O que é falar sobre o suicidio em nosso tempo.doc

May 31, 2017 | Autor: Nany Carvalho | Categoria: Heidegger, Suicidio
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O que é falar de suicídio em nossos tempos.




Quando falamos em morte, a primeira coisa que nos vem à mente é que
ela veio de forma externa, alheia a vontade do indivíduo, morte esta, que
sempre compadecemos ou lastimamos, porém, existe outro tipo de morte que
para alguns é motivo de curiosidade e para muitos, de tabu: o suicídio.
Esta morte tem como característica, o ato intencional de matar-se a si
mesmo, atitude esta, não aceita socialmente passando a ser entendido de
forma diferente da morte que entendemos como natural, essa, é do sujeito,
onde há o anuncio deliberado do desejo em deixar de viver.
Fazendo uma passagem histórica, percebemos que o suicídio nem sempre teve
essa visibilidade moral, ela foi se construindo ao longo do tempo. Na
cultura asteca era muito bem visto pela comunidade oferecer-se como
oferenda aos deuses em rituais de morte ou morte em batalhas. Em Uganda, a
mãe deveria se matar caso um de seus filhos tivesse morrido, assim como as
viúvas hindus também deveriam realizar tal procedimento. Na China antiga,
alguns homens se matavam antes de iniciar uma batalha com o intuito de suas
almas auxiliassem na luta.
Uma nova perspectiva de suicídio surge com os gregos, a mitologia
grega conta varias historias de personagens que cometeram suicídio e não
foram recriminados por representar um ato de nobreza. Na literatura grega
pode-se perceber que o grego concede o suicídio como racional, eles
defendiam a ideia de que se a vida se torna imoderada o suicídio se torna
justificável.
Os romanos, por exemplo, não viam o suicídio com medo ou repulsa e
digno de retaliação, mas como uma validação cuidadosa e escolhida do modo
como haviam vivido e também, dos princípios que regiam suas vidas, para
eles, viver de forma nobre significava morrer de forma nobre e tudo
dependia da vontade de uma escolha racional.
Santo Agostinho é quem introduz a ideia do suicídio como uma questão
moral, pois, considerando-o, sua disseminação poderia ou implicaria, a
morte de muitos de seus fieis, por isso, a vida tornou-se uma dádiva de
Deus e atentar contra ela passou a ser considerado um pecado. Esta ideia, a
principio preventiva começou a se transformar em postura criando-se então
uma repulsa moral coletiva que perdura ate hoje.
Foi no iluminismo que a palavra suicídio surgiu, Desfontaines, foi
quem definiu a palavra suicídio. Antes dele, esse termo era utilizado como
derivações das palavras assassinato, homicídio e destruição: auto
assassinato, auto homicídio e autodestruição, ou então, morte voluntaria.
Como podemos observar com um breve histórico, as primeiras sociedades
aceitavam os suicidas, já nossa cultura atual, vem apresentando inúmeras
dificuldades de encarar o suicídio.
A forma de nos referirmos ao suicídio hoje, expressada na palavra como
sendo ruim trata-se de uma forma de compreender o suicídio como um fenômeno
negativo do qual se busca um afastamento. A própria definição da palavra
suicídio, nos remete a uma morte bárbara, independente da forma e dos meios
utilizados, da motivação e da circunstancia em que o fenômeno ocorre
desqualificando aqueles que atentam contra sua vida e, com isso, acaba-se
estigmatizando esses sujeitos como alguém que não teve controle sobre suas
decisões impedindo que ele trouxesse a tona o que sua morte pode significar
enquanto fenômeno.
Utilizamos varias formas de justificar a intenção do individuo em
tirar sua própria vida, uma delas é o biologicismo, sabemos que o ser se
constrói em um meio biopsicossocial e por isso, sabemos da importância de
olhar para esses diferentes aspectos que constituem as vivencias de cada
indivíduo. Ao nos deparamos em qualquer cartilha de suicídio que viermos a
procurar vamos ao encontro de definições dizendo que o os fatores que
determinam o suicídio são inúmeros e de interação complexa, mas que cerca
de 90% das tentativas de suicídio estão associadas a transtornos mentais e
ao uso de drogas, ou seja, ao mesmo tempo em que afirma que os fatores são
de interação complexa, também se afirma que mais de 90% dos casos estão
associados a transtornos mentais e ao uso de substancias psicoativas
acabando assim por reduzi-las apenas a ordem orgânica ou psíquica. Outros
manuais da OMS acerca da prevenção do suicídio diz que em 97% dos casos, o
suicídio é marcado por um sofrimento psíquico ou por transtornos
psiquiátricos, mas essa diferença entre um e outro não é clara, sofrimento
psíquico e transtorno mental não estão associados, um pode existir dentro
do outro, mas são coisas distintas, o sofrimento psíquico é algo da
vivencia, situacional, temporal e isso difere dos transtornos psiquiátricos
e acaba-se por se criar um psicologismo na hora de explicar os suicídios.
