O Psicanalista na instituição

June 7, 2017 | Autor: Eduardo Ant | Categoria: Psicanalise
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1 O Psicanalista na instituição?

Eduardo Antônio Medeiros Souza1 Rogéria Araújo Guimarães Gontijo2

Resumo: Fazendo uma revisão bibliográfica de textos clássicos e contemporâneos em Psicanálise, o presente artigo pretende apresentar uma resposta consistente e objetiva à possibilidade de atuação do psicanalista no âmbito institucional. Ao explorar os primórdios da teoria Freudiana, colhendo os princípios de uma psicologia social sob seu olhar, enriquecida por tomadas de autores Lacanianos, apresenta os percalços dessa prática no contexto contemporâneo, enumerando desafios e concluindo pela possibilidade de uma atividade com consistência ética psicanalítica. Atividade que se sustente em seu fazer sem desprezar os novos campos de atuação a que o analista possa se encontrar convocado nem os princípios fundamentais dessa abordagem teórica. Palavras-chave: Psicanálise, Psicanálise Aplicada, Instituição, Analista.

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Graduando de Psicologia do Instituto de Ensino Superior e Pesquisa de Divinópolis, MG. Endereço eletrônico: [email protected] 2 Professora Mestre em Psicologia pela PUC, MG. Endereço eletrônico: [email protected]

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O Psicanalista na instituição?

The psychoanalyst at the institution?

Resumo: Fazendo uma revisão bibliográfica de textos clássicos e contemporâneos em Psicanálise, o presente artigo pretende apresentar uma resposta consistente e objetiva à possibilidade de atuação do psicanalista no âmbito institucional. Ao explorar os primórdios da teoria Freudiana, colhendo os princípios de uma psicologia social sob seu olhar, enriquecida por tomadas de autores Lacanianos, apresenta os percalços dessa prática no contexto contemporâneo, enumerando desafios e concluindo pela possibilidade de uma atividade com consistência ética psicanalítica. Atividade que se sustente em seu fazer sem desprezar os novos campos de atuação a que o analista possa se encontrar convocado nem os princípios fundamentais dessa abordagem teórica. Palavras-chave: Psicanálise, Psicologia Social, Instituição, Analista.

Abstract: Doing a literature review of contemporary and classic texts in psychoanalysis, this article aims to present a consistent and objective response of the possibility of a psychoanalyst at the institutional actuation. In exploring the origins of Freudian theory, reaping the principles of social psychology under his gaze, enriched by taken Lacanian's authors, presents the mishaps of this practice in the contemporary context, enumerating the challenges concluding by the possibility of an activity with psychoanalytic ethical consistency. Activity that can be sustained by their doing without neglecting the new fields of activity that the analyst can find himself convened nor the fundamental principles of this theoretical approach. Key-words: Psychoanalysis, Applied Psychoanalysis, Institution, Analyst.

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Introdução Diante da diversidade de demandas que a sociedade contemporânea produz, confrontada com a gama complexa da teoria psicanalítica, traz-se a questão da possibilidade de atuação psicanalítica na instituição. Nesse intuito o presente artigo irá fazer uma leitura de diversos autores, desde os clássicos aos contemporâneos na tentativa de responder a esta e a outras questões que se colocam no decorrer da investigação. Partindo de Freud e de sua teorização sobre a psicologia social, relendo alguns conceitos de Lacan e autores contemporâneos, tais como Miller, Baio, Ciaccia, Laurent, dentre outros, fez-se um apanhado conceitual que aponta para alguns caminhos. Para muitos esses caminhos não se traduzem em novidade, mas a possibilidade de uma leitura simplificada pode facilitar o entendimento e a auto implicação. Os que tiveram que defrontar com essas questões na prática, forjando uma atuação contextualizada, se sentirão familiarizados com a discussão. Os que não as enfrentaram na formação, poderão obter um recurso a mais para se posicionar frente aos desafios contemporâneos. É claro que este artigo não se pretende um tratado sobre Psicanálise aplicada, tão só uma contribuição pertinente, contemporânea e sóbria. Não pretende apresentar novidade, no entanto, fomenta questões de uma forma singular e simples. Ousa em algum sentido, forjar uma ilustração sintética que possibilite o entendimento não só ao especialista, mas sobretudo ao leigo ou especialista em formação que ainda não esteja tão familiarizado com as iniciações acadêmicas, sobretudo com as iniciações psicanalíticas. Metodologia Partindo de uma pesquisa exploratória bibliográfica, buscou-se coletar os pontos fundamentais para a identificação das questões referentes às bases da psicologia social segundo a psicanálise, sobretudo em Freud e a partir daí confrontou-se os postulados encontrados com as teorizações contemporâneas no intuito de estabelecer relações coerentes e aprofundar conteúdos no interesse de

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obter respostas mais objetivas e claras, facilitando o entendimento e a ligação lógico-coerente entre as propostas apresentadas. É preciso ressaltar que um trabalho de revisão de literatura em psicanálise tem algumas peculiaridades que podem ser sintetizadas na fala que se segue, retirada no site da Universidade Federal Fluminense: É necessário observar então, que a revisão da literatura pertinente sobre uma situação problematica e subordina a essa. (...) O que o pesquisador pretende ler interessa muito pouco para um projeto de pesquisa. As citações bibliográficas em um projeto de pesquisa possuem uma função muito precisa: a de articular a situação problemática a uma tradição de pensamento que se dedicou a elaborar e esclarecer o enigma contido na situação que se pretende pesquisar. Além disso, a articulação entre a situação problemática e a bibliografia se faz visando especificar, ainda mais, o enigma a ser investigado. (Berlink, 2009)

