O que garante a escuta

May 30, 2017 | Autor: Esther Siza Tribuzy | Categoria: Psicanalise
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O que garante a escuta?


Esther Siza Tribuzy



O que permite falar e ser compreendido? Escutar e saber que escutou o que o outro disse e não a própria fantasia? Como debater se a "realidade é precária" e(...) "os sentimentos são enganadores"1? Falamos aqui da realidade psíquica. Única para cada um. Impartilhável, portanto. No início, este cartel se perguntou o que faz o princípio de realidade, isto é, sobre seu nascimento e seu funcionamento. E ainda, os efeitos de uma análise sobre ele.
"A experiência de Freud instaura-se a partir da busca da realidade que há em alguma parte dentro dele mesmo"2. Ao investigá-la, mostra que, em últimas, a questão é sobre dentro e fora, eu e não-eu. No processo primário e sua profunda tendência a descarga, o aparelho constrói uma "identidade de percepção"3, o que é bom, está dentro, sou eu e assim percebo. Com o processo do pensar, torna possível adiar essa descarga e se empenhar por alterar o mundo externo, mas, é importante verificar se a representação existe. Vale lembrar que "uma precondição para o estabelecimento do teste de realidade consiste em que objetos, que outrora trouxeram satisfação real, tenham sido perdidos"4. Ou seja, se é uma representação, é porque faltou. Quando, contudo, o objeto pode ser reencontrado do lado de fora, existe. Quando não pode, está apenas dentro e, portanto, não existe. Assim, constrói uma identidade de pensamento. Também inconsciente. É "unicamente na medida em que se produzem palavras"5 que temos alguma apreensão desses processos.
Assim, "No pareamento do princípio do prazer com o princípio de realidade, o princípio de realidade poderia aparecer como um prolongamento, uma aplicação do princípio do prazer"6. Mesmo após ter-se engendrado o princípio de realidade, "toda neurose perturba de algum modo a relação do paciente com a realidade"7, e o obriga a afastar-se dela "por achá-la insuportável"8. O que a torna insuportável? O que dela se precisa negar? "a negatividade do discurso, na medida em que faz existir o que não está ali, remete-nos à questão de saber o que o não-ser, que se manifesta na ordem simbólica, deve à realidade da morte"10.
Este cartel supõe que a análise opera aí, que a mudança radical de um fim de análise muda a posição subjetiva e, portanto, a relação ao Outro, ao que é externo-interno, reordena a estrutura. Mas, pode-se afirmar que no percurso já se faz possível a diferença? Seria possível no curso de uma análise ver para além do próprio fantasma? É possível pensar na análise, no processo analisante, como o que garanta algo para além de si mesmo? Seria impossível acabar com o mal-entendido. Nem o esperanto resolveria. Mesmo que gato fosse apenas um felino pequeno e não um roubo de energia ou um homem bonito, o meu gato não seria o seu. E nunca podemos saber disso – o que é para um ou para o outro – até que se possa falar de si para o outro e que o outro possa escutar.


Referências Biliográficas

O que garante a escuta?
1, 2, 3, 5, 6, 9 Lacan, Jacques (1959-1960). A ética da psicanalise. O seminário, livro 7. Rio de Janeiro: Zahar, 1997, p 43, 38, 44, 44, 31, 31.
4 Freud, Sigmund (1925). A negativa. Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. XIX, p.268.
7 Freud, Sigmund (1924). A perda da realidade na neurose e psicose. Obras Psicológicas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XIX, p. 205.
8 Freud,Sigmund (1911). Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental. Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. XII, p.237.
10 Lacan, Jacques (1954). Introdução ao comentário de Jean Hyppolite sobre a "Verneinung" de Freud. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, p.381.







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