O PROJETO ANTITERRORISTA BRASILEIRO À IMAGEM DA SOCIEDADE PUNITIVA?

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O PROJETO ANTITERRORISTA BRASILEIRO À IMAGEM DA SOCIEDADE PUNITIVA?

MARCELO FARIAS LARANGEIRA Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais (PPGSD – UFF) – Faculdade de Direito Universidade Federal Fluminense - RJ Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais (PPGSD-UFF) – Faculdade de Direito Universidade Federal Fluminense - RJ Professor de Direito Civil/Empresarial/Direito Internacional da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO) – RJ [email protected] RESUMO: O presente artigo compartilha inquietações e reflexões sobre o fenômeno terrorista, a ação dos seus grupos e a reação dos países que sofrem os atentados; como por exemplo, ocorridos nos Estados Unidos em 2001 e, recentemente, na França e na Bélgica e suas repercussões nos ordenamentos jurídicos ocidentais, especialmente no Brasil. O terrorismo não é, decerto, um evento recente, todavia, as últimas décadas têm revelado um traço muito peculiar em relação aos atentados das décadas de 70 e 80 do século passado que, neste momento, não nos cabe aprofundar. O artigo em tela pretende se deslocar aos limites do conceito de terrorismo e engendrar breves reflexões do discurso antiterrorista no Ocidente e as reverberações no ordenamento jurídico brasileiro a partir da Lei 13.260/2016. Palavras – chave: Antiterrorismo, direito, sociedade.

ABSTRACT This article shares concerns and refletions about the terrorist phenomenon; the countries that suffering the attacks, and the terrorist’s groups actions, for exemple, the strikes in United States in 2001 and recently in France and Belgium and so the repercussions in Western’s law systems. Terrorism, certainly, is not a recent event, however, the last decades had been revealed a signal very specific if we compare the strikes occurred in 70’s and 80’s decades in twenty century that at this time, we do not make deep analysis. This paper intends to move the terrorism concept until his break point and makes some reflections about the Western antiterrorist discourse and his influence in Brazilian’s law system, which starts occurred in 2016 that called “Antiterrorism Law”, number 13.260/2016. Keywords: Antiterrorism, law, society.

INTRODUÇÃO M.R. de Assis e G. Leite Gonçalves (2015) já alertavam sobre o andamento do projeto antiterrorista no Brasil e a “personificação do mal” [R.Kutz]; um convite à não reflexão de suas mazelas, porém um convite à “lançarem a si mesmo” em um processo de 1

transformação face a urgência dos acontecimentos1. O projeto de lei PL n. 2015/2016, hoje já convertida em Lei 13.260/2016 repercute o discurso mundial de combate ao ‘terror’, especialmente dos grupos independentes alocados nos Países da Ásia Menor com governos em sua maioria teocráticos. Como já dito, o presente artigo pretende propor uma breve reflexão sobre a repercussão da emergência dos discursos de combate ao terrorismo; estes potencializados pelos grandes eventos realizados no Brasil. Não entraremos aqui na questão econômica que, também compõe o pano de fundo das ações antiterroristas no Ocidente, entretanto, busca-se aqui empreender um esforço à compreensão do jogo de forças políticas que gravitam em torno do tema a partir das ferramentas oferecidas por Michel Foucault em “Vigiar e Punir” de 1975 que, no Brasil se encontra na 42ª edição e atualmente é publicada pela editora Vozes. É evidente que diante da complexidade deste tema, outras obras foucaultiana, bem como as contribuições de Z. Bauman e Giorgio Agamben e outros teóricos que dialogam com a filosofia do conhecimento como I. Kant auxiliarão em um esforço de se compreender as forças bem como as [possíveis] inspirações que envolvem o projeto antiterrorista no Brasil. O itinerário deste trabalho inicia com um breve resgate histórico do pano de fundo que compõe o mosaico ocidental do terrorismo no Ocidente e, adentrando no caminho do projeto antiterrorista brasileiro, desde do projeto de lei que tramitou no Congresso Nacional até a publicação das alterações na legislação brasileira já existentes até o desembocar em uma legislação genuinamente antiterrorista. Por fim, serão trabalhados os conceitos de direito penal do inimigo de G. Jakobs e a intermediação deste; o conceito de ‘estranho’ em Z. Bauman como elemento que se destina o projeto brasileiro de antiterror. As reflexões sobre a sociedade voltada à punição perpetradas por Michel Foucault, em sua fase genealógica, são imprescindíveis ao desnudar dos sentidos e significados do discurso antiterrorista ora positivados em leis e os riscos que gravita em desfavor da sociedade brasileira e das instituições democráticas. É importante frisar que não se trata de uma mera aplicação direta e rasa dos conceitos em Foucault ao caso brasileiro, entretanto, as ferramentas foucaultiana servem para estabelecer uma espécie de mapa [ou grade] que auxilie à compreensão dos limites das vibrações sistêmicas doa terrorismo advindas dos países que ocupam o epicentro do poder

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MACHADO ASSIS, Marta R. GONÇALVES, Guilherme Leite. Por uma lei antiterrorismo de Estado. Ou não sobrará ninguém. Le monde diplomatique. Ano 9. Nº 101 – Dez 2015.

