O que os jornais dizem sobre eles - Análise de imprensa sobre delinquência juvenil e delinquência em grupo

June 29, 2017 | Autor: Roxana Suárez | Categoria: Juvenile Delinquency
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Rosana Virginia Suárez da Costa O QUE OS JORNAIS DIZEM SOBRE ELES – ANÁLISE DE IMPRENSA SOBRE DELINQUÊNCIA JUVENIL E DELINQUÊNCIA EM GRUPO. DISSERTAÇÃO DE MESTRADO MESTRADO INTEGRADO EM PSICOLOGIA 2010

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação Universidade do Porto

O QUE OS JORNAIS DIZEM SOBRE ELES – ANÁLISE DE IMPRENSA SOBRE DELINQUÊNCIA JUVENIL E DELINQUÊNCIA EM GRUPO.

Rosana Virginia Suárez da Costa

Dissertação apresentada na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto para obtenção do grau de Mestre em Psicologia, na área de especialização em Psicologia do Comportamento Desviante e da Justiça

Orientação: Professor Doutor José Luís Lopes Fernandes

Porto 2010

Resumo A delinquência juvenil e a delinquência em grupo, actualmente fazem parte das principais preocupações das sociedades ocidentais e, como tal, são objecto de múltiplos estudos principalmente no âmbito das ciências sociais. O presente estudo teve como objectivo fundamental tentar compreender estes fenómenos analisando a opinião mediática acerca destes temas. Através de uma análise de imprensa de dois jornais diários com tiragem no Porto e norte do país, no ano de 2009, encontramos que as figuras mais representativas da delinquência juvenil parecem ser, segundo o relato noticioso, principalmente jovens do sexo masculino, desempregados e provenientes de bairros sociais que actuam em grupo. O estudo que fizemos pretende ser um contributo para a definição da imagem que o discurso mediático proporciona relativamente à delinquência juvenil, gangues e delinquência em grupo em geral. Contudo, assumimos que os resultados que encontramos fornecem apenas uma referência daquilo que foi noticiado, na imprensa escrita, acerca destes fenómenos. Salientamos ainda que os dados recolhidos referem-se apenas a jornais com tiragem no Porto e zona norte, como tal não é possível fazer uma leitura dos resultados à escala nacional.

Abstract Juvenile delinquency and related crimes are now one of Western society‟s primary concerns. This epidemic is the topic of many studies, mainly in the field of social sciences. The main purpose of this study was to understand these phenomena through the lens of media opinion on these issues. Through systematic review of daily newspapers published in the city of Porto and others in the Northern parts of the country, in 2009, this study found that the most generic profile of the average juvenile delinquents appear to be primarily young unemployed men from poorer neighborhoods and tended to act in groups. This study‟s goal is to contribute in the definition of the image that the media dialog provides of juvenile delinquency, gangs and group crimes in general. However, we assume that the results found provide a superficial reference of what was reported on the news about this phenomenon. We want to highlight that the data collected is based exclusively on newspaper publications in the northern portion of the country, which is why the results cannot be interpreted and applied at a national scale.

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Résumé Actuellement, la délinquance juvénile et la délinquance en groupe font parties des principales préoccupations des sociétés occidentales et, de ce fait, elles sont le centre de plusieurs études notamment dans le domaine des sciences sociales. La présente étude avait pour objectif fondamental, d‟essayer de comprendre ces phénomènes tout en analysant l‟opinion médiatique sur ces sujets. Par le biais d‟une analyse de la presse dans deux quotidiens sur Porto et le nord du pays, en 2009, nous avons constaté que les plus représentatifs de la délinquance juvénile semblent être, en particulier les jeunes du sexe masculin, les chômeurs venant de zones sensibles dites « cités », qui eux-mêmes agissent en groupe. L'étude effectuée permet de définir l'image que le discours médiatique fournit à l'égard de la délinquance chez les jeunes, les gangs et généralement la délinquance en groupe. Cependant, nous reconnaissons que les résultats obtenus ne sont qu‟une référence de ce qui a été dit dans la presse, au sujet de ces phénomènes. Nous rappelons que les données recueillies ne concernent que les journaux sur Porto et le nord du pays, il est donc impossible de les généraliser à l‟échelle nationale.

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“Gracias a la vida, que me há dado tanto…” Violeta Parra

Este trabalho é dedicado a «Mi Madre» …por tudo o que significa para nós eu ter chegado até aqui (ou nós termos chegado até aqui, porque também Ela chegou comigo). Agradeço a YHVH por ter conseguido…e por ter motivos e pessoas a quem agradecer! Vocês sabem quem são!

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Abreviaturas GNR – Guarda Nacional Republicana JN – Jornal de Notícias MAI – Ministério da Administração Interna MP – Ministério Público MTE – Medidas Tutelares Educativas PJ – Polícia Judiciária PSP – Polícia de Segurança Pública PÚB – Jornal Público RASI – Relatório Anual de Segurança Interna RSI – Rendimento Social de Inserção

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Índice

Introdução

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Capítulo I - Considerações Teóricas e Dados Oficiais

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1. Delinquência, delinquência juvenil e delinquência em grupo

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2. O papel dos media na construção das representações sobre delinquência juvenil e delinquência em grupo

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3. Delinquência juvenil e delinquência em grupo em Portugal – evidência empírica e dados oficiais Capítulo II – Objectivos e sua Operacionalização

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1. Objectivos e pertinência da investigação

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2. Metodologia

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Capítulo III – Apresentação e Discussão dos Resultados

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1. Distribuição estatística das notícias

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2. Análise qualitativa das notícias

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3. Síntese crítica dos resultados em geral

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Considerações Finais

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Bibliografia

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Anexos

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Introdução A delinquência juvenil e a delinquência em grupo são fenómenos sociais cada vez mais evidentes nas sociedades, incluindo a sociedade portuguesa. Todos os dias lemos nos jornais notícias de violência, muitas vezes perpetrada por jovens. A informação que a imprensa nos fornece possibilita o acesso a estes fenómenos que não conhecemos directamente, para que possamos formar uma opinião acerca deles. Na literatura encontramos poucos estudos realizados em Portugal que se debrucem sobre a imagem que a imprensa escrita proporciona sobre os jovens delinquentes. Assim sendo, o presente estudo teve como objectivo fundamental tentar compreender os fenómenos da delinquência juvenil e da delinquência em grupo analisando a opinião mediática acerca deste fenómeno. Quem são estes jovens de que a imprensa fala? O que fazem? Que crimes cometem? Há que ter medo deles? Como reage a população a estas figuras? No presente trabalho tentamos dar resposta a estas e outras questões a partir de uma análise de imprensa de dois jornais diários com tiragem no Porto e norte do país. Em primeiro lugar, resumimos o trabalho de pesquisa teórica, referindo as considerações teóricas mais pertinentes para o nosso tema, que vão desde a “primeira” Escola de Chicago até considerações mais recentes. Apresentamos também os dados oficiais relativos aos Relatórios Anuais de Segurança Interna, desde o início da década de forma a termos um quadro referencial sobre a delinquência juvenil e a delinquência em grupo em Portugal. Após este enquadramento teórico-conceptual, descrevemos e justificamos os nossos objectivos e a sua operacionalização, finalizando com a apresentação dos resultados encontrados e a sua discussão. Salvaguardamos que o presente trabalho não é um estudo aprofundado de todo o relato noticioso sobre os temas da delinquência juvenil e da delinquência em grupo, na imprensa portuguesa. Pretendemos apenas explorar as contingências que é possível encontrar, a este respeito, nos jornais mais procurados pela população da região Norte do país, esperando fornecer dados que possam contribuir para futuras investigações que pretendam explorar com maior profundidade os temas aqui examinados.

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Capitulo I – Considerações Teóricas e Dados Oficiais

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1. Delinquência, delinquência juvenil e delinquência em grupo Actualmente assistimos a um aumento da visibilidade de fenómenos sociais como a criminalidade, a delinquência juvenil, os gangues e a delinquência em grupo em geral. Através dos meios de comunicação social são difundidas informações sobre os factos, sobre os actores envolvidos, sobre os contextos; cada vez mais os media se ocupam de noticiar gangues juvenis, assaltos a mão armada, carjacking, etc., muitas vezes referindo a falta de eficácia das entidades responsáveis por manter a ordem social. Assim sendo, a delinquência juvenil e a delinquência em grupo transformaram-se, nos últimos tempos, numa das principais preocupações das sociedades ocidentais e, como tal, objecto de múltiplos estudos principalmente no âmbito das ciências sociais (Gonçalves, 2003; Marteleira, 2004). Segundo dados da Segurança Interna, “a delinquência juvenil corresponde ao conjunto de ilícitos de natureza penal cometidos por jovens menores de 16 anos” e a delinquência em grupo corresponde à “criminalidade praticada por um conjunto de 3 ou mais indivíduos” (Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2004). Em termos legais, um delinquente é aquele indivíduo que praticou um ou vários actos qualificados como delituosos pela sociedade e pelas autoridades, e que correspondem a uma penalização por parte dos tribunais (Born, 2005; Negreiros, 2001); um jovem delinquente é “todo o indivíduo sujeito à jurisdição do tribunal de menores, isto é, todo o indivíduo que praticou um facto ilícito depois dos 12 anos e antes dos 16 anos, jovem a quem foi aplicada uma medida tutelar educativa” (Costa, 1999; citado por Marteleira, 2004, p.26). No entanto, a delinquência juvenil não pode ser definida apenas a partir das leis. Tanto pode ser definida através da perspectiva legal de um determinado país, como da perspectiva cultural e do contexto que envolve os actores, isto é, através das crenças e costumes associados ao comportamento dos jovens, e através do próprio comportamento destes, em contacto com as diferentes entidades sociais (família, escola, trabalho, instâncias de controlo social); pode ser definida ainda a partir da conexão entre as influências de ordem social e o desenvolvimento destes comportamentos (Carvalho, 2005; Ferreira, 1997; Marteleira, 2004). Neste sentido, o conceito de delinquência juvenil surge como uma construção social. Se por um lado a delinquência juvenil refere-se às infracções criminais cometidas pelo menor durante a infância e a adolescência, por outro lado refere-se também ao conjunto de respostas 9

sociais em relação a estes menores – intervenções institucionais, intervenções legais, reacção social em geral (Ferreira, 1997). Born (2005) menciona que, segundo a perspectiva psicossocial, o comportamento delinquente, corresponde a actos sociais que podem ser associais ou anti-sociais. Os primeiros são actos que podem prejudicar terceiros, sem que seja essa a intenção; os segundos têm como propósito uma intenção negativa contra algum agente social (seja pessoa ou entidade) (Born, 2005). Kagan (in Fonseca, 2004) considera que, numa perspectiva de senso comum, os comportamentos anti-sociais correspondem àqueles que “violam as normas da comunidade referentes ao respeito pela vida e à propriedade alheia”, comportando actos como desonestidade, destruição de propriedade, roubo, agressão, etc. Assim sendo, nem todos os jovens que cometem actos transgressivos são considerados delinquentes, isto é, para que um indivíduo seja considerado delinquente não basta apenas ter cometido um acto qualificado como delituoso, é preciso que seja reconhecido pela sociedade (e pelas instâncias de controlo social) que o indivíduo efectivamente cometeu tal acto (Born, 2005). Logo, a etiquetagem de alguém como delinquente, depende da identificação acto como sendo delituoso e do seu autor, facto que geralmente despoleta uma reacção colectiva na sociedade, de reprovação e de punição, desencadeando a necessidade de uma intervenção institucional (órgãos judiciais) (Carvalho, 2005). Segundo Born (2005) “é impossível compreender e tratar da delinquência sem se referir à sociedade em que ela existe. É através da sociedade, das suas regras, das suas normas e das suas leis que o acto delinquente é definido.” (Born, 2005, p. 19). Portanto, mais do que um problema jurídico, a delinquência juvenil aparece como um problema social. A caracterização da delinquência juvenil envolve necessariamente a compreensão das condições ecológicas, económicas, sociais e ideológicas de uma sociedade (Born, 2005; Carvalho, 2005; Ferreira, 1997; Kagan, in Fonseca, 2004; Marteleira, 2004); os comportamentos anti-sociais podem reflectir a inadaptação de um sujeito à sociedade (Born, 2005).

