“O que mudou na sua vida?”: Traçando um perfil sócio-espacial da ocupação de sem-teto Quilombo das Guerreiras (Rio de Janeiro) como subsídio para a avaliação da eficácia do squatting como estratégia de luta

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Monografia de Conclusão de Curso

“O que mudou na sua vida?”: Traçando um perfil sócio-espacial da ocupação de sem-teto Quilombo das Guerreiras (Rio de Janeiro) como subsídio para a avaliação da eficácia do squatting como estratégia de luta

Autora: Amanda Cavaliere Lima DRE: 106035915 Orientador: Prof. Dr. Marcelo Lopes de Souza Rio de Janeiro, 2010

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ------------------------------------------------------------------------------- 2 CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS TEÓRICO-CONCEITUAIS E METODOLÓGICOS ------- 7 1.1 Caminhos metodológicos ---------------------------------------------------------------- 7 1.2 Procedimentos específicos da coleta de dados ------------------------------------- 10 1.3 Referencial teórico-conceitual -------------------------------------------------------- 13 CAPÍTULO 2 – PERFIL SÓCIO-ESPACIAL DOS SEM-TETO ----------------------------- 22 2.1 Apresentação da ocupação ------------------------------------------------------------ 22 2.2 Trabalhando os dados ----------------------------------------------------------------- 29 2.2.1 Composição dos moradores ----------------------------------------------------- 29 2.2.2 Idade --------------------------------------------------------------------------------- 31 2.2.3 Naturalidade ------------------------------------------------------------------------ 32 2.2.4 Cor ----------------------------------------------------------------------------------- 33 2.2.5 Educação ---------------------------------------------------------------------------- 33 2.2.6 Trabalho e rendimento ------------------------------------------------------------ 34 2.2.7 Situação anterior de moradia ----------------------------------------------------- 46 2.2.8 Situação atual de moradia -------------------------------------------------------- 49 CAPÍTULO 3 – CONTRIBUIÇÕES DA VIDA COLETIVA NAS OCUPAÇÕES PARA MUDANÇAS SÓCIO-ESPACIAIS POSITIVAS ------------------------------------------------- 58 3.1 “O que mudou em sua vida?”: A importância da moradia em ocupações no Centro ----------------------------------------------------------------------------------------- 58 3.2 Breve avaliação da eficácia do squatting enquanto estratégia de luta dos semteto --------------------------------------------------------------------------------------------- 61 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS -------------------------------------------------- 64 ANEXOS -------------------------------------------------------------------------------------- 66 1

INTRODUÇÃO

A imagem do senso comum acerca de grupos socialmente desprivilegiados é frequentemente reproduzida pela mídia, qualificando os atores envolvidos como “desordeiros”,

“vagabundos”,

“delinqüentes”,

“perigosos”

etc.

Essa

visão

estigmatizada é tão enraizada que sua gênese não remete apenas à atualidade, mas foi construída historicamente pela sociedade capitalista com um discurso que visa deslegitimar grupos e movimentos, instaurar o medo nos setores de classe média e ganhar seu apoio para a criminalização das ações daqueles (SANSON, 2008). Habitações populares e coletivas, como os cortiços, cuja proliferação na cidade do Rio de Janeiro deu-se a partir das décadas de 1850 e 1860, eram vistas negativamente não somente por suas condições insalubres de moradia e superlotação, mas também pela associação que era feita das classes pobres que neles viviam como malfeitores, perigosos para a sociedade por carregarem vícios, conforme atesta Chalhoub (1996). Visando a manutenção da “ordem”, o Estado passa a ter o “dever imperioso” de agir no controle social dos trabalhadores, estes vistos como uma ameaça constante por sua natureza, até que se provasse o contrário. A “teoria” de suspeição generalizada passou a delimitar estratégias de repressão contínua para além dos limites da unidade produtora, o que culminou com a destruição da maioria dos cortiços, num total descaso com os que lá moravam. Vale lembrar que muitos dos escravos alforriados viam esse tipo de moradia como um passo no caminho da liberdade (CHALHOUB, 1996:28). Quando da Reforma Passos, realizada na cidade do Rio de Janeiro com a ideia de superação das formas que remetessem ao passado colonial e que fossem um entrave à imagem modernizadora e limpa que se queria implantar na cidade, a repressão às camadas mais pobres da sociedade intensificou-se, pois a mesma não era condizente com a área central da cidade que deveria, enquanto capital, servir de

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exemplo a todo o país, conforme explicita Abreu (1987). No entanto, os custos sociais foram acentuados e os ganhos, desigualmente distribuídos. A solução encontrada foi ocupar os morros do Centro, já que precisavam morar próximos ao local de trabalho, gerando as favelas no cenário carioca. A obsessão pelo estético e pela necessidade de expansão horizontal do espaço urbano para que novos empreendimentos se instalassem na área central da cidade geraram o desmonte de alguns morros, que tinham alta concentração populacional, sendo os pobres um entrave ao crescimento urbano. A favela, entretanto, não conseguiu ser contida, reunindo atributos essenciais para seus moradores, como o melhor acesso ao mercado de trabalho e ao local de trabalho, a redução de custos com transporte e com habitação – ainda que com carência de infra-estrutura urbana. Situações recorrentes têm se dado até os dias atuais, no entanto não mais sob a forma de uma segregação tradicional, mas como expressão da “fragmentação do tecido sociopolítico-espacial” (SOUZA, 2006b:468). Diante de um acesso à terra urbana socialmente diferenciado verifica-se um descompasso entre a imensa quantidade de imóveis vagos e ociosos – muitos dos quais servindo à especulação imobiliária – e o quadro de exorbitante déficit habitacional. Segundo o ITERJ (2006), O Estado do Rio de Janeiro tem hoje um exército de sem-teto e um déficit habitacional que alcança 293.848 moradias, revela estudo inédito da Fundação Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro (CIDE). Esse número equivaleria à necessidade habitacional de quase 1,2 milhão de pessoas e corresponde a 6,89% das 4,2 milhões de residências fluminenses. Em números absolutos, o déficit aumentou em 12.032 residências entre 1991 e 2000, diz a pesquisa, que teve como base de dados o Censo do IBGE. (...)

O déficit habitacional é um fato e tem gerado a produção de loteamentos irregulares e a reprodução de favelas, que, por sua vez, têm assistido à disseminação da insegurança e do medo por parte do tráfico. O “mito da marginalidade” e sua “atualização” nos anos 70 e 80 têm cultivado a estigmatização de tais espaços, estendida às ocupações de sem-teto – que compreendem o nosso objeto de estudo.

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Frente à omissão do Estado, de um lado com relação aos proprietários fundiários e a permanência de seus imóveis e terrenos à espera de valorização, e de outro com a situação de precariedade em que vive grande parcela da população sem acesso ao direito de moradia, emergem ativismos mobilizados pela questão habitacional, como o movimento dos sem-teto, como importantes atores insurgentes no processo de produção e modelação do espaço, tendo neste um referencial direto e decisivo. A ocupação de propriedades ociosas, privadas ou públicas – que tem sido a estratégia do movimento dos sem-teto –, não raras vezes chamadas de “invasões”, tem suas ações criminalizadas por parte do Estado e da mídia, novamente em nome de uma suposta “ordem”. Essas ocupações, no entanto, além de fazerem valer o Art. 182 (§ 5°, inciso XXIII) da Constituição Federal de 1988, segundo o qual a propriedade deverá atender a sua função social, trazem mudanças positivas tanto para a vida dos ocupantes, como para os espaços ocupados, não somente refuncionalizando-os como também reestruturando-os, ainda que em escala nanoterritorial, e seus arredores, em escala microlocal – promovendo, assim, uma verdadeira revitalização do bairro. A necessidade de conhecer quem são os sem-teto e elucidar a sua condição de vida, sua origem espacial, o porquê de estarem ali e em que âmbitos a ocupação colaborou para transformações sócio-espaciais positivas é o que justifica este trabalho. Preencher tal lacuna através de uma caracterização do perfil sócio-espacial desses atores permitirá que, então, façamos uma discussão a respeito das práticas espaciais insurgentes realizadas por esse grupo de moradores e ativistas e que são, por sua vez, representativas de um grupo maior de sem-teto que lutam na Zona Portuária do Rio de Janeiro pelo direito à moradia em uma forma de organização horizontalizada. Acreditamos poder, com isso, contribuir para a ampliação do conhecimento geográfico em relação aos estudos sobre territorialidades dissidentes no meio urbano da cidade do Rio de Janeiro, que, na maioria dos casos, estão atreladas a uma posição espacial bastante estratégica, conforme veremos mais adiante. Este trabalho também é justificado por uma possível contribuição para aprofundar a relação entre geógrafos e movimentos sociais. Frente a um panorama de

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extenso conservadorismo por parte da academia, do senso comum e da mídia e de um imobilismo – bastante generalizado – no que se refere às questões sociais, e diante de uma ciência que pouco tem se disposto a sair do academicismo e do produtivismo, a estabelecer diálogo e colaboração com a sociedade e a se comprometer com a transformação de sua realidade, deparamo-nos, portanto, com a urgência de uma pesquisa sócio-espacial crítica e engajada. Entendendo que os resultados de uma pesquisa científica devem ser elaborados a serviço da sociedade para que esta possa apropriar-se deles como necessitar, acreditamos na possibilidade de fornecer subsídios para o conhecimento empírico e de estabelecer diálogos com a sociedade – no caso, um movimento social – de modo a contribuir tanto para a desestigmatização sócioespacial quanto para a transformação da realidade dos sem-teto e a legitimação de sua causa. Inicialmente, este trabalho teve por objetivo geral proceder a uma caracterização do perfil sócio-espacial de três ocupações de sem-teto do Centro do Rio de Janeiro. Devido à enorme dimensão que a pesquisa precisaria adquirir para que não perdesse a qualidade e representatividade dos dados, demandando um investimento muito maior de tempo e mesmo de recursos, tanto financeiros quanto humanos, tivemos que adaptar o recorte de análise para o universo de uma ocupação de semteto. Visto que não apenas era necessário como também desejável manter um contato próximo e de colaboração com os moradores para a plena realização dos objetivos que partiram dos próprios sem-teto, a partir de uma necessidade real de se conhecerem, saberem de onde vieram, porque estão ali e o que a vida na ocupação trouxe de diferente para suas práticas espaciais, escolhemos a ocupação Quilombo das Guerreiras – por questões de maior proximidade e também de maior afinidade com alguns dos ativistas – para a concretização deste projeto. Envolvemo-nos em uma situação de pesquisa socialmente comprometida, através do diálogo e da colaboração com organizações de movimentos, chegando a uma “pesquisa-ação” (rechercheaction), na qual as finalidades do trabalho foram discutidas e definidas conjuntamente com os ativistas.

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É válido ressaltar que as necessidades do movimento social muito se relacionavam com questões propriamente geográficas. Não realizamos um estudo sociológico nem antropológico, mas sim que realmente tinha como objeto central a espacialidade estratégica que a posição da ocupação ocupa no mapa do Rio de Janeiro – na Zona Portuária, mais especificamente, no bairro de Santo Cristo – e que influencia direta e indiretamente as interações espaciais dos sem-teto. Assim, enfatizando a percepção de mudanças na qualidade de vida a partir da transferência da moradia para uma ocupação e a identidade sócio-espacial do e com o lugar vivido, e tentando, adicionalmente, avaliar em que medida essa localização é importante para os moradores e ativistas e pode estimular o desenvolvimento sócioespacial é que queremos desdobrar os objetivos deste trabalho, considerando tanto a realidade sócio-espacial objetiva quanto (inter)subjetiva dos moradores e ativistas. Em resumo, pretende-se entender quem são os sem-teto da área central do Rio de Janeiro – qual a sua trajetória de vida, qual motivação os levou a morar em uma ocupação – e refletir sobre que tipo de mudanças foram estimuladas na vida de pessoas desde que foram para a ocupação.

