O que o Novo Banco de Desenvolvimento do Brics representa para a China (e vice-versa)? [IBASE 2015]

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IBASE - Trincheiras 1a edição, abril 2015

O que o Novo Banco de Desenvolvimento do Brics representa para a China (e vice-versa)? Adriana Abdenur PhD em Sociologia do Desenvolvimento, professora no Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio e pesquisadora do Brics Policy Center O que a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) do Brics representa para a China – e vice-versa? Este breve texto trata de três aspectos: a “identidade dupla” da China como ator no plano internacional; a importância da coalizão Brics para a China na área do desenvolvimento; e o lugar da iniciativa no contexto mais amplo das relações internacionais da República Popular da China. Em primeiro lugar, a China assume cada vez mais uma identidade dupla na sua atuação no sistema internacional. Por um lado, na área de segurança internacional, se considera como potência global, demonstrando assertividade crescente tanto no plano discursivo quanto no que diz respeito às iniciativas concretas. Discursos do presidente Xi Jinping sobre a projeção da China no plano internacional asseguram que os interesses chineses são globais, enquanto que o hard power chinês se expande através de um vasto programa de modernização, ampliação e diversificação das suas Forças Armadas. Já no campo do desenvolvimento internacional, a China insiste que ainda é um país em desenvolvimento e que, portanto, não deve assumir o mesmo grau de responsabilidade em certas iniciativas quanto os países avançados. Transparece também no discurso oficial a ideia de que a China, ao contrário dos Estados Unidos e seus aliados ocidentais, oferece um tipo de cooperação para o desenvolvimento desprovido do legado de exploração que caracterizaria a assistência das ex-potências coloniais. Outra justificativa oferecida pelo governo chinês é que – apesar das elevadas taxas de crescimento da economia chinesa durante as últimas duas décadas – o país ainda enfrenta graves desafios de desenvolvimento no plano doméstico, sobretudo no que diz respeito à pobreza, à igualdade socioeconômica e ao meio ambiente. No entanto, para os países avançados, como a China já passou de recipiendário da assistência a provedor de cooperação para o desenvolvimento, ao defender tal postura, Beijing evita assumir responsabilidades proporcionais a um país de grande porte e alcance global. Apesar de ter aumentado de forma significativa suas contribuições financeiras a organizações multilaterais voltadas para o desenvolvimento, a China é, com certa frequência, acusada de agir como “lobo solitário,” expandindo sua cooperação à revelia dos debates globais acerca do desenvolvimento. Críticos enfatizam que a cooperação chinesa

se dá predominantemente via canais bilaterais. Mesmo iniciativas tais como o Fórum de Cooperação China e África (Focac) servem mais como mecanismo de coordenação de projetos bilaterais do que verdadeiras plataformas multilaterais. Portanto, o agrupamento Brics – e, mais especificamente, o projeto do NBD – oferece à China uma oportunidade de legitimação política perante a comunidade internacional, na medida em que participa de esforços multilaterais (ainda que, por ora, restritos aos cinco países membro) voltados para o mundo em desenvolvimento.

O país que sedia uma grande organização multilateral, longe de se beneficiar apenas do peso simbólico, pode acumular influência desproporcional sobre a instituição. Portanto, além de fortalecer a reivindicação (compartilhada com os demais membros da coalizão) por uma governança global mais representativa da atual distribuição de poder, o Brics permite que a China promova a imagem de willing multilateralist. Ao mesmo tempo, no campo do desenvolvimento, as iniciativas da coalizão fortalecem a contestação coletiva aos esforços, liderados pelos países doadores, de “harmonizar” o campo da cooperação através dos princípios e práticas codificados pelo Comitê de Assistência ao Desenvolvimento (CAD) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O NDB também é promissor para a China de um ponto de vista mais prático, no sentido de facilitar o aprendizado mútuo e a colaboração direta entre potências emergentes em questões de desenvolvimento internacional. Em um contexto de relativa desaceleração econômica e tentativa de transformação da economia chinesa (de forma a fortalecer o consumo doméstico), o NBD também poderia, pelo menos em tese, ampliar o alcance da cooperação chinesa para o desenvolvimento. Tal potencial se deve ao fato de que a instituição reúne cinco provedores de cooperação Sul-Sul, cujos programas se estendem à grande maioria dos países em desenvolvimento. Além disso, a sede do NDB será localizada em Xangai – onde o governo chinês investe pesadamente na consolidação de um centro financeiro que rivalize com Hong Kong e os grandes centros financeiros do Ocidente. Não é à toa que, durante a sexta cúpula do Brics, realizada em 2014, em Fortaleza, o governo chinês insistiu durante as negociações que a sede do banco fosse situada em Xangai. Como ilustram as Instituições de Bretton Woods, o país que sedia uma grande organização multilateral, longe de se beneficiar apenas do peso simbólico, pode acumular influência desproporcional sobre a instituição. No contexto mais amplo das relações internacionais da China, no

entanto, vale ressaltar que – mesmo tendo certo grau de importância para o governo chinês –a membresia no Brics não tem o mesmo peso para Beijing que para os demais participantes. Além de ser, de longe, a maior potência econômica do agrupamento, ao longo da última década a atuação da China no cenário internacional vem se diversificando de tal forma que o Brics representa apenas uma arena dentre um leque cada vez mais amplo de iniciativas no portfolio da diplomacia chinesa. Sobretudo por questões geopolíticas, a China tem investido em diversas novas organizações, desde a Organização de Cooperação de Xangai até o novo Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura (AIIA), anunciado por Xi em 2014. Mesmo assim, e justamente pelo peso econômico que a China tem – dentro e fora da coalizão –, existe o risco de que o agrupamento seja cada vez mais dominado por Beijing, não apenas em certos aspectos operacionais, mas também na dimensão normativa da instituição. Por exemplo, embora as discussões em torno do NDB já incluam o setor privado, a sociedade civil organizada vem sendo excluída das negociações. Por sua vez, esse distanciamento em relação à sociedade civil provoca novos questionamentos acerca das futuras práticas da instituição no que diz respeito aos direitos humanos, às condições de trabalho, aos impactos ambientais e aos efeitos socioeconômicos dos projetos a serem financiados.

Bibliografia: ABDENUR, Adriana. China and the Brics Development Bank: Multilateralism and Legitimacy. Institute of Development Studies Bulletin, V. 45, n. 4, 2014. BHATTACHARYA, Amar; ROMANI, Matia; STERN, Nicholas. Meeting the infrastructure challenge; the case for a new development bank. Intergovernmental Group of Twenty Four, Março 2012. CHIN, Gregory. The Brics-led Development Bank: Purpose and Politics beyond the G20. Global Policy, Setembro 2014. RODRIK, Dani. O que mundo precisa dos Brics. 10 de Abril de 2013. Acesso em: 30 Janeiro 2015. MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Acordo constitutivo do Novo Banco de Desenvolvimento . Fortaleza, 15 de julho. Acesso em: 28 Jan. 2015.

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