O que nos ensina a(s) África(s)

May 31, 2017 | Autor: Pablo Rodrigues | Categoria: African Studies, Africa, Jean Paul Sartre, Kabengele Munanga, Alfredo Bosi
Share Embed


Descrição do Produto

Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro, 29 de Abril de 2015.
Aluno: Pablo Baptista Rodrigues – DRE: 11120197 – Turma: LED
Disciplina: Poesia Africana
Professora:

O que nos ensina a(s) África(s)

Com os atuais recursos tecnológicos, não há alguém que não tenha observado o mapa do globo terrestre e identificado o continente em que habita. Sejam nas aulas regulares de cartografia, da necessidade do uso do GPS, ou na curiosidade de ir à Paris, por meio do Street View. Assim como Paris, Washington, Londres estão mais acessíveis, o continente africano "é logo ali".
É interessante a imagem de um mapa, pois ele é tentativa da representação de uma realidade em constante transformação. É uma das formas como a humanidade tenta enfrentar os medos de uma local novo. A busca de mapear tal região para obter um controle sobre ela. Mas como bem nos alertou Jorge Luis Borges, os mapas não são suficientes em sua tentativa de representação: "Com o tempo esses Mapas Desmedidos não bastaram e os Colégios de Cartógrafos levantaram um Mapa do Império, que tinha o Tamanho do Império e coincidia com ele ponto por ponto". No que diz respeito a geografia e a produção de mapas, ninguém entende melhor do que o próprio continente africano, por vezes rasgado, dividido e partilhando ao mundo europeu.
Desse modo, a África, que deve ser entendida como continente plural e diversificado, nos ensina nesse primeiro ponto, a rever o nosso olhar sobre a cartografia, nos convidando ao tempo da "Pangeia", isto é, onde erámos um só continente. O que nos permite saltar para um "Pangeia cultural", onde todos em sua individualidade, contribui para um todo da cultura universal. E isso a África ainda nos tem muito a dizer.




O que importa é o valor do homem e sua ligação com a palavra

A Europa se vangloria de sua cultura. Ela afirmou para o mundo desconhecido da América, da Ásia e África a supremacia da razão, e de outros elementos que "sua humanidade europeia" herdara de gregos e latinos, bem como de hebreus e cristãos. A palavra, especificamente a palavra escrita, pode ser incluída com um dos "trunfos" do mundo ocidental europeu, para sua perpetuação e muitas vezes de dominação. Gutenberg com a invenção da impressa revoluciona o mundo. A reprodução em grande escala de um texto passa ser possível. Porém devemos lembra da falha de definição da história, ensinada em muitas escolas, e ainda hoje sem um ensino crítico: "A História se inicia com a escrita. Ela tem necessidade de um documento". Já excluímos aí, todo o mundo da oralidade que é presente como forma de manter claramente uma história de um povo.
Felizmente persiste o mundo dos "aedos", que a cultura africana com sua oralidade ainda apresenta e nos ensina. Grita a África como uma forma de resistência frente ao tempo tecnocrata em que a humanidade se insere. Alfredo Bosi em Ser e o tempo da poesia, inicia o capítulo "Poesia e resistência", com a lembrança do poder da poesia, dessa linguagem melódica e mítica que o poema evoca. O crítico relembra a narrativa bíblica do Gênese, onde Deus pede a Adão que nomeie os animais do Éden, com isso trazendo a essência dos seres que seriam nomeados a visibilidade e conhecimento. Adão realiza "a ligação do homem com a palavra", como diz Hampâte Bâ. O primeiro homem da tradição judaico-cristã demostra um "conhecimento total", assim como responderia um tradicionalista da tradição a oral a pergunta: "O que é tradição oral?".