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CAPÍTULO 1 FUNDAMENTOS TEÓRICO-CONCEITUAIS E METODOLÓGICOS 1.1 Caminhos metodológicos Aqui delinearemos os caminhos percorridos para chegar ao fim que desejamos: apresentar um perfil sócio-espacial dos sem-teto da Ocupação Quilombo das Guerreiras, partindo do pressuposto de que com a moradia na ocupação mudanças sócio-espaciais positivas foram estimuladas na vida dos sem-teto. Primeiramente, para esclarecer algumas inquietações que esta pesquisa trouxe, é importante mencionar a interação com e a inserção no movimento social referido, como ela surgiu, de onde partiu e de que modo se processou/processa, que é indissociável da minha trajetória junto ao Núcleo de Pesquisa sobre Desenvolvimento Sócio-Espacial (NuPeD). Antes de a pesquisa em si começar, foram realizadas entrevistas informais semi-estruturadas com alguns ativistas-chave por parte do coordenador do NuPeD – professor Marcelo Lopes de Souza – e alguns dos pesquisadores do núcleo, todos engajados já há algum tempo em uma interação colaborativa com o movimento dos sem-teto. Dessas entrevistas saíram as necessidades por parte do movimento: de se conhecer e, assim, ser também (re)conhecido através de um estudo que ajudasse a desmistificar a composição social do movimento, dada à crescente criminalização que tem sofrido. Ao ingressar no NuPeD, em março de 2009, fui apresentada ao supramencionado movimento social e, a partir de uma identificação com a luta e a causa defendida, passei a freqüentar reuniões em ocupações de sem-teto diversas, bem como seminários, palestras, debates e outros eventos sobre a problemática da habitação, despejos de ocupações e remoção de sem-teto e de trabalhadores informais das ruas. À época, começava a vigorar com todas as forças a política do “Choque de Ordem”, quando do início do governo Eduardo Paes na Prefeitura do Rio de Janeiro. Participei do “Fórum Contra o Choque de Ordem” até a sua dissolução (aproximadamente em setembro de 2007), onde eram debatidas diversas estratégias de luta e resistência frente aos constantes e cada vez mais frequentes ataques à

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população de baixa renda, sobretudo moradora e trabalhadora da Área Central do Rio de Janeiro – foco das intervenções urbanas do projeto de “revitalização” conservadora. Nesse contexto, através do conhecimento da intensa experiência do núcleo de pesquisa, de conversas com militantes junto ao movimento social referido e do desejo de contribuir, de alguma forma, para a transformação da realidade dos sem-teto, é que, unindo a necessidade pessoal de fazer um trabalho de conclusão do curso de Bacharelado em Geografia na Universidade Federal do Rio de Janeiro, assumi a responsabilidade de envolver-me em uma situação de pesquisa sócio-espacial engajada e comprometida com a práxis – uma tarefa tão difícil quanto relegada atualmente por profissionais no meio científico. Sabendo da necessidade coletiva do movimento, representada através das entrevistas realizadas e acima mencionadas, resolvi debruçar-me sobre a temática referida e, “unindo o útil ao agradável”, dedicarme a um envolvimento com um objeto de pesquisa vivo e dinâmico, protagonista de uma realidade social, produtor de cultura, conhecimento, discursos e ações e não separado, em uma relação rígida e hierárquica, do sujeito social. Não queríamos produzir uma imagem “deles” distanciada do “nós”, como se “eles” fossem os “outros” e nós estivéssemos em alguma plataforma superior. Por isso, através de uma visão dos próprios integrantes do movimento, entendidos enquanto insiders, produzimos este levantamento como um retrato o mais fiel possível da realidade vivida. Não falamos sobre, mas falamos com o movimento social e seus protagonistas, permitindo uma inserção não restrita ao mundo material, mas onde o mesmo é imbricado de significações e imaginários. O que não significa dizer que “o pesquisador não construa, para si, um objeto, que é uma abstração teórica que ajuda o pesquisador a sistematizar sua pesquisa”, mantendo um distanciamento crítico, conforme retrata RODRIGUES (2005), com quem muito aprendemos com a metodologia de pesquisa esboçada em sua dissertação. Assim, avaliando o tipo de inserção, postura e colaboração que o movimento social esperava (e mesmo requeria), refletimos sobre esse trabalho – dentro dos limites e possibilidades de uma pesquisa engajada – como uma contribuição que poderíamos oferecer, enquanto geógrafos em formação, ao movimento social. Ao desejar fornecer uma “utilidade social”, valemo-nos da pesquisa-ação como abordagem de pesquisa, acreditando na possibilidade deste trabalho ser um 8

instrumento de investigação que visa a enriquecer o conhecimento científico, possibilitando o aprofundamento da relação entre os geógrafos e os movimentos sociais. Visamos também ter um instrumento de ação a partir de um levantamento que surgiu de uma demanda do próprio movimento. Pretendemos não apenas colocar os resultados dessa pesquisa à disposição do movimento (fazendo, a posteriori, um esforço de desenvolver novas linguagens que facilitem o entendimento das questões abordadas e dos resultados obtidos), como também acreditamos na possibilidade de fornecer subsídios para a transformação de alguma realidade dos sem-teto. Um exemplo seria o de contribuir para a manutenção de uma memória das lutas dos semteto e, assim, conquistar novas formas para uma maior mobilização no cotidiano. Outra possibilidade seria fortalecer a conscientização e a ação coletiva por meio da visualização do alcance dos impactos positivos que a vida na (e da) ocupação trouxe aos sem-teto. Mas, é válido ressaltar, que esses são apenas possíveis apontamentos. Caberá aos moradores e ativistas tomar os resultados desta pesquisa e utilizar este material como bem entenderem, regidos pelo princípio da autonomia, onde eles “são aqueles que se dão as próprias leis” (CASTORIADIS, 1983: 22). Para esclarecer o que entendemos por pesquisa-ação, THIOLLENT (2005:9), em uma primeira aproximação, a define enquanto uma “linha de pesquisa associada a diversas formas de ação coletiva que é orientada em função da resolução de problemas ou de objetivos de transformação”. Nossa intenção não é pautar a pesquisa sob parâmetros estatísticos e critérios lógico-formais, mas, ainda que utilizemos uma linguagem gráfica, a abordagem utilizada é muito mais qualitativa do que quantitativa. Desse modo, sendo realizada em uma cooperação entre Academia e movimento social, valorizamos muito mais questões triviais para o equacionamento de problemas e dirigidas a uma ação transformadora da realidade vivida pelos sem-teto – e tal ambição é característica de nossa abordagem pautada na pesquisa-ação (rechercheaction). De imediato, temos a certeza de contribuir para a desestigmatização sócioespacial dos atores insurgentes envolvidos na ocupação, que é o que consideramos como o problema central nesta pesquisa, e também de que, através desse método, conseguimos obter informações que seriam de difícil acesso por meio de outros procedimentos – conforme THIOLLENT (op cit, p.20) prevê.

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Como a ênfase em uma pesquisa-ação pode ser dada em três aspectos, sendo eles a resolução de problemas, tomada de consciência ou produção de conhecimento (op cit, p.21), não seríamos pretensiosos a ponto de querer alcançar todos eles. Talvez, a maior contribuição que possamos oferecer seja no sentido de uma ampliação da tomada de consciência do sujeito coletivo interno e também externo à ocupação, onde, ainda assim, pode ser algo a ser desenvolvido não tanto a curto prazo, mas decorrente de articulações dos atores com canais de mídia independente, por exemplo, que podem atingir a um público mais progressista e que, por sua vez, pode influenciar outras realidades, fomentando debates e inculcando sementes de criticidade à visão dominante de criminalização da pobreza.

1.2 Procedimentos específicos da coleta de dados

Trabalhamos tecnicamente com o método comparativo que, segundo GIL (1999:34), visa ressaltar as diferenças e similaridades de, em nosso caso, um mesmo grupamento social em situações temporais e espaciais distintas: antes e depois de habitarem a ocupação Quilombo das Guerreiras. Para isso, queremos avaliar a percepção sobre mudanças positivas estimuladas na vida cotidiana e social dos semteto. Baseamos este trabalho em uma estratégia de pesquisa que se assemelha a um mini-censo, não tendo, portanto, a definição de um plano de amostragem e uma amostra. Como tínhamos por objetivo fazer um trabalho que contemplasse o universo dos moradores da ocupação Quilombo das Guerreiras, optamos por não trabalhar por famílias ou por unidades de habitação. Fizemos uma difícil contagem dos moradores por andar, através da ajuda de alguns moradores-chave, envolvidos no trabalho de Portaria da ocupação – que controla a entrada e a saída de moradores e nãomoradores e também os horários em que se realiza esse acesso –, que conheciam um pouco melhor cada um dos sem-teto que ali habitam. Tal fase da pesquisa foi também importante para definirmos, conjuntamente com um grupo de moradores, qual seria a melhor estratégia de abordagem. Visto que não queríamos incomodar o descanso dos moradores, que, em sua maioria, trabalham exaustivamente em horários os mais 10

diversos e ainda têm a cumprir seus deveres familiares e junto ao coletivo da ocupação, realizamos uma pesquisa-piloto em duas segundas-feiras seguidas antes do horário da reunião do coletivo, onde ao menos um representante de cada família precisa estar presente e apenas moradores podem participar, pois ali discute-se e são definidos assuntos internos à ocupação. Após avaliação da pesquisa-piloto, percebemos que tal forma de abordagem não era a mais adequada e revelou-se também a necessidade de diversos ajustes no roteiro de entrevistas para torná-lo mais objetivo. O processo de elaboração do roteiro de entrevista foi realizado a fim de atender aos objetivos não só desta pesquisa – já elucidados na introdução –, mas também de outras pesquisas inter-relacionadas de pesquisadores do NuPeD, incluindo três mestrandos e uma doutoranda – os mesmos que realizaram comigo as entrevistas junto aos moradores –, sob a coordenação do professor Dr. Marcelo Lopes de Souza. Cada um expôs seus objetos de análise e os respectivos objetivos de suas pesquisas e, juntos, fomos delineando as questões, de forma a torná-las claras aos entrevistados e de fácil manuseio na hora de analisarmos os dados obtidos. Assim, o roteiro de entrevista consistiu de 45 questões (que, na verdade, desdobram-se em mais), das quais a maior parte eram fechadas. Ainda assim, como não utilizamos gravador, não nos privamos de fazer todas as anotações possíveis em cada bloco de entrevistas reproduzindo falas dos sem-teto de significativa relevância para a compreensão dos laços que os mesmos criaram com a ocupação e com os bairros ao redor da mesma. Em algum sentido, portanto, esta pesquisa esbarrou em características semelhantes às de uma pesquisa participante, onde o pesquisador é instruído a tomar notas de campo de tudo quanto lembrar. Conforme KIDDER (1987: 77), “registrar tudo o que é dito é tarefa igualmente árdua. Os observadores participantes geralmente não registram as conversações em fitas porque um gravador inibiria a participação do pesquisador em várias situações”. É bem verdade que não procedemos à análise de todas as 45 questões, mas apenas das que contemplavam os objetivos desta pesquisa. Assim, nosso escopo reduziu-se a 31 questões. Consistindo-se de entrevistas formais semi-abertas aplicadas junto a todos os moradores adultos da ocupação, este roteiro contemplou o total de 51 entrevistados 11

em um trabalho de campo extensivo. Apenas os menores de 18 anos não foram entrevistados. Nas entrevistas, demos grande valor aos relatos verbais dos sujeitos para a obtenção de dados, que, por sua vez, tiveram duração bastante variada de pessoa para pessoa, dependendo da disposição, da memória e da disponibilidade de cada um para responder às questões. Por exemplo, realizamos uma entrevista às 23h em dia de semana na portaria da ocupação que durou pouco mais de uma hora, mesmo que a moradora tenha submetido-se a uma jornada integral de trabalho naquele dia e tenha acabado de chegar à ocupação, dada a importância que a mesma inferiu à nossa pesquisa e interação com os sem-teto – e foi, diga-se de passagem, uma das entrevistas mais relevantes em termos de riqueza e detalhamento de informações transmitidas. Ao passo que também já realizamos entrevista em 15 minutos em um domingo. Então, a intensidade do contato com os moradores varia bastante de caso para caso. A próxima etapa foi a construção, o preenchimento e a manutenção de um banco de dados no software livre BrOffice Base 3.0. Ali criamos as categorias de cada uma das perguntas contidas no roteiro de entrevistas e fomos alimentando com todos os dados e relatos verbais dos sem-teto – o que, por um lado, gerou a complexificação do manuseio do banco de dados e, por outro, enriqueceu nossa pesquisa. O processamento, a análise dos dados e a geração de informações seguiu alguns passos para obter a medida que desejávamos: avaliar as mudanças sócioespaciais positivas estimuladas na vida dos sem-teto, valendo-nos, para isso, de comparações entre o antes e o depois da ocupação e os significados disso para seus moradores. As variáveis utilizadas para essa mensuração foram: trabalho, renda, interações espaciais e vínculos criados com o lugar de moradia. Muitos dos dados sobre essas variáveis são propriamente geográficos, representando mobilidade espacial, acessibilidade e identificações sócio-espaciais. Para representar as interações espaciais, procedemos à produção de mapeamentos de fluxos através do software ArcGIS 3.2 – também utilizado para a produção de mapas temáticos com graduação de cores. Para representar dados quantitativos, utilizados o software Microsoft Office Excel 2003, por meio do qual produzimos uma série de gráficos, utilizando números absolutos.