Abordagens explicativas da delinquência – evolução histórica A partir do século XX o conceito de delinquência juvenil começou a ser alvo de especial atenção por parte da comunidade científica, nomeadamente no âmbito das ciências sociais (Marteleira, 2004; Zaluar, 2004). As abordagens centradas nas características individuais do delinquente que era visto como um indivíduo diferente do normal (por 10

exemplo Lambroso 1879, in Tapparelli, 2000) e o modelo assistencialista que tinha ganho importância após a II Guerra Mundial, começam a decair com o aparecimento de novas condutas desviantes, como as actividades criminais cometidas por jovens, muitas vezes agrupados em bandos ou gangues (Gonçalves, 2003). Deste modo, surge pela primeira vez, em Chicago, o interesse do estudo destes fenómenos desde uma perspectiva mais ecológica. A Escola de Chicago debruça-se sobre os territórios da cidade, associando “desorganização social” e violência, “zonas de transição” e criminalidade, violência urbana e juventude (Born, 2005; Tapparelli, 2000; Zaluar, 2004). Lander (1954) e Shaw & McKay (1969) evidenciaram a importância do espaço físico como factor explicativo de comportamentos sociais. Analisando as relações entre a delinquência a os centros urbanos, encontraram que é nas cidades, zonas com forte desorganização social, onde existe maior índice de delinquência (Born, 2005; Ferreira, 1997; Tapparelli, 2000). A desorganização do tecido social é provocada por processos sociais que geram mudanças (temporárias ou permanentes), tais como depressões económicas, migração, evolução dos espaços urbanos, etc., fazendo variar os níveis de desorganização ao longo dos tempos e de sociedade para sociedade. Dentro desta desorganização social, os tecidos mais desfavorecidos, como os bairros sociais, são os espaços onde os delinquentes surgem maioritariamente (Born, 2005). A teoria da anomia, enunciada por Durkheim, é tomada como exemplo pela Escola de Chicago, para explicar a desorganização social sob o ponto de vista da falta de adesão aos valores centrais, da fragmentação das relações sociais, da ausência de pontos de referência dentro de alguns estratos sociais, que fazem surgir “patologias sociais” (Born, 2005, p. 51) tais como o crime e a delinquência (Born, 2005). Thrasher, em 1927, identifica estes estratos sociais como “zonas de transição” ou “intersticiais”. É nestas zonas que os grupos juvenis delinquentes vivem e se relacionam, e nestas zonas, os processos de socialização e os mecanismos de controlo social são abalados pelas condições sociais nelas existentes, aumentando o risco de desenvolvimento de comportamentos desviantes que lhes permitam ascender socialmente (Born, 2005; Zaluar, 2004). Merton, em 1965, retomando alguns dos argumentos de Thrasher defende o desenvolvimento de uma frustração nestes jovens, que seria provocada pela desigualdade nas oportunidades de ascensão social, levando aos indivíduos, desprovidos de valores sociais, ao cometimento de delinquências (Born, 2005; Zaluar, 2004). 11

Por outro lado, para Hirschi (1969), “o acto delinquente resulta quando quebra ou afrouxa o elo de ligação entre o indivíduo e a sociedade” (Ferreira, 2000, p. 649). Este autor destacou que, o que importa é perceber o motivo que leva os jovens a não cometem actos delinquentes, sendo que a resposta é encontrada no sistema de controlo social existente nas sociedades. Este sistema promulga normas e leis e sanções contra quem viola as mesmas, logo, os jovens que não cometem actos delinquentes é porque vivem em conformidade com estas normas sociais (Born, 2005; Ferreira, 2000; Marteleira, 2004). Assim, nem todos os jovens oriundos de áreas urbanas mais desfavorecidas, e socialmente desorganizadas, desenvolvem comportamentos delinquentes. Perante esta constatação, Sutherland (1934 e 1961) introduz o conceito de associação diferencial, defendendo que os comportamentos delinquentes não devem imputar-se às disfunções ou ao desajuste dos indivíduos das classes sociais mais baixas, mas sim à aprendizagem de valores delinquentes, feita em interacção com os outros, seus pares, facto que pode acontecer em qualquer estrato social (Born, 2005; Marteleira, 2004; Tapparelli, 2000). Mazta (1964) explica, ainda, que o envolvimento dos jovens em actividades delinquentes está relacionado com sua capacidade de decidir, de escolher agir de acordo com valores opostos aos do sistema normativo dominante. Os sujeitos justificam as próprias acções delinquentes, através de técnicas de neutralização, racionalizando-as e tornando-as mais aceitáveis à luz dos valores do sistema dominante, o que lhe permite continuar a fazer parte deste. Assim sendo, o jovem delinquente localiza-se no limite entre o convencional e o desvio, respondendo revezadamente às solicitações de ambos (Ferreira, 2000; Marteleira, 2004; Tapparelli; 2000; Zaluar, 2004).

Em suma, as teorias aqui resumidas distinguem dois tipos de concepções sobre os delinquentes: a) as que derivam da importância do controlo social, onde a causa fundamental da delinquência é a ausência de ligação entre os sujeitos e a ordem social, fornecendo a imagem do delinquente “subsocializado” (Ferreira, 1997, p. 918); b) as que explicam a delinquência pela aprendizagem de comportamentos desviantes através da interacção e da exposição aos comportamentos dos outros, sugerindo uma imagem do delinquente socializado (Ferreira, 1997).

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Tipologias e trajectórias da delinquência Relativamente aos tipos de delinquentes, encontrou-se uma primeira distinção entre indivíduos que cometem actos delituosos isolados, de pouca gravidade – delinquentes ocasionais – e os indivíduos que cometem este tipo de actos de forma sistemática – delinquentes habituais (Born, 2005; Krohn & Thornberry e Rutter, in Fonseca, 2004; Negreiros, 2001). Moffit (1993) distingue entre delinquentes limitados à adolescência e delinquentes de longo curso. Os primeiros referem-se aos indivíduos que cometem actos delituosos na adolescência. Estes actos são heterogéneos, variam conforme as situações e oportunidades e possuem carácter utilitário: ganhos materiais, obtenção de prestígio ou adesão a um grupo, estatuto, protagonismo. Os jovens frequentemente encontram-se em descontinuidade com os valores familiares, sendo a actividade delinquente apenas a expressão de um fenómeno adaptativo temporário. A desistência da delinquência acontece ao sair da adolescência a medida que vai adquirindo novas relações afectivas e profissionais que lhe oferecem estatuto e responsabilidades (Born, 2005; Hawkins, 1996; Krohn & Thornberry e Rutter, in Fonseca, 2004; Negreiros, 2001). Contudo hoje em dia verifica-se que isto nem sempre acontece. A entrada na idade adulta nem sempre é necessariamente acompanhada pelo abando no das condutas ilícitas (Born, 2002, in Born, 2005; Hawkins, 1996). A delinquência persistente, regra geral, começa precocemente com a presença de perturbações comportamentais na infância: síndromes de hiperactividade e défices nas funções de controlo. Associam-se também problemas de aprendizagem e insucessos escolares, bem como défices no relacionamento com os pais e outros adultos significativos. A actividade delinquente propriamente dita inicia com adolescência e permanece vincada durante bastante tempo depois, prolongando-se numa carreira criminal ao longo da vida. Importância da interacção entre traços pessoais e factores ambientais que desde a infância e ao longo de toda a vida, ajudam a manter a actividade delinquente (Born, 2005; Krohn & Thornberry e Rutter, in Fonseca, 2004; Negreiros, 2001). Por outro lado Fréchette e Le Blanc (1979) distinguem quatro dimensões que permitem visualizar o lugar em que o individuo se situa na sua trajectória delinquente: momento em que a delinquência aparece, quantidade de actos delinquentes, gravidade e persistência destes. Neste contexto temos a “delinquência esporádica”, ocasional que diz respeito à delinquência não habitual, onde o indivíduo comete um número limitados de actos delituosos de pouca 13

gravidade num determinado período da sua vida (por exemplo, a adolescência). A “delinquência explosiva” refere-se a actos delinquentes que acontecem em maior número, heterogéneos e de gravidade média, frequentemente associados a períodos de crise familiar e pessoal do indivíduo. As “delinquências persistentes” são heterogéneas, de longa duração e encontram-se inscritos numa trajectória que começa por vezes na infância e que persiste na idade adulta. Dividem-se em duas: delinquência persistente intermédia, onde a carreira do indivíduo é flutuante tendo períodos mais calmos, embora não desista totalmente desta actividade na adolescência; e a delinquência persistente grave, onde os actos são cada vez mais numerosos, repetitivos e cada vez mais graves, associando a violência a delinquência aquisitiva, podendo surgir assassinatos como meio aquisitivo ou ajuste de contas (Born, 2005; Negreiros, 2001; Rutter, in Fonseca, 2004).

Delinquência em grupo Segundo Born (2005) desde há muito que é conhecida a frequência com que se exerce a actividade delinquente em grupos. Assim sendo, importa fazer referência, antes de mais, aos tipos de grupalidades juvenis desviantes. Uma tipologia clássica, que tem por base a tipologia das subculturas delinquentes apresentada por Cloward e Ohlin (1960), distingue três tipos principais: bandos conflituais, bandos criminosos e bandos marginais (Born, 2005; Negreiros, 2001). Os bandos conflituais possuem uma organização com um núcleo central – onde manda o líder – e um núcleo periférico que não participa em todas as actividades. Exprimem-se pela violência em grupo, e têm como prioridade a coesão e a respeitabilidade do bando, utilizando a actividade delinquente como meio para reforçar estas prioridades. A entrada no bando é caracterizada por rituais de iniciação, geralmente violentos e humilhantes, onde o interessado tem que mostrar a sua valentia e o seu compromisso de submissão ao líder. Exemplos destes bandos são: skinheads, rockers, punks e bandos de bairros da periferia, como as galeras das favelas do Rio de Janeiro (Born, 2005; Negreiros, 2001; Zaluar, 2004). Os bandos criminosos actuam num campo ou território bastante mais alargado, onde a delinquência é um fim em si e a razão de ser do bando. Dedicam-se a actividades centradas no furto, comércio, tráfico de objectos (roubados) e/ou de droga, podendo haver recurso à violência como meio de defesa dos seus bens e da sua segurança. Trata-se de pequenos grupos bastante coesos, dada a necessidade recíproca de protecção, podendo existir ligações entre 14

bandos de adolescentes e bandos de adultos. A liderança é muito bem estruturada e os papéis são distribuídos segundo a competência de cada sujeito. Exemplo deste tipo são os gangues (Ibd.). Vale a pena ainda referir os bandos marginais. Estes encontram-se centrados no consumo e comércio de droga. São tipicamente grupos de jovens à deriva, à margem da sociedade, cuja estrutura é bastante fraca. Alguns exemplos: hippies dos anos 70 ou toxicómanos dos grandes centros urbanos da actualidade (Born, 2005; Negreiros, 2001). Cada bando representa uma subcultura. Têm em comum o prestígio associado aos papéis de liderança, a complexidade da sua organização e a normatividade própria nelas existentes (Born, 2005; Negreiros, 2001; Zaluar, 2004). “Segundo Lander (1954), Shaw e McKay (1969), se os bandos adoptam comportamentos delinquentes, é porque existe no interior deles uma subcultura na qual o acto de delinquência é tolerado ou mesmo encorajado.” (Born, 2005, p. 182). Os dados empíricos e as abordagens desenvolvimentais concordam em evidenciar o papel crucial no desenvolvimento de carreiras delinquentes na adolescência. Cohen (1955) afirma que os adolescentes vão adoptando comportamentos delinquentes porque fazem parte de uma subcultura que tem por base a procura de desafios, do prazer imediato, onde a força física, a dureza, a malvadez são características admiráveis (Cohen, 1972; Born, 2005). Le Blanc (1991) completa defendendo que, normalmente, estas características e outras como o egocentrismo, a intolerância à frustração, a pouca consciência social e procura de identidade, correspondem às características dos delinquentes comuns (Born, 2005). Outra explicação apresentada para a delinquência juvenil em grupo relaciona-se com a gestão da reputação. Segundo Emler (1984) e Emler e Richer (1995), os actos delinquentes são cometidos perante testemunhas (o grupo de pares) que atesta e valida as acções, tornandoas irrefutavelmente delinquentes, sustentando a reputação do autor dentro do grupo e a sua aceitação (Born, 2005; Flannery, Huff & Manos, 1998; Carroll, Durkin, Hattie & Houghton, in Fonseca, 2004). Estas concepções podem ser consideradas comparativamente com algumas realidades a nível internacional. Relativamente à realidade da América do Sul (nomeadamente do Rio de Janeiro) pode-se distinguir entre galeras e quadrilhas e fazer uma correspondência das primeiras com bandos conflituais, e das segundas com bandos criminosos. Ainda pode

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comparar-se as galeras cariocas às galères francesas, e as quadrilhas aos gangs estadounidenses (Zaluar, 2004). Resumidamente, as galeras possuem um estrito relacionamento com o bairro sendo este o rótulo identificativo do grupo; não possuem organização estabelecida de regras nem de liderança, nem promovem actividades ilícitas como objectivo principal. Encontram-se associados a práticas musicais ou desportivas identificativas do bairro. Por seu turno, as quadrilhas são formadas por pequenos grupos de indivíduos (na maioria jovens), com chefia instituída, sendo o nome do líder a alcunha identificativa do grupo; é este quem instaura os valores em torno da sua chefia. Andam sempre armados, têm como finalidade principal, actividades ilegais para enriquecimento próprio e vivem destas actividades. A relação da quadrilha com o bairro é de uma certa aceitação por parte deste da presença das primeiras, a troco de vigilância e defesa da vizinhança relativamente a bandidos de outros bairros (Ibd.). Quanto ao caso particular dos gangs, é possível apontar alguns critérios comuns que os definem como tal. São caracterizados por existir dentro do grupo uma estrutura organizacional formal, com hierarquia e liderança devidamente identificada, normalmente associado a um território específico e identificativo do gangue. Existe comunicação e interacção entre os membros do grupo que se vêem comprometidos a seguir e manifestar comportamentos delinquentes e criminais, primeiro para serem aceites e depois para poderem permanecer no grupo, pois a actividade criminal é a principal característica que distingue os gangues de outros bandos juvenis (Flannery et al., 1998). Curry e Spergel (1988) encontram que nos Estados Unidos da América (EUA), este tipo de grupos de delinquentes continua a formar-se nas grandes metrópoles, agrupando indivíduos da mesma nacionalidade e/ou origem étnica que residem frequentemente em pequenas comunidades, dos bairros da periferia (Born, 2005; Flannery et al., 1998). Igualmente estudos realizados em Inglaterra e França, destacam a cultura destes grupos formados nos bairros mais desfavorecidos, uma cultura de rua e de manifestações violentas, como resposta às frustrações do estatuto social a que pertencem e às contradições do sistema ideológico e económico em geral (Born, 2005).

