O QUE O TERMO CULTURA PRETENDE SIGNIFICAR? – notas para o problema da cultura enquanto mercadoria no Brasil

June 3, 2017 | Autor: Sebáh Villas-Bôas | Categoria: Cultural History, Cultural Studies, Cultural Anthropology, Cultura
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O QUE O TERMO CULTURA PRETENDE SIGNIFICAR? – notas para o problema da cultura enquanto mercadoria no Brasil1

O termo Cultura, num sentido clássico, é advindo do verbo latino colere, que significa cultivar. Tomado de maneira ampla, designa os sistema ou conjuntos de práticas, de relações humanas estabelecidas entre os distintos sujeitos sociais com a intenção de co-existência no em torno das expressões ritualizadas do sentimento do sagrado, mantendo uma relação com o passado e instaurando a preservação da memória social coletiva. Dai, a palavra culto, ser associada a cerimônias religiosas, devido ao fato, de, nas comunidades antigas, tradicionalmente arcaicas, a religião encontrar-se ligada ao culto dos ancestrais. Deriva também, do verbo latino, colere, a palavra agricultura. Portanto, a palavra cultura, liga-se também, na sua raiz semântica (colere), a colo, colônia, colono, e colonizador, expressando uma certa maneira dos grupos humanos, em lidar com os recursos naturais, que é uma necessidade fundamental para a sobrevivência, e assim estabelecendo para as gerações futuras, o cultivo da transmissão de praticas, idéias e valores. Vale ressaltar, que nos tempos anteriores aos fenômenos da modernidade, a natureza era considerada sagrada, sobretudo, pelo fato de serem os sítios naturais, a mesma terra em que se depositavam os antepassados mortos, e posteriormente reverenciados. Todavia, o que se diz corriqueiramente, é que o sujeito moderno, da Modernidade historiográfica, na linha de sucessão do tempo centro-européia, por conseqüências das transformações ocorridas na transição da sociedade Medieval para a Modernidade, com os impactos do modo de pensar que resultaram no Iluminismo, dessacralizou a natureza, estabelecendo uma relação em que a matéria-natural deixou de ser a morada de entidades invisíveis, morada dos deuses, para ser um grande repositório de matéria prima, de fonte energética inerte segundo leis da física newtoniana. 1

Alfredo Góes Villas-Boas. Mestrado em Cultura e Sociedade – IHAC – UFBA. Especialista em Artes Visuais: cultura e criação – SENAC – MG. Bacharel em Comunicação Social: Rádio e TV – UESC – BA. Atualmente é professor substituto do curso de Artes Visuais da Universidade Federal do Recôncavo Baiano – URBR – CAHL – CACHOEIRA/BA. E-mail: [email protected]

Assim posto, é preciso considerar que num pais de formação tão complexa quando o Brasil, a adoção do termo cultura e o desenvolvimento de um Ministério da Cultura, são eventos geradores de muitas ações para o desenvolvimento do Estado e da nação. Considerando, minimamente, dois fatores:

A) Devemos considerar que o Brasil é um pais de formação étnica mestiça, com conflitos internos decorrentes da maneira como se deu tal constituição, principalmente, no que diz respeito a destituição histórica dos indígenas nativos, dos africanos e, dos posteriores descendentes destes, principalmente aqueles que ainda preservam traços fisionômicos daqueles grupos (já que a mestiçagem é geral), e as situações sociais decorrentes da escravidão dessas populações, que ainda hoje são alvo de racismo e sofrem as conseqüências de um desamparo histórico, compondo a grande massa negro-mestiça das camadas de mais baixa renda.

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B) Outro fator, é a presença preponderante de signos e símbolos, de toda a influencia deixada pelo homem branco centro-europeu na constituição do pais, sobretudo, na forte influência do cristianismo, desde os violentos processos de catequese: trocando em miúdos, os processos educacionais e pedagógicos da catequese, que tratavam de disciplinar os sujeitos indígenas e negros nos modos de agir segundo os ditames do colonizador, instituíram uma língua comum (o português) e toda a simbologia crista que sustenta o território nacional. .

Mas, se já não estamos numa sociedade que possa ser chamada de arcaica, como pensar a questão da cultura como expressão do sagrado? Como expressa-se a ligação do sujeito da modernidade contemporânea com o sagrado nas atividade, que o cultivou, no cotidiano?

