O projeto arquitetônico e as possibilidades do processo paramétrico para além da representação

June 1, 2017 | Autor: Marina Borges | Categoria: Arquitetura, Parametricismo, Arquitetura Paramétrica, Desenho Paramétrico
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O projeto arquitetônico e as possibilidades do processo paramétrico para além da representação Marina Ferreira Borges

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Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais; [email protected]

Resumo Este artigo propõe-se a fazer uma perspectiva histórica desde o desenvolvimento do processo de projeto arquitetônico representativo ao digital, com ênfase nas possibilidades da aplicação do conceito de parametrização na arquitetura. A partir deste, serão discutidas possibilidades do uso das ferramentas paramétricas para além das questões formais, tendo como referência os estudos de Yona Friedman e o trabalho de mestrado do grupo RAMTV da Architectural Association.

Palavras-chave: processo de projeto arquitetônico, arquitetura paramétrica, Yona Friedman e RAMTV.

Abstract This article proposes to make a historical perspective of architectural design process since the representative process until the digital with emphasis on the possibilities of applying the concept of parameterization in architecture. From this, the article will discuss the possibilities of using parametric tools beyond the formal issues, with reference to the studies of Yona Friedman and the master work of RAMTV group from Architectural Association. Key words: architectural design process, parametric architecture, Yona Friedman and RAMTV.

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é investigar como o processo de projeto paramétrico na arquitetura pode ser utilizado além do aspecto de geração de formas espetaculares e a possibilidade de utilização para a construção de uma arquitetura cotidiana. Para tanto é feita uma revisão histórica dos processos de projeto desde o Renascimento até os dias atuais.

O processo representativo é investigado no item 2 onde se faz uma perspectiva histórica do processo de projeto desde o Renascimento, e como ocorreu a evolução das técnicas de representação até os meios digitais. Discute-se o uso do computador na arquitetura e o

Mostra PROPEEs UFMG, v. 1, n. 1, abril 2013

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desenvolvimento de uma arquitetura digital a partir dos anos 60, chegando até a década de 90, quando surgiram ferramentas digitais que possibilitariam que o processo criativo fosse incorporado às possibilidades do software.

A terceira parte é dedicada ao processo de projeto paramétrico e suas possibilidades além do aspecto formal e estético. Para tanto, retoma-se o trabalho de Yona Friedman desenvolvido na década de 60, em paralelo ao trabalho do grupo Archigram, que propunha o uso intenso de tecnologia para solucionar os problemas de habitação. Friedman faz sua versão de uma máquina processadora de informações, o denominado Flatwriter, para auxiliar o processo de projeto, com o objetivo de orientar o diálogo entre arquitetos e usuários.

A busca por soluções para as problemáticas sócio-espaciais mediadas pela arquitetura são cíclicas, e as utopias criadas pelo desenvolvimento tecnológico são sempre criadas e revisitadas. Portanto, no último item deste artigo, é apresentado o trabalho de mestrado do grupo RAMTV, alunos da escola londrina Architectural Association, denominado Negotiate my boundary!. O trabalho propõe o desenvolvimento customizado de unidades de habitação em um bairro subdesenvolvido de Londres através da internet, onde os usuários poderiam negociar os limites de suas unidades e criar espaços únicos, onde coexistiriam espaços públicos e privados. Para isto são utilizados conceitos de parametria para o desenvolvimento físico e social das unidades e da hiperestrutura em que as unidades estariam inseridas.

A análise da questão metodológica dos processos de projeto nos permite visualizar com maior clareza o processo histórico de desenvolvimento das ferramentas atreladas à 2

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produção de arquitetura e as possibilidades que podemos vislumbrar sobre a prática de projeto em meios digitais. A arquitetura paramétrica, por apresentar possibilidades de abrir o diálogo com o usuário, pode vir a criar processos de produção do espaço mais integrados com a sociedade, onde retira a figura centralizadora do arquiteto do processo representativo e este passa a ser um facilitador para um processo de projeto mais democrático.

2. PROCESSOS DE PROJETO ARQUITETÔNICO

2.1. O processo representativo

Até a segunda metade do séc. XVIII, a história da arquitetura é analisada com o procedimento usual da história da arte, colocando em primeiro plano o estudo dos valores formais (BENEVOLO, 2004). Depois deste período, as relações entre arquitetura e sociedade começam a se transformar, emergindo novas exigências de pensamento intelectual, que confluem em uma nova síntese arquitetônica.