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[países OTAN/Europa] e como esses vetores podem atingir os países que se alocam na periferia do poder cujo recorte deste artigo é o Brasil e seu projeto antiterrorista.

1. O PROJETO NORMATIVO DO ANTITERRORISMO BRASILEIRO E AS VIBRAÇÕES SISTÊMICAS DO OCIDENTE. As imagens de mundo construídas pelo Ocidente sobre o problema do terrorismo acionaram um trigger nos Estados soberano sobre o problema do terrorismo; alcançando seu ápice nos atentados em Nova Iorque em 2001. Durante o governo de G.W. Bush, as ‘ações’ voltadas ao combate ao ‘eixo do terror’ patrocinaram vários eventos como o aumento da atuação bélica dos países do NATO/OTAN no Oriente Médio; a criação da prisão de Guantánamo em Cuba para os assim considerados ‘suspeitos’ de ações terroristas e/ou membros de grupos terroristas como a “Al Qaeda’ foram as respostas encontradas pelo governo estadunidense para combater o terror oriundo das terras longínquas de Salah ad-Din. Outro elemento que agrava a tensão entre o Ocidente e países do Oriente Médio é a questão do discurso religioso. Os discursos midiáticos representantes de alas conservadoras atribuem ao islamismo um sinônimo de fábrica de ‘terroristas’ trazendo como efeito o agravamento da intolerância religiosa e da corrosão na relação entre cristianismo – expressão religiosa predominante nos países ocidentais - e o islamismo. Os acontecimentos na França na redação do jornal ‘Charlie Hebdo’ e os atentados em Paris trouxeram mais efervescência ao problema do terrorismo somados ao ‘espetáculo midiático’ que exorbita os limites da informação. O movimento dialético Ocidente-Oriente Médio que no primeiro momento se originam no campo político, repercute nos campos social e econômico. Não se trata aqui de analisar a terrorismo como uma espécie de consciência em si que caminha, ou ainda como um fenômeno autônomo desconectado de uma totalidade ou se existe um ponto originário, entretanto, o que se almeja é a análise do campo de forças que influenciam o projeto político brasileiro de antiterrorismo a fim de se desnudar os atores sociais e suas racionalidades trazidas à existência, ao mundo da vida, a phýsis [φύσηv], através da linguagem. Este ‘trazer à existência’ articulados com a linguagem pode ser operacionalizada através das pretensões de validade de normatização. É importante frisar que a 3

racionalidade não deriva de uma origem epistêmica no sentido platônico, que eventualmente se opera como uma racionalidade arquitetada in vitro, contudo, são manifestações advindas do phai-nomenon [φαινόμενο] como resultado de um possível movimento dialético de consciências em si. Uma analogia possível com a física nuclear, é compararmos o processo de fusão nuclear no interior do núcleo estelar. Explico: a estrondosa energia emanada das estrelas no Universo é possível quando dois átomos de hidrogênio colidem um com outro, dando lugar a uma nova categoria de hidrogênio mais pesado, o deutério. Este se manifesta como síntese resultante de um movimento anterior liberando grandes quantidades de energia na forma de calor. Portanto, ‘trazer a existência’ pode significar uma manifestação no mundo da vida, ou ainda, uma transformação de uma certa modalidade de energia para uma outra mais perceptiva aos sentidos. As consciências em si constroem, como já afirmou Kant outrora na Crítica da Razão Pura, o conhecimento sob a plataforma transcendental, onde sujeito interage com objeto. Dentro deste contexto, é temerária a afirmação sobre a imanência do conceito de terrorismo, essencial, imutável e estático contudo, varia de acordo com as construções de visão de mundos de cada povo, de acordo com suas experiências – [emperia] – e a maneira como estas consciências percebem o fenômeno [φαινόμενο]. Em outras palavras, o entendimento ocidental sobre a palavra ‘terrorismo’ diverge da entendimento médio-oriental e a síntese destes dois movimentos podem ensejar no crescimento dos atos de violência em ambos os lados. No Ocidente, o ethos das nações ocidentais hegemônicas irradia as vibrações sistêmicas em uma espécie de movimento centrífugo na direção dos países periféricos alcançando os sistemas jurídicos latino-americanos no qual o Brasil está inserido. Tramitou no Congresso Nacional a proposta de alteração da Lei 12.850/2013 (Lei das organizações criminosas) e a Lei 10.446/2002 que dispõe sobre as organizações terroristas e, não obstante, criou uma nova lei antiterror: A Lei 13.260/2016. O referido projeto de lei (PL) ostentara como justificativa para o endurecimento do tratamento do terrorismo o aumento nas últimas décadas dos “atentados em grandes escalas praticados por grupos bem treinados ou mesmos atos individuais exercidos por pessoas sem qualquer

