O que é doce nunca amargou?

May 25, 2017 | Autor: Emília Ferreira | Categoria: Arte Contemporanea, Desenho, Mujeres Artistas, Artistas portuguesas
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O que é doce nunca amargou?1 Emília Ferreira “Whatever its origin, the Seven Deadly Sins represent the vices which from the beginning of time have made havoc of the noblest aspirations of humanity, and none knew this better than the poets and dramatists who have found in them a well-spring of moral, religious, and poetic inspiration for more than a thousand years. Given a conviction of their reality, and any man, whether priest, philosopher, or layman, with imagination and a keen sense of the paradoxes of life, could have given form and 2 substance to those mysterious cancers of the soul.”

1. Seven Years, Seven Sins Há sete anos que Isabelle Faria trabalha os sete pecados mortais. Depois da Luxúria (Where we used to live, 2006), da Vaidade (What we want is what we get, 2007), da Ira (Come and go to nowhere, 2008), da Inveja (Six months one place, 2009), da Preguiça (Monopoly World, 2010) e da Cobiça (Há males que vêm por bem, 2011), chegou agora a vez da Gula – Tender Pleasures chamou-lhe Isabelle e tem razão. Este é porventura o mais suave mas também o mais escorregadio de todos os pecados capitais. O pecado é algo que hoje nos foge. Apesar da sua inscrição milenar na cultura, a maior parte de nós já não tem uma noção muito exacta do que constitui um pecado. Associamo-los ao excesso, mas não sabemos que o excesso é perigoso porque nos afasta da graça divina. Essa é a raiz da falha, a origem do pecado. Tomemos a razão teológica: como criaturas (ou seja, como seres criados por um criador), devemos respeito ao criador. O criador em questão, de raiz teórica judaica-cristã, obriga a um certo número de preceitos (mandamentos) para que o véu da sua graça continue a cair sobre as criaturas. Observados os mandamentos, deverão ainda ser seguidas mais umas quantas normas. Uma sociedade centrada no pragmatismo saberia que quaisquer excessos nos afastam do essencial, condenando-nos no acessório. E saberia também que, para servir o acessório, o homem é muitas vezes tentado a sair de um caminho ético (o bom caminho), optando por caminhos ínvios. Uma sociedade que quis dar ao pragmatismo uma capa legislatória baseada no direito divino fez precisamente isso: tratou todos os excessos, todos os vícios, como forças negativas que originavam o afastamento da graça. E depois hierarquizou-os. Um afastamento que não fosse capaz de ferir 1

Texto do catálogo da Exposição Seven Years, Seven Sins. Isabelle Faria, Casa da Cerca – Centro de Arte

Contemporânea, Almada, ISBN 978-989-728-001-6, 2012, p. 11-22. 2



In ROGERS, Frederick – The Seven Deadly Sins. London, A. H. Bullen, 1907, p. 2.

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irremediavelmente a alma no seu itinerário para Deus era apenas um pecado venial. Um acto mais grave, deliberado — na consciência de que se está a cair em tentação sem que se aja contra isso é determinante para a gravidade do pecado —, originador de irremediável cisão, de insuprível corte com Deus, seria então um pecado mortal3. Porquê? Porque o silêncio de Deus conduz à morte da alma. Essa mesma sociedade pragmática tratou igualmente de agrupar os pecados sob o mágico chapéu de um número de forte simbolismo. Sete, no caso, porque o número tem atributos sacros e místicos desde tempos imemoriais4. Para melhor os compreender, para bem reflectir sobre eles, arranjou-lhes o espelho dos seus opostos: idêntico número para as virtudes conducentes ao caminho da luz. Mas destas não nos ocuparemos por não ser delas que aqui se trata. Retornemos aos pecados e ao aviso ético que os prefigura: o pragmatismo perseverou. E assim se mantiveram as regras para a busca de um justo equilíbrio. Chamando a atenção para aquilo que nos pode perder. Clamando contra a superbia, pecado que se traduz na convergência conceptual da soberba, do orgulho ou da vaidade, esse exagero da alma que se pensa melhor do que é, ilusão de que também sofreu Lúcifer e que causou a sua queda; contra a luxuria, a subjugação da alma ao vício das paixões carnais mais funestas; a invidia, essa cobiça do outro, essa ausência de força anímica para se ultrapassar a si mesmo centrando-se tão-só num sentimento de injustiça face à felicidade e ao sucesso alheios; a ira, cegueira da razão pela fúria destruidora; a avaritia, pelo culto excessivo das coisas materiais; a accidia, porque o desânimo leva ao ócio e a falta de apego ao trabalho conduz com frequência ao crime. Finalmente, a gula, outra forma de cobiça, que exprime a ausência de temperança e abstinência, que afirma sem margem para dúvidas que, mais do que a alma, é o corpo que queremos nutrir. Revela, por isso, mais uma vez e com toda a clareza, a incapacidade de nos dirigirmos a Deus, ao espírito, ao alimento do espírito, por estarmos excessivamente expostos, deleitosamente abertos, aos prazeres mundanos e às banais necessidades da carne.