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1.3 Fundamentos teórico-conceituais

 Squatting

O squatting constitui-se no movimento de ocupação realizado por squatters. No caso de países semi-periféricos, como o Brasil, esse movimento é protagonizado pela população pobre, de baixa renda, por uma questão de necessidades – diferentemente do perfil de jovens de classe média em países da Europa e nos EUA. O squatting pode ser de 2 tipos: a) a favelização, que é um processo de ocupação que pode se dar espontaneamente ou pode ser dirigido por políticos (não é desse tipo a que nos referimos neste trabalho), e b) o sem-teto (squatter), sendo este um movimento social crítico emancipatório cuja atuação dá-se através da ação direta de ocupação de terrenos ou imóveis vagos e ociosos. Os sem-teto, é válido ressaltar, não são a população de rua – o que seria o equivalente ao termo inglês homeless – conforme esclarecido por SOUZA (2009). Assim, os sem-teto fazem parte de uma parcela geralmente bastante politizada da população que vive em situação de hiperprecariedade, que, segundo SOUZA (2008:131), pode ser definida partindo da constatação de que as condições de vida e trabalho da maioria dos trabalhadores em um país semi-periférico sempre foram precárias, e que, nos últimos anos (com a reestruturação produtiva, “acumulação flexível”, terceirização, desregulamentação parcial do Direito do Trabalho), nos marcos da globalização e da hegemonia de economias políticas neoliberais, os trabalhadores pobres do setor formal são maciçamente atirados no mundo geralmente pior da informalidade. “Aquilo que já era precário, em decorrência das difíceis condições de remuneração, segurança no trabalho e conforto, torna-se, assim, precariíssimo, em razão do desamparo trabalhista e previdenciário, da maior instabilidade, da maior imprevisibilidade e de uma freqüente deterioração do modesto padrão de consumo. O hiperprecariado, de sua parte, constitui o heterogêneo universo dos trabalhadores informais e todos aqueles que sobrevivem em circunstâncias de grande vulnerabilidade e mesmo perigo, morando em espaços extremamente desconfortáveis e

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muitas vezes insalubres ou improvisados e exercendo ocupações estigmatizadas.” (SOUZA, 2008: 131-132)

Ao abordar a dimensão espacial das lutas sociais, RAMOS (2009) diz que as estratégias de sobrevivência de atores sociais hiperprecarizados e submetidos à lógica capitalista de reprodução social têm fornecido resistência às ações do Estado (des)regulamentado pelo mercado e pelo grande capital corporativo sobre o espaço urbano. O movimento social dos sem-teto, cuja imanência espacial é clarificada nas diversas instâncias de luta imbricadas em suas reivindicações (politizando a problemática da habitação sob a ótica dos imóveis mantidos vazios ou subutilizados por razões especulativas e lutando pelo desenvolvimento de outros tipos de vínculos e de relações entre os moradores e seus espaços ocupados a fins de moradia, produção de cultura, geração de renda através do cooperativismo e contra todas as instâncias de violência) tem contribuído para pensar em um planejamento urbano radicalmente crítico, a partir de suas práticas espaciais emancipatórias e autogeridas e da ação coletiva. Sobre essa questão, são cruciais as contribuições de SOUZA (2006a; 2006b) e TEIXEIRA (2009). Combinando estrategicamente ação direta – compreendendo “as práticas protagonizadas pelos movimentos sociais, com finalidades de protesto e de construção de alternativas, independentemente do Estado e mesmo afrontando-o e desafiando-o” (SOUZA, 2009b) – e luta institucional indireta – que “de um ponto de vista libertário, diz respeito às práticas em que os movimentos sociais, para promover certos objetivos, se utilizam, taticamente, de determinados canais instituídos pelo Estado em conjunturas favoráveis” (SOUZA, op cit) –, o movimento dos sem-teto tem não apenas na escala de suas ocupações sua esfera de influência. Mas é também através de uma política de escalas que se busca a viabilização das práticas de territorialização em sentido estrito, de refuncionalização e reestruturação do espaço material, de ressignificação de “lugares”, de revitalização (sem aspas) de espaços (onde alguns agentes assumem o controle de espaços “abandonados” com a finalidade de lhes dar alguma função social legítima), de construção de circuitos econômicos alternativos e de construção de redes espaciais (SOUZA, op cit), constituindo redes de solidariedade pública e de ajuda mútua (seguindo o princípio de KROPOTKIN (1902). As articulações

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em diferentes níveis escalares visam dar visibilidade às demandas e protestos, proporcionar eficiência logística, potencializar efeitos, neutralizar ou diminuir o impacto de ações adversas ou tirar maiores vantagens de situações favoráveis (LACOSTE, 1988; SOUZA, 2009b). Assim, luta-se pela efetividade de um direito à cidade (LEFEBVRE, 2001; HARVEY, 2008) que, para um movimento social emancipatório, simboliza uma forma de “território contestado” (SOUZA, 2010) não abrindo margem para que seja meramente um slogan colonizado por instâncias superiores e onde a exclusão não seja a palavra de ordem, as ações não sejam marcadas pela violência, pela cooptação ou pelo sectarismo. Pretendemos aprofundar tal questão confrontando, por exemplo, os delineamentos funcionalistas do zoneamento de uso do solo estabelecidos pelo projeto oficial de “revitalização” – que podem restringir o acesso de determinados grupos à Zona Portuária – com a definição, sob um ângulo mais progressista, das prioridades de intervenção sobretudo em áreas de terras urbanas ociosas, normalmente mantidas desocupadas como reserva de valor e cujos espaços podem ser aproveitados para projetos de construção de moradias populares (SOUZA, 2006a), onde as ZEIS (Zonas de Especial Interesse Social) não se restrinjam apenas ao caso das favelas e dos loteamentos irregulares. A discussão sobre instrumentos que possibilitem o fortalecimento das lutas dos sem-teto e a redução da estigmatização sócio-espacial e criminalização que os ativistas e o próprio movimento vêm sofrendo vai de encontro com a questão acima, na luta por uma cidade menos excludente.

 Práticas espaciais

Considerando que práticas espaciais são “práticas sociais densas de espacialidade” e que as mesmas podem servir “tanto à dominação, à coerção, à imposição de cima para baixo ou de fora para dentro das leis e normas que regulam a vida de um grupo ou sociedade (...), quanto à (...) autodeterminação, à autodefesa legítima, ao autogoverno, à instituição livre e lúcida das leis e normas pelo próprio corpo de cidadão, diretamente” (SOUZA, 2009b), percebemos que o confronto entre ações heterônomas e ações autônomas polariza as esferas de influência e de 15

apropriação do espaço urbano de acordo com interesses distintos vinculados aos diferentes grupos sociais que atuam na produção da cidade (CORREA, 2005). Quando falamos sobre práticas espaciais, estas, no geral, podem ser entendidas como as práticas sociais que se dão, tanto de forma direta quanto indireta, sobre o espaço. Realizadas pelos diversos agentes de produção do espaço urbano, atuam modelando o mesmo não só materialmente (gerando “rugosidades” *SANTOS, 2008:140]), como também simbolicamente (através dos preconceitos, símbolos e signos inscritos no espaço), conforme aponta SOUZA (2006b:112). As práticas espaciais do movimento dos sem-teto – entendido enquanto um movimento social urbano emancipatório – são práticas insurgentes, no sentido de que não atuam servindo à coerção, à dominação e à imposição de cima para baixo e de fora para dentro, mas na direção oposta, buscando meios que cheguem à emancipação, à autodeterminação, ao autogoverno e à instituição livre do nómos pelo corpo de moradores. Algumas das práticas espaciais insurgentes realizadas pelos sem-teto da ocupação Quilombo das Guerreiras, seguindo a tipologia de SOUZA (2009), são: a)

Refuncionalização (adequação de formas espaciais já existentes: o

prédio que funcionava como escritório da Cia. Docas) / Reestruturação (produção de formas espaciais novas, ainda que em escala diminuta: adaptação das estruturas do espaço para se tornar um espaço de moradia – por exemplo: colocando divisões entre apartamentos) do espaço material  adaptação do substrato espacial material a novas necessidades; b)

Revitalização de espaços  onde alguns agentes (como os squatters,

sem-teto) assumem o controle de espaços “abandonados” (prédios vazios, por exemplo) com a finalidade de lhes dar alguma função social legítima através da ação de práticas espaciais insurgentes – contrastando com a linguagem de uma dita “revitalização” amplamente difundida do planejamento urbano conservador, que inclui processos nos quais bairros pobres são submetidos a uma “gentrificação” e tornados úteis para propósitos capitalistas *como se antes esses espaços residenciais estivessem “mortos”]);

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c)

Construção de circuitos econômicos alternativos (nem circuito superior

nem circuito inferior de Milton Santos); d)

Territorialização em sentido estrito  “apropriação” e controle do

espaço por meio ou com a ajuda da presença física; alteração permanente de limites de ação; e)

Ressignificação de “lugares”: “Lugarizar” ressignificar relações sociais

e o próprio lugar através da construção de imagens espaciais.

 Identidade sócio-espacial

A respeito da construção de imagens espaciais, destacamos a importância do espaço que se transforma em lugar à medida que adquire definição e significado (TUAN, 1983:151), não apenas como contribuição à desestigmatização sócio-espacial, mas também como estratégia de reforço ou legitimação da identidade sócio-espacial construída no e com o lugar vivido e compartilhado, extrapolando o caráter fundamentalmente político do território apropriado pelos sem-teto (HAESBAERT, 1997). Assim, “se o espaço restitui a realidade social, integra também as suas idealizações, cuja consciência pode ser mais viva que a de relações mais materiais” (FRÉMONT apud HAESBAERT, 1988:20), destacando que sua dimensão simbólica não pode ser negligenciada, mas, ao contrário, deve ser levada em conta nas discussões sobre o planejamento e a gestão do bairro1 no qual tais ocupações se inserem, já que também sobre e com ele são criados vínculos e identificações. Considerando o espaço não como uma entidade apenas objetiva, mas cuja objetividade é lida (inter)subjetivamente e cuja materialidade é dotada de significações específicas para cada indivíduo que são também compartilhadas por vários indivíduos, faremos uma brevíssima leitura da realidade da qual os ativistas se sentem fazendo parte, e cuja identidade das ocupações, enquanto lugar agradável para a maioria dos sem-teto, não pode ser dissociada da própria presença deles, independentemente das discrepâncias de percepção entre insiders e outsiders (SOUZA,

1

O bairro é aqui entendido não apenas como realidade objetiva para fins de planejamento, mas também enquanto espaço internalizado mentalmente pelos indivíduos de uma coletividade, que os têm como espaços vividos e sentidos (SOUZA, 1989).

17

1997:22-23), e no caso dos últimos, manifesta, sobretudo, sob a forma de estigmatização sócio-espacial – lembrando que estigmatizar significa estabelecer uma marca indelével, acusar de ação infame, censurar, condenar ou verberar. A ocupação enquanto lugar de moradia dos sem-teto é o espaço vivido e percebido por e entre seus moradores, é dotada de valor e simbolismos a partir das experiências e impressões (TUAN, 1983). Essa dimensão (inter)subjetiva, densa de histórias e marcos compartilhados pelos ocupantes, onde suas percepções estão relacionadas à produção de identidades sócio-espaciais do e com o lugar vivido (RELPH, 1976:45). Nesse sentido, os moradores (re)lugarizam o prédio ocupado, realizando uma interferência nas imagens espaciais com a construção de uma imagem coletiva a partir dos insiders e uma desconstrução da imagem falaciosa amplamente divulgada e influenciada pelos outsiders. Há, portanto, uma (res)significação espacial, que pode ter a ver com a identidade sócio-espacial dos moradores, cujo valor simbólico ligado ao lugar é disputado, não estando, portanto, desconectado das relações de poder.