Para esse autor, formular um problema de pesquisa é, ao mesmo tempo, especificar uma situação problemática a qual se conclui com uma hipótese, uma sentença que estabelece uma relação entre dois conceitos, requerendo comprovação, demonstração, argumentação que a sustente. No intuito de atender a esses requisitos fundamentais, privilegiou-se os textos de Freud, Totem e Tabu e Psicologia das Massas, por traduzirem as bases fundamentais da psicanálise para o entendimento dos conceitos de Psicologia Social e Instituição, estudos que foram tomados em recortes já que o trabalho não se configura como um tratado nem como uma tese, requerendo um trato mais focal e objetivo. Relacionou-se os conceitos fundamentais de Freud, com autores clássicos da Análise Institucional, por entender que as contribuições nesse campo podem encaminhar para uma percepção da atualidade dos posicionamentos do pai da Psicanálise. No interesse de tornar a discussão aberta aos profissionais da psicologia, independente de serem ou não afeitos à abordagem psicanalítica. A fim de clarificar o entendimento sobre a estrutura que permeia as ligações que se fazem nas instituições, tornou-se necessário reler um viés muito pertinente às instituições dentro da teoria Lacaniana, o discurso do mestre. Tal elucidação contribuiu também para embasar as discussões de autores contemporâneos que também se embasam nesse recorte para pensar a atuação psicanalítica na instituição.

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Por fim, buscou-se um diálogo dos autores contemporâneos que tratam do assunto, para tornar o artigo útil, coerente e, sobretudo, com a finalidade de compilar as principais ideias desses teóricos a fim de se obter uma visão global, porém sucinta, do assunto tratado. Desenvolvimento Para início de conversa, toma-se a opinião de Freud a respeito de instituição, como ele a entende e a viabilidade de uma prática, como diria Miller, entre vários. Em Psicologia das Massas Freud vai dialogar com Le Bom sobre o significado de massa buscando estabelecer, ele mesmo, qual seria o fator que permeia as massas e exerce a função de ligar os indivíduos em um “ser provisório” que se comporta diferentemente de cada indivíduo que o compõe. Freud vai tomar das afirmações de Le Bon sobre o comportamento das massas, onde é possível coexistirem ideias opostas sem contradição lógica, e associar ao comportamento dos neuróticos, já devassado pela psicanálise. (Freud, 1921). Em outro momento, o diálogo se abre com tomadas de McDougall e Sighele. Ao diferenciar as massas efêmeras de outras mais estáveis, onde os seres humanos passam toda a sua vida, a essas Freud irá dizer que tomam corpo nas instituições, o que equivale dizer que em seu conceito, a instituição é uma massa complexa, mais estável e duradoura. Tal observação é de relevância neste trabalho, já que para saber da possibilidade de atuação psicanalítica na instituição, necessário se faz contextualizar a atuação psicanalítica e o conceito de instituição. (Freud, 1921). Lourou, um dos autores da conhecida Análise Institucional, irá conceituar instituição de modo bem parecido, ao dizer que “não é uma coisa observável, mas uma dinâmica contraditória construindo-se na (e em) história, ou tempo. Ele mesmo irá dizer que não traz novidades, e que a psicanálise já se debruçara sobre esse ponto há mais tempo. (Lourou 1993).

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Baremblitt irá dizer de um modo mais complexo concordando com o diálogo que se estabelece entre Freud e Le Bon em Psicologia das massas e com essa definição que Freud estabeleceu, das massas estáveis: As instituições são lógicas, são árvores de composições lógicas que, segundo a forma e o grau de formalização que adotem, podem ser leis, podem ser normas e, quando não estão enunciadas de maneira manifesta, podem ser hábitos ou regularidades de comportamentos. (...) Mas uma instituição não necessita de tal formalização por escrito: as sociedades ágrafas também têm códigos, só que eles são transmitidos verbal ou praticamente, não figurando em nenhum documento. (Baremblitt, 1992).

Freud irá tomar como modelos a serem observados, duas instituições, a Igreja e o Exército, massas, segundo ele, bastante organizadas, duradouras e artificiais. Sobre a Igreja destacará o líder na pessoa de Jesus, chefe supremo, bondoso irmão mais velho, substituto paterno, assim como o general é o “pai” no Exército. Nesse sentido, destaca a importância do líder na psicologia das massas, o que equivaleria dizer da importância do líder para a instituição e o principal fenômeno desta, a ausência de liberdade do indivíduo na mesma. (Freud,1921). Outra característica que Freud aponta nas massas, articulando como o pensamento de Mc Dougall, é a sua organização e as condições para que as mesmas se elevem de um estado primitivo e instável para um nível mais elaborado. Para tanto ele aponta cinco condições: A primeira condição básica é um certo grau de continuidade na sua existência. Essa continuidade pode ser material ou formal; material, quando as mesmas pessoas permanecem longo tempo na massa; formal, quando há certas posições desenvolvidas no interior da massa, que vão sendo destinadas às pessoas que se sucedem. A segunda condição, que no indivíduo da massa tenha se formado uma determinada concepção da natureza, função, realizações e reivindicações da massa, de maneira que dela resulte um vínculo afetivo com a massa em seu conjunto. (Freud 1921).