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ligação com um determinado grupo, aterrorizam populações inteiras ou determinadas minorias.”2

Outro dado que chama atenção quanto aos motivos à alteração das leis em comento defendidos pelos órgãos ministeriais é o perigo oferecidos por estes grupos aos direitos humanos e a democracia3. O ponto de partida da racionalidade ‘legislativa’ gravita em torno de um ethos previamente dado, cujas vibrações sistêmicas advindas dos países que, atualmente ocupam o epicentro da economia global são captadas pelas nações periféricas, que vibram na mesma frequência, e geram como consequência a incorporação destes regimes de verdade4 em seu sistema ético, elegendo-a como universal. Países estes que sofreram em seu território em dado momento histórico, a experiência de ataque de grupos terroristas, ora fundadas em discursos teológicos fundamentalista ou políticos que desenvolvem seus modus operandi, em países imersos regimes totalitários ou devastados por guerras civis entre as diversas etnias que vivem naquela região, cuja duração perdura por décadas. O que chama à atenção na PL 2016/2015 (convertida na Lei 13.260/2016) presente no inciso II, parágrafo 2º do art. 1º é o fragmento vernacular “tenham por finalidade provocar o terror” por razões de ideologia, política, xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou gênero5. O fragmento provocar o terror abre o caminho para interpretações abertas da lei; justificando o uso da excessiva violência das forças de repressão estatal à prevenção dos chamados atos de aglomeração, de protesto e insatisfação dos grupos politizados. Expor a perigo pode ser tornar qualquer situação de contingência ou àquelas que eventualmente fujam ao controle do Estado. Com a tipificação a ação repressiva do Estado está autorizada pela lei a agir preventivamente a partir de monitoramento de grupos sociais que reivindicam ou denunciam qualquer contradição ou injustiça de natureza estatal ou organizacional. Trata-se aqui de uma mudança no paradigma de como o Estado enxergará a desobediência civil, conduzindo presunção da existência de imanência terrorista dos dissidentes que resistem a discricionariedade do Poder Público; 2

BRASIL, República Federativa. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei (PL) 2016/2015. Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1350712&filename=PL+2016/ 2015. Acesso em 27.02.2016. 3 BRASIL, República Federativa. Ibidem. 4 Regimes de verdades em Foucault. 5 BRASIL, República Federativa. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei (PL) 2016/2015. Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1350712&filename=PL+2016/ 2015. Acesso em 27.02.2016.

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justificando assim a violência exacerbada. Não se trata aqui meramente de um estilo de ‘direito penal do inimigo’, ou a aplicação direta da teoria de Jakobs6, mas da própria exceção como paradigma de governo7. A aplicação da excludente prevista no parágrafo 3º do art. 1º que afasta a tipificação das manifestações políticas, dos movimentos sociais ou sindicais movidos por propósitos sociais ou reivindicatórios com o objetivo de critica as insatisfações populares traz em si um elemento circunstancial; uma ambivalência rarefeita entre o que é considerado o mal em si ou a consciência voltada ao terror ou aquilo que é o “bem em si” que almeja a defesa dos direitos e garantias constitucionais, ou seja, o antiterrorismo à brasileira criam a imanência do mal no corpo do terrorista. A tentativa do legislativo em enxertar uma excludente de ilicitude não resolve o problema das possíveis criminalizações dos grupos de resistências que lançam mão da desobediência civil como uma linguagem voltados à denunciação das racionalidades infames do Poder Público. Se o mal é em si então se justifica os instrumentos de controle preventivo de potenciais dissidentes ou desobedientes da lei e da ordem e outros estilos de panoptismo8. Há uma zona de indecidibilidade no ‘bem em si’; da consciência que deseja defender meramente as conquistas sociais e o mal em si que almeja promover o terror ou expor o perigo a pessoa, ou ainda verbetes indefinidos como “incolumidade pública” ou “paz pública, mantidos na Lei