 Articulação de escalas de análise

Para a defesa dessa identidade sócio-espacial, qualificamos a escala na qual o objeto empírico de nosso estudo se insere como a escala nanoterritorial (SOUZA, 2006b:317), que remete à espacialidade das rotinas, englobando o nível da moradia, do local de trabalho (que, para além do “circuito superior da economia”, pode ser até mesmo um trecho de calçada, já que a maioria dos moradores trabalham no setor informal), do local de lazer ou distração, onde: “(...) as relações de poder remetem a interações face a face entre indivíduos, os quais compartilham (coabitam, trabalham, desfrutam) espaços muito pequenos, em situação de co-presença. Nesses espaços eles exercem, quotidianamente (e, amiúde, informalmente), algum poder, ao mesmo tempo em que, com suas práticas, espacialmente referenciadas (desejo de ocupar espaço, vontade de possuir objetos inscritos no espaço

18

etc.), colaboram para definir a organização espacial nessa escala modesta (...)”. (SOUZA, op cit)

Esta escala será contextualizada à luz da escala microlocal e da escala local, no que se refere às interações espaciais que se dão dentro do bairro onde se localiza a ocupação e entre os diversos bairros da cidade, sobretudo aqueles da Área Central. Assim, podemos entender que as lutas, reivindicações e protestos ultrapassam a sua realidade imediata (RIBEIRO, 2009: 148), não se restringindo à questão da moradia, mas pelo direito à cidade e pela defesa à identidade sócio-espacial formada e compartilhada pelos moradores de uma ocupação – que são elementos que estão intrinsecamente relacionados, sobretudo quando lembramos da localização central da ocupação. O próprio ato de ocupação de um imóvel ocioso não se esgota em si mesmo, como Souza (2006b:289) prevê para a constituição de um “território dissidente”, pois, além da criação de um ambiente político-cultural e de um modo de vida, também materializado em uma organização espacial, há a constituição de circuitos econômicos alternativos nessas ocupações, pautados na lógica solidária e marginal da “economia popular urbana”. Entendendo a Zona Portuária como um espaço altamente disputado, identificamos ali alguns territórios dissidentes em um campo de forças definido e delimitado por e a partir de relações de poder (SOUZA, 1995), cujas práticas de resistência, frente a processos mais amplos que estão sendo deliberados e concretizados, são práticas de confrontação às ordens estabelecidas pelo Estado e pelas classes dominantes que compreendem ambientes planejados e situações regradas em uma cidade que vem sendo construída sob a expressão de um exercício heterônomo de poder. De Certeau (1996) ajuda-nos a compreender o potencial criativo dessas geografias subversivas através dos cotidianos e imaginários, onde podemos estabelecer uma ponte com a “criação radical” da história possibilitando uma autoinstituição lúcida da sociedade e remando contra a maré da alienação como fenômeno social (CASTORIADIS, 1982).

19

 Interações espaciais

As interações espaciais, segundo CORRÊA (2006:279 e segs), constituem “um amplo e complexo conjunto de deslocamentos de pessoas, mercadorias, capital e informação sobre o espaço geográfico”. Elas podem variar de acordo com a frequência de ocorrência, com o grau de intensidade e com a distância e direção, caracterizandose por propósitos diferentes e realizando-se por meio de diversos meios e velocidades. Não podem ser entendidas como simples deslocamentos, mas como parte integrante da existência (e reprodução) e do processo de transformação sociais, refletindo as diferenças

espaciais

face

às

necessidades

historicamente

identificadas

e,

consequentemente, caracterizando uma assimetria de relações – favorecendo determinados espaços em detrimento de outros, ampliando as diferenças geográficas e complexificando as interações espaciais. Qualificando essa assimetria de relações, podemos destrinchar como se dá a acessibilidade dos sem-teto – que veremos mais adiante após a análise dos dados. Kevin LYNCH (1985) define acessibilidade como a capacidade de chegar a outras pessoas, atividades, recursos, serviços, informações ou lugares, incluindo quantidade e diversidade dos elementos que podem ser alcançados – ou seja, acessibilidade é uma qualidade de acesso, sendo este um dos elementos para se alcançar uma boa forma de cidade. Seguindo o raciocínio de SOUZA (2006b:321), devemos pensar “nas possibilidades de transformação e uso do espaço para fins de sua acomodação às necessidades de uma gestão da cidade a mais democrática possível, mesmo ainda no interior de uma ordem heterônoma” (grifo do autor). Assim, ao falarmos de acessibilidade – onde se deve buscar atender às diferenças de oportunidade cristalizadas em nossa sociedade –, falamos, portanto, de justiça espacial, de maior equidade sócio-espacial, que nos conduzem, por sua vez, a uma mudança radicalmente democrática, a caminho do desenvolvimento sócio-espacial (SOUZA, 2006b), conforme veremos a seguir.

20

 Desenvolvimento sócio-espacial

O conceito de desenvolvimento sócio-espacial (SOUZA, 2006a:60 e segs.) vai além de uma visão meramente economicista, teleológica, conservadora e etnocêntrica, na qual a idéia capitalista e ocidental de “desenvolvimento” tem sido vinculada numa abordagem modernizadora da sociedade. Entendido como uma mudança social positiva, um autêntico processo de desenvolvimento sócio-espacial implica melhoria da qualidade de vida e aumento da justiça social, contemplando tanto as relações sociais quanto a espacialidade. Dentro de um processo de transformação para melhor, de acordo com o autor, a melhoria da qualidade de vida corresponde à crescente satisfação das necessidades de uma parcela cada vez maior da população, e o aumento da justiça social, à garantia efetiva de acesso a equipamentos urbanos, reconhecendo a desigualdade específica de cada grupo social e, ao mesmo tempo, a igualdade estrutural de todos enquanto seres humanos. Essa busca se dá com base no princípio e nos parâmetros da autonomia, tomada no sentido castoriadiano, tanto individual quanto coletiva. “(...) o caminho democraticamente mais legítimo para se alcançarem mais justiça social e uma melhor qualidade de vida é quando os próprios indivíduos e grupos específicos definem os conteúdos concretos e estabelecem as prioridades com relação a isso (...)” (SOUZA, 2006a:66)

O desenvolvimento sócio-espacial apresenta o desafio de não se alcançar algo puramente instrumental, como o crescimento econômico. A eliminação de fatores de sofrimento, desconforto, opressão e discriminação negativa enquanto objetivos da melhoria da qualidade de vida devem ser combinados com apelos práticos de redução de desigualdades de acesso a recursos, processos e instâncias de decisão e a uma distribuição mais equitativa dos recursos, conforme abordagem de SOUZA (2006a:72). Tudo isso incorre em submeter a teorização à realidade e à práxis, ou seja, garantir o acesso a equipamentos culturais urbanos garantido, não só por lei, mas também materialmente (condições efetivas de acesso).

21

CAPÍTULO 2 PERFIL SÓCIO-ESPACIAL DOS SEM-TETO

2.1 Apresentação da ocupação A Quilombo das Guerreiras (OQG) iniciou seu processo de ocupação no ano de 2006, em um contexto de planejamento de ações estratégicas e de reuniões de formação do coletivo que durou cerca de um ano, onde eram discutidas formas de resistência que possibilitassem a entrada e a permanência dos sem-teto no local escolhido. A primeira tentativa de ocupação se deu em novembro de 2005, em um prédio localizado na Cinelândia, bairro do Centro. A segunda, em julho de 2006, no bairro de Vila Isabel. Ambas tentativas sofreram despejo poucas horas após a ocupação. Em outubro de 2006 houve a ocupação de em um prédio que servia de escritório à Cia Docas, que estava abandonado e ocioso há aproximadamente 17 anos, localizado no bairro de Santo Cristo, na Zona Portuária da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (conforme Mapa 1) – área extremamente estratégica da cidade, que vem sendo alvo de megaintervenções urbanas em favor de um processo de “revitalização”, de interesse por parte dos grandes proprietários de imóveis corporativos do Centro da cidade e de grupos de comerciantes.

22

Mapa 1

23

Ainda que a estrutura física do prédio não fosse adequada à moradia – como foi alegado pelo assessor de imprensa da referida Cia, de capital misto – mostraremos algumas evidências de como é possível promover uma revitalização – essa sem aspas – de um espaço que estava morto (ver Figuras 1 a 4 abaixo), por meio da adaptação de certas partes e da manutenção do prédio como um todo através de ações coletivas, a fim de atender a novas demandas e funções, como a de moradia, combinada com possibilidades de produção e geração de renda, por exemplo. Abaixo estão algumas imagens de como estava esse espaço antes da ocupação. Além de ocioso, estava bastante deteriorado, acumulando lixo, sem cumprir a “função social da propriedade” (Art. 187 da Constituição Federal Brasileira de 1988, a Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) e a Medida Provisória 2.220/2001) – como é a realidade de muitos imóveis tanto públicos quanto privados, o que é um contraste com o exorbitante déficit habitacional existente – e servindo à especulação imobiliária, onde uma série de agentes sociais hegemônicos aguardam por uma valorização do bairro para, então, investirem em negócios altamente lucrativos à acumulação do capital.

24

Fonte: Todas as imagens (Figuras 1 a 4) são do Arquivo da Ocupação Quilombo das Guerreiras (2006).

E agora, após a ocupação, que completou 3 anos de existência e resistência em outubro de 2009, aqui estão algumas imagens (Figuras de 5 a 10) da OQG em que podemos ver claramente uma melhoria física do espaço, tanto interna, quanto externamente. Imagens como a portaria, um muro pintado pelas crianças mostrando através da toponímia uma identificação que se tem com o lugar vivido, mostrando alguns espaços coletivos, como o espaço formal de deliberação onde acontecem as assembléias nas quais o coletivo se reúne, o painel da ocupação que contém o regimento interno, um espaço destinado ao funcionamento de uma cooperativa de produção e geração de renda inserindo-se num circuito econômico alternativo, e a biblioteca da ocupação com um computador, são exemplos não apenas de reestruturação, ainda que em escala diminuta, da dimensão material do espaço e da interferência das práticas espaciais realizadas pelos ativistas com o objetivo de alterar a organização apriorística daqueles espaços. O próprio significado que tais exemplos têm nos mostra um forte desejo de criar oportunidades de formação cultural, integração às novas tecnologias – ainda que muito timidamente –, sobretudo das crianças e jovens envolvidos em tais espaços, ampliando também as oportunidades de inserção na sociedade através de um ambiente propício à conscientização.

25

Fonte: Todas as imagens (Figuras 5 a 10) são do Arquivo da Ocupação Quilombo das Guerreiras (2006).

26

Em termos de organização política, a forma de gestão de seus espaços sem a presença de coordenadorias assume um caráter fortemente horizontal e caracteriza-se pelo comprometimento com princípios autogestionários na luta contra a violência, por trabalho, moradia e cultura. As assembléias do coletivo de moradores são investidas de poder deliberativo, proporciona o envolvimento dos moradores nas discussões e decisões tomadas pelo coletivo com uma intensificação das relações entre os moradores das ocupações, que se encontram ativamente envolvidos nas atividades realizadas em tempos formais (como no cumprimento de uma carga horária mensal “tirando portaria” na Quilombo das Guerreiras, que funciona como um espaço de convivência, “onde há trocas de informações e compartilhamentos diversos” [ALMEIDA, GRANDI e MOREIRA, 2009], ainda que sejam espaços de tensão onde se cumpre um trabalho para o coletivo da ocupação) e informais (como nos corredores e escadas). Quando os moradores da Quilombo das Guerreiras “tiram portaria” eles contribuem não apenas para uma vigilância e segurança interna da ocupação, como também no controle dos conflitos que acontecem do lado de fora, melhorando, inclusive, o entorno da ocupação – que, segundo dados informais, teve uma redução da quantidade de assaltos. A possibilidade de geração de renda através de uma cooperativa de produção de chinelos na ocupação Quilombo das Guerreiras, inserida num circuito alternativo ao próprio sistema capitalista e à lógica do mercado, através do desenvolvimento de atividades de economia popular urbana, levado pelos moradores da ocupação, é um modo de organização e gestão estimulador de solidariedade e cooperação entre os sem-teto, com a construção de novas formas de relacionamento e de sociabilidade, para além da questão estrita da sobrevivência, de terem aquele espaço como substrato material para a moradia Isso evidencia a dimensão político-pedagógica garantida em um espaço autônomo (SOUZA, 2007:146), como essa ocupação tem se esforçado para ser. Sua organização espacial (conforme Figura 11) caracteriza-se por uma composição entre espaços privados, que são os “apartamentos” onde os sem-teto dormem e moram, e espaços coletivos, como a varanda, a biblioteca, a cozinha, o espaço de produção, a portaria e os salões onde se reúnem e as crianças brincam. 27

Estes espaços coletivos são compartilhados e dotados de significações por seus moradores. Abaixo demonstramos em um croqui essa espacialização.

