robson Gabioneta é mestre em Filosofi a pela Unicamp e professor de Filosofi a da Escola Estatual Barão de Ataliba Nogueira.

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Etapa I: o posItIvIsMo no Br asIl ATIVIDADE I:

SÃO PAULO PELO OLHAR DE ADONIR A N

representante do “legítimo samba paulista”, alcunha que sempre negou com veemência. Certa vez, na Rede Record do início dos anos 1960, encontrou-se nos bastidores com Osvaldinho da Cuíca, que à época fazia parte do grupo Acadêmicos da Pauliceia. Osvaldinho vestia uma camisa do grupo e estava sentado ao lado de Adoniran, que em um dado momento, perguntou-lhe: “– Mas, Osvaldinho, me diga aí por que, o porquê desse Acadêmicos de Pauliceia? – Ora, Adoniran, é porque é de São Paulo, né? É samba paulista. – Não, não! Não existe essa coisa aí de samba paulista… O samba é tudo igual, o samba é nacional, é brasileiro!” 1 Em relação à identidade e à abrangência da música de que gostava e que fazia, a postura de Adoniran é defi nitiva. Mas, além disso, olhando para a sua trajetória como 1

Documentário Mosaicos – a arte de Adoniran Barbosa

imagens: shutterstock

A Filosofia positivista influenciou muitos movimentos republicanos em todo o mundo. No Brasil, em especial, serviu de argumento para a luta contra a Monarquia. Seu principal representante foi Benjamin Constant (1833-1891). Além disso, inspirou muitos valores do projeto de desenvolvimento nacional implantado por Getulio Vargas, como, por exemplo, a modernização do país por meio da indústria. Como podemos facilmente perceber, essas ideias permanecem vivas até hoje. Mas como será que o progresso assumiu um caráter mítico, sagrado e inquestionável? A cidade de São Paulo, que ao mesmo tempo atrai e repele, torna-se não apenas uma miniatura do que é o Brasil – um mosaico de

culturas migrantes –, mas também uma promessa do que o país poderia vir a ser: moderno, civilizado e próspero. No meio dos intensos fluxos de gente, aparecem tipos humanos conhecidos, alguns dos quais seriam imortalizados pela obra do sambista: a elite quatrocentona, o laborioso industrial, o funcionário público, o engenheiro, o advogado, o migrante recém-chegado e o já instalado, o sem-teto, o boêmio e o artista, dentre tantos outros. A cidade em si e seu parco orgulho provinciano são apenas alguns elementos desse complicado arranjo. Sua identidade se encontra diluída nessa rica mistura. O progresso, portanto, não se restringe à cidade de São Paulo e nem pode ser atribuído aos paulistanos. Essa característica múltipla e difusa foi expressa por Adoniran. Quando sua carreira ganhou certa notoriedade, ele era geralmente reconhecido e apresentado como o criador e maior

O lema “Ordem e Progresso” na bandeira do Brasil é inspirado pelo lema positivista: “Amor como princípio e ordem como base; o progresso como meta”

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EXERCÍCIO I: ADONIR AN E A FILOSOFIA

O verbete “progresso” do Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano (págs. 936-939) apresenta um breve apanhado dos fi lósofos e suas obras a partir deste tema. De maneira esquemática, podemos dizer que há os que são favoráveis ao progresso – entendido como desenvolvimento da razão – e os que criticam o privilégio da razão perante outras faculdades. Para Abbagnano, os que são favoráveis ao progresso são, entre outros: Bacon, Darwin, Hegel e Comte. Os que são críticos do progresso são, entre outros: Nietzsche, Horkheimer e Adorno, Vattimo e Lyotard. O professor pode dividir os alunos em grupos e orientá-los a pesquisar o principal argumento de alguns filósofos e apresentá-los para a classe. Identificados os principais argumentos, pode-se contrapô-los e, por fi m, compará-los com as letras em que Adoniran trata do tema. EXERCÍCIO II: DE ADONIR AN BARBOSA A BAKHTIN – O QUE É ARTE?