Pela continuidade, por ter posições estabelecidas e possuir vínculo afetivo, questões que sintetizam essas duas primeiras condições, pode se entrever o motivo de Freud ter dito anteriormente que ela, a massa, se torna um “ser provisório”, comportando-se diferentemente dos indivíduos que a compõe. Pede-se que os teóricos sistêmicos perdoem o parêntese, mas enuncia-se aqui a hipótese de um sistema bio-psicológico, isto é um sistema vivo em movimento de complexificação. O próprio Freud cita W.Trotter vendo a tendência à formação da massa como prolongamento biológico da multicelularidade dos organismos superiores. (Freud 1921).

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Fechado o parêntese, pelos laços e pelas funções desempenhadas o indivíduo se vê autorizado a determinadas ações, relações e comportamentos, que individualmente não teria, estando, de certo modo, abalizado pelo interesse coletivo, sobre o qual recai o ônus e o bônus de seus movimentos. Retome-se à enumeração citada: A terceira, que a massa se coloque em relação com outras semelhantes, mas em muitos pontos diferentes, para que haja alguma rivalidade entre elas. A quarta, que a massa tenha tradições, costumes e disposições, especialmente no que se refere à relação dos membros entre si. A quinta, que na massa exista uma divisão, que se manifesta na especialização e diferenciação da atividade que cabe ao indivíduo. (Freud 1921).

As condições propostas por ele serão tomadas aqui, por serem de maior relevância para este estudo. Para que seja uma massa de qualidade superior, necessário se faz que tenha essas condições atendidas, caso contrário ela se torna vulnerável e efêmera. Vale lembrar em decorrência do acima exposto que, depois de destacar a figura do líder, Freud aponta o momento em que essa autoridade pode ser desprezada, quando a massa se desintegra. Ao perder a ligação com o líder a massa perde também as ligações recíprocas entre os indivíduos, é o que ele enfatiza quando diz que a massa se pulveriza como uma lágrima batávica da qual se quebra a ponta, fazendo analogia à gota de vidro em fusão que, lançada em água, toma a forma de uma lágrima e se desfaz quando tem sua ponta quebrada. Cabe agora identificarmos o motivo na estrutura individual que permitirá uma ligação tanto mais forte com o líder bem como entre os membros e, para tanto, Freud irá dizer de outro conceito, o da “identificação pelo sintoma”: ...primeiro, a identificação é a mais primordial forma de ligação afetiva a um objeto; segundo, por via regressiva ela se torna o substituto para uma ligação objetal libidinosa 3, como que através da introjeção do objeto no Eu; terceiro, ela pode surgir a qualquer nova percepção de algo em comum com uma pessoa que não

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Libido: Termo latino (libido = desejo), inicialmente utilizado por Moriz Benedikt e, mais tarde, pelos fundadores da sexologia (Albert Moll e Richard Von Krafft-Ebing), para designar uma energia própria do instinto sexual, ou libido sexualis. Sigmund Freud retomou o termo numa acepção inteiramente distinta, para designar a manifestação da pulsão sexual na vida psíquica e, por extensão, a sexualidade humana em geral e a infantil em particular, entendida como causalidade psíquica (neurose), disposição polimorfa (perversão, amor-próprio (narcisismo) e sublimação.(Roudinesco, 1997).

8 é objeto dos instintos sexuais. Quanto mais significativo esse algo em comum, mais bem-sucedida deverá ser essa identificação parcial, correspondendo assim ao inicio de uma nova ligação. (Freud 1921).

As questões abordadas até agora, não são novas em Psicologia das Massas, Freud já havia tratado de algumas delas em Totem e Tabu, onde adotou alguns postulados de Darwin sobre a forma primeira da sociedade humana, de uma horda governada por um macho forte, que teria sido assassinado, hipoteticamente, transformando-a em uma horda fraterna. Ao delinear as semelhanças das massas com a “horda primeva”, conclui que “a psicologia da massa é a mais velha psicologia humana”. Ora, se a psicologia da massa é a mais velha, equivale dizer que a psicologia individual é posterior, e se a primeira é análoga a outra e repete os mesmos padrões, pode-se pensar que a psicologia individual é filha da psicologia social. (Freud, 1912). O pai primordial havia impedido os seus filhos de satisfazerem seus impulsos sexuais diretos; obrigou-os à abstinência e, por conseguinte, ao estabelecimento de laços afetivos com ele e entre si, que podiam resultar dos impulsos de meta sexual inibida. Ele os compeliu, por assim dizer, à psicologia da massa. Seus ciúmes sexuais e sua intolerância vieram a ser, em última análise, as causas da psicologia da massa. (Freud 1912).