Factores associados à delinquência Ao pesquisar sobre os contextos que rodeiam o jovem transgressor, aparecem repetidamente estudos quantitativos que pretendem fornecer informação ao respeito dos 16

factores que levam à delinquência, ao desenvolvimento de comportamentos anti-sociais. Escasseia informação sobre a importância que os diferentes contextos têm para os actores, ou sobre as interacções vivenciadas por estes. Contudo, vamos aqui referir as informações que podem ser consideradas úteis para a compreensão do objecto de estudo. Para entender o contexto social, examinamos o contexto mais referido na literatura: o bairro. Este deve ser encarado como parte integrante de um conjunto “inserido no macro contexto socioeconómico, político e cultural da cidade e da nação.” (Tapparelli, 2000, p. 6). O bairro social não é mais do que o fruto da deslocalização da produção industrial, da mudança de interesses da sociedade actual, marcada pela desigualdade de meios, pelo consumismo, por um conflito de interesses que leva a um sentimento de inimpregabilidade dos indivíduos que ali vivem, que leva cada vez mais a exclusão dos sujeitos sub-escolarizados e com baixo nível socioeconómico. (Fernandes, 2001; Tapparelli, 2000). O contexto familiar dos jovens delinquentes pode tomar diversas formas, encontrandose porém semelhanças que permitem fazer algumas generalizações. Um estudo realizado em Portugal (Carvalho, 2005) e outro no Brasil (Tapparelli, 2000) sobre jovens delinquentes, encontram que a estrutura familiar predominante é de tipo nuclear seguida da monoparental. São muitos os casos que apresentam ruptura parental, quer por abandono, falecimento (por consumos abusivos, vítimas de homicídio, suicídio) ou detenção. Há quem considere que a rejeição ou a orientação parental deficiente, contribui para o aparecimento de comportamentos anti-sociais nas crianças/jovens, conjuntamente com outros factores como a escolaridade (absentismo escolar) e a influência do grupo de pares (Ferreira, 1997; Flannery et al., 1998; Gonçalves, 2003). Quanto à escola e ao percurso escolar, os mesmos estudos supra referidos e também Fernandes e Pinto (não publicado), apontam para trajectórias escolares inconsistentes. Na opinião do senso comum, a ruptura com a escola está intimamente associada ao desenvolvimento de comportamentos desviantes pelas crianças/jovens. Na literatura também é possível encontrar registos de tal ligação (por exemplo Flannery et al., 1998 e Carvalho, 2005). É no entanto necessário entender que o que pode existir é uma “falta de transmissão de valores e de socialização” associada a uma “tensão constante, vivida num meio social adverso” (Tapparelli, 2000, p. 10) onde crianças e jovens se “perdem” na escassez de oportunidades (Tapparelli, 2000).

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Cenário parecido encontramos na relação do jovem com o mundo do trabalho. O mercado de trabalho apresenta cada vez menos oportunidades para quem provém de áreas de residência conotadas com marginalidade. A sub-escolaridade dos sujeitos contrastante com a exigência de qualificações da sociedade do capitalismo avançado, o preconceito e a estigmatização, vai levando à exclusão, à discriminação. (Fernandes & Pinto; Tapparelli, 2000). No que concerne às principais actividades desenvolvidas pelos jovens delinquentes, constatamos que estas principalmente acontecem em contexto de rua. A rua é o palco de aventuras, de procura de sensações, de experiências vividas em grupo, quando se foge à desagregação familiar ou quando simplesmente se procura integração. A rua é também o palco das actividades ilegais e dos perigos a estas associados. Destas actividades fazem parte o consumo e tráfico de drogas, o crime aquisitivo e contra o património e o porte/uso de armas (Carvalho, 2005; Fernandes & Pinto; Flannery et al., 1998; Tapparelli, 2000), podendo também ocorrer crime contra as pessoas (Carvalho, 2005; Flannery et al., 1998; Tapparelli, 2000). O consumo de drogas parece ser comum aos elementos de um grupo de jovens transgressores, principalmente drogas leves, mas também drogas duras em alguns casos (Fernandes & Pinto; Tapparelli, 2000). Relativamente ao tráfico, as substâncias que são normalmente comercializadas por estes jovens são os derivados da cannabis (Fernandes & Pinto) e nalguns casos cocaína e ecstasy (Flannery et al., 1998), com o objectivo de obtenção de dinheiro fácil e consequentemente aumento do status social. O crime aquisitivo tem como principal finalidade a obtenção de valores que permitam satisfazer necessidades (igualitárias, de pertença à sociedade dominante, etc.) (Fernandes & Pinto). O porte/uso de armas simboliza a ideia de poder, de domínio que o jovem pode exercer sobre alguém ou sobre um grupo de pessoas (Flannery et al., 1998; Tapparelli, 2000). Não se pretende tomar uma postura determinista quanto aos factores supra referidos. A literatura nos mostra que é inegável a sua influência no desenvolvimento dos comportamentos do jovem no sentido da delinquência, no entanto jamais podemos esquecer que este jovem é um cidadão com direitos e deveres, com capacidade de escolha, de autodeterminação, dotado de uma história de vida própria na qual estão incluídas as suas significações e representações, com as quais interage nos diferentes contextos. O jovem faz parte do macro-contexto que é a sociedade, e a sociedade faz parte do contexto de vida do jovem (Born, 2005; Tapparelli, 2000). 18

Delinquência juvenil aparente versus delinquência juvenil real Actualmente, para medir e registar a delinquência de forma a caracterizar este fenómeno numa determinada sociedade, é possível contar com diversas técnicas e instrumentos que permitem recolher as informações necessárias, entre os quais nomeamos os registos e estatísticas oficiais e os inquéritos de vitimação e de delinquência auto-revelada. Estas informações podem apresentar panoramas diferentes dependendo da fonte de referência. Os dados provenientes das fontes oficiais mostram apenas a população juvenil que, como consequência do cometimento de acto ilícito, teve contacto com as instituições de controlo social formal (polícia e tribunais, por exemplo). Por outro lado, os dados resultantes de inquéritos de vitimação e de auto-relato permitem obter referências sobre a ocorrência efectiva de crimes cometidos pela população juvenil, de forma mais abrangente (Born, 2005; Ferreira, 1997; Fonseca & Simões, in Fonseca, 2004; Negreiros, 2001). Neste contexto, é necessário realizar com prudência a interpretação das estatísticas oficiais, pois apenas fornecem dados sobre os delitos que foram registados pelos órgãos judiciais (delinquência oficial ou legal), contudo sabemos que nem todos os crimes chegam a ser assinalados ou denunciados. Os dados fornecidos pelas medidas de auto-relato e de vitimação, ajudam a construir o panorama da delinquência aparente, no entanto, mesmo que se acrescente esta informação aos dados da delinquência oficial, a concordância com a delinquência real numa determinada sociedade está longe de ser precisa (Born, 2005; Fonseca & Simões, in Fonseca, 2004). Outro aspecto a ter em consideração ao fazer a leitura dos dados apresentados pelas técnicas de medida da delinquência é o aspecto cultural que determinados crimes possuem numa dada sociedade. Isto é, mostra-se conveniente analisar estes dados em conformidade com a visibilidade que os crimes possam ter em certas regiões ou países, com o sistema normativo vigente e com as consequências aplicáveis a quem se desvia deste sistema normativo (Ibd.).

2. O papel dos media na construção das representações sobre delinquência juvenil e delinquência em grupo Nas sociedades modernas, os meios de comunicação social, incluindo a imprensa, reproduzem a realidade social, ressaltam a diversidade de opiniões sobre os fenómenos, e 19

difundem as suas visões e classificações do real (Coelho, 2001; Minayo & Njaine, 2002). Contudo, a realidade social não é apenas um conjunto de factos, ou de dados objectivos que possam ser facilmente classificáveis em categorias de valores. As categorias de valores fazem parte do sistema, que se articula nas diferentes esferas como, o contexto, a cultura e a linguagem. As experiências se desenvolvem no contexto social, ganham significado e são reconhecidas através da cultura, onde a linguagem é o elemento facilitador da comunicação e da interpretação dos fenómenos da realidade (Minayo & Njaine, 2002; Padula & Tomita, 2005). A imprensa faz parte desta dinâmica, e a grande importância que hoje em dia têm os meios de comunicação social nas sociedades, principalmente no que diz respeito às ideologias, reflecte-se em mudanças nas relações familiares e no papel de instituições como a escola, etc. (Coelho, 2001; Minayo & Njaine, 2002). Através dos meios de comunicação social, a população recebe uma diversidade de informação sobre fenómenos como a delinquência juvenil, informação essa, que por vezes pode ser confusa ou até contraditória (Baptista, Carlini, Faria, Galduróz & Nappo, 2003). Alguns estudos como o de Fernandes em 1997, a propósito dos actores e territórios psicotrópicos, encontram um discurso mediático na imprensa nacional que descreve os actores e os espaços apenas na sua conotação negativa. Lima (2006), embora tenha elaborado um estudo cujo objecto nada tem a ver com os propósitos desta investigação, fez também uma análise de imprensa, onde na sua introdução fala da existência de inúmeros factos que não chegam a ser noticiados, e faz uma tentativa de explicação, recorrendo a alguns autores, sobre o porque da ideia de que os jornalistas apenas publicam o que é negativo. O autor recorre a uma citação de Caramelo (2003) que parece pertinente reproduzir: “Ao jornalista interessa tudo o que é novo. É notícia o que sai da normalidade e que provoca uma brecha na rotina (daí a ideia de que os jornalistas só noticiam o que é mau)” (Lima, 2006, p. 176). A negatividade ou o insólito rompem com o quotidiano e do previsível, chamando a atenção para o público, daí a expressão “bad news are grat news” (Castanheira, Conceição, Contreiras & Ponte, 1997). Como vimos no ponto 1 o conceito de delinquência juvenil é fruto de uma construção social. Nesta construção, os meios de comunicação social têm importante papel. A sociedade em geral consegue aceder a informação relativamente a certos fenómenos, como a delinquência, aos quais não tem acesso directo, a partir dos dados fornecidos pelos media. Estas informações exercem influência nas representações e reacções sociais relativamente aos comportamentos desviantes, que surgem a partir da interacção dos indivíduos com a cultura 20

da sociedade em que vivem e com as figuras associadas ao medo de que se fala nas urbes (Castanheira et al., 1997; Fernandes & Manita, 1997; Manita, 1997). Segundo Moscovici (1981) as representações sociais são “conceitos, proposições e explicações criadas na vida quotidiana no decurso da comunicação interindividual”, “fazem parte do património cultural e identitário de cada comunidade” (Ribeiro, 2004, p. 75), funcionando como mecanismos de protecção, de reacção ao estranho, àquilo que ameaça, que desequilibra (Ribeiro, 2004). Assim sendo, os conceitos ou explicações que os cidadãos encontram para descrever fenómenos como a delinquência, em grande medida são criados simbolicamente em interacção com a experiência de cada um, com o sistema de valores vigente na sociedade e com a informação que recebe a esse respeito por parte dos meios de comunicação social (Blumer, 1982; Cohen, 1972; Manita, 1997). Salientamos que, evidentemente, a influência dos media na construção da realidade e de reacções à mesma, dependerá de condicionantes psicológicas e contextuais da vida e da experiência de cada individuo, uma vez que estes são também actores na sociedade e construtores da mesma, não se limitam a absorver a informação que recebem (Ibd.). Apesar deste papel activo dos cidadãos na construção das imagens do jovem delinquente, assistimos hoje em dia nas sociedades ocidentais a um aumento da visibilidade do crime e dos seus autores na imprensa, facto que, embora não signifique linearmente que a criminalidade em si esteja a aumentar, fornece esta percepção ao público (Fernandes & Manita, 1997; Fernandes & Pinto; Manita, 1997). Segundo Cohen (1972), quando uma figura do medo é exacerbada pelos meios de comunicação de massa, e o efeito desta amplificação gera uma mudança nas crenças ou um estereótipo, em relação a esta figura, surge um “pânico moral” na sociedade. O medo colectivo é constantemente relembrado com a presença das figuras às quais foi associado o pânico (Cohen, 1972; Fernandes & Manita, 1997; Manita, 1997). O estereótipo em relação à nova figura do medo, criado através da distorção informativa, aprisiona o fenómeno à caracterização apontada e, por outro lado, expande-o no tecido social, estimulando rumores e debates na opinião pública (Fernandes & Manita, 1997). Assim sendo, o pânico moral criado pela figura dos jovens delinquentes que actuam em grupo nas metrópoles, desencadeia consequências quer ao nível das solicitações de novas e mais eficazes estratégias interventivas, quer ao nível da estigmatização de cidadãos e zonas da cidade (Fernandes 2001; Fernandes & Manita, 1997).