Procure ouvir algumas músicas de Adoniran Barbosa registradas por diferentes intérpretes: o próprio Adoniran, o grupo Demônios da Garoa, a cantora Elis Regina, entre outros. Repare naquelas de que você mais gosta e procure refletir sobre os motivos deste gosto. A partir disso, formule a sua própria defi nição de Arte. Depois pesquise o pensamento estético de Bakhtin e compare as duas defi nições de Arte.

artista e o conteúdo de sua obra, poderíamos especular que nessa afi rmação – de que o seu samba não era, nem poderia ser, apenas paulista – também está presente a consciência de que as desventuras cantadas em suas canções não pertencem apenas à cidade e aos seus habitantes, mas ao país como um todo, transformado por aquele movimento. Ou, nas geniais palavras de Antonio Candido na contracapa do disco Adoniran Barbosa: “Adoniran é um paulista de cerne que exprime a sua terra com a força da imaginação alimentada pelas heranças necessárias de fora”. 2 Poderíamos, então, questionar se é mesmo do progresso que fala Adoniran ou se, mais precisamente, o que seus sambas expressam não é a saga cotidiana de certo tipo de gente diante do progresso: seus desejos, medos e necessidades. Adoniran Barbosa, Odeon, 1975

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Iniciou-se na década de 1930 um processo intenso de urbanização que, em um curto período, transformou a cidade de São Paulo na maior metrópole do país

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A perspectiva adotada na maioria das canções é a dos personagens que não controlam o pogréssio, do qual apenas se escuita falar. 3 Quando não são sugados por ele, de várias formas. Personagens que habitam o universo do sambista – e dão forma a ele –, como o pobre que, quando come galinha, ou está doente, ou a galinha,4 os vagabundos que não têm onde drumi,5 os trabalhadores cortando grama no barranco da avenida 6 ou esperando a marmita com ovo frito ou torresmo à milanesa7 – comida que nem existe! É dessa gente que fala Adoniran. Ou melhor, é através dessa gente que ele se expressa. Se buscarmos em toda a obra de Adoniran, enConselho de mulher Frase do Barão de Itararé, recitada no início de No morro do piolho 5 Abrigo de vagabundos 6 Triste margarida 7 Torresmo à milanesa 3 4

contraremos inúmeros momentos em que o eu lírico expressa um desses personagens, contando a sua história ou outra – de um vizinho, amigo ou conhecido – que poderia ser a sua própria história. Sujeitos que ilustravam o seu universo lúdico e faziam companhia ao próprio Adoniran Barbosa, ele mesmo personagem inventado: sambista e boêmio mezzo italiano, mezzo paulistano. Um olhar próprio a partir dessa perspectiva é que delimita o caráter do progresso cantado por Adoniran: uma força exterior e contraditória. Sedutora e violenta. A partir das diferentes narrativas que fazem parte de suas canções, o compositor conseguiu registrar de maneira vigorosa a complexidade dos desafios impostos pelo progresso a essa gente que, cotidianamente, construiu a cidade de São Paulo.

O positivista brasileiro Benjamin Constant teve importante papel no processo da Proclamação da República

Etapa II: a facE sEdUtor a do progrEsso ATIVIDADE II:

AS TECNOCIÊNCIAS E O COTIDIA NO

O progresso de que estamos falando se expressa de diversas formas em nossa vida cotidiana. A face mais sedutora dele, ou seja, aquela que mais atrai e fascina, talvez seja a sua dimensão técnico-científica, cuja evolução modificou rapidamente o modo de vida das pessoas e suas personalidades. Na obra de Adoniran, em decorrência do período que ela registra, há muito destaque para a eletricidade, o rádio, 8 o automóvel9 e, em menor medida, a televisão10 e o Em Mulher, Patrão e cachaça, Já fui uma brasa Em Mulher, Patrão e cachaça e Conselho de mulher 10 Em Em Iracema e Tiro ao Álvaro; indiretamente em Viaduto Santa Ifigênia 8 9

Com o rápido aumento da demanda por energia, a Light fundou a São Paulo Electric Company Limited, em 1911, e deu início à sua expansão para o interior do Estado