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Hobbes despersonaliza o réu de alta traição: pois também este nega, por princípio, a constituição existente. Por conseguinte, Hobbes e Kant conhecem um Direito penal do cidadão – contra pessoas que não deliquem de modo persistente por princípio – e um Direito Penal do inimigo contra quem se desvia por princípio. Este exclui e aquele deixa incólume o status da pessoa. O Direito penal do cidadão é Direito também no que se refere o criminoso. Este segundo sendo pessoa. Mas o Direito penal do inimigo é Direito em outro sentido (...) O Direito penal do cidadão mantém a vigência da norma, o Direito penal do inimigo (em sentido amplo: incluindo o Direito das medidas de segurança) combate perigos; com toda a certeza existem múltiplas formas intermediárias (In: JAKOBS, G. MELIÁ, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo. Tradução de André Luis Callegari/Nereu José Giacomolli. 2ª Edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.29-30) 7 Sobre o estado de exceção, ver AGAMBEN, G. Estado de exceção. Tradução de Iraci D. Poletti. São Paulo: Editora Boitempo, 2004. 8 “O panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa composição. O princípio é conhecido: na periferia uma construção do anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; ela tem duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado (...) O dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente (...) Daí o efeito mais importante do Panóptico: induzir o detento um estado de consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder. Fazer com que a vigilância seja permanente em seus efeitos, mesmo se é descontínua em sua ação; que a perfeição do poder tenda a tornar inútil a atualidade do seu exercício; que esse aparelho arquitetural seja uma máquina de criar e sustentar uma relação de poder independente daquele que o exerce” (FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2014, p.194-195)

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13.260/2016. A palavra última da hermenêutica da lei jaz nas mãos de superestruturas judiciárias cujos os sujeitos em sua maciça maioria pertencentes aos estratos dominantes cujo ethos reside na preservação de um status quo social. Como já escreveu Z. Bauman (1999), “amigos e inimigos colocam-se em oposição um aos outros9, entretanto, o conteúdo subjacente do antiterrorismo à brasileira busca realizar a clivagem dos sujeitos que se deseja observar. Contudo, esses sujeitos não se amoldam na categoria de inimigo como defendera Jakobs (2007); trata-se aqui de uma reconfiguração deste estilo de penalismo mais compatível a liquidez dos tempos contemporâneos [Bauman], ou seja, um Direito Penal do estranho. Um sistema de leis penais que ostente como desiderato a previsão de punições desproporcionais abstratas aliados a vernáculas indefinidas se apresentam como características que marcam a projeto antiterrorista brasileiro que elege como destinatários, não somente o inimigo, mas inclui no projeto ‘os estranhos’. Segundo Z. Bauman (1999), o estranho: “É alguém que se recusa a ficar confinado à terra ‘longínqua’ ou a se afastar da nossa e, assim, a priori, desafiar o expediente fácil da segregação espacial ou temporal. O estranho entra no mundo real e se estabelece aqui, tornandose assim relevante – ao contrário daqueles meramente ‘não familiares’ – que seja amigo ou não. Ele entrou no mundo da vida sem ser convidado, com isso lançando-me para o lado do receptor da sua iniciativa, transformando-me no objeto da ação de que ele é o sujeito – tudo isso, lembremos é marca notória do inimigo. Mas ao contrário de outros inimigos “sinceros”, este não é mantido a uma distância segura nem do outro lado da linha de batalha. Pior ainda, ele reivindica o direito de ser um objeto de responsabilidade – o bem conhecido atributo de um amigo. Se impomos a oposição amigo/inimigo, ele fica ao mesmo tempo sub e sobre determinado. E assim por extensão, expõe o fracasso da própria oposição. Ele é uma ameaça constante a ordem do mundo.” (BAUMAN, Z., 1999, p. 68-69)

O estranho se situa na zona de indecibilidades entre o amigo e o inimigo, é dentrofora, indiscernível e difícil identificação. O projeto antiterrorista brasileiro não se volta ao Oriente-Médio, ao Estado Islâmico (ISIS), ao Hamas ou Fatah, aos “inimigos do Ocidente”, que estabelece suas bases num topos [topov] distante, este se destina ao corpo dos estranhos politizados, a bios [biov] que rompeu a menoridade e alcançou o esclarecimento [Aufklärung]10.

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BAUMAN, Z. Modernidade e ambivalência. p.62. “Esclarecimento [Aufklärung] é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso do seu entendimento sem a direção do outro indivíduo. O homem é o culpado de sua menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem.” (KANT, I. Resposta à pergunta: 10