Quando fugimos do biologicismo e do psicologismo, acabamos por cair
no que conhecemos de sociologismo, feito por Durkheim, o pioneiro nos
estudos de suicídio onde o mesmo afirma que a própria organização de
sociedade faz com que aconteça um numero suicídios por conta da sua própria
configuração, tirando assim, qualquer responsabilidade da sociedade na
constituição do fenômeno afirmando então que a condição individual já está
ali, não é mutável.
Quando falamos em prevenção do suicídio pensamos em valorização
da vida conforme entendemos dentro do nosso horizonte histórico o que deva
ser tal ato, porem, não nos questionamos em momento algum sobre qual vida
estamos valorizando, comumente fazemos com que o sujeito permaneça vivo sem
dar condições a ele de compreensão do porque está buscando a morte.
Acabamos por ensinar-lhes a suportar determinada situação baseados em
rótulos que sustentam uma condição deplorável para ele que a vida colocou
sem se quer questiona-la, muitas vezes por conta dos estigmas ou
simplesmente por acreditar que é merecedor de tal fardo.
Estamos em um momento em que orientamos as pessoas a suportar sua
existência miserável a qualquer custo, visto o grande aumento das
medicações compradas com promessas de uma vida feliz, atuamos na pessoa
como se ela não fizesse parte de um horizonte histórico, ao encaixa-las em
um diagnostico fornecendo pílulas mágicas não percebemos o quanto essas
pessoas podem nos trazer fenômenos sobre a vida.
Vivemos em um momento m um momento histórico onde a produtividade se
expressa de uma forma essencial fazendo com que o homem tenha por obrigação
corresponder a tal determinação que nunca tem fim, sociedade esta que é
fundada na exploração e profundamente marcada pela opressão, pela
desigualdade, pela competitividade e pelo individualismo essa é a
característica marcante do nosso tempo atual e dentro desse momento a morte
tornou-se um assunto que busca ser evitado, por isso as incansáveis buscas
de fazer com que as pessoas vivam mais independente das consequências que
isso pode causar a elas, a morte no nosso horizonte histórico não pode e
não é concedida como algo bom. Nas horas em que se justificam as mortes por
transtornos mentais ou uso de drogas que também deveriam ser compreendidos
como fenômenos de causas complexas e de múltiplas determinações o que se
faz é tentar adaptar esses indivíduos e incutir a ideia de que são os
principais responsáveis pelo fracasso e com isso reproduzimos ideias diante
da necessidade de diminuir os suicídios ou inclusive de impedi-los
totalmente, sem alterar aquilo que faz com que as pessoas desejem e busquem
pelas próprias mortes.
Existe hoje todo um horizonte histórico que fundamenta e que corrobora
nossas praticas e nossas escolhas, que nos lança criticas e também nos
apoia. Heidegger ao dizer que a vontade não é soberana ele remete-se
exatamente a essa questão, não é que a vontade não exista, ela existe e o
sujeito sempre vai decidir, mas tem um horizonte maior que sustenta essa
decisão, porem ela nunca será original, será sempre secundaria. Por isso a
importância de se olhar para a experiência humana, quando não olhamos para
essa experiência acabamos por criar identidade e ao vermos o suicídio por
meio dessas determinações sejam biológicas ou psíquicas perdemos de vista
aquilo que esta em questão na experiência daquele que quer dar fim a sua
vida Entender mais sobre a concepção atual de suicídio é ir além do
sujeito singular que renuncia à vida e em buscar encontrar as meadas que
unem estas perspectivas, os pontos de junção que constituem a sociedade
como tal, os homens como tais, e o suicídio como tal.
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