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Em Portugal, encontramos hoje em dia na figura do jovem proveniente de meio desfavorecido, o estereótipo do jovem delinquente (ver ponto 3). Vemos isto exemplificado no estudo realizado por Ponte (2005) quem, através de uma análise de imprensa, quis perceber o que teria sido noticiado sobre crianças desde 1975 até o ano 2000. Entre os seus resultados encontrou a imagem do “rapaz pobre”, da “criança em risco” e da “criança delinquente”. Em 1975, uma das figuras associadas à marginalidade era o rapaz pobre que deambulava nas ruas portuguesas; em 1990 aparece pela primeira vez a designação de “criança em risco” quer seja por delinquência ou por abandono familiar. A partir daí (década de 90), assistiu-se a um aumento da pequena criminalidade, bem como da visibilidade, na imprensa, da toxicodependência e dos jovens nos espaços de consumo; surge em notícia a “criança delinquente” e de forma gradual começa a ser cada vez mais visível nos meios de comunicação social em geral, visto como participante em acontecimentos como assaltos, violação ou “correios” no tráfico de droga; progressivamente a “criança delinquente” é associada a meios sociais problemáticos e passa a formar parte das figuras do medo através do discurso mediático. Começam também, a partir desta altura, a ser evidenciadas as respostas das forças de segurança e de justiça relativamente a estes casos (Ponte, 2005). Vemos então como, a partir da visibilidade que adquire no discurso mediático um determinado fenómeno, são criadas representações acerca do mesmo, incluindo figuras representativas que mantêm na memória social os potenciais efeitos de dito fenómeno. A delinquência juvenil é exemplo disso: hoje em dia observamos que a figura do jovem delinquente e o medo associado à sua presença nas cidades, é distinto da imagem mendicidade do jovem do início do século XX (Fernandes, 2001; Ponte, 2005).

3. Delinquência juvenil e delinquência em grupo em Portugal – evidência empírica e dados oficiais Desde finais da década de 90, a crescente visibilidade da temática da delinquência juvenil e da delinquência em grupo em Portugal, tem motivado um especial interesse quer pela opinião mediática, quer pelas entidades políticas e governamentais. Estes últimos têm-se esforçado por apresentar propostas de intervenção cada vez mais eficazes na tentativa de erradicar o problema (Carvalho, 2005; Gonçalves, 2003), uma vez que se trata de fenómenos que, transformados em figuras do medo, são largamente associados ao sentimento de insegurança da nossa sociedade (Fernandes, 2001; Fernandes & Pinto; Neves, 2006). 22

Exemplo disto é o aparecimento, em 2001, da Nova Lei Tutelar Educativa cujo propósito fundamental seria o de ultrapassar algumas lacunas do modelo proteccionista, fazendo distinção entre o menor em risco (ou vítima) e o menor infractor (Carvalho, 2005; Marteleira, 2004; Neves, 2006). Surgem assim as Medidas Tutelares Educativas (MTE): “em ordem crescente de gravidade, a admoestação, a privação do direito de conduzir, a reparação ao ofendido, as prestações económicas ou tarefas a favor da comunidade, a imposição de regras de conduta, a imposição de obrigações, a frequência de programas formativos, o acompanhamento educativo e, por fim, o internamento em Centro Educativo (que pode funcionar em regime aberto, semiaberto ou fechado)” (Neves, 2006). Emerge também nesta altura o Programa Escolhas, como “Programa para a Prevenção da Criminalidade e Inserção de Jovens dos bairros mais problemáticos dos Distritos de Lisboa, Porto e Setúbal” (Programa Escolhas: http://www.programaescolhas.pt/apresentacao) (Fernandes & Pinto; Neves, 2006). Desde essa altura, a evidência das intervenções realizadas no âmbito da delinquência juvenil tem aumentado e, em termos de dados oficiais relativamente a este fenómeno, têm vindo a aparecer de forma cada vez mais diferenciada nos Relatórios Anuais de Segurança Interna (RASI). Vejamos então a realidade portuguesa no que diz respeito à delinquência juvenil e à delinquência em grupo na última década. Como vimos, segundo as informações da Segurança Interna, a delinquência juvenil engloba os actos qualificados pela lei penal como crimes, cometidos por menores de 16 anos e a delinquência em grupo refere-se aos crimes cometidos por mais do que 3 indivíduos. Importa salientar, que grande parte da delinquência juvenil é também de natureza grupal (RASI de 2001, 2005, 2008, 2009). Estes grupos podem ser classificados em duas categorias. Numa primeira categoria são englobados os grupos constituídos maioritariamente menores, provenientes de meios sociais mais desfavorecidos e problemáticos, com apoio familiar baixo ou quase inexistente; não são especializados, construem-se de forma espontânea e o crime praticado por este tipo de grupos são os assaltos em série num curto espaço de tempo e em zona geográfica reduzida, sem premeditação. Numa segunda categoria, são incluídos os grupos constituídos por indivíduos frequentemente com idades mais avançadas, com antecedentes; são grupos organizados e estruturados, com alguns elementos especializados em determinadas funções, têm objectivos definidos e os crimes são premeditados (RASI de 2003 e 2004). 23

Quer na delinquência juvenil, quer na delinquência em grupo, os sujeitos utilizam cada vez mais armas de fogo e cometem principalmente crimes de furto, assalto, vandalismo, dano e condução ilegal, mas também crimes contra pessoas (agressões físicas na sua maioria). Os assaltos mais violentos são praticados preferencialmente em grupo, grupos esses, constituídos por jovens com idades compreendidas entre os 16 e os 29 anos, normalmente já referenciados (RASI de 2000 a 2009). Tendencialmente, a criminalidade juvenil e a criminalidade em grupo são praticadas em grandes centros urbanos tais como Lisboa, Porto, Setúbal e Braga, sendo frequentemente referenciadas como grande contributo para a proliferação do sentimento de insegurança na sociedade portuguesa. No sentido de evitar a expansão destes fenómenos, as Forças de Segurança têm vindo a aumentar a sua atenção aos mesmos, em especial as Forças da Polícia de Segurança Pública (PSP) e a Guarda Nacional Republicana (GNR) (Ibd.). Ao longo dos últimos 10 anos (2000 a 2009 inclusive), assistimos a variações nos índices de criminalidade juvenil e de criminalidade em grupo, que correspondem essencialmente aos registos efectuados pelas Forças de Segurança. Relativamente à delinquência juvenil, desde 2003 até 2008 o número de participações diminuiu; em 2009 voltou a aumentar em 318 registos comparativamente ao ano anterior. A delinquência em grupo evoluiu quantitativa e qualitativamente até 2004, a partir daí tem-se observado um revezamento entre aumentos e diminuições; no ano 2009 houve uma diminuição de cerca de 1% relativamente a 2008 (Ibd.). No que concerne aos dados de 2009, o RASI correspondente indica que, agrupando a delinquência juvenil e a delinquência em grupo, representam cerca de 3% da totalidade dos crimes registados. É salientado “o empenho e eficácia das forças e dos serviços de segurança”, com especial menção para a nova Lei das Armas, que permitiu ao seu abrigo “2515 operações especiais de prevenção criminal”, com o resultado de 670 sujeitos detidos e 1593 armas apreendidas (RASI, 2009). Convém relembrar que esta síntese que acabamos de apresentar refere-se única e exclusivamente ao panorama global dos registos das ocorrências no período indicado – dados estatísticos oficiais. Outro tipo de dados é apresentado nos resultados do primeiro relatório do Observatório de Delinquência Juvenil, em 2009. O Observatório de Delinquência Juvenil, criado em Maio de 2008, configura-se como meio essencial para a criação de políticas de prevenção e 24

repressão deste fenómeno, na medida em que propõe o estudo da dimensão e da diversidade da delinquência juvenil nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto (Agra & Castro, 2009). Os dados alusivos ao relatório supra mencionado dizem respeito à caracterização da delinquência juvenil nas áreas metropolitanas referidas, através de Inquérito de Delinquência Auto-Revelada em meio escolar e não escolar (maiores de 18 anos). Contudo os autores alertam para a relativização dos resultados encontrados, uma vez que estes traduzem unicamente a percepção dos jovens sobre o próprio comportamento. Tendo em conta esta salvaguarda, os autores encontraram que 47,7% dos jovens relata ter praticado actos delinquentes, cometendo actos contra o património e contra a integridade física das pessoas, em proporções equiparáveis. As taxas de prevalência são superiores para os indivíduos do sexo masculino, e relativamente à idade, a maior percentagem de comportamentos delinquentes regista-se nos jovens com idade igual ou superior a 16 anos. Comparativamente entre as duas áreas metropolitanas as taxas de prevalência são equivalentes, sendo havendo grandes diferenciações quanto ao meio social a que pertencem os sujeitos (Ibd.). Análises anteriores realizadas pelo Observatório Permanente de Segurança do Porto (por exemplo, Agra, Fonseca, Marques Teixeira & Quintas 1999; Machado & Manita, 1997), caracterizam a figura do jovem (só ou em grupo) como potencial agressor, no entanto, nem os actos nem os actores são necessariamente associados a bairros sociais desfavorecidos. Os jovens das zonas ditas problemáticas não apresentaram níveis significativamente diferentes de criminalidade quando comparados com jovens de outras zonas (resultados obtidos através de inquérito de delinquência auto-revelada) (Fernandes, 2001) Analisando outros dados empíricos encontramos características semelhantes quanto aos jovens delinquentes portugueses (Carvalho, 2005; Ferreira, 1997). Um estudo feito por Carvalho (2005) (referido também no ponto anterior) cujo objectivo era a caracterização das trajectórias de vida dos menores delinquentes antes da sua entrada em colégios do Instituto de Reinserção Social, encontrou que estes menores são maioritariamente do sexo masculino, com idades a variar entre os 9 e os 18 anos (média de 15,3 anos); 93% nasceram em Portugal, 28,8% são de origem africana e 3,5% de origem cigana. Quanto aos percursos familiares e educativos, encontraram principalmente rupturas familiares consistentes e percurso escolar de insucesso ou inexistente. Relativamente ao tipo de actividade delinquente que desenvolviam, são referidos maioritariamente crimes contra o património, crimes contra pessoas e actos relacionados com a posse e tráfico de drogas e armas. As vítimas foram indiferenciadamente 25

adultos (não familiares) e outros menores. Outro aspecto comum encontrado é a actuação em grupo e em lugares públicos (Carvalho, 2005). Carvalho chama a atenção ainda, para a mediatização do sentimento de insegurança associado a estes menores infractores, salientando que o aumento aparente do fenómeno da delinquência juvenil de que tanto se fala, não é sustentado empiricamente. Justifica que vivenciamos

neste

momento

uma

“dramatização

e

politização

da

violência

extraordinariamente grandes” (Carvalho, 2005, p. 71). Neste contexto, Fernandes e Pinto referem a visão negativa que tem vindo a ser difundida pela comunicação social relativamente aos centros urbanos em Portugal (Fernandes & Pinto). É difundida a imagem do medo a cidade e às figuras que nela deambulam, entre os quais estes jovens oriundos de áreas problemáticas que se juntam em grupos e cometem actos anti-sociais ou delinquentes. Estes novos actores são vistos pela sociedade como uma ameaça para a segurança e a ordem social, e a frequência com que convivem nos mesmos espaços estas figuras do medo e os “cidadãos comuns”, fomenta o sentimento de insegurança junto destes últimos (Fernandes, 2001; Fernandes & Pinto; Ponte, 2005). No Porto, encontramos um exemplo destas figuras nos gunas, jovens, maioritariamente do sexo masculino e proveniente de zonas urbanas conotadas de pobreza e perigosidade, que caracterizados por um determinado estilo de vestuário, formas de estar e de agir, são facilmente identificados pela sociedade como potencialmente perigosos (Fernandes & Pinto).

Em suma, no nosso país, a figura do jovem delinquente que começou a ser mais evidente a partir dos anos 90, aparece associada ao seguimento de modelos de consumo dominantes e à criação e defesa de identidades grupais minoritárias. Vemos que as informações oficiais evidenciam dados que referem jovens pertencentes às classes sociais mais desprotegidas, enquanto dados mais gerais revelam uma influência menos acentuada da classe social; contudo todos os dados relativos à delinquência juvenil e delinquência em grupo em Portugal, concordam em associar estes fenómenos às zonas urbanas e ao crescente sentimento de insegurança nelas instalado.