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Em 1920, a Ford chegou ao Brasil e começou a fabricar carros no país

metrô11 – componentes essenciais da vida urbana moderna. Mesmo assim, como veremos, as virtudes atribuídas aos avanços tecnológicos são, nos sambas barbosianos, sempre duvidosas e ambíguas. A eletricidade, por exemplo – sua descoberta e domínio –, proporcionou à humanidade não apenas uma fonte energética mais conveniente e prática para a produtividade das fábricas, mas também, no âmbito doméstico, foi responsável pela possibilidade de “transformar a noite em dia” e de executar inúmeras tarefas cotidianas num período que antes era reservado ao descanso ou às atividades limitadas pelo uso do fogo. 11

Samba do metrô (Triste margarida)

No Brasil, a década de 1930 marcou o apogeu do rádio como veículo de comunicação de massa

Nos dias de hoje fica difícil imaginar o esforço necessário para se realizar um ensaio de Escola de Samba sem eletricidade. A canção Acende o candeeiro dá uma ideia desse trabalho. Uma das personagens precisa sair pelas ruas, correndo para avisar a todos do ensaio, antes que escuireça. É necessário comprar querosene e velas para manter os candeeiros acesos e o terreiro iluminado. Na falta de todas essas condições, o ensaio não pode acontecer. A luz elétrica começou a ser utilizada na iluminação pública de São Paulo em 1905. Mesmo com a expansão da rede, nas décadas

seguintes, vastas regiões da cidade, em particular as recém-surgidas favelas e bairros periféricos, sempre receberam os serviços de iluminação – e também o de saneamento – com atraso, descaso que pode ser observado até hoje e que nos ajuda a perceber o aspecto político do progresso – que def ine, entre outras coisas, a possibilidade e a qualidade do acesso às novidades. E mesmo quando o serviço existia, podia ser intermitente ou insuficiente, como registrado no engraçadíssimo samba Luz da Light, ambientado numa casa do morro onde está sendo realizado

EXERCÍCIO III: NARR ATIVAS QUE TR ANSPÕEM OS TEMPOS

A partir das relações que você vive na sua casa, na escola, na igreja, no trabalho, tente pensar quais tipos de personagens você representa. Depois, pergunte para algumas pessoas quais imagens elas têm de você. Quais são as semelhanças e quais são as diferenças entre a sua própria opinião e a dos outros? Adoniran caracteriza os personagens típicos da sua época. Procure retratar os tipos do nosso tempo: o operador de telemarketing, o estudante, o mecânico de automóveis, o empresário, o artista, etc.

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Quais as diferenças entre os personagens da época de Adoniran e os da nossa? Quais as semelhanças? Quais se extinguiram? Quais permanecem? Quais razões sociais explicam a extinção, a mudança ou a permanência desses personagens? A partir das características de cada trabalho, procure criar uma psique para cada uma das personagens. Depois de fazer os exercícios anteriores, construa uma narrativa em que dois ou mais dessas personagens vivenciem um problema do cotidiano.

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NAS BANCAS! um samba. Durante a reunião, a luz da Light pifa, e os participantes são obrigados a apelar para a vela. As prometidas vantagens do progresso são então relativizadas, uma vez que um dos participantes diz que se não tiver vela não faz mal, a gente samba no escuro, que é muito mais legal, e é natural. Em seguida, todos dão um grito de alegria e ficam torcendo para que a luz volte apenas no outro dia. Todos, menos o dono da casa,

que desejando que a luz volte logo – talvez para não se sentir depreciado na presença das visitas –, passa a desconfiar que, na verdade, algum brincalhão teria roubado o fusível. Essas sucessivas inversões no enredo nos mostram, através de uma situação corriqueira e cômica, os efeitos contraditórios que uma novidade tecnológica pode provocar em nossas vidas, em nossas personalidades e em nossa relação com a natureza.