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2. O PROJETO ANTITERRORISTA BRASILEIRO E A SOCIEDADE PUNITIVA: UMA ANÁLISE A PARTIR DE FOUCAULT. Desde da cena descrita por M. Foucault (2014), na primeira parte do livro “Vigiar e Punir) onde Damiens é supliciado em praça pública pelo carrasco Samson como consequência de punição imposta pelo soberano cuja a figura do supliciado representa a ameaça ao próprio corpo do rei. O castigo do suplício era aplicado aos “inimigos do Rei”, sem qualquer intermediação entre o Poder Soberano e o corpo do condenado11. Outra questão que se revela como significação importante nos rituais do suplício; a lentidão da dolorida execução do suplício sobre o corpo resplandece seu caráter político e, outrossim, uma forma de produzir a própria verdade.12” Neste sentido, assevera Foucault (2014) que: “O verdadeiro suplício tem como função fazer brilhar a verdade; e nisso ele continua, até sob os olhos do público, o trabalho do suplício do interrogatório. Ele opõe a condenação a assinatura daquele que sofre. Um suplício bem sucedido justifica a justiça, na medida em que publica a verdade do crime do próprio corpo do supliciado. Exemplo, do bom condenado foi François Billiard, caixa-geral do correio, que em 1772 havia assassinado a mulher; o carrasco queria esconder-lhe o rosto para defende-lo dos insultos (...) a cerimônia penal, se cada um dos atores desempenha bem seu papel, tem a eficácia de uma longa confissão pública.”13 (FOUCAULT, 2014, p. 46)

A relação entre o cerimonial do suplício e a aleturgia (a)lhqonrghv) se desnuda com assustadora aproximação; entretanto o algoritmo que, de certa maneira, conduz o procedimento de produção da verdade se afastam. No primeiro, a experiência de atuação do corpo se deslinda no plano objetivo e material, literalmente, sobre a

O que é o “Esclarecimento”? (Aufklärung). In: KANT. Textos seletos. 9ª Edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2013, p. 63. 11 “[Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão publicamente diante da porta principal da Igreja de Paris [aonde devia ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola. Carregando uma tocha de cera acesa de duas libras [em seguida], na dita carroça, na Praça da Greve, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços e coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo e enxofre, e as partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre por quatro cavalos e seus membros e corpo consumido ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento. Finalmente foi esquartejado(...) Esta operação foi muito longa, porque os cavalos utilizados não estavam afeitos à tração; de modo que em vez de quatro, foi preciso colocar seis, como se isso não bastasse, foi necessário, para desmembrar as coxas do infeliz, cortar-lhe os nervos e retalhar-lhe as juntas...” (FOUCAULT, M. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2014, p.9) 12 FOUCAULT, M. Do governo dos vivos. Curso no Collège de France (1979-1980). Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2014. Ver também FOUCAULT, M. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2014. 13 FOUCAULT, M. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2014, p.46.

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anatomia daquele corpo. Naquela [aleturgia], tal experiência não atua mais no corpo físico, entretanto, em um plano mais abstrato, na subjetivação – na alma do sujeito. Como já escreveu Foucault (2014) alhures, “tratava-se essencialmente de fazer surgir o próprio verdadeiro, contra o fundo do desconhecido, contra o fundo do oculto, contra o fundo do invisível, contra o fundo do imprevisível.”14 É evidente que o projeto antiterrorista brasileiro não se presta a supliciar potenciais terroristas/inimigo/estranho em praça pública, todavia, o que está em jogo no debate sobre o terrorismo são as possíveis liturgias de produção de uma verdade, segundo os ideais de determinados grupos, países ou corporações transnacionais, destacando-se aqui os jogos olímpicos que acontecerão no ano de 2016. As ferramentas oferecidas por Foucault em “Vigiar e punir” oferece-nos uma chave à compreensão das significações de um fenômeno sócio-político muito peculiar da nossa era: A esquizofrenia ocidental do antiterror que, desloca determinados grupos humanos, categorizando-os em potenciais terroristas todo(s) aquele(s) que resiste(m) as escolhas do Poder Público através da linguagem nas arenas virtuais, seja nas ruas, praças públicas ou nos pontos de encontro de aglomerações para realização de manifestações genuinamente populares15. A mensagem do projeto antiterrorista brasileiro é bastante clara e esteve positivada em toda a discussão no parlamento quanto a reação do Estado nacional em sentido próprio quanto a defesa dos direitos humanos e a democracia16, apesar do mesmo, segundo a exposição de motivos EMI