No período anterior ao Renascimento, a técnica construtiva baseava-se em um saber-fazer, onde a transmissão de conhecimentos técnicos era feita oralmente de geração para geração. Os sistemas de representação eram mais simples e secundários ao processo de construção.

A partir do séc. XV, a arquitetura adquire um caráter mais sistemático de representação. Alguns fatores sociais, técnicos e econômicos após o período gótico propiciaram o

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desenvolvimento de técnicas de representação, de modo a se ter uma melhor visualização prévia do objeto a ser construído.

Mas foi com o desenvolvimento da técnica de perspectiva (Figura 1) por Filippo Bruneleschi, (1377/1446) e Leon Batista Alberti (1404/1472), que houve uma definitiva ruptura do processo anterior. O movimento científico renascentista propiciou condições para que os recursos de representação fossem valorizados e passassem a ser sistematizados e regularizados, buscando um status científico compatível com os paradigmas vigentes, criando “a possibilidade de pensar o espaço construído através de um modelo analógico que controlava a realidade efetiva do objeto” (MASCARÓ apud CATTANI, 2006, pg. 113). Desta forma, com uma representação mais precisa da obra passou a haver a possibilidade de testar e analisar a obra anteriormente à construção. A representação do projeto adquiriu, portanto, importância passando a incorporar preocupações técnicas e estéticas. No século XVIII, foi desenvolvida a geometria descritiva e com isto foram estabelecidos os preceitos do sistema projetivo até hoje empregado na representação gráfica exata do espaço. O uso da perspectiva leva a uma maior precisão, estabelecendo um método matemático que transforma a realidade em modelos para que possa ser analisada.

Figura 1: Estudo de representação da perspectiva, Dürer, 1525, xilogravura

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Fonte: BALTAZAR, 2012

Sendo assim, a representação da Arquitetura transformou-se e mudou a própria profissão de arquiteto, reforçando lhe o caráter intelectual. Desta forma, a figura do arquiteto passou a dominar a figura do mestre construtor medieval. Essa mudança não foi um processo inteiramente aceito pelos trabalhadores da época. Houve resistência das corporações de ofício medievais pela nova divisão do trabalho que o sistema provocava, em função da determinação de uma nova ordem econômica e científica. A divisão entre trabalho manual e intelectual criou uma divisão social do trabalho, onde o conceber e o construir passaram a ser atividades separadas. O projeto e construção da Cúpula da Catedral de Florença – Santa Maria del Fiore – por Filippo Brunelleschi (Figura 2) se situa precisamente neste ponto de transição da arquitetura como oficio artesanal a uma ciência intelectual (MATOSO,2000).

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Figura 2: Cúpula de Brunelleschi, Florença, 1420

Fonte: MATOSO,2000

As técnicas de representação reduziram a autonomia no canteiro de obras e teve sua consolidação pelo tipo de organização de trabalho favorável ao capitalismo nascente. O planejamento da construção permitia a implantação de um processo de trabalho mais eficaz e mais racional.

Com a Revolução Industrial no séc. XVIII ocorreu uma mudança de relação entre processos, materiais e técnicas. Os novos processos mecanizados e especializados modificaram as relações de produção manufatureira. Para a arquitetura, estas novas relações acentuaram uma divisão e especialização maior entre o fazer e o saber. A diferença da figura deste arquiteto para o Renascentista, é que o projeto não estava mais centrado no arquiteto como criador, artista e cientista.

A arquitetura moderna nasce das modificações técnicas, sociais e culturais relacionadas com a Revolução Industrial. As mudanças tecnológicas levam a uma nova infraestrutura de sociedade e à exploração de uma maior capacidade produtiva. Desta forma, começaram a 6

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surgir delimitações e especializações profissionais. Ocorreu o surgimento de funções relacionadas ao controle, planejamento e orçamento, inexistentes em épocas anteriores. Com seus princípios de racionalização, levou ao limite a utilização da representação arquitetônica, racionalizando os espaços, resolvendo em projeto as possibilidades de otimização da arquitetura, muitas vezes negligenciando conhecimentos construtivos. O Modernismo deu continuidade ao processo de separação entre projeto e construção que já se encontrava incorporado na prática arquitetônica e reforçou o modo de produção da arquitetura via representação.

Sérgio Ferro (2006) discutiu em Arquitetura e Trabalho Livre sobre a ruptura com a questão estética da arquitetura e a importância da reflexão sobre os processos de construção, no momento em que o movimento moderno tem seu apogeu com a construção de Brasília. Ferro reflete sobre a dominação do desenho no canteiro e como os arquitetos foram perdendo desde o Renascimento, o domínio das técnicas construtivas levando à separação entre o trabalho intelectual (desenho) e trabalho manual (canteiro).