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“Venial sin is a disease of the soul, but it is not death, since the grace of God remains by which it may be cured. Mortal sin is, on the contrary, irreparable, and those who are guilty of it have lost every principle of vitality, and are spiritually dead.” In ROGERS, Frederick – The Seven Deadly Sins. London, A. H. Bullen, 1907, p. 5. 4 “Every quality, symbolic, mystical or material seems to have been ascribed to the number seven in ancient literature, but it is without either religious or moral significance until we meet it in the Hebrew Scriptures. It is still a mystical number there, but a change has passed over it which, if it casts no light on the way and wherefore of its mysticism, has nevertheless given it a dignity, and sometimes a haunting charm, it did not possess in its earlier environment.” Idem, p. 1.



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Eis do que tratam afinal os pecados mortais. Porque, na insistência de deixar o mundo tomar conta do nosso destino, é a eternidade que fica comprometida com isso. Logicamente, pela sua intrínseca e evidente relação com a vida, a visão sobre os pecados foi mudando com os séculos. Hoje, já não tememos o Inferno. E, mesmo para os crentes, o Purgatório desapareceu do horizonte do Além. O Inferno, porém, é outro. Doenças. Normas. Inquietações várias. Como sempre, a arte actualiza a face das questões. Mantendo as perguntas de sempre. Como podemos constatar agora com a exposição de Isabelle Faria. 2. Breve itinerário pelos pecados, pela mão de Isabelle Em todos os casos apontados, Isabelle Faria tem marcado a escolha deste clássico tema bíblico e artístico com imagens inquietantes e provocatórias. Por muito actualizado e despido de temores teológicos que o tema hoje se nos apresente, ele continua a colocar problemas práticos. Talvez por isso, e propositadamente, a artista não foi beber à iconografia tradicional dos pecados (não os associou, por exemplo, aos monstros que biblicamente os configuram, nem citou directamente os mais notórios pensadores sobre o tema, de Bosch ou Brueghel a Otto Dix, passando por um vasto leque que se ocupou do assunto desde que os sentidos serviram de metáfora para a representação dos pecados5), mas criou associações legíveis, dentro de uma simbólica que podemos associar aos assuntos representados. Olhando para as sete abordagens aos pecados, nota-se, nas várias séries, a existência de ritmos que as cadenciam. Por exemplo: com a excepção de Inveja, todos os demais têm trabalhos de grandes dimensões e de pequeno formato. Observemos alguns casos. Em Luxúria, as instalações com as cartas de jogar e as caixas das mesmas cartas apresentam um contraponto claro com os óleos que representam a ostentação do luxo, pautada por elementos arquitectónicos e decorativos de ambiente palaciano; e, em Vaidade, miniaturas dos supostos smarts (na realidade, carrinhos de produção chinesa) versus a instalação em tamanho — e em objecto — real do carro acidentado e dos desenhos de grande formato que remetem para os carros de sonho e para a sua destruição; também em Cobiça, as máscaras se destacam como pormenores das composições de dimensões mais generosas. Em Preguiça, são evocadas a solo, em tamanho mais pequeno, muitas das personagens que se conjugam 5

Sobre este assunto ver, por exemplo, AA. — Los cinco sentidos y el arte. Catálogo da Exposição no Museo del Prado. Madrid: Museo del Prado, 1997.