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FOUCAULT, M. Do governo dos vivos. Curso no Collège de France (1979-1980). Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2014, p. 7. 15 Em que pese a preocupação dos órgãos estatais em deixar muito claro que os movimentos sociais e a eventual violência decorrente do enfrentamento dos movimentos e os agentes do Estado; a interpretação quanto a disjunção sobre o que é terrorismo ou não repousará sobre o próprio Estado e seus agentes, no caso brasileiro, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a Justiça Federal (Sobre os legitimados à investigação e julgamento das ações judiciais que tratam do tema, ver o art. 11, caput da Lei 13.260/2016). 16 “2. As organizações terroristas caracterizaram-se nos últimos anos em uma das maiores ameaças para os direitos humanos e o fortalecimento da democracia. Atentados em grande escala, praticados por grupos bem treinados, ou mesmo atos individuais, exercidos por pessoas sem qualquer ligação com um determinado grupo, aterrorizaram populações inteiras ou determinadas minorias. 3. Diante desse cenário, como um dos principais atores econômicos e políticos das relações internacionais, o Brasil deve estar atento aos fatos ocorridos no exterior, em que pese nunca ter sofrido nenhum ato em seu território. 4. Dessa forma, apresentamos um projeto que busca acolher na sua redação os principais debates mundiais e nacionais sobre o tema, respeitando sempre os direitos e garantias fundamentais, com o fim de criar uma lei que proteja o indivíduo, a sociedade como um todo, bem como seus diversos segmentos, sejam eles social, racial, religioso, ideológico, político ou de gênero. 5. As alterações foram feitas, em regra, na Lei nº 12.850, de 2013, conhecida como Lei das Organizações Criminosas. Isto porque permitirá uma aplicação imediata de instrumentos de investigações previstas ali, como a colaboração premiada, agente infiltrado, ação controlada e acesso a registros, dados cadastrais, documentos e informações.”. (BRASIL, República Federativa. Poder Legislativo. Câmara dos Deputados. Exposição de motivos EMI nº 00125/2015 MJ MF. Expedido em 16.06.2015. Disponível em

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n. 001125/2015 MJ MF, nunca ter sido alvo de atentados terroristas advindo de grupos estrangeiros. A noção de ‘humanidade’ e ‘direitos humanos’ ostentam a mesma matriz ideológica que se origina, no primeiro momento, na França e a posteriori, e adquiriu capilaridade em todo o Ocidente. G. Agamben (2015) alerta acerca das insuficiências do discurso moderno sobre os direitos humanos que autorizam, de certa maneira, o combate violento e repressivo da onda terrorista que assola os países do Ocidente, em especial os países da OTAN como resposta proporcional ao terror. O fenômeno terrorista dos países da Ásia Menor e de regime teocrático ou ainda de grupos independentes é visto como um choque de ethos da intersecção Oriente-Ocidente; um movimento Leste-Oeste acrítico, isolacionista e de intolerância, argumentos estes de nascedouro ideológico que ignora a própria série histórica político – econômica que envolve os conflitos armados financiados durante a Guerra Fria e a dependência da economia mundial das fontes de energia advindos dos combustíveis fósseis. Sobre a crítica dos direitos humanos, G. Agamben assevera que: “É tempo de parar de olhar para as Declarações dos Direitos de 1789 até hoje como proclamações de valores eternos metajurídicos, inclinados a vincular o legislador ao respeito a eles, e de considera-las segundo aquela que é sua função real no Estado moderno. Os direitos do homem representam de fato, antes de tudo, a figura originária da inscrição da vida nua natural na ordemjurídico-política do Estado – nação. Aquela vida nua (a criatura humana) que no Ancien Régime, pertencia a Deus e que no mundo clássico, era claramente distinta (como zoé) da vida política (bios), entra agora no primeiro plano no cuidado do Estado e se torna, por assim dizer, seu fundamento terreno.”17 (AGAMBEN, 2015, p. 28)

O esforço semiótico à compreensão dos discursos latentes que compõem o pano de fundo do projeto antiterrorista brasileiro desnuda um discurso na direção da defesa do microssistema jurídico dos direitos humanos através de uma política criminal mais endurecida, aplicando-se penas de reclusão no teto de 30 anos. É possível engendrar o projeto rousseauniano da conservação do Estado e dos contratantes, a medida em que, o próprio Rousseau defendeu que o malfeitor é um atacante do direito social [lido aqui como direito a sociabilidade e não no sentido concedido pela modernidade tardia] http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=750B30D93E05305E305AC CE8482FBC56.proposicoesWeb1?codteor=1350712&filename=PL+2016/2015, acesso em 02.04.2014, às 17h25min). , acesso em 02.04.2016, às 15h30min. 17 AGAMBEN, Giorgio. Meios sem fim: Notas sobre política. Tradução de Davi Pessoa. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2015, p.28.

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que através dos seus crimes e transgressões, tornar-se-ia um rebelde ou traidor da pátria, abdicando, desde modo, a membresia do corpo social. Sobre a condição do malfeitor, J.J. Rousseau (1973) afirma que: “(...) qualquer malfeitor, atacando o direito social, pelos crimes torna-se rebelde e traidor da pátria, deixa de ser um membro ao violar suas leis e até lhe mova a guerra. A conservação do Estado é então incompatível com a sua, sendo preciso que um dos dois pereça e, quando se faz que um culpado morra, é menos como cidadão do que como inimigo. Os processos e o julgamento são as provas e a declaração de ter ele rompido o tratado social, não sendo mais, consequentemente, um membro do Estado. Ora como ele se reconhecera tal ao menos por sua residência, deve ser isolado pelo exílio, como infrator do pacto, ou pela morte, como inimigo público.”18 19 (ROUSSEAU, J.J., 1973, p.59).