A precisão do desenho técnico fez com que este fosse o método condutor do processo de projeto desenvolvido desde o séc. XVIII até a contemporaneidade. Outros domínios adotaram as mesmas características desta linguagem gráfica, tais como o cálculo estrutural, os projetos de instalações e a engenharia mecânica.

Na atualidade, mesmo com a introdução de ferramentas digitais computacionais, a perspectiva e o desenho projetivo ainda são o paradigma para a arquitetura e sua representação. A arquitetura incorporou o processo de projeto ao computador no final da Arquitetura como Interface – NPGAU-UFMG

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década de 80, com a introdução do sistema CAD que se consolidou nos anos 90 como ferramenta indispensável no processo de projeto convencional. Os programas CAD reproduzem em sua lógica estrutural o processo de representação Renascentista, “ainda que o façam de forma muito mais rápida e permitam a manipulação em tempo real, não há nenhuma mudança na lógica de representação” (BALTAZAR, 2012).

2.2. O processo digital

Nas décadas de 60 e 70, houve várias publicações sobre metodologia de projeto, numa tentativa de se abordar de forma metodológica o processo. Sendo assim, as etapas poderiam ser controladas, verificadas e informadas.

O interesse na metodologia de projeto surge devido a um caráter de complexidade dado ao processo. Sendo assim, o desenvolvimento de um método mais científico e sistemático torna-se coerente para o ato projetual. As ferramentas computacionais permitem uma maior racionalização do processo, permitindo a eficácia no desenvolvimento de aspectos mais complexos do projeto. Neste contexto, a arquitetura passa a funcionar como um sistema de informações, e neste sentido se aproxima dos conceitos da cibernética1. Mitchell citado por NATIVIDADE (2010, pg.86) faz uma abordagem sobre a possibilidade de se construir representações do projeto arquitetônico como sistemas. Sendo assim, os sistemas generativos poderiam gerar várias soluções, com base na descrição dos sistemas e dos objetivos a serem alcançados.

"Cybernetics was famously defined in more recent times by Norbert Wiener in 1948, as the science of “control and communication, in the animal and the machine.” (LEMOS,2009) 1

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O uso do computador na arquitetura se inicia pelas possibilidades de cálculo oferecidas, tendo sido, portanto ”uma demanda maior da engenharia de estruturas do que propriamente pelo desejo de novas investigações formais na arquitetura” (NATIVIDADE, 2010, pg.88). Um dos primeiros projetos a se utilizar o computador para o processo de projeto de arquitetura, foi o projeto da Capela da Academia de Cadetes da Força Aérea dos Estados Unidos (Figura 3) nos anos 60 pelo escritório SOM. Este processo ainda foi bem atrelado ao cálculo estrutural, onde o sistema de cálculo Field Theory foi utilizado para auxiliar no projeto de estrutura da capela. Posteriormente, o SOM começou a empregar o computador para a realização de desenhos arquitetônicos.

Figura 3: Capela da Academia de Cadetes da Força Aérea dos Estados Unidos

Fonte: NATIVIDADE, 2010

A partir década de 70, as ferramentas digitais passaram a integrar todas as etapas do processo de projeto arquitetônico. Mas, as experiências mais satisfatórias tinham sido as que sua aplicação foi limitada como ferramenta de representação. Algumas promessas do uso do computador como ferramenta de auxílio na tomada de decisões foram frustradas devido às limitações dos sistemas operacionais à época. Além do mais, os custos envolvidos

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na adoção das ferramentas digitais eram altos para projetos de arquitetura, tendo feito com que os arquitetos não abandonassem suas ferramentas tradicionais de representação.

Somente com a popularização dos computadores na década de 80 é que foram retomadas as discussões sobre o uso de ferramentas digitais na arquitetura e consequentemente, sobre metodologia de projeto como ciência. Em 1982, foi lançada a primeira versão do software AutoCad, que tem seu uso largamente empregado nos escritórios de arquitetura até os dias atuais.

Na década de 90, com a possibilidade de aquisição de computadores pessoais de baixo custo, houve a popularização do uso do computador na arquitetura. As técnicas de representação foram sendo aperfeiçoadas em meios digitais, havendo um salto qualitativo na produção de modelos tridimensionais e do processo de renderização que fornece ao modelo simulações foto-realísticas onde são aplicadas texturas, propriedades dos materiais, luz e sombra. Essas técnicas foram evoluindo na medida em que a capacidade de processamento dos computadores foi aumentando.