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Capítulo II – Objectivos e a sua Operacionalização

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1. Objectivos e pertinência da investigação Esta investigação terá como objectivo fundamental descrever e analisar o discurso mediático sobre jovens delinquentes, através de análise de imprensa. Pretendemos averiguar quem é o jovem transgressor que encontrámos retratado na imprensa, de onde vem, que transgressões comete, quais os métodos que utiliza, quem são as suas vítimas e o que é que as forças de segurança e de ordem social fazem para tentar travar esta actividade delinquente. Uma vez que a delinquência juvenil faz parte dos fenómenos da realidade social que a imprensa reproduz, e que está associada ao sentimento de insegurança actualmente tão difundido na visão mediática, uma análise de imprensa mostra-se particularmente relevante para conhecer esta mesma visão: os comportamentos descritos, as consequências, a descrição dos actores, a sua contextualização. Assim sendo, uma análise de imprensa sobre a delinquência juvenil, permitirá recolher informação sobre vários aspectos: que factos são noticiados, como são descritos esses mesmos factos, como são descritos os actores e os espaços/contextos, que conotação é associada a cada um destes elementos, e qual o impacto que poderá ter nas populações. Assim mesmo, pretendemos extrair destas publicações, quais os crimes mais frequentemente sinalizados, quais os espaços mais destacados, de acordo com critérios de selecção e categorização especificados a continuação. Estas informações permitir-nos-ão caracterizar os jovens delinquentes e os grupos delinquentes desde o ponto de vista da imprensa, possibilitando fazer uma reflexão sobre esta mesma caracterização

2. Metodologia O objecto de estudo desta investigação enquadra-se no estudo das ciências humanas com carácter social, onde a análise da acção e dos actores não é redutível ao exame das metodologias exactas – quantitativas (Denzin, Lincoln e col., 2003; Fernandes, 1997). Por este motivo, no presente estudo foram utilizadas técnicas próprias das metodologias qualitativas, uma vez que possibilitam a análise dos actores, do sentido das acções e permitem descrever, descodificar e traduzir fenómenos sociais, privilegiando os fenómenos, as experiências e as representações em si; a metodologia qualitativa “localiza o observador no mundo” (Denzin, Lincoln e col., 2003) (Denzin, Lincoln e col., 2003; Fernandes, 1997; Guerra, 2006). 28

Neste estudo, a partir da análise de imprensa pretende-se situar a imagem mediática dos comportamentos delinquentes de jovens e gangues, em finais da década de 2000, altura em que o sentimento de insegurança aparece muitas vezes associado a estas figuras (Neves, 2005). Assim pretendeu-se recolher informação que permitisse uma caracterização das actividades delinquentes, dos espaços, dos contextos e dos actores, e finalmente apresentar uma reflexão sobre esta caracterização, com o auxílio dos comentários de personagens que fazem parte desta realidade: um ex-delinquente e um jornalista, autor de notícias policiais. Inicialmente pensou-se em realizar uma análise comparativa com os resultados de uma outra investigação (que está a ser realizada por outros investigadores) cujo objectivo passa pela análise de imprensa sobre o crime juvenil, examinando um período de finais da década de 90 e outro de inícios da década de 2000. Contudo, esta análise comparativa não foi viável uma vez que, a referida investigação, ainda se encontra em fase de tratamento de dados. No entanto, os autores permitiram o acesso a informações relativamente à metodologia utilizada, que serviram como guias orientadoras na definição de certos critérios do presente estudo, nomeadamente para a recolha e tratamento de dados (respectivamente, mais adiante, será especificada a utilização destas informações). A análise de imprensa consistiu na recolha de notícias sobre delinquência juvenil e gangues, publicadas em dois jornais de referência nacional (especificados mais adiante) durante o ano de 2009. O plano metodológico foi estruturado em quatro etapas: 1) definição dos critérios de retenção das notícias; 2) recolha das notícias; 3) organização e análise das notícias; 4) tratamento dos dados. As técnicas utilizadas para analisar as notícias foram técnicas de análise de conteúdo. A análise de conteúdo permite a reorganização de realidades não materiais como é o caso das imagens e das representações sociais, através da análise e compreensão da comunicação; segundo Krippendorf a análise de conteúdo é “uma técnica de investigação que permite fazer inferências, válidas e replicáveis, dos dados para o seu contexto” (citado por Vala, 1986, p. 103 e por Guerra, 2006, p. 62). Atendendo ao tipo de dados recolhido, procedeu-se dentro da análise de conteúdo, ao tipo de análise categorial temática. Esta análise permite uma descrição temática, obtida após divisão do texto em unidades de codificação, categorização e reagrupamento dessas mesmas unidades, seguida da contagem frequencial por categoria (Bardin, 1995; Guerra, 2006; Vala, 1986).

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Constituição da amostra Para este estudo foram utilizados apenas dois jornais diários, “de referência”, com tiragem no Porto: “Jornal de Notícias” (JN) e “Público” (PÚB). Procedeu-se à recolha do corpus da amostra, nos arquivos da Biblioteca Municipal do Porto. Foram tidos em conta os periódicos de Janeiro a Dezembro de 2009 (12 meses). Seguindo os parâmetros do estudo supra referido, escolheu-se a seguinte periodicidade para a recolha das notícias: para cada jornal um conjunto de nove dias por mês, de um sábado até domingo da semana seguinte, realizando a selecção através de uma cadência sequencial. Assim, em Janeiro, escolheram-se os nove dias iniciados no primeiro sábado do mês; em Fevereiro, os nove dias iniciados no segundo sábado; em Março, os nove dias iniciados no terceiro sábado; em Abril, os nove dias iniciados no quarto sábado do mês; em Maio, retomámos o primeiro sábado e assim sucessivamente, para ambos os diários. Contudo, ao conferir as datas a que correspondia o conjunto de dias para cada mês, verificou-se que para os meses de Abril, Agosto e Dezembro (a que corresponderia os nove dias com inicio no quarto sábado do mês), as datas sobrepunham-se aos primeiros dias do mês seguinte. Por este motivo, optou-se por escolher, para estes meses, os últimos nove dias do mês. Para a constituição do corpus da amostra, foram consideradas todas as notícias que fizessem referência a actos ilícitos, crime, delinquência e/ou comportamentos problemáticos, cujos autores fossem jovens, menores, ou jovens adultos até aos 30 anos. Assim, foram retidas as notícias sempre que no título ou no corpo de texto existisse as palavras “jovem”, “adolescente” ou sinónimos, (ou expressões como: “individuo de 25 anos”, “suspeito de 18 anos”) e palavras que designem actos delituosos, delinquência, desordens várias (palavras como “gangue”, “bando”, “carjacking”, etc.). Não foram tidas em conta crimes como a condução sob efeito de álcool e a violência doméstica, por considerarmos que estes crimes fornecerem pouco poder de análise quanto ao fenómeno da Delinquência Juvenil, na medida em que a informação que é obtida sobre os actores é pouco clara. Deste modo, o corpus da amostra é constituído por 294 notícias (256 do JN e 38 do Público), que correspondem a 123 jornais (92 do JN e 31 do Público).

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Tratamento dos Dados As notícias foram classificadas quanto ao teor e quanto ao conteúdo. Relativamente ao teor, as notícias foram divididas em “opinativas” – notícias de opinião cujo autor é o próprio jornalista; “informativas” – notícias de informação que podem conter, ou não, discursos opinativos produzidos por outros actores que não o jornalista autor da notícia. Dentro das notícias informativas, diferenciaram-se ainda dois géneros: o género “factual” – notícias informativas cujo discurso é o relato dos factos; e o género “interpretativo" – notícias informativas que, recorrendo a fontes externas ao acontecimento noticiado, fornecem uma interpretação do mesmo. Encontramos ainda um terceiro género de notícia que, combinando na mesma peça informativa os vários tipos de notícia (por exemplo: factual e interpretativo, ou os três tipos na mesma peça), decidimos denominar de “género misto”. Foram ainda classificadas as notícias quanto ao seu conteúdo, isto é, atendendo ao tema central de cada notícia. Assim sendo, registaram-se onze temas: “Relatório de Segurança Interna (RASI) ”, “Prevenção”, “Assaltos/Furtos”, “Transacções Ilegais”, “Gangues”, “Distúrbios/Vandalismo”, “Crimes Sexuais”, “Violência/Crimes nas escolas”, “Medidas judiciárias/Evadidos”, “Fraude/Extorsão”, “Agressões/ Homicídio”. Esta primeira divisão mereceu uma análise quantitativa de forma a obter uma distribuição estatística do estilo e do conteúdo do total das notícias retidas. Finalmente, procedeu-se à análise qualitativa do conteúdo das notícias de forma a obter os resultados que pretendem satisfazer os objectivos deste estudo. Para isto foi realizada uma análise de conteúdo, servindo-nos da grelha previamente construída (em estudo exploratório) para a investigação de referência acima mencionada. Uma vez que esta grelha é compatível com o presente trabalho, adaptamo-la ao nosso objectivo particular, fazendo ligeiras alterações, e utilizamo-la como ferramenta de análise (Cf. Anexo 1) Algumas notícias não foram passíveis de serem analisadas a partir das categorias sumariadas nesta grelha. Contudo, foram igualmente examinadas, desde o ponto de vista crítico/reflexivo, de modo a fornecer uma leitura daquilo que foi noticiado. Incluídas neste caso estão, a notícia opinativa e as notícias de género misto. Quanto as últimas, embora o tema central das notícias não seja a delinquência juvenil ou a delinquência em grupo (o tema central é o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), decidimos incluí-las na análise, com o intuito de examinar a referência ou não aos dados oficiais sobre estes fenómenos. Na secção 31

de apresentação, análise e discussão dos resultados, será devidamente descrita e justificada a análise. Finalmente, consultamos alguns insiders, sujeitos que fazem ou fizeram parte das realidades que aqui abordamos, com o intuito de que nos pudessem fornecer uma leitura mais abrangente dos resultados encontrados, uma leitura à partir do ponto de vista de quem vivenciou a delinquência e de quem noticia a delinquência. Assim, após termos os resultados em bruto, solicitamos o comentário reflexivo a dois jornalistas (um do JN e outro do Público), autores de várias das notícias retidas na nossa amostra, e a um sujeito com historial de delinquência. Apenas um dos jornalistas respondeu à nossa solicitação atempadamente, como tal, incluímos nossa reflexão apenas dois comentários: o comentário de um jornalista do JN e o comentário de um indivíduo ex-delinquente.

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Capitulo III – Apresentação e Discussão dos Resultados

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1. Distribuição estatística das notícias O teor das notícias é na sua maioria informativo, cerca de 99,0%, sendo os outros 1% constituídos por duas notícias de género misto (0,7%) e uma notícia opinativa (0,3%). Dentro do informativo, as notícias são predominantemente factuais, representando 97,9%, enquanto as notícias interpretativas correspondem apenas a 2,1%. Comparando os dois jornais em análise as proporções são equivalentes (Cf. Anexo 2, Gráfico1). Apenas foi encontrada uma notícia de teor opinativo no período de tempo contemplado neste estudo, podendo indicar que a delinquência juvenil e a delinquência em grupo, nomeadamente os gangues, não são alvo de atenção por parte dos autores das matérias valorativas, ou o interesse é quase inexistente. Contudo, tendo em conta o intervalo de tempo e a periodicidade a que atendeu o presente estudo, este dado é apenas uma referência. A predominância das notícias factuais sobre as interpretativas sugere que a imprensa escrita terá uma maior tendência para a descrição dos acontecimentos, recorrendo muitas vezes ao testemunho dos intervenientes no acontecimento (como por exemplo comentários proferidos pelos órgãos policias, por vizinhos ou familiares das vítimas, etc.), em vez de preferirem recorrer a outras fontes de informação (tais como criminologistas, psicólogos, peritos forenses, etc.) que possam proferir um comentário, uma interpretação acerca do tema que é noticiado. Assim sendo, a descrição pormenorizada do acontecimento, das consequências do acto transgressivo, da acção policial, parece ser o estilo predilecto de noticiar a delinquência juvenil e os gangues, por ambos os jornais considerados neste estudo.

Relativamente ao conteúdo, o tema que prevalece extensivamente é o tema “assaltos/furtos” com 47,6%; segue-se o tema das “transacções ilegais” com 15,3%, e os restantes aparecem em percentagem inferior a 10%. (“distúrbios/vandalismo” 7,5%, “medidas judiciárias/evadidos” 7,1%, “agressões/homicídio” 6,5%, “gangues” 5,1%, “crimes sexuais” 5,1%, “violência/crime nas escolas” 2,7%, “fraude/extorsão” 1,7%, “prevenção” 0,7%, “RASI‟09” 0,7%) (Cf. Anexo 2, Gráfico 2). No entanto, agrupando os temas que se referem ao crime (“assaltos/furtos”, “transacções ilegais”, “distúrbios/vandalismo”, “agressões/homicídio”, “crimes sexuais”, “violência/crime nas escolas”, “fraude/extorsão”), vemos que 86,4% das notícias têm como tema central o acto criminoso em si, enquanto os actores, a intervenção, a prevenção e a 34

divulgação de dados oficiais, são pouco referidos. Os gangues são quase ignorados, não são em si temas centrais de notícia, aparecem predominantemente como forma de nomear os autores do crime. Analisando cada jornal separadamente, encontramos esta mesma tendência. Os valores das percentagens apenas variam ligeiramente. Esta análise sugere então que a imprensa escrita, para falar da delinquência juvenil e da delinquência em grupo, escolhe debruçar-se preferencialmente sobre o tema que causa mais impacto social – os actos criminais. Embora os gangues estejam hoje em dia associados ao sentimento de insegurança (como vimos no ponto 3 do Capítulo I), estes não são comummente considerados como tema central das notícias. A predominância do tema “assaltos/furtos” pode ainda sugerir se trate do tipo de crimes mais referenciados.

2. Análise qualitativa Para análise qualitativa foram tidas em conta 103 notícias: 94 notícias factuais (1/3 do seu total, escolhidas aleatoriamente), as 6 notícias interpretativas, as duas notícias de género misto e a notícia opinativa. As notícias de teor factual e interpretativo foram alvo de análise de conteúdo mediante a utilização da grelha de análise adaptada para este estudo. Algumas categorias não foram analisadas sistematicamente uma vez que os dados eram omissos na grande maioria das notícias. Nestes casos, tomou-se nota das ocorrências encontradas de forma a podermos fazer menção aos escassos indicadores encontrados. As notícias de género misto e a notícia opinativa, foram analisadas separadamente sob o ponto de vista reflexivo, elaborando apenas um comentário àquilo que referem relativamente à delinquência juvenil e a delinquência em grupo. Assim sendo, foram consideradas 100 notícias para análise de conteúdo, cujos resultados apresentamos e discutimos a continuação.