Figura 11

É interessante notar que as práticas e a organização espaciais influenciam as e são diretamente influenciadas pelas práticas políticas dos moradores e ativistas. Um exemplo disso é o espaço das assembléias de moradores - instância máxima de

28

deliberação das ocupações -, cujo caráter horizontal não apenas reflete a projeção dos atores nele envolvidos (projeção que é manifesta através de formas, arranjos e interações espaciais) como também propicia algumas condições para uma ampliação da consciência de direitos e a prática da democracia direta, apontando para ganhos de autonomia individual e coletiva (e, potencialmente, colaborando com melhorias na qualidade de vida e com a conquista de novos direitos e liberdades, bem como com a luta por justiça social na cidade, fatores decisivos de um autêntico desenvolvimento sócio-espacial). Essas assembléias são reunidas semanalmente, onde são colocadas e discutidas todas as questões referentes ao dia-a-dia dos sem-teto, envolvendo estratégias de melhoria das relações sociais que ali se dão, de manutenção da ordem dentro da ocupação e das conquistas do movimento social.

2.2 Trabalhando os dados: Características dos Sem-Teto

Apresentaremos algumas características bem gerais dos sem-teto da ocupação Quilombo das Guerreiras e outras questões em que aprofundaremos um pouco mais a discussão – questões relativas à moradia anterior à ocupação, trabalho e renda.

2.2.1 Composição dos moradores

A ocupação compõe-se por 51 moradores maiores de 18 anos, além das crianças (que não foram incorporadas nesta pesquisa). A maioria dos moradores é composta por mulheres (em quantidade de 26), conforme Gráfico 1, reforçando a simbologia a que remete a toponímia da ocupação – conforme discutido por TEIXEIRA (2009).

29

Gráfico 1

Composição por sexo

25

26

Feminino Masculino

Apresentamos no Gráfico 2 a distribuição da quantidade de filhos por pessoa, porém ressaltamos que nem todos os filhos dos entrevistados residem na ocupação. Sendo assim, 20 pessoas não têm nenhum filho, 18 pessoas têm de 1 a 3 filhos, 9 pessoas têm de 4 a 5 filhos e 4 pessoas têm de 6 a 8 filhos. Calculamos, através da fórmula da “média frequencial” verificada abaixo, a média de filhos por entrevistado, que resultou em 1,98 filhos por sem-teto – número esse que está abaixo da média nacional, que era de 2,39 filhos por mulher em 2000, segundo dados do Censo (IBGE, 2000). k

Σi f i∗xi i =1

X=

-------------------k

Σi

fi

, onde:

k: Total de classes; fi: Freqüência da classe;

i =1

xi: Valor da classe; k Σ f i : Total de observações (n). i=1

30

Quantidade de filhos por sem-teto

Gráfico 2

4

6 a 8 filhos

9

4 a 5 filhos

18

1 a 3 filhos

20

Nenhum filho

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

2.2.2 Idade

A idade dos moradores varia, sobretudo, na faixa entre 34 a 50 anos (25 pessoas), demonstrando que compõem uma população adulta, conforme verificado no Gráfico 3. Faixa etária

Gráfico 3

11

Não respondeu 3

61 a 70 anos

5

51 a 60 anos

13

41 a 50 anos 12

34 a 40 anos 3

26 a 33 anos

4

18 a 25 anos 0

2

4

6

8

10

12

14

31

2.2.3 Naturalidade

A maior parte dos moradores é natural das regiões Sudeste e Nordeste, sobretudo dos estados do Rio de Janeiro (14 pessoas) e da Paraíba (5 pessoas), como visto no Mapa 2.

Mapa 2

32

2.2.4 Cor

No que se refere à cor, a maioria dos moradores autodeclarou-se parda (16 pessoas), seguindo a cor branca (10 pessoas) e negra (9), dentre outras cores, conforme podemos verificar no Gráfico 4. Cor auto-declarada

Gráfico 4

2

1 1 1 1

Parda Branca

2

16

Negra Morena

3

Preta Escura 5

Morena clara Morena mulata Morena parda 9

10

Branca clara Não declarada

2.2.5 Educação

Dentre o universo de moradores que respondeu à questão sobre o nível de escolaridade (34 pessoas), vemos que a maior parte (15 pessoas) tem o Ensino Fundamental Incompleto. Em seguida, temos um salto para aqueles que têm o Ensino Médio Completo (totalizando em 12 pessoas). 4 pessoas têm o Ensino Fundamental Completo e 3 pessoas têm o Ensino Médio Incompleto – conforme mostra o Gráfico 5. Dentro os que completaram o Ensino Médio, apesar de não constar no gráfico, uma pessoa tem o Ensino Técnico. Nenhum dos moradores, até a data da pesquisa, tiveram acesso ao Ensino Superior.

33

Grau de escolaridade

Gráfico 5

12 17

3

EMC EMI EFC EFI Não respondeu

4 15

2.2.6 Trabalho e rendimento A situação profissional dos sem-teto da ocupação Quilombo das Guerreiras revela-nos o grau de precariedade em que vivem: 22 pessoas trabalham por conta própria, sobretudo como camelôs, seguindo de 17 pessoas assalariadas, alguns desempregados, aposentados/pensionistas e pessoas que não trabalham – conforme Gráfico 6. E, mesmo entre os assalariados, são poucos os que têm Carteira de Trabalho assinada (ou que contribuem com o INSS) – conforme a Tabela 1.

34

Gráfico 6

Situação profissional

6 3

Assalariado Trabalhador por conta própria Aposentado/Pensionista Desempregado Não trabalha

17

3

22

Tabela 1 Situação profissional

Assalariado

Trabalhador por conta própria

com CTPS sem CTPS com INSS sem INSS

Quantidade de pessoas

12 4 2 19

Desempregado

3

Não trabalha

6

Funcionário público

1

Para termos uma noção do que fazem os sem-teto, colocamos a Tabela 2 com a função profissional que exercem e a quantidade de pessoas envolvida na mesma função.

35

Tabela 2

Função profissional:

Quantidade de pessoas

Ascensorista

3

Agente de viagem

1

Ambulante Atendente Auxiliar de portaria Auxiliar de Serviços Gerais Balconista Bombeiro Hidráulico Camareira Chefe de cozinha Churrasqueiro Cozinheiro

1 1 1

Diarista em companhia de limpeza

3 1 1 1 1 2 2 1

Doméstica Dona de casa Emissora de Passagens Faxineira Funcionário Público Garçom Estoquista

2 3

Operadora de Caixa

1

Pedreiro Porteiro Professora Recreadora Servente de obras Pipoqueiro Flanelinha Guia turístico Hotelaria Informática Vendedor Camelô Não respondeu

3 1 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 7

1 1 1 2 1

36

Percebemos que boa parte dos sem-teto está envolvida no setor informal do trabalho, exercendo funções profissionais bastante estigmatizadas e, na maioria das vezes, de baixa remuneração e mesmo estabilidade, comprometendo, assim, planejamentos mensais sobre como utilizar os recursos financeiros e a própria forma de arcar com os custos mais básicos de sobrevivência. Apesar de a maioria das pessoas (24 pessoas) terem permanecido trabalhando na mesma atividade de antes de irem para a ocupação, muitos dos sem-teto (23 pessoas) mudaram de atividade a partir da moradia na ocupação, conforme verificamos no Gráfico 7. Gráfico 7

Trabalhava com a mesma atividade antes de vir para a ocupação?

2

1

24 23

Sim Não Não respondeu Nunca Trabalhou

Conforme vemos no Gráfico 8, a maior parte dos sem-teto (29 pessoas) possuem rendimento fixo, mas também boa quantidade (17 pessoas) têm rendimento variável, não possuindo grau suficiente de segurança no trabalho e subordinando-se às oscilações de rendimento que dificultam um planejamento mensal, por exemplo.

37

Seu rendimento é fixo?

Gráfico 8

5

17

29

Sim Não Sem rendimento

O Gráfico 9 nos mostra que a faixa de rendimento em que se concentra a realidade da maior parte dos moradores da OQG (17 pessoas) é de 0 a 1 salário mínimo (o equivalente a R$ 465,00 mensais) e, em seguida, a faixa de 1 a 2 salários mínimos (concentrando 13 pessoas). Este dado é bastante relevante ao pensarmos nas supostas “políticas de habitação” para a população de baixa renda, que não contemplam a situação financeira que os sem-teto, por exemplo, realmente vivem. Muitos dos programas de financiamento para imóveis exigem uma renda mínima de 3 salários mínimos, o que é muito distante da realidade vivida, inclusive porque são raros os que têm comprovação de renda justamente por essa flutuação da renda.

38

Qual é a sua faixa de rendimento?

Gráfico 9

17

17

0 a 1 SM (até R$ 465) 1 a 2 SM (R$ 465 até R$ 930) 2 a 3 SM (de R$ 930 até R$ 1395) 3 a 4 SM (R$ 1395 até R$ 1860) Não respondeu

1 3 13

E, conforme vemos no Gráfico 10, para a maioria (32 pessoas), a renda que obtém é a única da casa – vale lembrar que entrevistamos todas os moradores, mesmo os que moravam na mesma “casa”, ou seja, ocupavam o mesmo “apartamento” dentro da ocupação. Para 16 pessoas a renda que mencionaram na questão acima não é a única da casa e as mesmas disseram que 2 pessoas trabalham na casa (elas próprias e mais uma pessoa, seja marido, esposa, filho ou filha, enteado ou enteada ou a mãe – conforme as respostas que os próprios entrevistados nos forneceram).

39

Gráfico 10

Sua renda é a única da casa?

1

2

Sim Não Sem rendimento Não respondeu

16

32

Ao argüirmos se o rendimento dos sem-teto havia sofrido alteração com a ida para a ocupação, 35 pessoas responderam que sim. 13 pessoas disseram que não sofreu alteração e apenas 3 não responderam à questão, conforme verificado no Gráfico 11.

Gráfico 11

Seu rendimento sofreu alteração com a ida para a ocupação?

3

13

Sim Não Não respondeu 35

40

Para avaliarmos se a alteração foi positiva ou negativa nos rendimentos, pedimos que os entrevistados qualificassem essa mudança. O resultado foi o seguinte, conforme o Gráfico 12: 30 pessoas disseram que seus rendimentos aumentaram com a ida para a ocupação, ao passo que 6 pessoas disseram que tiveram os rendimentos reduzidos e 15 pessoas falaram que não tiveram alteração em seus rendimentos. Fazendo um balanço desses dados, vemos que, em alguma medida, a ida para a ocupação proporcionou ganhos materiais aos sem-teto. Gráfico 12

Seu rendimento sofreu alteração com a vinda para a ocupação?

15

30

Aumentou Diminuiu Não sofreu alteração

6

Considerando a localização estratégica da Ocupação Quilombo das Guerreiras, perguntamos se esta interferiu nas interações espaciais dos sem-teto. Sabendo que as interações espaciais mais intensas por eles praticadas são as que agregam os itinerários entre casa (a Ocupação) e trabalho. Assim, todas têm origem no bairro de Santo Cristo, um bairro considerado como bastante centralizado pela maior parte dos sem-teto no que concerne à facilidade de locomoção para os demais bairros da cidade, principalmente por localizar-se nos arredores de uma rodoviária (Rodoviária Novo Rio). Bem servidos de meios de transporte e com a Ocupação posicionada próxima aos principais locais de trabalho, mapeamos os fluxos entre casa  trabalho (Mapa 3) para termos uma noção da escala de deslocamentos realizada pelos sem-teto da OQG e para começarmos a avaliar em que medida a espacialidade da ocupação interfere em seu trabalho. 41

Mapa 3

42

Reiterando o que foi exposto acima, 44 pessoas disseram que o fato de morar no Centro interfere positivamente em seu trabalho, ajudando tanto à montante (quando da obtenção de um emprego), quanto à jusante (facilitando a mobilidade espacial e reduzindo gastos com passagens para os deslocamentos de casa para o trabalho e vice-versa). Ninguém disse que atrapalha e poucos (3 pessoas)responderam que a posição da ocupação na cidade é indiferente no que se refere à interferência no trabalho, conforme vemos no Gráfico 13.