Ele faz um paralelo entre a neurose obsessiva e a instituição social chamada Tabu, a primeira sendo uma dimensão individual da segunda que é um fenômeno coletivo, justificando seu estudo irá dizer: Esta simples comparação entre o tabu e a neurose obsessiva é suficiente para fazer-nos compreender a natureza da relação entre as diferentes formas de neuroses e instituições culturais e perceber como o estudo da psicologia das neuroses é importante para a compreensão do desenvolvimento da civilização. (Freud, 1912).

Ao comparar a neurose com a instituição, estabelece pontos de contato, notáveis e de longo alcance, com a arte, a religião e a filosofia. Para ele a histeria, a neurose obsessiva e o delírio paranoico estão, respectivamente, como caricaturas de uma obra de arte, de uma religião e de um sistema filosófico. Ele enriquece ainda mais o paralelo entre a psicologia individual e a psicologia coletiva quando diz: A natureza associal das neuroses tem sua origem genética em seu propósito mais fundamental, que é fugir de uma realidade insatisfatória para um mundo mais agradável de fantasia. O mundo real, que é assim evitado pelos neuróticos, acha-se sob a influência da sociedade humana e das instituições coletivamente criadas por ela. Voltar as costas à realidade é, ao mesmo tempo, afastar-se da comunidade dos homens. (Freud ,1912).

Ainda em Totem e Tabu, depois de se debruçar sobre ideias de diversos autores no que concerne ao entendimento histórico-sociológico do tabu, Freud fará o mesmo em relação ao Totem, tomaremos

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aqui sua citação a fim de entendermos como esse líder, nas sociedades primitivas, se assemelha ao pai do neurótico no Édipo, e seguirmos sua linha de raciocínio. Se procurarmos penetrar até a natureza original do totemismo, sem considerar os acréscimos ou atenuações subsequentes, descobriremos que suas características essenciais são as seguintes: Originalmente, todos os totens eram animais e eram considerados como ancestrais dos diferentes clãns. Os totens eram herdados apenas através da linha feminina. Havia uma proibição contra matar o totem (ou – o que em condições primitivas, constitui a mesma coisa – comê-lo). Os membros de um clã totêmico estavam proibidos de ter relações sexuais uns com os outros. (Freud ,1912).

Para Freud o totem, sendo o ancestral comum do clã e o pai primeiro em confluência com os dois tabus de não matar o totem e de não ter relações sexuais com membros do clã, são perfeitamente análogos aos dois crimes de Édipo, matar o pai e casar-se com a Mãe, bem como aos dois desejos primários das crianças, núcleo das neuroses. O assassinato do pai primevo e a refeição totêmica dão origem à organização social assim como a passagem pelo Édipo da origem à organização do sujeito. Toma se ainda, em Totem e Tabu, as conclusões finais a que Freud chega e algumas elucidações que faz de seu ponto de vista, para que se conclua também, nessa primeira parte do artigo, respondendo à pergunta inicial. A primeira de suas conclusões é a de que na base de instituições como a religião, a moral, a sociedade em si e a arte convergem para o complexo de Édipo4. Outra não menos importante é a de que os problemas da psicologia social podem ser elucidados na base da relação do homem com o Pai, nesse caso o Pai da horda primeva. Nessa linha, levanta depois, o problema da ambivalência emocional, do amor e ódio para com os mesmos objetos, situando-a na raiz de muitas instituições. Esta última de suas conclusões irá remeter, no contexto desse artigo, a

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Édipo, complexo de al. Öedipuskomplex; esp. complejo de Edipo; fr.complexe d’Oedipe; ing. Oedipus complex Correlato do complexo* de castração* e da existência da diferença sexual* e das gerações*, o complexo de Édipo é uma noção tão central em psicanálise* quanto a universalidade da interdição do incesto* a que está ligado. Sua invenção deve-se a Sigmund Freud*, que pensou, através do vocábulo Ödipuskomplex, num complexo ligado ao personagem de Édipo, criado por Sófocles. O complexo de Édipo é a representação inconsciente pela qual se exprime o desejo* sexual ou amoroso da criança pelo genitor do sexo oposto e sua hostilidade para com o genitor do mesmo sexo. Essa representação pode inverter-se e exprimir o amor pelo genitor do mesmo sexo e o ódio pelo do sexo oposto. Chama-se Édipo à primeira representação, Édipo invertido à segunda, e Édipo completo à mescla das duas. O complexo de Édipo aparece entre os 3 e os 5 anos. Seu declínio marca a entrada num período chamado de latência, e sua resolução após a puberdade concretiza-se num novo tipo de escolha de objeto. Na história da psicanálise*, a palavra Édipo acabou substituindo a expressão complexo de Édipo. Nesse sentido, o Édipo designa, ao mesmo tempo, o complexo definido por Freud e o mito fundador sobre o qual repousa a doutrina psicanalítica como elucidação das relações do ser humano com suas origens e sua genealogia familiar e histórica. (Roudinesco, 1997).

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grandes implicações, sobretudo no que diz respeito à presença do analista na instituição, o que será retomado posteriormente. Seguindo as conclusões de Freud, há ainda uma justificativa para seu percurso, diz ele: Ninguém pode ter deixado de observar, em primeiro lugar, que tomei como base de toda minha posição a existência de uma mente coletiva, em que ocorrem processos mentais exatamente como acontece na mente de um indivíduo. (...) Uma reflexão mais demorada, contudo, demonstrará que não estou só na responsabilidade por esse audacioso procedimento. Sem a pressuposição de uma mente coletiva, que torna possível negligenciar as interrupções dos atos mentais causadas pela extinção do indivíduo, a psicologia social em geral não poderia existir. (Freud, 1912).