O direito de punir, segundo Foucault (2014), se desloca da vingança do soberano em direção da defesa da própria sociedade (FOUCAULT, 2014, p.89) enquanto reafirmação do movimento contratualista. É importante extrair deste debate a intersecção entre o conceito de terrorismo e a noção do inimigo [Rousseau] e do estranho [Bauman] – sendo este último situado em uma zona de indecibilidade entre o amigo e o inimigo – a fim de se estabelecer os limites do projeto antiterrorista brasileiro normatizado e suas inspirações. O inimigo [Jakobs/Rousseau] e o estranho [Bauman] são aqueles considerados em potencial estado de banimento do contrato social, que simultaneamente marca o corpo dos destinatários do projeto antiterrorista brasileiro. A Lei 13.260/2016 revela-se como uma consequência da visão refratária dos países que ocupam o epicentro do poder, que já sofreram em sua maioria, os efeitos dos ataques de grupos terroristas, podendo, deste modo, trazer riscos e contradições à própria democracia que este tem a pretensão de proteger. Tal refratarismo atinge, de certa forma, o projeto antiterrorista brasileiro buscou limitar objetivamente o que seria uma “organização terrorista” que seria, segundo a exposição de motivo definida por três elementos: o fundamento da ação, a forma praticada e o fim desejado pelo agente20. Outra questão digna de nota é a autorização de instrumentos de investigação cuja origens ostentam matizes totalitárias, como os agentes infiltrados [polícias secretas], ações controladas de policiamento e a

ROUSSEAU, J.J. Do contrato social. Livro II. In: Coleção “Os pensadores”. Tradução de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Editor Victor Civita, 1973, p.58. 19 Parte da mesma citação aparece em FOUCAULT, M. Vigiar e punir, Op. cit., p. 89. 20 BRASIL, República Federativa. Poder Legislativo. Câmara dos Deputados. Exposição de motivos EMI nº 00125/2015 MJ MF. Expedido em 16.06.2015. Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=750B30D93E05305E305AC CE8482FBC56.proposicoesWeb1?codteor=1350712&filename=PL+2016/2015, acesso em 02.04.2014, às 17h25min. 18

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colaboração premiada que, nem sempre, são respeitados os limites da lei. O protagonismo policial [polícias secretas], como já defendido por H. Arendt (1989) é sintomático e arriscado para qualquer sistema democrático, podendo desembocar nas tiranias21. Neste horizonte, o autorizativo do artigo 12 da Lei 13.260/2016 prevê que o juiz pode ex officio, ou a requerimento do Ministério Público ou representação do delegado de polícia determinar medidas de segurança que restrinja direitos e/ou apreenda bens do investigado/suspeito durante a ação penal ou ainda, caso haja indícios de envolvimento de bens

em

nome de pessoas

supostamente ligadas

ao

acusado/investigado por terrorismo poderão ser expropriadas e ter seus direitos limitados22, inclusive por mera suspeita ou ainda, poderá ser decretada a prisão temporária do suspeito na forma da Lei 7.960/89. Em nome dos direitos humanos e a democracia, pune-se mais severamente e restringe-se direitos, essa nova tecnopolítica da punição23 coloca em risco toda a sorte de pessoas que participam dos movimentos de resistência considerados perigosos aos olhos do Estado e ameaçador a suas razões que, nem sempre objetivam ataques violentos as pessoas ou bens. Trata-se aqui de uma normalização perigosa de agentes contrárias às instituições democráticas; não se olvidando, que a interpretação da excludente de ilicitude prevista no artigo 12, parágrafo 2º da lei em comento, em abstrato, pertence ao aparelho estatal, corporificado aqui pelo Poder Judiciário e as instituições policiais. Sobre a tecnopolítica da punição em M. Foucault (2014): “Para compreendermos essa tecnopolítica da punição, tomemos o caso-limite, o último dos crimes: um delito hediondo enorme, que violasse todas as leis mais respeitadas. Aconteceria em circunstâncias tão extraordinárias, dentro de um segredo tão profundo, tão desmedidamente, e como que no limite tão extremo de qualquer possibilidade, que só poderia ser o único em todo caso o último de sua espécie: ninguém nunca poderia imitá-lo; ninguém poderia

“É verdade que a ascendência da polícia secreta sobre o aparelho militar é a marca de muitas tiranias, e não somente das tiranias totalitárias; mas, no caso do governo totalitário, a preponderância da polícia não apenas atende à necessidade de suprimir a população em casa, como se ajusta a pretensão ideológica de domínio global.” (ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 349). 22 BRASIL, República Federativa. Lei 13.260/2016. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13260.htm#art19>, acesso em 02.04.2016, às 18h49min. 23 FOUCAULT, Vigiar e punir, Op. cit., p.91. 21