A Europa agora como objeto

A Antropologia em seu início pode ser definida, como o discurso científico que fornece ao mundo europeu os argumentos da conquista do mundo "não civilizado". No par "civilizado" versus "não-civilizado", a Europa se colocou no topo de uma escala evolutiva, tendo como "missão", contribuir à evolução dos demais povos. Ela está acima, é o alvo a ser alcançado. Será somente com o desenrolar da própria Antropologia, um olhar para seu próprio discurso, que será possível uma revisão de conceitos que favorecem ao dominador. Entre tais revisões, está a elaboração mais refinada do conceito de cultura.
Porém, não cabe apenas ao europeu branco a revisão de sua condição de explorador, mas ao próprio negro. Kabengele Munanga em Negritude: usos e sentidos, vai comentar que "o mito da civilização ocidental como modelo absoluto", o que era ensinado na colônia, "começou desfazer-se assim que os negros pisaram o solo europeu". Percebe-se aí, que os brancos não eram super-homens, e sim homens capazes de barbaridades. E após a autoanálise dos discursos pseudojusticativos que o africano se tornou capaz de negar o dogma da supremacia da cultura do colonizador, em relação a sua própria cultura.
O sentimento de frustação dos intelectuais negros, por não ter encontrado no humanismo ocidental toda as dimensões de sua personalidade, faz com surja o conceito da negritude, forma de resistência e criação de consciência frente ao mundo do colonizador. Passam a ser questão ao negro, principalmente o africano, local de origem de tal movimento, a questão da identidade, fidelidade e solidariedade. Ou seja, o orgulho de ser negro, e isso diz respeito a sua identidade. A fidelidade como ligação com sua terra natal. E a solidariedade como forma de se unir a todos os irmãos. O conceito de negritude ensina ao mundo "civilizado" a possibilidade da existência real de "igualdade, fraternidade e liberdade", tão apregoados e pela Revolução Francesa, todavia não praticados em África.
Desse modo, o continente africano ensina o continente europeu a rever e corrigir a história. Em seu texto de apresentação ao livro Os condenados da terra, de Franz Fanon, Jean-Paul Sartre aponta que pela primeira vez, essa Europa, antes no topo de uma "escala evolutiva", e ainda indiferente ao mundo dos países em desenvolvimento, será colocada como objeto de observação. O continente europeu estando cego diante das atrocidades cometidas com a duas Grandes Guerras Mundiais, tem que ouvir a contestação dos povos africanos. É necessário rever a "bela alma racista do europeu".
Um momento intelectual inicia-se com o movimento da negritude, mas também, a posterior, a necessidade da revolução como forma de corrigir a história da África por vezes amputada, "nessas trevas de onde vai surgir uma outra aurora, os zumbis sóis vós".

(Im)possíveis conclusões

Iniciamos nosso texto trazendo a imagem do mapa terrestre. Tal imagem convoca não só conhecimentos prévios de cartografia, mas capacidade de ver vidas além dos mapas. É necessário a revisão de uma cultura que se coloca como detentora da palavra escrita tida como verdadeira e única. É necessário a revisão histórica da supremacia da Europa sobre os países em desenvolvimento. Na sua magnitude a África é o continente da resistência, atravessando os séculos com sua oralidade e sua história ainda desconhecida pelo próprio Ocidente.
































Referências bibliográficas
BÂ, A. H. A tradição viva. In: KI-ZERBO, J. História geral da África - I Metodologia e pré-história da África. 2. ed. [S.l.]: UNESCO, p. 168-212.
BOSI, A. Poesia e resistência. In: BOSI, A. O ser e o tempo na poesia. São Paulo: EdUSP, 1977. p. 139-191.
MUNANGA, K. Negritude: usos e sentidos. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.
PAUL-SARTRE, J. Prefácio. In: FANON, F. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 3-21.




Serviço da empresa Google que permite aos usuários da internet navegar por ruas das principais cidades do planeta. Também é possível conhecer o interior de museus, arenas, restaurantes e pequenas empresas. Tudo isso com as imagens em 360 graus do Google Maps.



Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.