A partir da década de 90, alguns arquitetos como Greg Lynn e Peter Eisenman iniciaram pesquisas de como utilizar ferramentas digitais para propiciar novas maneiras de se criar a forma arquitetônica. Alguns críticos rebatem este tipo de uso destas ferramentas, que segundo Novak “a ênfase deveria ser dada às relações entre partes e não na modelagem ou renderização de objetos em particular” NOVAK (1988).

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A maior crítica ao uso das ferramentas digitais como geradoras de formas espetaculares, é que estas só contribuíram para uma arquitetura do espetáculo, onde o projeto só é problematizado em função da imagem que ele gera, não contribuindo a uma reflexão sobre o espaço construído.

2.3. O processo paramétrico

A maioria dos conceitos até hoje envolvendo a parametrização tendem ao formalismo, como por exemplo, a geometria topológica, a hipersuperfície, blobs e dobras. Mas a capacidade de projeto propiciada pelos algorítimos permitem possibilidades de desenvolvimento que podem ir além dos aspectos formais.

O termo Parametrização tem sua origem na Matemática, mas veio para a arquitetura através da engenharia de estruturas, onde a descrição de elementos cuja variação de valor modifica a solução sem alterar a natureza do problema. O computador deixa de ser uma ferramenta “neutra” no processo e torna-se um tradutor de parâmetros em linguagens formais. As alterações não afetam somente as características formais, mas também parâmetros de desempenho estrutural e de conforto termo-acústico. Esta tecnologia desenvolvida com Programação Orientada a Objetos propicia uma maior integração das partes componíveis, visto que não é apenas uma técnica de representação bidimensional, mas uma tentativa de se representar e modificar o projeto tridimensionalmente. Neste processo são utilizados Algoritmos, que são aplicados para a composição do problema e processados por análise combinatória para a geração de milhões de possibilidades. Com o auxílio desta ferramenta,

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o arquiteto passa a ter inúmeras possibilidades que podem ser empregadas tanto em questões formais quanto em aspectos pragmáticos.

O desenho paramétrico tem potencial de viabilizar uma arquitetura onde o processo de criação do arquiteto está ligado ao gerenciamento de dados. O resultado final de projeto advém de um dos resultados possíveis dentro de uma infinidade de alternativas geradas, o que pode viabilizar uma abertura do processo de projeto com o usuário. A abertura do processo diminui as fronteiras entre projeto e uso, separação esta muito fortalecida pelo projeto representativo.

3. POSSIBILIDADES DE PARAMETRIZAÇÃO ALÉM DA FORMA

A maioria dos estudos e projetos envolvendo arquitetura paramétrica ou generativa envolveu o desenvolvimento de formas espetaculares, com técnicas avançadas de modelagem, iniciadas principalmente após a construção do Museu Guggenheim de Bilbao de Frank Gehry (1992-1997). A possibilidade de geração de formas espetaculares beneficiou a criação da arquitetura do espetáculo, muito valorizadas no período anterior à crise econômica vivida por EUA e Europa a partir do ano de 2008. A arquitetura passou a fazer parte de objeto imagético para a valorização de investimentos na cidade onde “a sofisticação técnica ostensiva, a diferenciação das superfícies e a exuberância formal passaram a ser requisitos para constituir imagens arquitetônicas exclusivas” (ARANTES, 2012). Estes projetos são obras de exceção e não são capazes de gerar reflexão sobre a produção social do espaço.

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As mudanças proporcionadas por softwares paramétricos e pelo aumento da capacidade de processamento dos computadores nos permite retomar a algumas teorias desenvolvidas na década de 60 como possibilidades de empregarmos estas tecnologias no desenvolvimento de uma arquitetura do cotidiano, como para a construção de moradias, escolas, hospitais e espaços públicos.

3.1 Yona Friedman e o Flatwriter

Yona Friedman propôs a abordagem de “arquitetura científica” fundamentada na “compreensão de arquitetura como sistema ela mesma” (ALMEIDA apud NATIVIDADE, 2010, pg. 79). Para Friedman, o projeto deveria ser um sistema de fluxos de informações entre os clientes, arquitetos e produto final (NATIVIDADE, 2010).