O fato de morar no centro interfere no seu trabalho?

Gráfico 13

0

4 3

Ajuda Atrapalha Indiferente 44

Não respondeu

Resgatando o fator de gastos com passagem que mencionamos anteriormente, perguntamos aos sem-teto se utilizam meios de transporte para locomoção para o trabalho (Gráfico 14). O resultado nos mostra que a maioria (30 pessoas) utiliza transporte público para trabalhar e 19 não utilizam, valendo-se de outros meios para o deslocamento, como ir a pé ou de bicicleta, pela proximidade do local de moradia com o local de trabalho.

43

Gráfico 14

Utiliza transporte público para trabalhar?

2

Sim Não Não respondeu

19

30

Comparando os gastos atuais (Gráfico 16) com deslocamento de casa ao trabalho e do trabalho de volta para casa com os gastos anteriores à moradia na ocupação (Gráfico 15), obtivemos o seguinte quadro, conforme verificado nos dois próximos gráficos: antes, 11 pessoas não gastavam nada para esse trajeto, hoje esse número aumentou para 21 pessoas; na situação anterior à ocupação, 12 pessoas gastavam apenas 2 passagens de casa ao trabalho (uma de ida e uma de volta), hoje esse número é de 21 pessoas; antes, 9 pessoas gastavam 4 passagens (2 conduções de ida e 2 de volta) para fazerem esse percurso, e hoje esse número diminuiu para 2 pessoas; antes, 5 pessoas gastavam 6 passagens de casa para o trabalho (3 de ida e 3 de volta), e hoje ninguém mais gasta essa quantidade de passagens. Vemos, portanto, que houve uma redução substancial de gastos com esse tipo de deslocamento e que tal fato possibilita que a renda obtida pelos sem-teto seja mobilizada para outras áreas de grande importância para sua sobrevivência e de seus familiares.

44

Quantas passagens gastava (antes de morar na ocupação) por dia para deslocamento de casa ao trabalho e do trabalho de volta para casa?

Gráfico 15 11 14

12

5

Não gastava nada 2 passagens 4 passagens 6 passagens Não respondeu

9

Quantas passagens gasta por dia para deslocamento de casa ao trabalho e do trabalho de volta para casa?

Gráfico 16 7 2 21

Não gasta passagem 2 passagens 4 passagens Não respondeu

21

Inquirimos também se os sem-teto costumam sair da cidade do Rio de Janeiro para trabalhar. O resultado, conforme verificado no Gráfico 17, apontou que a grande maioria (47 pessoas) não saem e apenas 4 pessoas saem esporadicamente para trabalhar em outros estados, na Região Serrana e na Região dos Lagos, o que

45

demonstra que os fluxos realmente concentram-se na Área Central da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Gráfico 17

Costuma sair do Rio de Janeiro para trabalhar?

4

Não Sim

47

2.2.7 Situação anterior de moradia No que se refere às condições de moradia anteriores à vida na ocupação, percebemos, primeiramente, que é praticamente igual a quantidade de pessoas que morava em bairros formais, também conhecidos como “asfalto” (21 pessoas) e em aglomerados subnormais, segundo a terminologia utilizada pelo IBGE para referir-se às “favelas” (20 pessoas), conforme Gráfico 18.

46

Onde morava antes?

Gráfico 18

9

22

Asfalto Favela Não respondeu

20

Destrinchando um pouco mais as condições anteriores de moradia, vemos que boa parte dos sem-teto moravam de aluguel (20 pessoas), em casa de parente (13 pessoas) ou em casa de cômodo (6 pessoas) – o que nos mostra uma situação de bastante precariedade de habitação sob a qual tais pessoas subordinavam-se –, conforme observamos no Gráfico 19. Em que tipo de habitação morava antes de ir para a ocupação?

Gráfico 19 1

3

3

4

6 21

Casa própria Casa alugada Casa de parente Cômodo Outra ocupação Abrigo do Estado Favor

13

47

Quando argüidos se consideravam o lugar em que moravam como violento ou perigoso, a maioria dos entrevistados (30 pessoas) disse que sim, conforme verificado no Gráfico 20. Ao cruzarmos com os dados anteriores, sobre a localização e a situação da moradia anterior, vemos que eles viviam em circunstâncias de grande vulnerabilidade, perigo. O lugar onde morava antes era violento ou perigoso?

Gráfico 20

21 Sim Não 30

Analisando as falas das entrevistas para a questão “Por que optou por morar em uma ocupação de sem-teto?”, destacamos que a atração por alguns elementos e a repulsa por outros nos dão uma imagem das condições de vida dos moradores antes da ocupação, evidenciando que tais pessoas encontravam-se em situações de vida bastante precárias. Os principais motivos que levaram as pessoas a irem para a ocupação são:  Necessidade de estar no Centro  As principais justificativas para essa questão foram: a proximidade ao local de trabalho, o acesso aos serviços e equipamentos urbanos, a facilidade de arranjar emprego (visto que nenhum empregador quer pagar mais do que duas passagens diárias aos seus empregados e tampouco fica satisfeito com possíveis atrasos por conta dos

48

congestionamentos muito comuns dos longos deslocamentos), os menores gastos diários com passagem para o deslocamento para o trabalho;  Falta de condições financeiras para pagar aluguel  Devido aos baixos rendimentos familiares provenientes das situações precárias de trabalho de grande parte dos moradores, muitos alegam não ter recursos financeiros suficiente para locarem espaços para moradia. Antes da ocupação, muitos viviam de aluguel e os salários recebidos, que já eram baixos, sequer davam conta dos gastos com alimentação, saúde e educação para os filhos, que dirá de lazer. Observamos também através das entrevistas, aliado a essa questão, um desejo de ter uma moradia “sua”, ou seja, sem se pagar por um espaço que pertence a outrem ou viver “de favor”, onde fica bastante clara a necessidade de se “ter um espaço” e a esperança de uma “casa própria”;  Repulsão de espaços considerados violentos pela territorialização do tráfico de drogas ou dominados pela milícia (favelas e Baixada Fluminense);  Luta do povo  Engajamento político pela identificação com a luta coletiva e com a causa pela moradia digna;  Falta de outra opção e ocupação como única alternativa viável de moradia sem ser a rua; Outros motivos como problemas familiares, problemas de saúde e psíquicos, casamento, filhos etc. também foram mencionados, porém são pouco representativos.

2.2.8 Situação atual de moradia Fazendo um paralelo com as condições de moradia atuais na ocupação, o Gráfico 21 mostra que a maioria (50 pessoas) não a considera como um lugar violento ou perigoso (e, é válida uma observação, a pessoa que disse considerar a ocupação um lugar violento ou perigoso complementou sua resposta com a seguinte fala: “Qualquer lugar do Rio de Janeiro é perigoso, dentro da ocupação ou não” – demonstrando que a situação de vulnerabilidade ao perigo ou à violência é generalizada na cidade). 49

Gráfico 21

Considera a ocupação um lugar violento ou perigoso?

1

Sim Não

50

Outro dado de que dispomos é relativo à satisfação ou não com a vida na ocupação por parte dos sem-teto. A maior parte (47 pessoas) afirma estar satisfeita com a vida na ocupação, conforme o Gráfico 22. Isso nos mostra que, também no plano subjetivo, podem ter havido ganhos de qualidade de vida, à medida que a percepção de um lugar vivido e compartilhado mudou. E quando falamos aqui em qualidade de vida referimo-nos não a uma grandeza mensurável – o dinheiro ou o status social –, mas englobando dimensões que não podem ser simplesmente adquiridas pelos indivíduos no mercado e que interferem em seu bem-estar.

50

Gráfico 22

Você está satisfeito com a sua vida na ocupação?

3

1

Sim Não Mais ou menos

47

Apontando alguns elementos a fim de que possamos entender em que medida a moradia em uma ocupação pode alterar o cotidiano dos atores ali envolvidos, interferindo junto às suas práticas espaciais e contribuindo para ganhos de autonomia individual e coletiva – que, por sua vez, implicam mudança social positiva – e, portanto, para o desenvolvimento sócio-espacial, perguntamos se a vida dos sem-teto mudou com a ida para a ocupação. A maior parte (48 pessoas) disse que sim, conforme vemos no Gráfico 23.

Gráfico 23

Sua vida mudou com a ida para a ocupação?

3

Sim Não

48

51

Aos que responderam “sim” à pergunta acima, foi questionado em que grau houve mudança na vida deles com a ida para a ocupação. A maioria (34 pessoas) respondeu que a vida mudou muito, conforme o Gráfico 24, alterando bastante seu cotidiano, tanto material quanto imaterial. Gráfico 24

Sua vida mudou com a vinda para a ocupação?

4 4

Muito Médio

7

Pouco Não respondeu 34

Buscando saber o que de fato mudou na vida dos sem-teto, classificamos as respostas ao questionamento e obtivemos a seguinte relação, categorizada em duas realidades (objetiva e [inter]subjetiva), conforme listamos a seguir, e que nada mais é do que uma síntese de muitos dos dados que já foram apresentados em gráficos:

 Realidade objetiva: -

alteração nos rendimentos e redução de gastos;

-

menores custos com deslocamento para o trabalho;

-

maiores chances de obtenção de emprego e renda;

-

maior mobilidade urbana;

-

maior acesso aos serviços, equipamentos e à infra-estrutura urbana.

 Realidade (inter)subjetiva: -

bem-estar no lugar vivido (tanto no plano individual quanto coletivo), com menos insegurança do que anteriormente; 52

-

opção não apenas por uma luta coletiva, mas pela vida propriamente coletiva: construção e compartilhamento de imagens espaciais, desmistificando o que é ser morador de uma ocupação de sem-teto (o que, inicialmente, para alguns deles próprios era algo bastante estigmatizado).

Tudo isso tem relação intrínseca com o olhar que os sem-teto têm sobre a importância de uma moradia digna na Área Central da cidade. Quase todos os moradores consideram importante a moradia no Centro, como vemos no Gráfico 25, e, a título de demonstração dessa valorização da Área Central, selecionamos algumas falas dos entrevistados que ilustram essa questão e também os vínculos e identificações que se têm com o bairro em que moram, bem como o valor que dão à sua própria presença ali, simbolizando uma revitalização sem aspas do bairro. Gráfico 25

Acha importante a moradia no Centro da cidade?

1

Sim Não

50

“Porque a passagem lá pra cima é cara! Patrão não quer pagar passagem.” (Chrislane, 45 anos)

“É mais calmo, não tem muita violência. É mais perto de tudo, quem mora na Baixada vem trabalhar aqui.” (Célio, 50 anos)

“Nas empresas não se quer dar mais de 2 passagens. E o tempo de trânsito pode ser investido em descanso. E a moradia precisa ser na cidade: o Centro não pode ficar abandonado.” (Caíque, 38 anos)

53

“Muito importante! Se oferecessem casa em Sepetiba, minha luta seria em vão; pra mim não tem sentido. Morar lá em cima é muito dificultoso. A minha vida é toda no centro, médico sempre foi aqui! Eu não abro mão de morar aqui no centro." (Cibele, 48 anos)

“Tem mais jeito da gente viver. A gente cata uma latinha, vende um docinho, um cafezinho... Tem mais oportunidades pra se viver.” (Selena, 68 anos)

“É onde tem vida. Tudo é a partir do Centro. Tudo é muito mais prático, acessível. Tem mais possibilidade de outros tipos de renda!” (Rogério, 43 anos)

“Fui nascido e criado aqui. Nasci na Saúde e brinquei muito na rua.” (João, 70 anos)

“É onde tem vida. Tudo é a partir do Centro. Tudo é muito mais prático, acessível. Tem mais possibilidade de outros tipos de renda!” (Rogério, 43 anos)

Consideramos relevante termos uma noção de quantos dos entrevistados participaram do processo de ocupação e há quanto tempo os demais sem-teto estão vivendo na ocupação, pois o fator histórico influencia bastante as percepções e o compartilhamento de ideais e de vínculos com o coletivo e com o próprio lugar de moradia. Assim, verificamos que 24 pessoas participaram do processo de ocupação e estavam lá (na data de realização das entrevistas) há 2 anos e 9 meses. Porém, a maior parte (26 pessoas) não participou do processo de ocupação, conforme demonstramos no Gráfico 26. O tempo de moradia varia de 4 meses a 2 anos e 7 meses, mas a maior frequência é daqueles que estão há mais de 2 anos na ocupação.