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Etapa III: A face violenta do progresso Se, como insinuamos, os benefícios do progresso não estão disponíveis para todos igualmente, vão surgindo caminhos pelos quais é possível obtê-los. Nesse novo mundo que se construiu, não é apenas a origem familiar, os títulos de nobreza, a cor da pele ou mesmo o gênero que discrimina as pessoas. É, sobretudo, o dinheiro que, embora não anule os outros tipos de discriminação, abre novos espaços para a ascensão social, locais que vão sendo lentamente preenchidos por uma classe emergente, com pessoas de origens diversas. Aqueles que chegam a São Paulo com uma mão atrás e outra na frente12 têm apenas um caminho para a ascensão: o trabalho – como o próprio autor nos lembra: uma condenação divina.13 Alguns personagens de Adoniran fazem parte desse grupo de pessoas “bem-sucedidas” – ou, como se dizia antigamente, “remediadas”. Duas canções, em especial, descrevem essa trajetória. A primeira, Vide verso meu endereço, conta a história 12 13

Aguenta a mão, João Conselho de mulher

de um homem – que fala “corretamente” a despeito de ser analfabeto – que, após conseguir um dinheiro emprestado, compra uma cadeira de engraxate na praça da Bandeira e, após algum tempo de trabalho duro e de vida frugal, pode comprar uma casinha em Ermelino Matarazzo – famoso loteamento popular da Zona Leste paulistana. A segunda, Abrigo de vagabundos, descreve a vida de um homem que trabalha numa cerâmica fabricando pote até conseguir comprar um lote de 10 metros quadrados no Alto da Mooca, onde ele mesmo constrói sua casa. Há elementos comuns nessas histórias. A conquista da casa própria, legalizada, que não se pode demolir, talvez o desejo mais intenso desses trabalhadores – que livra do aluguel e do assombroso medo do despejo. E a solidariedade que viabiliza as conquistas que apenas o trabalho duro nem sempre é capaz de garantir: o amigo que empresta um dinheiro, ou o fiscal da prefeitura que arranja uma licença para legalizar a maloca recém-construída. A violência e a exclusão aparecem na obra de Adoniran de várias formas.

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A forma mais pueril aparece em Iracema, a noiva atropelada por um carro vinte dias antes do casamento. A canção deixa claro que o chofer não teve culpa; Iracema não escuitava os conselhos e andava desatenta, despreparada para o acelerado ritmo das ruas da nova cidade. Já as formas mais duras e intransigentes da violência estão representadas pela cruel constatação de que não há lugar para todos nesse Brasil que se constrói velozmente. Algumas regras são implacáveis e devem ser cumpridas independentemente da vontade dos seus participantes. Assim, em Saudosa maloca, o palacete abandonado, transformado em lar por três “vagabundos”, foi demolido, dando lugar a um edifício alto. Em Mulher, patrão e cachaça, o barracão onde se guardam instrumentos, na Favela do Vergueiro (surgida na década de 1950), teve que ser demolido na década de 1970, junto com toda a comunidade, para dar lugar a um novo e próspero bairro, a Chácara Klabin, hoje parte do distrito de Vila Mariana. Em Despejo na favela, o oficial de justiça não é visto como um inimigo, mas é isento de culpa, pois a execução das leis implacáveis coloca a irrestrita propriedade privada acima do direito à moradia. Por

Muitos temas são recorrentes na obra de Adoniran Barbosa: o relacionamento amoroso, a boemia, a música, a vida cotidiana. O progresso certamente é um deles

isso, mesmo contra seu desejo, entregou a seu Narciso, um aviso, uma ordem de despejo. Era uma ordem superior. E, assim – desde quando? –, aqueles que não conseguem integrar-se à nova ordem – ou que não querem cumprir os seus requisitos – vão ficando pelo caminho e alargando o fenômeno da pobreza urbana. Uma forma de ver, medir e atestar esse progresso de que fala Adoniran é justamente a enorme quantidade de objetos, utensílios, bugigangas, ba-