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nos desenhos de grande formato: e, assim, macacos e rapinas figuram como personagens solitárias que se deixam fotografar em poses de orgulho bélico, em instantâneos de locais de guerra. Esses aspectos da escala, que destacam pormenores para os trabalhar isoladamente, têm-se mantido e irão igualmente reaparecer em Gula. Existem também caminhos que permanecem e outros que são abandonados. O óleo, medium usado em Luxúria e Vaidade, foi depois preterido pelo lápis de cor, pela grafite, pelo pastel, media que servem o seu trabalho desde a Ira (em que ainda há uma presença de aguarela) até à Gula. Também nesta série, o traço surge riscado a lápis de cor ou mais matérico na utilização corpórea e gulosa do pastel, claramente dividida nos planos de cor pura, sem gradações, como se estivesse recortada. E até quando a cor surge lisa, no uso da tinta-da-china colorida, ela é delimitada pelo traço do contorno, tal como acontece nas duas séries Dolls on Fabric. Vemos que o primado do desenho tomou conta do pensamento de Isabelle Faria, já que mesmo quando a cor se torna mais imponente ela é sempre conseguida ou contida através da intensidade ou da impressão do risco. Além dos aspectos técnicos, há a considerar os iconográficos. Em todos os conjuntos relativos aos sete pecados, Isabelle Faria recorreu a elementos facilmente associáveis ao excesso. Símbolos do luxo, da ostentação, os palácios (com os seus interiores cuidadosamente encenados, com grandes e cinematográficas escadarias, espelhos de ricas molduras, sumptuosos lustres, como se regista em Imagine You6) fazem par com o carro, objecto de desejo/objecto de morte, no seu registo da Luxúria — e voltarão agora, em apontamentos de fundos que sublinham as figuras palacianas da Gula. Entre 2007 e 2009, a Vaidade, a Ira e a Inveja foram sucessivamente trabalhadas em imagens que aliaram a ostentação à ruína. Dos carros destruídos pela sede de velocidade, ao lixo em excesso, reflexo da vertigem consumista, passando pelo carro como fatal espelho do eu, como se percebe no perturbador aviso de What we want is what we get7, sucedem-se as ilusões que perdem a alma ou, mais prosaicamente, os desastres da intemperança. Mortes provocadas por explosões, incêndios, descarrilamentos (como em Wrath — Come and go to nowhere8), colapso de pontes. A devastação do meio natural e dos meios de comunicação, insere ainda a solidão como tema, num retrato caótico de um mundo autocentrado, sem diálogo que o salve 6

2004, 240 x 160 cm, óleo sobre tela. 2007, Pocket film, DVD 1/3, cor e som 03:40:02 minutos. 8 2008, lápis sobre papel, 153 x 264 cm. 7



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de si mesmo, das suas próprias catástrofes — naturais e artificiais. A Ira, esse não-lugar para o qual se parte e de onde se regressa de mãos vazias, como sabiamente se evoca no título da série, desemboca por fim na Inveja. Dadas à observação, as personagens da sua galeria de retratados, de que é exemplo Six Months One Place — Sublime Envy #69, oferecem a leitura menos evidente do pecado que referem, dando apenas o modelo, em jeito de prosaica oferenda à observação, como objecto de contemplação, no caso, maliciosa. A partir da Monopoly World — Preguiça, em 2010, o discurso mudou. Desde então, a artista introduziu elementos iconográficos novos, cenografias fílmicas e personagens que associam os excessos e as falhas a animais cuja presença na História da Arte abre portas a novas leituras simbólicas. Encontramos aí, por fim, uma associação mais íntima à tradição10, embora, mais uma vez, não seja feita literalmente dentro dos perímetros pré-estabelecidos, mas abrindo portas a interpretações mais abrangentes. Deste modo, nas séries criadas por Isabelle Faria, corpos antropomórficos com cabeças de cães, gorilas ou rapinas assumem poses em que se narram facetas dos jogos do poder. Figuras cortesãs femininas e masculinas, com cabeças de cão (elas, de raças mais elegantes, eles, de raças mais possantes e desenhadas com expressões declaradamente ameaçadoras, ladrando ou rosnando para nós, ou exibindo a sua ferocidade por trás de açaimes) constituem a galeria de personagens que tecem a teia das mais diversas faces do poder: o político (cortesão e emplumado), o policial ou militar, o burocrata. Nestes últimos, mochos, águias, abutres, falcões ou corvos, e gorilas exibem diversas máscaras sociais embora assumam a guerra como acção, como se pode ver em Fucking World-211. Em Cobiça, um ano depois, os ambientes palacianos mantêm-se, passando a evocar memórias venezianas, e os animais confirmam-se eixos simbólicos, perigos anunciados, mais ou menos dissimulados na teia da narrativa: leões e macacos, pássaros (aqui apenas associados à exuberância formal, como figuras emplumadas), lobos, panteras, burros, ratos, hidras… Todos estes animais têm simbologias complexas. Nestes contextos, porém, a leitura é mais directa: 9