Friedman propõe em 1967 sua versão de máquina para auxiliar o processo de projeto denominado Flatwriter (Figuras 4 e 5) para orientar o diálogo entre arquitetos e usuários. Sua proposta era a customização de habitações pelo próprio usuário, onde este processo envolveria desde o layout interno às orientações climáticas, onde a máquina processaria e imprimiria as decisões do usuário. Este também poderia alimentar o sistema com inputs de suas necessidades, e no output, o sistema aconselharia o usuário sobre suas decisões. O output seria dado através de uma conexão da máquina com um aparelho de televisão.

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Figura 4: The Flatwriter – Sistema de geração das unidades

Fonte: FRIEDMAN

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Figura 5: The Flatwriter – conjunto de unidades

Fonte: FRIEDMAN

O conceito do Flatwriter faz parte do projeto de Friedman da chamada Ville Spatiale, uma cidade elevada, onde as pessoas pudessem viver e trabalhar na habitação em que elas mesmas projetariam. Esta ideia introduzia uma abordagem metodológica para permitir o crescimento das cidades liberando o uso da terra. O Ville Spatiale combina os seguintes princípios de Friedman: a flexibilidade da habitação para aumentar a liberdade de escolha do indivíduo, o uso de várias camadas flexíveis do espaço da cidade e o adensamento de habitações para liberar o uso do solo.

O Flatwriter foi um projeto utópico, mas cria apontamentos de como o processo de projeto pode ser repensado diante das possibilidades tecnológicas digitais. Podemos pensar uma arquitetura que seja realmente virtual2, cujo processo de projeto seja repensado à luz das

Lévy (1956) em “O que é o virtual?” define virtualização como um processo de invenção a partir de uma solução para um problema. Para a arquitetura ser efetivamente virtual, os processos não podem ser caixas e sim interfaces virtuais. Sendo interfaces, as pessoas podem dar continuidade aos processos de design, e assim promover o engajamento sucessivamente. Esta promoção do evento latente possibilita o sentido de comunidade e democracia virtual, possibilitando a transferência do virtual para o real. 2

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possibilidades do digital (BALTAZAR, 2005). O digital permite a flexibilidade, a lógica de rede, a integração e abertura do sistema, a emergência do ambiente em tempo real, além do estabelecimento de continuidade entre projeto e uso.

3.2 RAMTV

Retomando as utopias de Yona Friedman, o RAMTV , grupo de alunos da Architectural Association School of Architecture, desenvolveu uma tese chamada Negotiate my boundary!. A tese simula um processo de design paramétrico inicialmente introduzido no projeto por meio da participação ativa do usuário através da internet para o desenvolvimento personalizado de unidades habitacionais dentro de uma hiperestrutura em um bairro de Londres. Embora não seja citado no trabalho, pode-se notar algumas semelhanças ao trabalho de Friedman, como a proposta de diálogo com o usuário através da máquina na geração de habitação personalizada. Na proposta de Friedman, o usuário teria os resultados de sua customização através da televisão, e no trabalho do RAMTV, aconteceria através da internet, em computadores ou telefones.

O foco principal da pesquisa foi a participação e a negociação entre os futuros moradores no processo de desenvolvimento do projeto. A negociação dos limites aconteceria de múltiplas formas e em diversas escalas. Os limites do projeto não deveriam criar dicotomias entre espaços públicos e privados, mas gerar ambientes de trocas sociais. Para tanto foi criado um sistema generativo e um sistema on-line que iriam interagir e informar-se mutuamente dentro de um projeto maior, permitindo que os usuários colaborassem com a organização espacial. Este seria produzido em vários níveis diferentes, como uma forma de 16

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personalização em larga escala que permitiria a população criar um ambiente de forma espacialmente estratégica. Na figura 6 podemos ver o processo de desenvolvimento do projeto.

Como forma inicial para o sistema generativo, foi utilizado o modelo da Unité d`Habitation de Le Corbusier. Na primeira etapa (territorialising system) o sistema gera modelos definidos por geometria, estrutura, circulação e densidade. A combinação de um simples protótipo gera uma série de diferentes tipos de habitação (Figura 7). Na etapa subsequente (genotype system) são criadas as relações ergonômicas entre o corpo e as atividades domésticas a serem desenvolvidas no espaço. A interação de diversas unidades habitacionais gerariam um sistema estruturado co-dependente com os espaços públicos e privados intercalados.

Os parâmetros específicos para a geração de cada unidade seriam a organização espacial e a combinação de unidades, iluminação, estrutura, acesso e condições do local. O usuário também poderia fazer algumas escolhas baseadas em suas preferências relativas à relação com os espaços públicos, nível de negociação do espaço com os vizinhos e possibilidades de compartilhamento do espaço público e privado.