2.1. Resultados e sua discussão Os resultados encontrados são apresentados em percentagens, permitindo salientar os indicadores mais referenciados que possibilitaram no final, produzir uma caracterização 35

“tipo” dos actores e das suas acções, em género de narrativa. Para cada categoria é apresentada uma síntese crítica no fim dos seus resultados. a) Caracterização do transgressor Idade Das 100 notícias analisadas, 90% indica a idade do transgressor. São maioritariamente jovens com idade compreendida entre os 16 e os 25 anos (45% dos 16-20 anos; 28% dos 2125 anos – percentagens relativas). Os menores de 16 anos são referenciados em 17 casos de delinquência (11,3%) e jovens adultos com idade compreendida entre os 26 e os 30 anos, em 23 casos (15,3%). Em 10% das notícias não é apontada a idade dos infractores (Cf. Anexo 2, Gráfico 3). Sexo As notícias que referem o sexo dos transgressores indicam que a grande maioria são do sexo masculino (84,1% contra 15,9% do sexo feminino) (Cf. Anexo 2, Gráfico 4). Em 73% das notícias é referido o sexo do infractor; 23% não especifica. Zona de residência/proveniência No total das notícias analisadas, a zona de residência/proveniência do transgressor aparece em 46 notícias (46%). Nessas 46 notícias, são frequentemente referenciadas as zonas do Grande Porto (32,1%) e da Grande Lisboa (25%). Outros distritos, tais como: Braga, Aveiro, Coimbra, Leiria e Santarém, também são referenciados perfazendo, no conjunto, um total de 32,1% das notícias que indicam a zona de residência/proveniência do transgressor. São ainda apontados 6 indivíduos de nacionalidade estrangeira (10,7%) (Cf. Anexo 2, Gráficos 5 e 6). Em 54% do total das notícias analisadas este dado é omisso. Para além da zona geográfica de residência ou proveniência dos indivíduos, encontramos 17 referências a uma localização mais específica: 15 provenientes de bairros sociais, um indivíduo a residir num “acampamento” e outro “a residir na rua”. Situação profissional A maior parte das notícias não faz qualquer alusão à situação profissional dos indivíduos. Das 100 notícias analisadas 74%, nada diz a este respeito; 9% refere que os infractores estão desempregados ou a receber Rendimento Social de Inserção (RSI), outros 36

10% refere uma profissão conhecida e 7% expõem que aos indivíduos não lhes é conhecida profissão (Cf. Anexo 2, Gráfico 7). As profissões apontadas (quando referidas) foram: estudante, operário da construção civil, electricista, empregado de balcão, serralheiro, vendedor e segurança privado. Carreira criminal Em 60% das notícias não é feita qualquer tipo de menção à carreira criminal dos sujeitos. Apenas uma notícia refere que o autor do crime não possui antecedentes criminais (1%) e as restantes 39 notícias (39%) acusam antecedentes, ou referem que os indivíduos já tinham sido referenciados pelas autoridades (Cf. Anexo 2, Gráfico 8). Destas últimas, uma única notícia especifica a escalada dos autores do crime na sua trajectória delinquente, indicando que: “começaram com incivilidades” e “no fim já apontavam armas” (a propósito de um gangue da zona do Porto). Termo utilizado para designar o transgressor Nesta categoria quisemos inventariar todos os termos utilizados para denominar o autor do crime. Verificamos que em 58% dos casos é utilizado alguma palavra denotativa para fazer referência ao autor do crime. Encontramos as seguintes ocorrências:

“Assaltantes”

13

“Gangue”

13

Alcunha do sujeito/grupo

9

“Suspeitos”

8

“Duo”/ “dupla”

5

“Traficantes”

3

“Ladrões”

3

“Encapuzados”

2

“Trio”/ “tripla”

1

“Cadastrados”

1

Dentro das alcunhas dos sujeitos ou dos grupos encontramos nomes de gangues referenciados, tais como: “Gangue de Carreiros”; “Gangue da pistola prateada”; “Gangue do Multibanco”; “Lapa Boys Gang”, e também os nomes de alguns dos seus membros (“Pifas”; “Marreta”; “Campelo”; “Macaco”). 37

Outras categorias A situação familiar, a situação escolar, as características pessoais/psicológicas dos transgressores, bem com as reacções sociais ou comentários proferidos a respeito dos jovens delinquentes e a caracterização dos gangues ou grupos criminais, foram dados praticamente inexistentes nas notícias utilizadas na nossa análise. No que diz respeito à situação familiar, apenas 2 notícias fazem alusão, referindo que os jovens infractores são oriundos de “famílias modestas” e “famílias desestruturadas”. Relativamente à situação escolar, a única notícia que faz referência indica “maus percursos escolares”. Nas 5 notícias onde são apontadas características pessoais/psicológicas ao transgressor, este é definido como indivíduo “violento”, “perigoso” e com “desequilíbrio social”. Quanto à reacção social ou comentários proferidos acerca dos jovens delinquentes ou dos gangues, encontramos apenas 3 referências. Uma expõe a opinião do director do centro de acolhimento de crianças e jovens Refúgio Aboím Ascensão, segundo a qual se fosse criada uma “rede nacional” de instituições “tuteladas pela Segurança Social e com relação com os tribunais e hospitais (…), baseadas num modelo preventivo do desvio comportamental, em poucos anos haveria muito menos delinquência juvenil”. As outras duas referem-se ao comentário de populares residentes em zonas onde o crime cometido por jovens é comum: “há uma falta de valores”; “Se não há dinheiro e não querem estudar nem trabalhar, têm de o arranjar nem que seja a roubar”

Finalmente, no que concerne à caracterização dos grupos criminais ou gangues, encontramos que, das notícias que evidenciam gangues ou grupos delinquentes, apenas uma notícia fornece informação acerca de algumas possíveis características do gangue: “Não actuavam todos juntos”, respeitavam “horário de „trabalho‟” com “objectivos pré-definidos”. “Não teriam um líder”, contudo existia dentro do grupo alguns indivíduos “mais influentes: „Destacavam-se, quer no número de factos em que participavam, quer na decisão quando, onde e como actuar‟”.

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Síntese Apesar de termos conjuntos de dados que são referidos com pouca frequência e outros sistematicamente omitidos, tais como a carreira criminal, a situação profissional, escolar e familiar do transgressor, podemos esboçar uma caracterização dos jovens delinquentes de que a imprensa fala. Assim, temos que são maioritariamente indivíduos do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 16 e os 25 anos, oriundos principalmente de grandes centros urbanos, residentes em bairros sociais, alguns de nacionalidade estrangeira, e em grande parte dos casos com antecedentes criminais. Desempregados ou com profissão conhecida, é possível que tenham “maus percursos escolares”, que provenham de “famílias desestruturadas” e que sejam “violentos”, “perigosos” e com algum “desequilíbrio social”. São denominados pelo relato noticioso de “assaltantes” ou de “gangues” (este último, parece ser indistintamente utilizado quando os sujeitos actuam em grupo, quer se trate efectivamente de um gangue ou simplesmente de 3 indivíduos que assaltaram um estabelecimento, por exemplo). Esta “reprodução” que obtemos a partir dos resultados, em grande parte corresponde à descrição do jovem delinquente que encontramos na literatura (Cf. Capítulo I), não só no que diz respeito às abordagens teóricas, mas também relativamente aos dados oficiais provenientes dos Relatórios Anuais de Segurança Interna do nosso país. Efectivamente, a principal fonte de informação dos jornais em análise, no que diz respeito ao tipo de notícias que aqui examinamos, são os dados oficiais provenientes das forças policiais, daí não encontrarmos grande discrepância no jovem delinquente “tipo” encontrado e no jovem delinquente “tipo” descrito pelas estatísticas oficiais. Embora não esteja tão referenciada a residência dos transgressores em bairro social, nas notícias em análise, segundo as informações que encontramos na literatura (Cf. Capítulo I, ponto 2), este factor associado ao “ser jovem” e do sexo masculino, são factores influentes na construção de uma imagem negativa dos sujeitos com estas características e, tendo em conta o papel dos media nas sociedades actuais, se a imprensa confirma esta tendência, apoiada em dados oficiais, maior probabilidade desta imagem negativa se afirmar na população.

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b) Crime/estratégia criminal Acto transgressivo Das 100 notícias analisadas apenas 2 (2%) delas não especificam acto transgressivo; as restantes 98 (98%) dizem respeito a 156 crimes cometidos por jovens: furtos, assaltos de proximidade, assaltos a residências, assaltos a estabelecimentos comerciais ou empresas, crimes contra pessoas, distúrbios/vandalismo, posse ilegal ou tráfico de droga, outras transacções ilegais, outros crimes contra o património e outros crimes não classificados. Foram considerados “crimes contra pessoas” todos os crimes contra a integridade física e/ou psicológica de uma pessoa, como por exemplo: tentativa de homicídio, agressão física, crimes sexuais. As “outras transacções ilegais” referem-se ao envolvimento com comércio ilegal de armas ou receptação de material furtado; os “outros crimes contra o património” foram assim classificados quando na notícia apenas referia tratar-se de crime contra o património, sem especificar; por último os “outros crimes não classificados”, são crimes como: incêndio, condução ilegal e burla, uma vez que não fazem parte da classificação anterior e que apenas foram referidos em uma ou duas ocasiões. Dos 156 actos transgressivos mencionados nas notícias, os mais referenciados são os assaltos com 45,5% (17,3% assaltos de proximidade; 10,9% assaltos a residências; 17,3% assaltos a estabelecimentos comerciais ou empresas), seguido dos furtos com 23,1%. Os crimes contra pessoas são notícia em 10,9% dos casos, a posse ilegal ou tráfico de droga em 8,3%, e os restantes crimes são referenciados em menos de 5% dos casos (Cf. Anexo 2, Gráfico 9). Circunstâncias do crime – Onde Em 79,5% das ocasiões as notícias especificam onde foi cometido o crime, identificando a zona geográfica. Assim, encontramos que a maioria dos crimes noticiados foram cometidos na zona norte do país (58,9% dos crimes). Na zona centro e na zona sul, cometeram-se 21% e 19,4% dos crimes, respectivamente, e apenas um crime foi referenciado no arquipélago dos Açores (0,8%) (Cf. Anexo 2, Gráfico 10). Na zona norte, o distrito do Porto aparece com a grande maioria das frequências: 74% dos crimes noticiados cometidos no norte do país, referem-se a este distrito. No distrito de Braga foram cometidos 16,4% dos crimes da zona norte, e os restantes distritos referenciados correspondem a menos de 10% dos casos. Na zona centro, prevalecem as referências a crimes cometidos no Distrito de Aveiro (53,8%); também foram referidos alguns crimes cometidos 40

nos Distritos de Leiria e Coimbra (19,2% e 15,4% respectivamente). Os restantes distritos, ou não foram referidos ou a sua percentagem foi inferior a 10%. Relativamente à zona sul, 83,3% dos crimes cometidos nesta região ocorreram no distrito de Lisboa. Os restantes 16,7% referem-se a crimes cometidos nos distritos de Santarém, Setúbal, Évora e Faro (Cf. Anexo 2, Gráficos 11, 12 e 13 respectivamente). Circunstâncias do crime – Quando Em 55,1% dos casos não é referida a data de cometimento do crime. Apenas foram registadas 70 (44,9%) ocorrências que indicavam quando foi cometido o crime. Relativamente ao período anual, encontramos 9 referências a crimes cometidos em anos anteriores a 2009 (12,9%) e 61 referências a crimes cometidos no ano de 2009 (87,1%). Assim, dos crimes praticados em 2009, 32,8% aconteceram no primeiro trimestre, 26,2% no segundo trimestre, outros 26, 2% no terceiro trimestre e 14,8% no quarto trimestre (Cf. Anexo 2, Gráfico 14). Encontramos assim uma distribuição mais ou menos equilibrada quanto aos crimes noticiados por trimestre no ano de 2009, isto é, apesar de o primeiro trimestre representar sensivelmente o dobro do último trimestre, isto pode apenas indicar que no último trimestre foram noticiadas menos notícias relativamente à delinquência, e não necessariamente que tenham sido cometidos menos crimes do que no início do ano. Vinte e sete notícias (38,6%) especificam ainda o período do dia em que o acto transgressivo foi levado a cabo: 38,6% foram cometidos durante a noite (entre as 19h e as 05h), 11,4% aconteceram durante a tarde (entre as 13h e as 18h) e outros 11,4% de manhã (entre as 06h e as 12h) (Cf. Anexo 2, Gráfico 15). Modus operantis – Grupo ou Individual Encontramos nas notícias analisadas 77% de casos de actividade transgressiva em grupo e 15% de casos em que os indivíduos actuavam sozinhos. Apenas 8% não faz esta distinção (Cf. Anexo 2, Gráfico 16). Modus operantis – Estratégia/método As estratégias ou métodos utilizadas pelos transgressores nos crimes noticiados, foram agrupadas segundo o tipo de crime. Assim, no caso dos furtos noticiados encontramos que a maior parte das referências não especifica estratégia ou método (80,6%). Contudo, foi indicado em duas notícias o método de 41