A partir de tudo isso que foi tratado até aqui, sobretudo dessas últimas palavras de Freud, respondese a uma questão que servirá de base para o restante do que ora se propõe. Que a psicanálise é eficaz na abordagem do indivíduo, toma-se como ponto pacífico. Restava saber se uma instituição era passível de intervenção psicanalítica. Com as palavras de Freud sobre a mente coletiva e o fato de não poder haver uma psicologia social sem pressupor essa mente, conclui-se que sim, a instituição é passível de ser analisada psicanaliticamente falando. Mas o ‘sim’ não explica o ‘como’. Freud irá esclarecer mais sobre a psicologia das massas dizendo que na vida psíquica individual, o outro aparece ora como modelo, como objeto, ajudante e adversário. Por isso a psicologia individual é ao mesmo tempo psicologia social. Aqui vale considerar que, se atrás ele disse que a Psicologia das massas é a primeira a nascer, e se aqui ele diz que uma é ao mesmo tempo outra, já não se pode pensá-las como mãe, a psicologia social e filha, a psicologia individual, mas como irmãs gêmeas. Ou ainda, e essa hipótese é a que mais coerente se apresenta, são ambas dimensões específicas de uma única psicologia, pois que o indivíduo é esse ser faltando pedaço, que só se constitui na relação com o outro. Sousa no prefácio de Psicologia das Massas, citando justamente esse ponto que acaba de ser citado de Freud, complementando o comentário: “Assim, Freud responde, de forma contundente, aos críticos de ontem e de hoje que veem na psicanálise uma disciplina restrita aos conflitos individuais dos sujeitos, virando as costas para o que acontece no mundo”. (Sousa, 2013).

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Deste ponto em diante duas novas questões se interpõem para elucidar o ‘como’. Não basta responder sim, é isso mesmo, é possível Psicanálise na Instituição. O que o analista deve, pode, espera, deseja, consegue, fazer na Instituição em benefício de uma Psicanálise aplicada e em benefício dos sujeitos que compõe esta Instituição, é o que questionamos agora. Mais ainda, como fazer algo nesse sentido sem se dissolver na trama de identificações e ambivalências que permeiam essa massa, implicação de nossa questão. Podemos começar a responder essas novas questões com Ciaccia, quando elucida a prática feita por muitos, uma proposta apontada por Jacques Allain Miller, dialogando com Freud, dizendo que tal prática esteja em dependência com a natureza do Um fundador, do líder da massa no dizer de Freud, apontando várias possibilidades de atuação na instituição. Possibilidades essas que guardarão íntima relação com a postura do líder. Diz ainda: “A articulação entre o Um e o múltiplo é essencial. É esta articulação mesma que chamamos instituição. Ora, nem todas as instituições são equivalentes. E a prática feita por muitos é, então, diferente segundo o funcionamento institucional”. (Ciaccia, 1999). A identificação com o Um, diz ele lembrando Freud, tanto no exército como na igreja, se faz dentro de uma verticalidade, que é o mestre, e de uma horizontalidade entre os “todos iguais”. Para que se mantenha coesa, faz se necessário o afastamento do dissidente, do que pensa diferente do líder. Também necessário é que a instituição concorrente seja “odiada”, contra a qual se faz guerra. Ele enfatiza ainda, e isso é fundamental para esse artigo, que o “nosso trabalho feito por muitos não sobressai desse Um do Mestre”. Portanto, qualquer analista que se proponha a trabalhar em uma instituição, não deve perder de vista que lá existe um mestre.(Ciaccia, 1999). Esses apontamentos convocam à elucidação com Lacan, no Seminário XVII, quando teoriza a respeito dos quatro discursos, onde lança novas luzes sobre essas questões, tomando da filosofia de Heguel a definição de “Discurso do Mestre”, ou “Discurso do Senhor”, para dizer dessa estrutura, que ele chama de “discurso sem palavras”, na qual estamos inseridos, onde o Mestre, detentor de um saber constituído a partir de um saber-fazer, saber esse que é transformado em um saber teórico,

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lucra com o mais de gozar de um “escravo”, autor do saber-fazer. Demonstra de forma coerente com o conceito apresentado por Freud a respeito da instituição, o modo de funcionamento da maioria delas. O que equivale dizer que também Lacan, de modo um tanto mais exótico, vê a instituição estruturada na pessoa de um Líder. Vê ainda que entrar na instituição, é ser atravessado por esse discurso que determina o produto da mesma. (Lacan, 1969-1970) Há que se voltar ao texto de Ciaccia onde se questiona da possibilidade de uma prática que fuja a esse discurso do Mestre ou, caso não seja possível, que se possa usar isso em favor de uma Psicanálise aplicada: “(...) existe uma antinomia entre o trabalho de uma análise e o funcionamento de uma instituição. Com duas saídas habituais: ou bem a instituição se torna uma sala de espera para analistas, uma concha vazia que deixa ao outro a verdadeira responsabilidade dos cuidados, ou bem a instituição desenvolve uma aversão sempre mais tenaz a análise e aos analistas. (Ciaccia, 1999).