dulaques, ferramentas e ornamentos que estão à nossa disposição para o consumo – estimulando a posse de inutilidades, criando necessidades inexistentes ou impondo repetidamente a obsolescência. O fenômeno da pobreza também vai se transformando, tendo seu significado alterado, visto cada vez mais como a carência ou a impossibilidade de ter, de possuir uma determinada lista de mercadorias, símbolos da prosperidade prometida. Gera uma violência simbólica que marca os enredos das tragicômicas canções Véspera de Natal e Jabá sintético. Entretanto, em nenhum momento o pobre é visto como algo negativo em si. Do contrário, essa situação pode, sim, ser consequência de uma escolha deliberada em não pagar o preço cobrado pelo progresso. Adoniran demonstra em diversas canções – talvez a mais marcante seja Abrigo de vagabundos – profundo respeito pelos vagabundos que não têm onde drumi, chegando a oferecer sua própria casa para aqueles que não seguiram a trajetória esperada socialmente – ou que nela fracassaram. O papel que esses personagens exercem no universo do sambista permite questionar permanentemente a atração exercida pelo progresso, ex-

A despeito da demolição anunciada do viaduto, como forma de protesto, Adoniran Barbosa compôs em 1978 a canção Viaduto Santa Efigênia 42 •

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Em suas canções, Adoniran retrata uma cidade em transição, uma sociedade que, em nome do progresso, exclui parte significativa de sua população, que sem condições de se insurgir, submete-se à nova ordem

plicitando seu caráter contraditório, excludente. Assim como outros personagens de Adoniran sobrevivem a este processo e – sem pretensão de professar alternativas – denunciam a falsidade de muitas promessas que se ouvem por aí, registrando alguns valores pelos quais vale a pena resistir. Apesar disso tudo, no singelo enredo de Viaduto Santa Efigênia, que retrata a visão dos “de baixo” –

literalmente –, uma das principais obras do urbanismo higienista paulistano do período é apresentada com uma sensibilidade única, com Adoniran se valendo de poucas linhas para expressar uma profundidade psicológica digna dos grandes escritores.14 Enquanto Adoniran chegou a ser comparado, por exemplo, a Dostoiévski no documentário Mosaicos ‒ a arte de Adoniran Barbosa 

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EXERCÍCIO IV: TECNOLOGIAS E COTIDIANO

No tempo de Adoniran, a energia elétrica e o rádio foram fatores que modificaram a vida das pessoas. Converse com pessoas mais velhas sobre as mudanças provocadas por invenções como a televisão, o telefone fi xo, o celular, o computador e a internet.

o narrador se recorda do desespero de Eugênia com a possibilidade de destruição do viaduto onde ela nasceu, cresceu e conheceu o seu primeiro amor, e que a faria arrumar suas mudanças e ir embora pro interior na certeza de que queria ficar ausente, porque o que os olhos não vê, o coração não sente; o narrador tenta consolá-la de que, afi nal de contas, ficou bonito. Aquilo que arremata o tema do progresso no conjunto da obra de Adoniran Barbosa é essa resignação de quem, apesar de tudo, consegue se conformar – consegue se adaptar à forma –, seja pegando as paia nas gramas do jardim enquanto arranja otro lugar,15 ou se lembrando de que, apesar de todas as dif iculdades, sempre terá o exemplo de alguém como o Cibide, com quem aconteceu coisa pior, em Aguenta a mão, João; ou ainda a heroica Maria, que tem que se segurar para colocar a comida na mesa da família e na marmita do marido pedreiro, que apesar das incertas condições de trabalho se consola no divertido cotidiano da construção civil, em Torresmo à milanesa. No f im, com maior ou menor dif iculdade, a gente sobrevive, canta e dança. 15

Saudosa maloca

Controle Controlesuas suasemoções emoções eeremodele remodelesua suavida! vida! imagens: divulgação

Minutos Minutosdedereflrefl exão exão , uma , uma obra obra a um a um só só tempo tempo inspiradora inspiradora e prática, e prática, ensina ensina a pensar a pensar o dia o dia a dia, a dia, a refl a refl etiretir sobre sobre os os acontecimentos acontecimentos dede maneira maneira concisa concisa e iluminadora e iluminadora e mostra e mostra como como você você pode pode controlar controlar suas suas emoções emoções para para terter mais mais segurança segurança nasnas escolhas escolhas queque fará fará emem suasua vida. vida. www.editoralafonte.com.br www.editoralafonte.com.br NAS NASLIVRARIAS LIVRARIASwww.portalcienciaevida.com.br •

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