2009, lápis sobre papel, 152 x 126 cm. No caso das representações dos sentidos, desde cedo associados aos excessos da carne e, por isso, ao pecado, essa iconografia inicia-se na Idade Média. “Desde la Edad Media se delinean tres tipos de representaciones de los sentidos, tipos que siguen siendo fundamentalmente válidos hasta el siglo XVIII. En los bestiarios y las enciclopedias medievales los Cinco Sentidos son equiparados a animales: el lince y más tarde el águila y el gato representan la Vista; el topo o el jabalí y más adelante el ciervo el Oído; el buitre y despues el perro, el Olfato; el mono el Gusto; la araña o la tortuga el Tacto.” In FERINO-PAGDEN, Sylvia — “Prefacio”, Los Cinco Sentidos y el Arte. Madrid, Museo del Prado, 1997, p. 24. 11 2010, lápis sobre papel, 153 x 262 cm. 10



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representam os conflitos (cão), o perigo iminente (lobo, pantera), presença de elementos satânicos, a impureza e os maus augúrios (esquilos, ratos e mochos), a monstruosidade e o temperamento belicoso (macaco) ou a encarnação do vício (hidra). Como corolário dessa pesada teia de ameaças, a aranha que passeia sobre as figuras, em Há males que vêm por bem12, parece pronta a torná-las suas vítimas. Figura punitiva, guarda-avançada das forças policiais que fazem friso no fundo, ela caminha sobre mulheres cujas vestes e calçado reflectem sinais de volúpia e perdição, anunciando a queda e a condenação. 3. E, por fim, a Gula E chegamos por fim à Gula. Composta por vários núcleos, num total de 52 desenhos e uma instalação, esta abordagem à nossa perdição pela boca oferece uma visão abrangente deste excesso. O tema ‘abre’ com vinte desenhos de cupcakes, gulosos na sua materialidade do pastel de óleo de cores vibrantes que servem formatos apelativos. Ao lado dos desenhos, a receita manuscrita em discreta grafite evoca, ao contrário do que seria expectável, não o excesso dos ingredientes, mas os contornos das emoções que nos movem. Neste caso, apesar de os bolos carregados de açúcar e chantilly nos remeterem já para a gula, o que encontramos transcrito não apela à perda da contenção, mas à ternura, à cumplicidade. Elementos que escapam à perdição, mas que podem, ainda assim — dada a fragilidade da vontade humana — ter um papel sem retorno no caminho para a tentação. E assim chegamos aos trabalhos de maiores dimensões, nos quais surge, enfim, e sem margem para equívocos, essa desmedida. Tomando as diversas faces do excesso, a gula vestese do consumo exagerado do chocolate, dos bolos, do álcool, dos comprimidos, do jogo, dos amantes, dos fetiches, do dinheiro. A cor (ou o denso riscado do negro sobre o contraste do plano branco do suporte), exuberante, riscada ou espalhada a pincel no corpo do papel, lambuzada numa gula frenética de marcar com o gesto a luxúria deste pecado, sustenta os temas que lembram que cada pecado não é mais do que mais uma face de todos os outros. Em todos, a desmesura, a intemperança, reinam gerando a perda. Neste constante carnaval — em que é bem notória a inspiração na corte da rainha Marie Antoinette, tal como nos é

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2011, lápis sobre papel, 154 x 262 cm.