Uma das hipóteses, é compreender aquilo que muito bem explicou o sociológico Max Weber, quando afirmara que, os colonos norte-americanos (sendo que hoje seus descendentes são as populações de maioria étnica branca dos Estados Unidos e Canadá), longe de casa, depois da travessia do Atlântico, imersos num ambiente natural então estranho e desconhecido, re-encontraram no trabalho, na expressão das práticas do trabalho braçal, especialmente da lavoura, uma espécie de ritualização do cotidiano, em que depositavam seus sentimentos do sagrado, reforçando os laços comunitários. Tal prática de exaltar o trabalho para fortalecimento dos laços afetivos de um grupo é antiga, funcional e se emprega até hoje. Portanto, vivendo em uma sociedade de consumo, o termo cultura pode ser balizado, sem destituir o sentido que preserva o culto ao sagrado, estendendo-se também como sendo as práticas das classes e grupos mais diversos, de trabalhadores, em diferentes áreas, que buscam, de alguma maneira, a aquisição dos recursos necessários para a sobrevivência, e a manutenção do conseqüente processo de hominização que é a co-existëncia social. Dessa possível interpretação, surge um problema: as expressões culturais, propriamente as práticas rituais, os saberes narrativos, as artes e as crenças, os modos de viver em relação ao contexto, passam a ser tratados como mercadoria, como produtos gerados pelos recursos humanos, ocorrendo uma mercantilização das expressões culturais. Se, essa perspectiva for a que se encontra adotada pelo Estado brasileiro, no que diz respeito para com as políticas públicas de Cultura, talvez a partir dai, a importância de um Ministério da Cultura seja mais evidente. Uma das pistas, para verificar o supracitado argumento, diz respeito ao fato do Brasil ter adotado a definição de cultura proposta pela UNESCO: a cultura deve ser considerada como o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições e as crenças (UNESCO, 2002, p. 02)



Essa é uma aceitação de que a cultura, não pode ser tratada como um conceito normativo, senão descritivo, sendo que é o processo de cultivo do ser humano, e que evidentemente se dá de muitas maneiras. Aqui, merece destaque o fato de que o termo cultura, derivado do latim, não existe em nenhuma outra língua que não seja herdeira latina, dai a necessidade ser tratado como um conceito descritivo. Assim, considerando tudo já dito, em um Estado democrático de Direito, mas com bases democráticas ainda muito frágeis, seria o papel de um Ministério da Cultura, nesse sentido, empreender políticas públicas participativas, includentes, de modo que as representações do sujeitos sociais que ficaram relegados ao esquecimento, na participação da memória coletiva, possa então, adquirir representatividade. Isso diz respeito ao estabelecimentos de canais de veiculação de conteúdo multi-étnico, em que os fenotipicamente negros, indígenas, portadores de necessidades especiais, mulheres, idoso, crianças, possa ver-se nos registros históricos da nação, contando suas histórias, e preservando, assim, mesmo que indiretamente, um culto (ou cultivo) a uma ancestralidade da qual participam. Outra questão a ser considerada, é o que se chama falência da educação formal, aquela fundamentada na prática escolar da leitura e da sala de aula, da reprodução de conteúdo informativo. Num pais como o Brasil, em que a escola pública foi sucateada ao longo de décadas, faz-se necessário a compreensão de que o processo educativo é, portanto, um processo de formação cultural. Todavia, não é possível falar em democratização e acesso da produção cultural, sem pensar as políticas afirmativas de inclusão e participação. As cotas, por exemplo, permitiram o acesso de muitos jovens negro-mestiços e indígenas aos espaços das faculdades e Universidades. O que se espera de tais medidas, o reflexo que se verá disso será a médio e longo prazo, quando da inserção de tais jovens no mercado de trabalho e nos setores da vida pública, renovando as instituições, principalmente aquelas até então, ocupadas por sujeitos sociais herdeiros de famílias de classe media estável e de famílias ricas, como o setor medico, o setor judiciário, os altos cargos administrativos. Somente com instituições mestiças, no sentido das pessoas que dela participam, serão

fortalecidos os princípios democráticos que fundamentam maior igualdade social. BIBLIOGRAFIA VILLAS-BOAS. A. G. IMAGEM, IMAGINÁRIO, ARTE E POESIA: a transmissão simbólica na cultura; Geraldo Sarno e o documentário sociológico. UFBA, 2013. Disponível

em:

ttps://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/18202/3/imagem.imaginario.arte.po esia.geraldo.sarno.documentario%20-%20VILLAS-BOAS.A.G.pdf UNESCO. Declaração Universal Sobre a Diversidade Cultural. 2002 Disponível http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001271/127160por.pdf

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