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Figura 6: Esquema de organização do sistema generativo

Fonte: RAMTV, 2001

Figura 7: Técnica de geração das unidades

Fonte: RAMTV, 2001

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Com a definição do modelo de cada unidade habitacional pelos seus respectivos usuários, ocorrerão conflitos de interesses, o que faz com que o sistema gere uma matriz para demonstrar os espaços que estão em interseção com o vizinho. A negociação do limite de cada unidade relacionada às unidades vizinhas aumenta à medida que se move no esquema de em direção ao centro da matriz (Figura 8). Figura 8: Matriz gerada pelo sistema

Fonte: RAMTV, 2001

O processo de implantação (Figura 9) das unidades no local tem uma estrutura de decisão que não é nem de cima para baixo, nem de baixo para cima, mas sim o resultado de uma negociação ativa entre moradores e autoridades. O modelo paramétrico resultante de projeto é um processo multidirecional de negociação e não apenas os usuários, mas entre potenciais designers e também de autoridades reguladoras e de planejamento.

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Figura 9: Implantação das unidades

Fonte: RAMTV, 2001

Foram testados vários cenários possíveis no bairro para testar como diferentes parâmetros podem se relacionar com os possíveis resultados organizacionais. Como um processo evolutivo, o projeto tem uma organização especial, e sua disposição e aparência são imprevisíveis, sendo o resultado de estratégicas únicas e não reproduzíveis em suas formas finais.

4. CONCLUSÃO

Em o Mundo Codificado, Flusser discute o design como obstáculo para a remoção de obstáculos onde fala de uma maneira de criar responsável, onde a tomada de consciência da efemeridade da criação pode vir a contribuir para uma maneira de criar mais responsável, “o que resultaria numa cultura em que os objetos de uso significariam cada vez menos obstáculos e cada vez mais veículos de comunicação entre os homens” (FLUSSER, 2007, pg. 198).

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Ao longo deste artigo foi feita uma breve retrospectiva histórica de como se desenvolveram os processos de projeto na arquitetura desde o Renascimento até os processos digitais. Com o desenvolvimento dos processos digitais, a forma de projetar representativa vem sendo questionada, por não abarcar a complexidade de relações que envolvem a concepção e construção do espaço.

Em contrapartida, os processos digitais foram até agora suportes para o desenvolvimento de formas espetaculares, não tendo contribuído para a arquitetura do cotidiano, sendo exclusividade de uma elite de arquitetos. Isto pode gerar certa fobia tecnológica e um preconceito por parte dos demais arquitetos, relegando estes aparados a tecnologias fantasiosas, fazendo com que não haja um desenvolvimento mais aprofundado de suas possibilidades.

Na década 60 e 70 ocorreram às primeiras tentativas de se problematizar a arquitetura em meios digitais, podemos ver uma tentativa do uso do computador como um facilitador do processo de projeto. Mas, devido as dificuldades operacionais da época, o uso digital como parte do processo representativo ganhou força e se difundiu no meio da arquitetura, tendo um massivo uso até os dias atuais.

Com o desenvolvimento dos softwares, surgiu o conceito de parametrização na arquitetura. Mas, até então a sua utilização foi limitada a geração de formas espetaculares. Retomando as utopias das décadas de 60 e 70, podemos vislumbrar a junção destes ideais com as possibilidades de parametrização no processo de projeto. Sendo assim, estas ferramentas

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seriam parte da abertura de diálogo com os usuários através da máquina e das inúmeras possibilidades que a internet e os aparatos tecnológicos nos proporcionam.

O processo paramétrico não substitui o representativo, assim como na arte a fotografia não substituiu a pintura. As possibilidades geradas pela parametrização são apenas ferramentas que podem coexistir com as demais ferramentas disponíveis. Os softwares são auxiliadores do processo, cabendo ao arquiteto decidir qual software melhor viabiliza o desenvolvimento de seu trabalho, e em quais etapas de projeto seria pertinente emprega-los. As ferramentas computacionais podem ir além da criação de formas retorcidas, criando processos arquitetônicos de input e output, integrando usuários e produto final, alterando as hierarquias convencionais no desenvolvimento do projeto. A arquitetura gerada digitalmente pode criar processos mais abertos de concepção “enunciando a ciência da arquitetura como conhecimento do projeto, não somente causa, mas efeito da elaboração de significados” (ABASCAL, 2013).

REFERÊNCIAS

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