54

Participou do processo de ocupação do prédio?

Gráfico 26

1

Sim Não Não respondeu

24 26

Perguntamos também se, caso surgisse uma oportunidade, os sem-teto deixariam a ocupação. Esta, a princípio, era uma questão objetiva. Porém, frente às respostas dadas nas entrevistas, não tivemos como contabilizar quantitativamente o resultado da mesma, pois a maior parte das respostas eram condicionais, iniciando-se pela fala “- Só se...”. Então, para tentar esclarecer tal questionamento, selecionamos algumas falas dos sem-teto que nos mostram a identificação que os mesmos têm com o coletivo da ocupação e o lugar vivido, que é dotado de significações. “Só se ganhasse na loteria. Trabalhando é impossível de morar no Centro, mesmo pagando aluguel. E morar no Centro sempre foi meu sonho! Eu não troco aqui!“ (Cibele, 48 anos)

“Gostaria de ficar aqui!” (Antenor, 38 anos)

“Não deixaria, porque isso aqui é uma conquista nossa.” (Jamile, 34 anos)

“Se fosse um lugar bom igual aqui... Mas o bom mesmo é ficar aqui.” (Raí, 38 anos)

“Só junto com o coletivo.” (Rosângela)

“Não. É preciso resistir até o final!” (Rogério, 28 anos)

“Só se fosse para manter o coletivo da ocupação unido, mesmo que em outro lugar.” (Valdemar, 38 anos)

55

Destrinchando esse vínculo com o coletivo da ocupação, verificamos que são pouquíssimos os entrevistados (apenas 4 pessoas) que trabalham junto (em sociedade) com algum outro morador da ocupação, conforme o Gráfico 27. Gráfico 27

Trabalho junto (em sociedade) com alguém da ocupação?

4

Não Sim

47

No entanto, muitos (40 pessoas) expressaram o desejo de desenvolver a economia solidária na ocupação, trabalhando em uma cooperativa autogerida pelos próprios moradores da ocupação – conforme o Gráfico 28. Gostaria de trabalhar em uma cooperativa gerida pelos próprios moradores da ocupação?

Gráfico 28 11

Não Sim

40

56

Selecionamos também algumas das falas que justificam essa vontade de desenvolver uma atividade com os próprios moradores da ocupação e trabalhar que, assumindo riscos, custos e benefícios, só reiteram a força da identidade sócio-espacial do e com o coletivo e demonstram uma preocupação com a construção de novas formas de relacionamento entre as pessoas, para alem da questão estrita de sobrevivência individual (SOUZA, 2007:146).

“Sobrevivência passa a ser coletiva” (Robson, 58 anos)

“Facilitaria pois poderia tomar conta dos filhos e trabalhar, tudo no mesmo lugar.” (Raíssa)

“Melhor para o prédio, para o coletivo. Sem o coletivo não temos nada!” (Ângelo, 38 anos)

“Pois é um modo de trabalhar com um ajudando o outro coletivamente e trabalhando.” (Gabriel, 23 anos)

“O trabalho quando é em grupo rende mais. A convivência é importante, se aprende muito. “Ninguém é dono da verdade, cada pessoa tem uma maneira de enxergar a vida.” (Mara, 54 anos)

57

CAPÍTULO 3 CONTRIBUIÇÕES DA VIDA COLETIVA NAS OCUPAÇÕES PARA MUDANÇAS SÓCIO-ESPACIAIS POSITIVAS

3.1 “O que mudou em sua vida?”: A importância da moradia em ocupações no Centro

O que vimos no capítulo anterior a respeito da Ocupação Quilombo das Guerreiras é, na verdade, um retrato bastante fiel das condições de vida, moradia e trabalho e das características da população pobre encontrada, sobretudo, nas metrópoles brasileiras, caracterizada pela hiperprecarização social. Ao contrário do que o senso comum declara, a questão da moradia em Áreas Centrais não se dá visando maior conforto. Não se trata de vagabundos que desejam regalias, como a de morar próximo ao local de trabalho, mas sim, prioritariamente, de uma questão de sobrevivência e de ausência de outras possibilidades. Os centros urbanos agregam a maior diversidade de atividades, serviços e infra-estrutura social, sendo investidos das maiores ofertas de emprego e das possibilidades de ingresso no mercado de trabalho, seja ele o mercado formal ou mesmo o informal. Uma acessibilidade real deve ser garantida a todos, sobretudo àqueles que menos são providos de bens e recursos. Trata-se de justiça social, como já abordamos em capítulos anteriores. Frente ao déficit habitacional (estimado em 149.200 domicílios no município do Rio de Janeiro no ano de 2000 pelo IBGE) e à crescente parcela da população que faz parte da demanda não-solvável (ou seja, que não possui poder aquisitivo para adquirir legalmente uma moradia), confronta-se o grande estoque de domicílios vagos (estimado em 223.479 domicílios no município do Rio de Janeiro no ano de 2000 pelo IBGE) – muitos dos quais servindo à especulação imobiliária (MOREIRA, 2009). Diante desse fato, questiona-se: por que não ocupar prédios sem serventia social, abandonados e deteriorados há anos, de proprietários que não têm interesse em neles investir ou dar um uso adequado para fazer valer sua função social? Prédios esses de localização extremamente estratégica, utilizados como reserva de valor diante de uma possível (e bem próxima) valorização, afinal de contas uma série de 58

projetos de intervenções urbanas tem sido anunciada como resultado de uma integração entre as esferas municipal, estadual e federal do governo e de diversas parcerias público-privadas (public-private partnerships – à semelhança dos Business Improvement Districts estadunidenses), onde, segundo HARVEY (1996), há a criação de um “clima favorável aos negócios”, significando que o setor público arca com os riscos e o privado fica com os lucros. No processo de produção do espaço urbano carioca, o projeto de “revitalização” da Zona Portuária e do Centro do Rio de Janeiro (discutido já há muitos anos, mas somente agora viabilizado pelas “operações urbanas consorciadas”) – intitulado “Projeto Porto Maravilha” – já vem se materializando através de ações que visam promover, primeiramente, uma “gentrificação” de certas áreas para possibilitar investimentos na criação de novos espaços urbanos. Tais ações são subservientes ao capital especulativo, em detrimento da população de baixa renda que ocupa as áreas-alvo de intervenção, e geram um alavancamento do processo de acumulação pela valorização imobiliária. Em contrapartida, por meio da transformação do uso e da finalidade de espaços de modo a contemplar as necessidades imbricadas na territorialização dissidente, animada pela bandeira da reforma urbana, realizada “de baixo para cima”, muitas outras mudanças sócio-espaciais têm sido estimuladas. Comparando a situação dos sem-teto anterior à ocupação com a posterior, podemos destacar alguns aspectos que representam melhoria da qualidade de vida e aumento da justiça social. Um deles, acerca da origem espacial dos ocupantes, nos revela que muitos dos moradores vieram de áreas consideradas como violentas e perigosas, onde a repressão dos traficantes de drogas que operam no varejo, de milícias e da polícia era (e, na maioria dos casos, segue sendo) bastante severa. Tinham poucas interações com outras comunidades e com o “asfalto” (a chamada “cidade formal”) e viviam sob o império do medo e da insegurança – o que trazia mal-estar e, em alguns casos, até mesmo problemas de saúde (como doenças psicossomáticas – como abordado em SONODA, 2009). Outros vieram de áreas da periferia urbana, onde, além da distância do local de trabalho, do acesso à saúde, à cultura e à educação, sofriam com a falta de infra-estrutura física, além dos grandes gastos em termos de tempo de deslocamento para o trabalho e em termos financeiros (às vezes 4 ou 6 passagens por dia com transportes). Consideramos que esses são problemas 59

ambientais, à medida que estão inseridos em ambientes socialmente construídos, onde: “(...) problemas de falta de saneamento básico nos espaços urbanos pobres e segregados são problemas urbanos primários e, ao mesmo tempo, problemas ambientais. (...) Os problemas ambientais são todos aqueles que afetam negativamente a qualidade de vida dos indivíduos no contexto de sua interação com o espaço, seja o espaço natural (estrato natural originário, fatores geoecológicos), seja, diretamente, o espaço social.” (SOUZA, 2005:116, 117)

A saída desses espaços inseguros para a convivência de famílias e/ou para a organização política e a ida para a ocupação Quilombo das Guerreiras, localizada no Centro, representa, em primeiro lugar, em termos de proximidade, deslocamentos para o local de trabalho em menos tempo e com menor custo de transportes (2 passagens por dia ou deslocamentos a pé e de bicicleta) – já que grande parte dos sem-teto trabalha no setor informal como vendedores ambulantes e camelôs – e também facilitando o acesso mais equitativo aos equipamentos culturais e à infraestrutura urbana. Em segundo lugar, saindo de uma situação de enclaves territoriais, onde imperam mais claramente o medo e a insegurança, eles saem de uma situação de passividade para uma situação onde sua participação é fundamental na deliberação do próprio nómos da ocupação e na luta pela manutenção daquele espaço construído coletivamente. A prática política formal fortemente horizontalizada e nãohierarquizada privilegiada pela ocupação de sem-teto que é o objeto do nosso estudo, cuja gestão se dá através de princípios autogestionários, admite a democracia direta em seu sentido forte e intensifica as relações entre seus moradores, que se encontram ativamente envolvidos. Fornecendo ganhos para a autonomia – princípio organizador mais justo e o único verdadeiramente democrático –, tanto individual quanto coletiva dos sem-teto, essas ocupações fornecem também meios para uma melhoria da qualidade de vida dos

60

ativistas à medida que satisfazem às suas necessidades básicas, como, por exemplo, a de moradia, acesso ao trabalho e geração de renda, e as necessidades não-básicas. Almeida, Grandi e Moreira (2009) trabalham a dinâmica espacial autogerida da ocupação Quilombo das Guerreiras como vetor fundamental para a construção de novas relações sociais pautadas por significações imaginárias sociais distintas das atuais e destacam como os elementos da organização espacial interna dessa ocupação podem contribuir com reflexões a respeito de ocupações semelhantes encontradas na Área Central da cidade do Rio de Janeiro. Nesse sentido, o morador “se vê requisitado a participar da resolução dos conflitos e das deliberações do coletivo à medida que um processo político democrático no sentido forte que contribui para a formação de um individuo político” é realizado nessas ocupações – que nos oferecem fortes elementos, como vimos alguns aqui, não apenas para a desestigmatização sócio-espacial, à medida que há uma interferência nas imagens espaciais, seja no espaço, seja nos atores nele envolvidos. Mas que nos mostram a própria eficácia do squatting como estratégia de luta e de resistência, onde as mudanças sociais positivas são possibilitadas através do grau de autonomia do movimento, contrapondo-se à sociedade heterônoma da qual fazemos parte.