Bem nesse ponto é que se situa a chave para uma atuação eficaz, dita psicanalítica. A partir da possibilidade de uma prática, complexa é bem verdade, mas possível de psicanálise na instituição, é pertinente perguntar: Psicanálise na Instituição? Sim. Analista na instituição? Miller aponta para essa disjunção do psicanalista e da psicanálise, que remonta a formação e a prática do psicanalista, o que é um fato. (Miller, 1997). Se a instituição se tornar uma sala de espera para analistas, não passará de um consultório ampliado e mais complexo, perde-se o sentido de instituição. Pela outra via, se a instituição toma aversão à análise e aos analistas, que atuação eficaz pode-se esperar então? Haveria um ponto de equilíbrio entre esses extremos? Para Ciaccia “é possível que uma instituição não se sustente apenas no Um do Mestre”, apesar de ele ser necessário para o fundamento da mesma, mas que esse Um possa ser o Um do vazio, que possa remeter ao vazio de cada um de forma retro-correspondente. O que faz supor um contrato grupal, ou institucional, pelo Um do vazio. Segundo o qual ela, a instituição, se edifique não na repetição do vazio, “mas na surpresa e na invenção de cada um”. Não haveria, assim, uma

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verticalização na identificação com o Um do mestre, apenas uma solidariedade “na interrogação que cada um porta sobre sua própria Causa”. (Ciaccia, 1999). Para usar ainda dessa metáfora do gráfico cartesiano, o um do mestre que estaria na ponta da seta vertical ao recusar a posição de mestria, se assumindo como Um do vazio, direciona todos os endereçamentos ao mestre para o vazio de cada um, para o vazio do ‘todos iguais’ de Freud, transformando a seta vertical em uma curva que retorna à seta horizontal. O gráfico a seguir, é uma tentativa de ilustrar essa possibilidade: Gráfico Ilustrativo

A partir disso pode-se pensar em um “trabalho feito por muitos”, viável. Onde haja respeito pelo estilo do outro-colega, ou outro-usuário. A relação ao Um do vazio pode desvelar “as relações dos efeitos imaginários, das rivalidades internas ou externas ao grupo, entre os muitos que nós somos”. Essas rivalidades são o que geralmente empobrecem o trabalho. (Ciaccia, 1999). Se Freud comparou a massa à lágrima batávica como foi visto no início desse artigo, pode-se, com essas últimas teorizações, buscar um símbolo com que relacionar esse efeito organizador, porém

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destituído de posição de mestria. Uma lágrima tem um formato elíptico com uma ponta, porém, nessa instituição onde o fundador não se posiciona como mestre, esse símbolo teria que perder a ponta sem se desorganizar, surge então um símbolo que poderia servir de ilustração, uma bolha de sabão. Quem já observou uma bolha de sabão pode perceber que ela tem uma forma circular, porém, pode se modificar de acordo com as circunstâncias sem perder totalmente a forma. Quando uma bolha de sabão persiste por muito tempo, suas paredes se tornam praticamente invisíveis em alguns pontos sem se desfazer. Esse seria o símbolo desse líder que, sem ser mestre, sendo vazio, exerce uma função organizadora sem verticalizar, sem preencher o vazio de cada um. A bolha de sabão seria uma forma de simbolizar essa estrutura. Talvez, você leitor, poderá sugerir um símbolo que melhor ilustre, mas até aqui é o que se apresenta mais razoável. Há que se tecer maiores elucidações de como seria essa prática. Torna-se necessário correlacionar o funcionamento da instituição com a posição do sujeito, fazendo uma nova configuração no enquadre institucional, em função da receptividade do sujeito no que se refere à fala e sua implicação no que diz. Orientando-se o funcionamento institucional em função das exigências do sujeito e não dos especialistas. Sujeito esse tomado em relação com o campo da fala e da linguagem e não em relação à sua posição sintomática e diagnóstica. Nessa instituição, o ‘vários’ deve-se reduzir, assim como no dispositivo analítico, aos quatro elementos que configuram qualquer dos discursos de Lacan, tais sejam o desejo, a verdade o outro e a perda. Uma instituição que ofereça essas condições, pressupõe, no dizer Baio, um fundador, que vai ocupar o lugar do Um do vazio, recusando o papel de Um do Mestre, recusando o saber, ou que “saiba saber-não-saber” e uma equipe que se autorize a operar a partir desse saber, ou seja, a partir do que ela não sabe. Esse fundador não deverá encarnar nenhum Sujeito-Suposto-Saber, mesmo que haja por parte da equipe transferência com relação a ele. Encarna o desejo do analista, que opera fora do discurso do analista. Essa proposta é um tanto desafiadora, mas viável, no entanto está condicionada a que o fundador, a direção institucional encarne esse papel de Um do vazio. Nessa