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retratada no filme de Sophia Coppola —, nesta fábrica de sensações, no tempo caótico em que apenas as tentações têm lugar, o eu perde-se. Em termos cromáticos essas sensações são-nos transmitidas pela riqueza de contrastes, pela proximidade de azuis e rosas (cores muito presentes no filme e que Isabelle Faria adensa, aprofunda, tornando-as mais presentes e carnais), laranjas e vermelhos. As cores mostram-se compactas, maciças (misturando-se e revelando transparências apenas em algumas obras em que a artista usa novamente media líquidos, aos quais é permitida a fusão, o acidente, ou em que o risco é menos comprimido), marcando na sua intensidade a eclosão de espaços abertos ao escasso branco que, pontualmente, surge como rasgões de luz, como sublinhar do vazio — em especial quando é usado para marcar os olhos das figuras. Detenhamo-nos em mais este aspecto iconográfico. A máscara que toma conta de todas as personagens usadas esvazia-lhes o olhar reflectindo somente o abismo. Não esqueçamos que, tradicionalmente, os olhos foram vistos como espelhos da alma. Representá-los como buracos, por muito que hoje saibamos que eles são, sobretudo, canais de transmissão da informação para o cérebro, espécie de câmaras de vigilância, como bem apontou Julian Spalding13, continua a ser perturbador. Do mesmo modo, a perdição das almas continua a passar pela turbação do olhar em Playing Poker — Gluttony14: os olhos como espirais, evocam a impossibilidade do autocontrole, o domínio do vício sobre os jogadores. Também as bocas parecem cosidas, como se a comunicação já fosse impossível. Aliás, a solidão assume-se como outra das faces da gula, ultrapassando a visão desta tentação como a ‘mera’ vontade compulsiva de ingerir alimentos. Amante insaciável, a solidão é o corolário deste exagero da imagem, desta sofreguidão de um eu que é tão auto-suficiente que se gasta, que cessa de ser. As bonecas insufláveis da instalação Oscars15, que Isabelle define como antídoto, modelo das Golden Dolls e das Dolls on fabric, reflectem também esse monólogo em que o desejo não tem interlocutor, apenas objecto. Tomadas do natural, representadas sob a mesma luz azul que Isabelle Faria encontrou na Fábrica Domax16, elas apresentam a duplicidade da imagem normalizada, clonada, de um ideal de mulher tornada boneca. Cromaticamente, nestes desenhos, elas juntam-se à cor geral, anilando-a um pouco mais, enchendo-a de 13

Cf. SPALDING, Julian — The Art of Wonder: a History of Seeing. Capítulo 1 “The stars in our eyes”, p. 17-33. Munich. Berlin. London. New York, Prestel, 2005. 14 2012, técnica mista sobre papel, 156 x 263 cm 15 Oscars – 9 Dolls, 2012, técnica mista sobre látex, 165 x 50 x 20 cm (x9). 16 Fábrica de bonecas insufláveis.



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transparências que as tornam mais etéreas do que as obras que recontam cenas inspiradas nos enquadramentos de Versalhes. Na instalação, elas vestem já outra pele: a da colagem. No entanto, de algum modo, talvez pela sua desmesurada mesmidade, pelo facto de nos sugerirem um mesmo vazio de si (expectável em figuras que sabemos serem produções industriais que imitam corpos humanos, aqui representados com a pele coberta de lantejoulas, numa encenação que engloba até a ambiguidade do género) o excesso toma presença e afirma uma nota atemporal, relembrando que o tema é de sempre, e que apenas o seu rosto muda, do traje e das cabeleiras, da omnipresença floral de Setecentos até ao despojamento dos nus de látex dos nossos dias. Até ao despojamento e à fusão e confusão dos corpos de hoje, nas suas múltiplas tentações, mesmo que a nossa noção de pecado seja actualmente muito diversa. Mesmo sem Inferno, podemos nós hoje, afirmar ainda que o que é doce nunca amargou? Hoje, mais do que nunca, sabemos que Paracelso tinha razão. Nada é veneno. Tudo é veneno. Depende da quantidade.



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