3.2 Breve avaliação da eficácia do squatting enquanto estratégia de luta dos semteto

Assim, queremos fazer uma breve proposta de avaliação das ocupações de sem-teto enquanto “laboratórios” de conscientização e organização para uma reforma urbana e, desse modo, pontuar algumas questões finais – demonstrando que tais práticas espaciais insurgentes por uma territorialidade autônoma fornecem contribuições ao desenvolvimento sócio-espacial. 1) Há, por meio da prática do squatting no Rio de Janeiro, uma clara redução de disparidades de infra-estrutura: à medida que uma parcela pobre da população apropria-se de uma área da cidade que é servida de infra-estrutura física e social, essas disparidades são reduzidas, diminuindo, assim, as disparidades sócio-esconômicoespaciais intra-urbanas existentes e latentes na metrópole carioca. 61

2) Mecanismos mais democráticos de planejamento e gestão da cidade são inseridos no seio de uma sociedade heterônoma: há a possibilidade de uma democracia radical e direta, pautada em princípios autogestionários onde quem ali vive controla e comanda coletivamente, por meio de normas estabelecidas e plenamente passíveis de revogação a qualquer momento, o próprio substrato espacial em que residem e compartilham. 3) A despeito do não cumprimento do IPTU progressivo, ao menos os sem-teto dão uma função social legítima às propriedades que estavam abandonadas ou ociosas à espera de valorização imobiliária da área – que tem chegado com o projeto Porto Maravilha – por meio de práticas espaciais insurgentes, promovendo, assim, uma coibição da especulação imobiliária. 4) Há uma contribuição para mudar as “imagens de lugar” (SOUZA, TEIXEIRA: 2009) e, assim, a própria organização espacial (entendida não somente pelo substrato material) e as próprias relações sociais: uma mudança sócio-espacial, que tem a ver não apenas com mudanças objetivas, mas também (inter)subjetivas, simbólicas, compartilhadas por meio de uma transformação também do olhar dos sem-teto sobre si e sobre o espaço ocupado, prenhe de significado de uma construção efetivada coletivamente, de lutas e conquistas sociais, agora agradável e aprazível para a maioria dos seus moradores. Assim, o sentimento de pertencimento, a identificação com o lugar vivido, contribuem também para uma melhoria da qualidade de vida dos semteto. Assim, vemos como o direito à moradia amplia também o sentido do direito à cidade e como tudo isso reitera a eficácia do squatting enquanto estratégia de luta dos sem-teto, onde os domínios do poder e do simbólico são tão importantes quanto a produção material do espaço (op cit). Gostaria de terminar este trabalho, citando a fala de uma moradora da ocupação Quilombo das Guerreiras durante uma exposição no Seminário “Moradia é Central”, realizado no auditório da Caixa Econômica Federal no dia 16/06/2009, que muito sintetiza as mudanças sócio-espaciais fomentadas, em um misto de sentimentos, desejos e sonhos que são desenvolvidos junto ao lugar de moradia e ao próprio modo de viver coletivamente na ocupação:

62

“Quando ocupamos um prédio não é para barganhar, pra ganhar uma casinha depois em Sepetiba... Mas é para morar! (...) A gente não troca aquele espaço por nenhum, né Cris?! A gente tem o sonho de ficar ali. (...) A gente que vem restaurando, a gente que vem limpando... (...) É um espaço que a gente quer ficar (...) É nesse coletivo que a gente quer viver. (...) A gente entrou pra edificar um lugar de qualidade. (...) Eu acho que isso é dar função social. (...) A gente vai brigar pra ficar ali, porque vai ficar muito bom (com a revitalização)! *risos+(...)”

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Rafael Gonçalves de. GRANDI, Matheus da Silveira. MOREIRA, Marianna Fernandes (2009): Oikos, Ágora e Ekklesía: Uma Introdução às Fronteiras, Pontes e “Áreas de Sombra” de um Espaço Ocupado (Ocupação Quilombo das Guerreiras – Rio de Janeiro). Cidades 9. Presidente Prudente: Expressão Popular. ABREU, Mauricio Almeida (1987): Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Iplanrio/Jorge Zahar Editor. CASTORIADIS, Cornelius. (1983 [1979]): Socialismo ou barbárie – O conteúdo do socialismo. São Paulo: Brasiliense. CHALHOUB, Sidney (1996). Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das Letras. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (1988). Rio de Janeiro: Gráfica Auriverde. LEI Nº 10.257, de 10/07/2001 (Estatuto da Cidade). Diário Oficial da União, Seção I (Atos do Poder Legislativo). Edição nº 133 de 110/07/2001. GIL, Antonio Carlos (1989): Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Editora Atlas. IBGE. Brasil já tem mais de 180 milhões de habitantes (Censo 2000) – Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_ noticia=207 KIDDER, Louise (org.) (1987a): Métodos de pesquisa nas relações sociais. Vol. I – Delineamentos de pesquisa. Sao Paulo: D.P.U. LYNCH, Kevin (1985): La buena forma de la ciudad. Barcelona: GG. AS. Medida Provisória 2.220/2001 MOREIRA, Marianna Fernandes (2007): Do déficit habitacional aos domicílios vagos: Dados e controvérsias. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Geografia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro. RODRIGUES, Glauco Bruce (2005): Geografias insurgentes: Um olhar libertário sobre a produção do espaço urbano através das práticas do movimento hip hop.

64

Dissertação de Mestrado - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós Graduação em Geografia, Rio de Janeiro, 2005. 329 p. SANSON, César (2008): O caráter da criminalização dos movimentos sociais no Brasil. In OSAL, Ano IX, Nº 24. Buenos Aires: CLACSO. SONODA, Katerine da Cruz Leal (2010): Violência urbana e mal-estar psíquico: Uma investigação com líderes comunitários residentes na cidade do Rio de Janeiro. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em psicologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro SOUZA, Marcelo Lopes de (2006a): Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 4ª ed. _______ (2006b): A prisão e a ágora: reflexões em torno da democratização do planejamento e da gestão das cidades. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. _______ (2007): ABC do Desenvolvimento Urbano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. _______ (2008): Fobópole: O medo generalizado e a militarização da questão urbana. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil. _______ (no prelo): Com o Estado, apesar do Estado, contra o estado: Os movimentos urbanos e suas práticas espaciais, entre a luta institucional e a ação direta. (Trabalho apresentado no XI SIMPURB, Brasilia, 2009). SOUZA, Marcelo Lopes de; TEIXEIRA, Eduardo Tomazine (2009): Fincando bandeiras, ressignificando o espaço: Territórios e “lugares” do movimento dos sem-teto. In Revista Cidades. (No prelo) THIOLLENT, Michel (2005): Metodologia da pesquisa-ação. 14ª Ed. São Paulo: Cortez. TUAN, Yi Fu (1983): Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. Sao Paulo: Difel.

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ANEXOS

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ANEXO 1 Roteiro de entrevista Autoria: Núcleo de Pesquisas sobre Desenvolvimento Sócio-Espacial – NuPeD / UFRJ Prof. Dr. Marcelo Lopes de Souza (coordenador) / UFRJ Amanda Cavaliere Lima – Graduanda em Geografia / UFRJ Daniel Monteiro de Jesus – Graduando em Geografia / UFRJ Marianna Fernandes Moreira / Matheus da Silveira Grandi / Rafael Gonçalves de Almeida – Mestrandos em Geografia / UFRJ Tatiana Tramontani – Doutoranda em Geografia / UFRJ

Data da entrevista: ___/___/___ Local: _____________________________________ Entrevistador: _______________________________ [ATENÇÃO! Esta pesquisa é exclusivamente para fins acadêmicos. A identidade do entrevistado será preservada. O entrevistado tem a liberdade de deixar de responder qualquer pergunta.]

1. Apartamento:________________

2. Idade:_____________________

Sexo:

F ( )

M ( )

3. Escolaridade: ( ) E. F. Incompleto ( ) E. F. Completo ( ) E. M. Incompleto ( ) E. M. Completo

Técnico? _______________________

( ) E. S. Incompleto ( ) E. S. Completo ________________________________

4. Cor auto-declarada: ____________________________ 5. Tem filhos? S ( ) N ( ) Quantos? _________________ 6. Naturalidade:

RJ ( )

Outro estado ( ) ____________________ 67

7. Município onde nasceu: Rio de Janeiro ( )

Outro ( ) ____________________

8. Você participou do processo de ocupação do prédio? S ( ) N ( ) 9. Mora há quanto tempo? _________________________

10. Onde morava antes de vir para a ocupação? 10a. ESTADO: ( ) RJ

( ) Outro:

_________________________________________________ 10b. CIDADE: ( ) Rio ( ) Outra: _______________________________________________________ 10c. BAIRRO: _______________________________________________________________________

10d. TIPO DE MORADIA: ( ) Abrigo do Estado ( ) Casa própria

( ) Favela

( ) Cômodo

( ) Casa alugada

( ) Asfalto

( ) Casa de parente

( ) Favor

( ) Rua

( ) Emprego

( ) Outra Ocupação 11. Por que optou por morar em uma ocupação de sem-teto? _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ 12. Você está satisfeito com a sua vida aqui na ocupação?

S ( )

N ( )

13. Se surgisse uma oportunidade você deixaria a ocupação? _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________

68

14. Onde você costuma permanecer mais tempo conversando aqui na ocupação? [PERGUNTA ABERTA] ( ) Portaria

( ) Calçada / Portão

( ) Sua casa

( ) Sala de reuniões

( ) Casa de outra pessoa

( ) Pátio externo do prédio

( ) Corredor do ___________ andar

( ) Outro ________________

15. Mencione três lugares da ocupação onde você se sente bem. [PERGUNTA ABERTA] ( ) Portaria ( ) Sua casa ( ) Casa de outra pessoa ( ) Corredor do ___________ andar ( ) Calçada / Portão ( ) Sala de reuniões ( ) Pátio externo do prédio ( ) Salão Preto ( ) Biblioteca ( ) Outro ________________

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16. Sua vida mudou com a vinda para a Ocupação? Muito ( )

Médio ( )

S ( )

N ( )

Pouco ( )

17. Você faz o trabalho doméstico da sua casa...

( ) ... TODO SOZINHO ( ) … AJUDO ( ) … TENHO AJUDA ( ) … NÃO FAÇO

18. Realiza algum trabalho para o coletivo da ocupação? S ( )

Que tipo? _______________________

N ( )

19. Na sua casa, quem frequenta as assembléias? ( ) ESPOSA ( ) MARIDO ( ) SOLTEIRO – H ( ) M ( ) ( ) FILHO – H ( ) M ( )

20. Acha importante a moradia no Centro da cidade?

S ( )

N ( )

Por quê? _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________

21. O lugar onde morava antes era violento / perigoso?

S ( )

N ( )

22. Considera a ocupação um lugar violento / perigoso?

S ( )

N ( )

23. Função profissional: _____________________

24. Trabalha em que atualmente? _____________________

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25. Qual a sua situação profissional atual? ( ) EMPREGADO COM CARTEIRA ( ) EMPREGADO SEM CARTEIRA ( ) DESEMPREGADO ( ) OCUPADO (“AUTÔNOMO”/ INFORMAL) ( ) FUNCIONÁRIO PÚBLICO ( ) APOSENTADO ( ) ESTUDANTE

26. Trabalhava com a mesma atividade antes de vir para a ocupação? S ( ) N ( ) Em quê? ___________________ 27. Trabalha quantas horas por dia atualmente? ________________ Turno: Manhã ( ) Tarde ( ) Noite ( )

28. Quantos dias por semana? _______________

29. Seu rendimento é fixo? S ( )

N ( )

( ) POR HORA ( ) POR DIA ( ) POR SEMANA ( ) POR QUINZENA ( ) POR MÊS ( ) POR SERVIÇO

30. Qual a sua faixa de rendimento?

( ) 0 a 1 S. M. ( ) 1 a 3 S. M. ( ) 3 a 5 S. M. ( ) + de 5 S. M.

31. Sua renda é a única da casa? S ( )

N ( )

Quantos trabalham?

_______________________________

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Quem? _________________________________________

32. Seu rendimento sofreu alteração após a vinda para a ocupação? S ( )

N ( )

Aumentou ( ) Diminuiu ( )

33. Em que local da cidade você trabalha atualmente? 33a. BAIRRO(S): ______________________________________________________________________ 33b. RUA(S): _______________________________________________________________________

34. O fato de morar no Centro interfere no seu trabalho? Ajuda ( )

Atrapalha ( )

Indiferente ( )

35. Você trabalha junto (em sociedade) com alguém da ocupação?

S ( )

N ( )

Em quê? _______________________________________________

36. Você gostaria de trabalhar em uma cooperativa gerida pelos próprios moradores e na própria ocupação? S ( )

N ( )

Por quê? _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________

37. Você utiliza transportes públicos para trabalhar?

S ( ) N ( )

38. Quanto gasta por dia (em dinheiro ou passagens)? _______________________________________________

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39. Quanto gastava antes de vir morar na ocupação (em dinheiro ou passagens)? __________________________

40. Costuma sair do Rio para trabalhar?

S ( )

N( )

ONDE? _________________________________

41. Onde você costuma fazer compras? BAIRRO: __________________________________________________

42. Costuma comprar no camelô:

( ) SEMPRE ( ) MUITAS VEZES ( ) ALGUMAS VEZES ( ) POUCO ( ) NUNCA

43. Ficou incomodado com algum questionamento? _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ ____________________________

44. Você gostaria de dizer algo que não foi perguntado? _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ ____________________________

45. Observações adicionais do entrevistador: _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ ____________________________

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