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proposta, se enquadraria o psicanalista na instituição, do contrário, ter-se ia a aludida aversão à análise e aos analistas. (Baio, 1999) Ao pensarmos, no entanto, em instituições diversas onde o analista possa ser convocado a atuar, onde não haja essa possibilidade de que o Um do Mestre possa ser convertido em o Um do vazio. Tais sejam os campos diversos abertos como CAPSs (Centros de Atenção Psico Social), CRASs (Centros de Referência da Assistência Social), CREASs (Centros de Referência Especializada da Assistência Social), Tribunais de Justiça, UBSs (Unidades Básicas de Saúde), Escolas, Hospitais, dentre tantas outras que não caberia aqui elencar. Nessas instituições, a psicanálise se aplicaria? Ao que se apresenta até agora sim, caberia. Já o analista, dentro de algum modelo institucional desses, é o que se pode questionar. Como fugir ao discurso do Mestre, se o Mestre não abrir mão da mestria? Como fugir das ambivalências e identificações sem se tornar o dissidente? Aquele que não pensa como o mestre e que dever ser excluído do grupo porque não é ‘um igual’ dentre os ‘todos iguais’. Tomamos de Naveau, uma resposta a esta questão que, se não responde, abre espaço a outros questionamentos. Nesses casos o que se deve enfrentar é uma exigência ética endereçada ao analista. O que se exige da psicanálise aplicada à terapêutica é que continue sendo psicanálise e não psicoterapia, mesmo que seja psicoterapia de “inspiração psicanalítica”. Ao analista que, dentro de uma destas instituições, quiser ser ainda psicanalista, apesar dos atravessamentos do discurso do Mestre, que se oriente pela referência ao sintoma. (Naveau, 2003). Pensemos ainda sobre a vertente do signo e a vertente do sentido de Lacan, pelo olhar de Naveau. A psicanálise se situando na vertente do signo e a psicoterapia na vertente do sentido. A psicoterapia visando à identificação e a psicanálise à desidentificação. A psicanálise conduz o sujeito à sua divisão, ao sujeito dividido de Freud. Não visa o sentido ou o ideal, mas o sintoma, já o que o sintoma está satisfazendo alguma coisa para o indivíduo. A partir desse quadro, se põe uma questão ao analista, ir em direção ao sentido, ou ir em direção ao signo. Para a psicanálise o sintoma se torna o nó da questão. Onde o psicoterapeuta encarna o significante-mestre, o psicanalista se recusa a

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encarná-lo. Uma postura eticamente psicanalítica é o que se antepõe ao analista, caso contrário ele estará tendendo à segregação, que perpassa pela padronização a partir de um modelo, de um saber que se crê total, mesmo sem o ser. (Naveau, 2002). Essa postura ética é necessária, sobretudo em instituições destinadas à saúde mental. Nesse aspecto há que se concordar com Miller onde expressa que “o psicanalista, como tal, não é um trabalhador da saúde mental e talvez seja esse, precisamente, o segredo da psicanálise. (...) O psicanalista não pode prometer, não pode dar a saúde mental. Só pode dar saúde.” O que equivale dizer que a psicanálise não está para atender uma demanda de saúde. Está para se colocar no lugar do vazio, para que o sujeito, ele mesmo, encontre sua singularidade e não o modelo ao qual se enquadrar. (Miller,1999). Continuando Miller (1999) lembra que: Freud não definiu a sociedade pela saúde mental, mas a partir de um mito e não qualquer um: o do crime primordial na origem da lei. É o mito que diz “todos culpáveis”. É a resposta mítica ao “eu me sinto responsável por não sei o que, aresposta à morte do pai. (Miller, 1999).

Esse é o fundamento do laço social. É a partir desse enlaçamento que o sujeito pode se definir, se questionar, falar e se implicar no que fala. É isso que o analista deve esperar de sua atuação, quer no setting psicanalítico, quer na instituição. Neste último caso, a escuta deve ser um tanto mais atenta, porque, a depender da complexidade da instituição, a fala de um sujeito pode estar muito misturada a de outros, pode haver muito barulho, e mesmo que haja silêncio, o mestre pode gritar tão alto que o sujeito nem ouse falar. Há ainda um desafio que se interpõe ao analista na instituição que não pode deixar de ser mencionado. Ao referenciar o lugar de vazio que está reservado à psicanálise, Laurent lembra que esse lugar não deve ser apagado, não ficando somente em uma posição crítica, mas intervindo com um ‘dizer silencioso’. E o silêncio, às vezes fala mais que mil palavras, como disse o poeta. O analista vazio não deve ser um analista apagado. Esse dizer silencioso, implica em tomar partido,

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silenciar aqueles fatores que perpassam a dinâmica institucional, ambivalências, identificações, paixões imaginárias. A essa postura, ele chama de “analista cidadão” e como se vê adiante: O analista, mais além das paixões narcísicas das diferenças, tem que ajudar, mas com os outros, sem pensar que é o único que está nessa posição. Assim, com os outros, há de ajudar a impedir que, em nome da universalidade ou de qualquer universal, seja humanista ou anti-humanista, esqueça-se a particularidade de cada um. (Laurent, 1999).