esticão, correspondendo a 5,6%; os restantes 13,9% referem-se à fuga após o furto (Cf. Anexo 2, Gráfico 17), método que acompanha o acto transgressivo com objectivo de não ser capturado pelas forças policiais ou pelos proprietários dos bens furtados. No que diz respeito aos assaltos a situação é inversa, 85,9% das notícias que narram assaltos especificam o método ou estratégia utilizada pelos transgressores. O assalto a mão armada é o mais noticiado (25,8%), seguindo-se o uso de violência e a coação/ameaça, cada uma com 14,8% e 14,1% respectivamente. Mais abaixo encontramos a fuga (11,7%) e o arrombamento (10,2%). Os restantes são referenciados em percentagem inferior a 10%: sequestro (6,3%), encapuzados (6,3%), carjacking (5,5%), cara descoberta (3,1%) e premeditação (2,3%) (Cf. Anexo 2, Gráfico 18). Nos crimes contra pessoas foi sempre especificado o método ou estratégia utilizado pelo agressor. Encontramos então que prevalece o uso de violência (52,9%), seguido da utilização de arma (29,4%) e da prática do acto em locais isolados (17,6%) – nos casos de abuso sexual (Cf. Anexo 2, Gráfico 19). Os restantes crimes noticiados (posse ilegal/tráfico de droga; distúrbios/vandalismo; outras transacções ilegais; crimes contra o património; outros) não especificam o método/estratégia utilizada. Modus operantis – Arma utilizada Dos 38 crimes noticiados que referem a utilização de armas, 10 não especificam a arma utilizada. Para os restantes 28 crimes são referenciados a utilização, por vezes conjunta, das seguintes armas: arma de fogo (44,7%), arma branca (14,9%), réplica de arma de fogo (8,5%), outras (paus, chave inglesa, compressor de ar, isqueiro) (10%), como mostra o Gráfico 20 (Cf. Anexo 2). Produto dos roubos Dos 107 crimes de roubo (furtos e assaltos), 60 notícias fazem referência aos produtos roubados (56,1%); 47 omitem esta informação (43,9%). O produto que aparece como sendo o maior alvo dos roubos é o dinheiro (31,5%), seguido

dos

automóveis

(19,2%),

dos

telemóveis

(13,7%)

e

do

material

informático/electrónico (11%). Os restantes produtos são mencionados em menos de 10% dos casos: Combustível (5,5%), ouro (5,5%), tabaco (4,1%), outros (9,6%) – bens alimentares, produtos de higiene, vestuário (Cf. Anexo 2, Gráfico 21). 42

Motivo para o crime e reacção social Esta categoria foi analisada dentro dos parâmetros da contagem de frequências, contudo apenas foram encontrados 10 indicadores, querendo isto dizer que o motivo, razão ou objectivo que levaram o indivíduo ou os indivíduos a cometer o acto transgressivo é um dado frequentemente omisso no relato noticioso. No entanto, sempre que a notícia referia o motivo para o crime falava de: “a pobreza motiva-os”; “espírito consumista”; “obter dinheiro”; “manter um modo de vida confortável (…), carros, hotéis, viagens (…)”; “exibicionismo e afirmação perante os amigos” (caso de vandalismo); “rivalidade entre grupos” (nos casos de rixas entre grupos de jovens). Reacção social ao crime/comentários O mesmo acontece dentro desta categoria, os dados são praticamente inexistentes. Apenas 4 notícias fazem menção à reacção social ao crime, reproduzindo comentários quer de testemunhas dos crimes quer de membros das forças da ordem. Encontramos no relato noticioso os seguintes comentários relativamente ao crime: “preocupação na população”; “a população vive com pânico”; “Isto era uma zona calma, até instalarem aqui perto um bairro”. Constatamos que apesar de se tratar de um fenómeno preocupante na nossa sociedade (como vimos no Capítulo I), a imprensa portuense raramente foca as reacções sociais aos crimes cometidos por jovens delinquentes.

Síntese Os crimes cometidos pelos transgressores descritos na imprensa analisada são maioritariamente do tipo aquisitivo – furtos e assaltos. Acontecem principalmente no norte do país, mais precisamente na região do grande Porto; são também cometidos crimes na zona centro do país (principalmente no distrito de Aveiro) e na zona sul, sendo Lisboa a cidade com maior incidência. Estes crimes são efectuados principalmente à noite, ao longo de todo o ano, por indivíduos que actuam maioritariamente em grupo, recorrendo à utilização de arma de fogo, ao uso de violência, de ameaça e de coacção. Roubam dinheiro, automóveis e telemóveis às vítimas e, presumivelmente, são motivados pelo “espírito consumista” – “a pobreza”, a vontade de “obter dinheiro” e de “manter um modo de vida confortável (…)” são os motivos apontados. Perante este cenário a população provavelmente manifesta alguma “preocupação” e “pânico”. 43

Esta recapitulação dos dados encontrados relativamente ao crime, vão de encontro àquilo que referimos inicialmente na componente teórica do nosso estudo (Cf. Capitulo I). Se olharmos para os dados referentes às estatísticas oficiais no nosso país encontramos que efectivamente os crimes mais cometidos pelos jovens delinquentes são os crimes aquisitivos; encontramos também que cada vez mais actuam em grupo e recorrendo ao uso de violência. Quanto às zonas onde os crimes são cometidos, tendo em conta que estiveram em análise jornais com tiragem no Porto e zona norte do país, era de esperar encontrarmos uma maior incidência de crimes nesta região. Relativamente à motivação para o crime, apesar de termos encontrado apenas pontuais referências, estas parecem concordar com a ideia defendida pela Escola de Chicago, referente à inclusão pelo desvio dos jovens oriundos de meios desfavorecidos e que pretendem aceder ao “estilo de vida” da sociedade central.

c) Intervenção policial/controlo social formal Forças da ordem envolvidas Foram noticiadas 93 acções das forças policiais e das instâncias judiciais em todo o país. Estas acções dizem respeito à participação dos corpos da Polícia de Segurança Pública (PSP) (30,4%), da Guarda Nacional Republicana (GNR) (26,1%), da Polícia Judiciária (26,8%), e a medidas tomadas pelo Ministério Público (MP) e Tribunais (15,2%). Também outras forças intervieram (1,4%), como o caso dos Bombeiros Voluntários (BV) e da Polícia Municipal de Lisboa (Cf. Anexo 2, Gráfico 22). Apenas duas notícias não especificam as quais as entidades de controlo social intervenientes. As restantes fazem alusão ao trabalho interventivo e às forças da ordem envolvidas, indicando em muitos casos participação conjunta de algumas entidades e identificando figuras representativas das acções realizadas (agentes policiais, chefes de esquadra, directores de divisão, juízes, procuradores). Circunstâncias – Onde Nas 100 notícias analisadas, foram referenciadas 93 intervenções entre acção policial e medidas tomadas pelos tribunais e outras instâncias judiciais. Apenas 12 notícias não indicam qualquer intervenção. Estas 93 intervenções foram levadas a cabo um pouco por todo o país, com maior incidência na zona norte (48,4%). Foram noticiadas 28 intervenções na zona sul (30,1%) e 19 44

na zona centro (20,4%). Apenas registou-se um relato de acção interventiva nos Açores (1,1%) (Cf. Anexo 2, Gráfico 23). Na zona norte do país, foram mencionadas 33 acções realizadas no distrito do Porto (73,3%), 11 no distrito de Braga (24,4%) e uma no distrito de Vila Real (2,2%). Na zona centro a maior incidência é no distrito de Aveiro (57,9%) seguido de Coimbra (21,1%), Leiria (15,8%) e Viseu apenas com uma ocorrência (5,3%). Quanto à zona sul, 92,9% das intervenções nesta região foram executadas no distrito de Lisboa. Os distritos de Santarém e Évora também são mencionados apenas com uma ocorrência cada (3,6%) (Cf. Anexo 2, Gráficos 24, 25 e 26). Circunstâncias – Quando Das 93 intervenções mencionadas, 63 indicam a data de ocorrência (67,7%). Embora maioritariamente efectuadas no ano de 2009, encontramos também duas referências a acções policiais realizadas em anos anteriores. Relativamente a 2009, vemos que a distribuição das intervenções é equiparável quando comparamos os quatro trimestres, como se pode verificar no Gráfico 27 (Cf. Anexo 2). Foi especificado ainda em 32 notícias o período do dia em que foi realizada a intervenção. Assim temos que as intervenções foram efectuadas maioritariamente à noite (36,1%); algumas levaram-se a cabo durante a tarde (11,5%) e poucas no período da manha (4,9%); 47,5% não especificam período do dia (Cf. Anexo 2, Gráfico 28). Estratégia de acção/acto policial/medidas tomadas As acções policiais referenciadas dizem respeito às seguintes medidas tomadas: detenção (33,2%), apreensão (18,1%), perseguição/intercepção (5,6%), investigação (9,1%), interrogatório (5,2%), buscas domiciliárias (3%), identificação de suspeitos (3,4%), medidas de coação (6,5%), prisão preventiva (6,5%), prisão efectiva (2,2%), recolha de testemunhos (1,3%), disparos (1,7%), intervenção em distúrbios (1,3%) e medidas tutelares educativas (MTE) (0,9%). A partir destes dados vemos que a medida mais noticiada é a detenção, e a menos noticiada são as medidas tutelares educativas (Cf. Anexo 2, Gráfico 29). Material apreendido Das 42 apreensões noticiadas 5 não especificam o material apreendido. As restantes dizem respeito a: armas de fogo (12,1%), produtos dos roubos (10,6%), automóveis (10,6%), 45

droga (10,6%), dinheiro (9,1%), utensílios utilizados nos roubos (9,1%), material informático/electrónico (8,3%), telemóveis (6,1%), armas brancas (3,8%), réplicas de armas (3,8%), munições (3,8%), utensílios utilizados na produção e comércio de droga (3%), tabaco (2,3%), documentos (2,3%), outros (por exemplo: taco de basebol, cofre, gás pimenta) (4,5%). As apreensões mais referenciadas, são as armas de fogo, os objectos furtados, os automóveis e os estupefacientes (Cf. Anexo 2, Gráfico 30).

Síntese As forças da ordem que intervêm maioritariamente nos casos referenciados são os corpos da PSP, GNR e PJ. Igualmente o MP e os Tribunais tomam algumas medidas relativamente aos crimes cometidos por jovens. As intervenções ou medidas tomadas ocorrem especialmente nas divisões do norte do país, principalmente no distrito do Porto; também nas zonas centro e sul são efectuadas intervenções (nos distritos de Aveiro e Lisboa particularmente) e acontecem, tal como os crimes, sobretudo à noite, durante todo o ano. A estratégia mais utilizada é a detenção, mas também fazem apreensões, e quando as fazem apreendem maioritariamente armas de fogo, produtos dos roubos, automóveis e droga; é possível que apreendam também algum dinheiro, utensílios utilizados no cometimento dos roubos e material informático ou electrónico. As intervenções realizadas correspondem aos crimes efectuados, como tal a concordância de dados como as circunstâncias do cometimento do crime e da acção policial era de esperar. São múltiplas as medidas que as entidades policiais e judiciarias podem tomar em relação a um transgressor, mas normalmente a detenção é sempre a mais noticiada, fornecendo a percepção de que o delinquente foi “travado” pela polícia. Como vimos é rara a vez que uma notícia omite informação respeito da intervenção policial, evidenciamos então que (regra geral) para cada caso de acto transgressivo ocorreu uma acção policial, fornecendo a ideia de que alguma coisa foi feita pelos órgãos policiais. Se por um lado são notícia crimes violentos que podem causar “preocupação” e “pânico” na população, por outro lado vemos que os “assaltantes” são “apanhados pela polícia”. As reacções à acção policial não foram estudadas, e como vimos, a reacção social ao crime é pouco evidente na imprensa portuense, contudo mostra-se interessante perceber dentro da população que lê estes jornais que aqui

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analisamos, qual a imagem que lhes é transmitida a partir da informação que recebem sobre os crimes cometidos e a acção policial referenciada.

d) Caracterização da vítima Antes de passarmos a apresentação dos resultados encontrados relativamente às vítimas, cabe destacar que, dos actos transgressivos noticiados, apenas os crimes contra pessoas, furto e assalto são crimes que admitem vitimização, logo os dados relativamente às vítimas foram analisados tendo em conta os valores de referência associados a estes delitos, que correspondem a 79,5% (124 crimes) do total das infracções (156 crimes) (ver “acto transgressivo” na alínea c) desta secção e gráfico correspondente no Anexo 2). As percentagens apresentadas são valores percentuais relativos das notícias que fazem referência aos dados em análise, portanto a leitura dos resultados encontrados deverá fazer-se com cautela, tendo em conta também a quantidade (significativa) de omissões dentro de cada categoria. Idade A maior parte das notícias referentes a crimes com vítima não menciona a idade da mesma (85,5%). Contudo dentro dos 14,5% que indicam a idade da vítima encontramos que 31,6% têm idade inferior ou igual a 16 anos, outros 31,6% têm entre 17 e 25 anos, 15,8% têm entre 26 e 40 anos, 10,5% têm entre 41 e 60 anos e outros 10,5% têm idade superior a 60 anos (Cf. Anexo 2, Gráfico 31). Sexo Relativamente ao sexo das vítimas, 75,8% das notícias não faz referência, no entanto dentro dos 24,2% que especificam o sexo verificamos que 53,3% são do sexo masculino e 46,7% do sexo feminino (Cf. Anexo 2, Gráfico 32). Zona de residência/proveniência Nesta categoria apenas 15,3% menciona a zona de residência ou proveniência da vítima. Em 42,1% dos casos as vítimas são oriundas da Grande Lisboa, em 36,8% do Grande Porto e 21,1% de outros distritos (Aveiro e Leiria) (Cf. Anexo 2, Gráfico 33).