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seguir como exemplo, nem mesmo se escandalizar porque tivesse sido cometido.24” (FOUCAULT, 2014, p.91)

Penas severas, como é o caso da lei antiterrorismo, é curva-se a arte dos efeitos25, é reduzir a prevenção do delito a logicidade de um cálculo matemático; passando, igualmente à guisa da regra da idealidade suficiente26, pois “se o motivo do crime é a vantagem que representa com ele, a eficácia da pena está na desvantagem que se espera dela” (FOUCAULT, 2014, p.93). O ato de punir, ao contrário do suplício, não se direciona mais ao corpo, contudo é a representação da pena que ser maximizada, e não sua realidade corpórea (FOUCAULT,2014, p.93). CONCLUSÃO A questão de fundo não é somente o conteúdo da lei em si, em seu caráter abstrato, entretanto, a inquietação gravita em torno do conteúdo do projeto antiterrorista em um ordenamento jurídico onde os poderes da República refletem em si enquanto ethos os limites do discurso [exacerbado] da defesa da sociedade e do Estado. Uma microfísica do poder aponta no horizonte através dos aparelhos e principalmente pelas instituições do Estado dotados da violência legitimada. Entretanto, esta microfísica que atuava sobre o corpo se reconfigura; modifica as táticas e estratégias e, não obstante, manipula os meios à promoção e aperfeiçoamento das tecnologias de controle dos caminhos, ruas, aglomerações. A lei positivada se aloca como um destes instrumentos que possibilitam a vigilância; justificador da emergência das medidas excepcionais previstas na Lei 13.260/2016 que, em última análise corre-se o risco real de possíveis modulações hermenêuticas operadas pelos agentes de justiça do Estado; que podem variar de acordo com a conjuntura política e socioeconômica que, nas minúcias [detalhes] ou ainda, na dimensão quântica dos inquéritos policiais, das ações penais, nas subjetivações destes agentes o exercício exacerbado do poder e da violência estatal pode ganhar contornos de dramaticidade; deslocando – se o paradigma do Estado democrático de direito para um Estado policial esquizofrênico; onde a exceção corre riscos reais de tornar a regra ou o paradigma de governo. É importante dizer que a Lei 13.260/2016 é uma chave dentre outras que operam simultaneamente à exceção cujos grupos mais vulneráveis, como os movimentos

24

FOUCAULT, Vigiar e punir, Op. cit., p.91 FOUCAULT, Vigiar e punir, Op. cit., p.92. 26 FOUCAULT, Vigiar e punir, Op. cit., p.93. 25

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sociais crítico as agendas do governo instituídos. A produção da própria vida nua como já definiu G. Agamben alhures se revela na experiência democrática brasileira seus contornos de uma tragédia anunciada; as anomalias da suspensão do direito pelo direito que, no primeiro momento, se assemelha a um vilipêndio ao princípio de não contradição, no entanto, erige-se como uma realidade do ser e do não-ser ao mesmo tempo: A suspensão do direito pelo próprio direito. As feridas abertas nos recentes atentados em solo europeu desnudam a sombria kairós [καιρός] que aponta no horizonte e desloca as democracias contemporâneas ao seu limiar em nome da defesa da sociedade e da segurança de todos em detrimento das liberdades individuais. Eis um binômio de difícil conciliação.

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AGAMBEN, Giorgio. Meios sem fim: Notas sobre política. Tradução de Davi Pessoa. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2015.

ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

BAUMAN, Z. Modernidade e ambivalência. Tradução de Marcos Penchel. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1999.

BRASIL, República Federativa. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei (PL) 2016/2015. Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1350712&fil ename=PL+2016/2015. Acesso em 27.02.2016.

BRASIL, República Federativa. Poder Legislativo. Câmara dos Deputados. Exposição de motivos EMI nº 00125/2015 MJ MF. Expedido em 16.06.2015. Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=750B30D9 3E05305E305ACCE8482FBC56.proposicoesWeb1?codteor=1350712&filename=PL+2 016/2015, acesso em 02.04.2014, às 17h25min).

FOUCAULT, M. Do governo dos vivos. Curso no Collège de France (1979-1980). Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2014.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2014.

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JAKOBS, G. MELIÁ, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo. Tradução de André Luis Callegari/Nereu José Giacomolli. 2ª Edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

KANT, I. Resposta à pergunta: O que é o “Esclarecimento”? (Aufklärung). In: KANT. Textos seletos. 9ª Edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2013,

MACHADO ASSIS, Marta R. GONÇALVES, Guilherme Leite. Por uma lei antiterrorismo de Estado. Ou não sobrará ninguém. Le monde diplomatique. Ano 9. Nº 101 – Dez 2015. ROUSSEAU, J.J. Do contrato social. Livro II. In: Coleção “Os pensadores”. Tradução de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Editor Victor Civita, 1973.

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