Essa particularidade que é perdida na massa. A tradução do Livro de Freud, para o português, com o título de Psicologia das Massas, vem bem a calhar. Pensar em uma psicologia social ou uma psicologia institucional ainda é menos abrangente do que pensar em uma psicologia das massas. A massa, é o estereótipo do apagamento do individual no coletivo. É, sobretudo nesse ponto, que a psicanálise tem um papel que não será feito por outros e é o que Laurent enfatiza quando diz: “O dizer silencioso do analista consiste em contribuir para que, cada vez que se intente erigir um ideal, possa-se denunciar que a promoção de novos ideais não é a única alternativa”. (Laurent,1999). Com essa proposta de um analista cidadão, com a qual há que se concordar, sem esquecer a face de especialista da desidentificação, que se formula o fim desse trabalho. Assim como não se pode conceber uma psicologia social sem uma psicologia individual, não é possível engendrar um analista que não esteja em uma instituição. Quando se propõe a investigação, é no sentido de apontar caminhos para uma atuação contextualizada com o momento atual de nossa sociedade. Em consequência disso, conclui-se até aqui, porque não é possível concluir definitivamente, o nosso saber sempre supõe uma perda, que há possibilidade de psicanálise aplicada às instituições, há possibilidade de um analista nas instituições, mas há sobretudo, possibilidades de se perder no emaranhado de ambivalências e identificações. Talvez aqui esteja a pertinência desse artigo. Porque há desafio, há algo instigante, há uma fresta, há um sintoma, falta algo, e isso faz querer saber. Mesmo que o que se apreenda com isso tudo seja um saber-não-saber. Que o analista possa parafrasear Sócrates, e assumir sua posição contemporânea frente ao social dizendo: Só sei não saber. E aí quem sabe ele consiga dividir a história do sujeito em pré-analítico e pós-analítico, como

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Sócrates fez com a história da Filosofia. Não para ser lembrado, mas para ser esquecido, como um rebotalho, um resto, porque é disso que somos feitos. Considerações Finais A partir desse estudo, foi possível delinear, com referências de autores respeitados no meio psicanalítico, caminhos possíveis para entender a viabilidade de uma atuação aplicada às instituições. Entrever posicionamentos necessários a fim de executar um trabalho eficaz e possibilitar um posicionamento diante do desafio contemporâneo. Não virar as costas a questões tão pertinentes no momento, com sejam as do enfrentamento dos diversos mecanismos sociais inventados, os quais podem oferecer um espaço ao aparecimento do sujeito. As conclusões fundamentais desse trabalho apontam para a possibilidade de olhar a instituição sob a lente psicanalítica, em outras palavras, a instituição pode ser analisada e pode-se intervir na mesma, por se tratar de um “ser coletivo” que repete os mecanismos individuais. Não só isso, mas também a viabilidade de uma prática psicanalítica instituicional. Implicando esta última em pelo menos três caminhos viáveis. Tais caminhos não podem ser trilhados sem esbarrar em alguns escolhos. O primeiro deles é o da instituição com um fundador que encarne o Um do vazio e não o Um do Mestre. Fundador esse que redirecione os endereçamentos ao um do saber ao vazio de cada um dos membros da instituição. O segundo é o da instituição que abre o espaço para uma intervenção psicanalítica sem que o psicanalista esteja vinculado ao jogo de identificações e ambivalências que a permeia. Nesse caso o analista está para a instituição como um convidado que intervém sem pertencer à mesma, podendo exercer participações pontuais. Por último, uma atuação psicanalítica em que o analista esteja inserido na instituição consciente dos atravessamentos do discurso do mestre, mas que não fuja ao lugar de vazio, sem deixar apagar nessa

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posição, contribuindo de forma ética e cidadã para o aparecimento do sujeito, rejeitando toda forma de segregação e universalização que aquele discurso vise estabelecer. Se ainda assim, o analista que, diante dessas opções, opte por uma prática exclusivamente voltada para o setting analítico, o presente trabalho ainda indica a impossibilidade de fechar os olhos a esses atravessamentos institucionais, já que a psicologia individual é ao mesmo tempo psicologia social. Pelo que se colhe nas entrelinhas, sobretudo dos estudos iniciais aqui expostos dentro da teoria Freudiana, o que se pode concluir é que a criação da psicanálise no que se refere ao atendimento individual é a grande sacada de Freud, da reprodução uma instituição em miniatura, a dois, onde os mesmos jogos que se estabelecem no social amplo, possam ser vividos na fala, simbolizados, onde o sujeito do inconsciente apareça. Onde o analista possa ocupar a posição de suposto-saber, sem atender, contudo, a essa demanda, devolvendo ao analisando para que ele produza o seu próprio saber a respeito de si mesmo. A partir de todas essas vias de reflexão sobre o assunto, o que ressalta como fundamental e útil desse trabalho, é que não se pode pensar uma atuação dita psicanalítica, sem pensar a questão ética do analista. Pontuando esse aspecto, não é possível que a prática se desvie para uma vertente psicoterapêutica de atendimento ao sentido, mas que referencie ao signo, ao sintoma que satisfaz algo, para que o sujeito possa deslizar desse significante, no sentido de uma simbolização. Por isso o analista deve estar consciente das implicações institucionais e deve fazer uma escolha ética de não atuar de modo a produzir uma melhora, como na sugestão. O intuito é de que o sujeito produza o saber. Que ele fale do que o incomoda, do que repete em seu agir gerando sofrimento e se implique no que diz. Referências Bibliográficas Baio, Virgínio. (1999). O ato a partir de muitos. Revista Curinga. Belo Horizonte, MG: EBP. Baremblitt, Gregorio F. (2002). Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática. Belo Horizonte, MG: Instituto Felix Guattari.

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