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Situação profissional No que diz respeito à profissão da vítima, dos 21,8% das notícias que fazem referência a este dado, verificamos as seguintes ocupações profissionais: comerciante (25,9%), empresário (25,9%), funcionário de estabelecimento comercial ou empresa (18,5%), estudante (18,5%), farmacêutico (3,7%) e taxista (3,8%) (Cf. Anexo 2, Gráfico 34). Sozinha ou acompanhada Nos 16,9% das notícias que indicam a situação em que a vítima se encontrava no momento do crime, verificamos que em 66,7% das vezes a vítima estava acompanhada e em 33,3% estava só (Cf. Anexo 2, Gráfico 35). Reacção/estratégia de defesa A esmagadora maioria das notícias que aludem crimes com vítimas não faz qualquer referência à reacção da vítima (89,5%). Contudo, quando o fazem (10,5%) reportam-se a 76,9% de atitudes activas face ao crime/agressor (perseguir, agredir, disparar) e 23,1% de atitudes passivas (referência explicita a uma ausência de resposta) (Cf. Anexo 2, Gráfico 36). Consequências para a vítima Nesta categoria, ao contrário das anteriores, maioritariamente é feita alusão às consequências para a vítima do crime (53,2%). Verificamos que sobressaem os danos ou perdas materiais (59,1%), seguido dos danos físicos (27,3%) e dos danos psicológicos (13,6%) (Cf. Anexo 2, Gráfico 37).

Síntese Normalmente as vítimas referenciadas nas notícias relativas a furtos, assaltos e crimes contra pessoas são homens ou mulheres com idade até aos 25 anos, residentes na zona da Grande Lisboa o do Grande Porto, principalmente comerciantes ou empresários. Na maioria dos casos as vítimas estavam acompanhadas, mas noutros casos a vítima se encontrava sozinha, manifestando (quer num caso, quer noutro) uma reacção activa perante o atacante. Geralmente as vítimas sofreram danos ou perdas materiais, mas também danos físicos e psicológicos. Como vimos, os dados sobre as vítimas são pouco frequentes, como tal estes resultados correspondem a um mínimo de dados encontrados no relato noticioso que examinamos. 48

Podemos então constatar que, no que diz respeito aos crimes cometidos por jovens infractores, a imprensa dedica pouca atenção às características da vítima. As notícias analisadas fazem alusão reiterada às vítimas apenas quando se trata de crimes contra as pessoas e eventualmente nos assaltos de proximidade ou a estabelecimentos comerciais. Nestes últimos, o dado mais frequentemente referenciado é a perda ou o dano sofrido, dado que evidencia o impacto que o crime teve na vítima.

e) Relações entre os actores Ao longo da análise foram encontradas algumas relações entre os actores: relação entre a vítima e o transgressor, relação entre as vítimas e relação entre transgressores. Embora a sua referência seja mínima, não justificando uma análise sistemática, decidimos tomar nota das ocorrências (sumariadas a continuação) e fazer menção a elas. Assim, encontramos que algumas das vítimas eram colegas de trabalho (nomeadamente nalguns assaltos a estabelecimentos), outras eram familiares (assaltos a residências), uns eram amigos e outros vizinhos (furtos e assaltos de proximidade). Quanto à relação entre a vítima e o transgressor, apenas encontramos numa notícia a referência de que a vítima era patrão de um dos membros do grupo de transgressores. No que concerne à relação entre transgressores, maioritariamente é evidenciada a pertença ao mesmo grupo, sendo por vezes mencionada a amizade entre eles e relações de família. Podemos concluir que as relações entre os actores não são alvo de atenção pelo relato noticioso.

f) Notícias com fotografia e notícias com chamada de primeira página Das 100 notícias que foram sujeitas a análise de conteúdo, 21 continham fotografia, na sua maioria do local do crime. Dessas 21 notícias, 6 tinham referência na primeira página do jornal. Não verificamos notícias que estivessem referenciadas na primeira página que não tivessem fotografia. Foi utilizada fotografia nos textos que noticiavam assaltos, detenções por tráfico de droga e a actividade transgressiva dos gangues: 11 fotos do local do crime, 4 fotos do material apreendido, 2 fotos do carro utilizado no roubo, 2 fotos do local de proveniência do gangue, uma fotografia de táxi assaltado e uma imagem alusiva aos transgressores. 49

Os temas das notícias com referência na primeira página são: reportagens sobre gangues (2 notícias interpretativas) e delinquência juvenil (1 notícia interpretativa); assaltos (3 notícias factuais). É possível então concluir que a delinquência juvenil e a delinquência em grupo não são alvo preferencial de atenção na primeira página dos jornais.

g) Breve referência as notícias de teor misto e opinativa A notícia opinativa pretende chamar a atenção ao acesso fácil que os jovens têm as armas e ao uso das mesmas, fazendo alusão ao caso da “Noite Branca” no Porto e à forma como a lei das armas “permite” a sua utilização para “defesa” própria, num estilo algo irónico referindo que se as vítimas “tivessem podido defender-se a tiro, estariam agora, provavelmente, na cadeia”. O facto de apenas termos encontrado uma notícia de opinião referente à delinquência juvenil e à delinquência em grupo, sugere-nos que estes temas não são alvo de interesse preferencial pelos autores deste tipo de notícia, sejam eles especialistas em matéria criminal, social ou jornalística. Relativamente às notícias de teor misto, como já tínhamos referido, o tema central destas são os dados do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) do ano 2008. Decidimos pois, incluí-las na nossa análise com o objectivo de examiná-las desde o ponto de vista crítico. Assim sendo, encontramos que em ambas as notícias não são referidos os dados relativos à delinquência juvenil e à delinquência em grupo. Contudo, verificamos que a notícia do jornal Público faz uma breve alusão exactamente à falta de dados sobre estes dois fenómenos no RASI de 2008, enquanto que a notícia do Jornal de Notícias não faz qualquer menção a este respeito.

3. Síntese crítica dos resultados em geral Afinal, quem são estes jovens delinquentes de que a imprensa fala? Agrupando os dados descritos até aqui num único texto, poderíamos ensaiar uma história sobre os gangues e jovens delinquentes em geral e sobre os crimes cometidos por estes, narrada pela imprensa da zona norte do país no ano de 2009. Assim sendo teríamos: 50

Indivíduos do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 16 e os 25 anos, oriundos principalmente de grandes centros urbanos, residentes em bairros sociais (alguns de nacionalidade estrangeira), com antecedentes criminais, desempregados ou com profissão conhecida, furtam e assaltam pessoas, residências e estabelecimentos comerciais ou empresas no Porto (por vezes também em Lisboa e em Aveiro). Os assaltantes ou gangues, violentos e perigosos, actuam à noite em grupo, recorrendo à utilização de arma de fogo, ao uso de violência, de ameaça e de coacção. Roubam dinheiro, automóveis e telemóveis às vítimas e, presumivelmente, são motivados pelo “espírito consumista”. Também cometem crimes contra pessoas e eventualmente dedicam-se ao tráfico de droga. As vítimas destes indivíduos são homens ou mulheres com idade até aos 25 anos, também residentes em grandes centros urbanos. Principalmente são comerciantes ou empresários, mas os estudantes e os funcionários de estabelecimentos ou empresas também podem ser atacados. Estas vítimas reagem ao atacante, mas sofrem danos ou perdas materiais, danos físicos e psicológicos. Perante este cenário a população parece manifestar alguma preocupação e pânico. No entanto, a PSP, a GNR e a PJ intervêm quase sempre, nestes grandes centros urbanos, detendo os suspeitos e apreendendo-lhes armas, produtos dos roubos, automóveis e droga. Igualmente o Ministério Público e os Tribunais tomam certas medidas. Algumas vezes são efectuadas investigações e são decretadas medidas de coação e de prisão preventiva.

Na sua maioria os resultados encontrados são concordantes com os dados referenciados na literatura, quer ao nível das considerações teóricas de autores (Cf. Capítulo I, ponto 1 e 3) quer ao nível dos dados oficiais de Segurança Interna em Portugal (Cf. Capítulo 1, ponto 3). Igualmente o tipo de informação veiculada pelos media relativamente às figuras da delinquência, corresponde às indicações referidas por autores como Fernandes (1997) ou Castanheira e colaboradores (1997) como vimos no ponto 2 do Capítulo I, a propósito do papel dos meios de comunicação de massa na construção da representação social das figuras da delinquência. Por outro lado, o uso indiscriminado do termo “gangue” para denominar grupos de jovens que realizam actos transgressivos fornece a ideia de que qualquer um desses grupos constitui um gangue, quando a definição que encontramos na literatura nos diz que para ser 51

um “gangue” é preciso muito mais do que apenas cometer crimes em grupo (ver “delinquência em grupo” no ponto 1 do Capítulo I). Conforme evidenciamos na análise quantitativa, o discurso dos jornais “do norte” sobre a delinquência juvenil e a delinquência em grupo é um discurso predominantemente informativo de descrição factual dos acontecimentos. Este relato factual fornece uma imagem preocupante acerca da figura do jovem delinquente e daquilo que ele é capaz de fazer e provocar nas suas vítimas. Privilegia-se assim a publicação de informação factual proveniente de fontes policiais ou outras instâncias do sistema jurídico-penal, em detrimento de informações que possam fornecer uma explicação, uma interpretação dos acontecimentos. Preferem não recorrer a outras fontes como, especialistas em criminologia, sociologia, psicologia ou outras áreas de saber que, debruçando-se sobre os fenómenos em questão, poderiam elucidar o leitor destes jornais sobre as realidades a que não têm acesso directo. Assim, ao falar do jovem delinquente, quem fala são as instâncias de controlo social, raramente os especialistas das áreas acima referidas, nunca os próprios sujeitos. Constatamos que apesar de se tratar de um fenómeno preocupante na nossa sociedade (Neves, 2006; Fernandes, 2001; Fernandes & Pinto), a imprensa examinada raramente foca as reacções sociais aos crimes cometidos por jovens delinquentes. A imprensa parece preferir noticiar os dados relativos à idade, sexo e proveniência do transgressor e utilizar muitas vezes termos conotativos para os identificar. Prefere também focar os actos transgressivos praticados, onde e como foram cometidos, qual a intervenção efectuada pelas forças da ordem, especificando que entidade praticou determinada estratégia, frequentemente identificando agentes policiais, directores de divisão, juízes e procuradores. Quanto aos motivos para o cometimento do crime, em alguns casos as notícias parecem reflectir que a razão seja a obtenção de dinheiro, a aquisição de bens, que devido à pobreza dos indivíduos, não lhes é possível adquirir de outra maneira. Mas mais longe do que isso, a motivação dos sujeitos em crimes mais violentos não é alvo de atenção. Mesmo nas notícias de teor interpretativo onde a abordagem ao tema é feita de forma mais profunda e elaborada, parece haver um desinteresse em evidenciar o que leva a estes jovens a integrarem grupos delinquentes, o que leva a estes jovens a cometerem os crimes que cometem – são raras as referências encontradas.

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Relativamente às vítimas, são quase esquecidas. A imprensa parece optar por transmitir o impacto que teve na vítima o crime cometido por jovens infractores, em vez de evidenciar as características da mesma. Um estudo semelhante ao nosso realizado em 1997 (não publicado), analisou a imprensa a propósito do sentimento de insegurança e da criminalidade em geral (Manita, 1997), encontrando curiosamente, resultado oposto ao que aqui apresentamos: “os dados relativos ao delinquente e aos pormenores da sua acção são mais susceptíveis de omissão do que as características da vítima e dos danos causados a esta” (Manita, 1997, p.38). No entanto, não podemos esquecer que o objecto de estudo é diferente do nosso, referindo-se a temas muito mais abrangentes. É verdade que não analisamos todas as notícias retidas, nem muito menos todas as notícias publicadas no ano de 2009 a respeito da delinquência juvenil e da delinquência em grupo (trabalho que não se justificava para o objectivo exploratório do presente estudo), é verdade também que, apesar de ser a técnica mais adequada, o carácter de aleatoriedade escolhido para seleccionar as notícias de teor factual a analisar, pode eventualmente ter deixado de fora notícias com outras referências. Todavia, nada nos pode garantir que se tivéssemos analisado todas as notícias retidas, ou todas as notícias publicadas no ano de 2009, teríamos resultados polarizadamente opostos. A visão dos insiders Contactados a propósito dos nossos resultados, o jornalista do JN (Nuno Silva) e o indivíduo com historial de delinquência (R.), ofereceram-nos uma opinião acerca do que encontramos e acerca do papel dos media na construção da imagem do delinquente. Em primeiro lugar referimos o comentário proferido por quem vivenciou a delinquência (Cf. Anexo 3). Esta pessoa destaca o papel da imprensa enquanto veículo informativo dos actos cometidos por jovens delinquentes, e a importância que isso tem na afirmação da conduta delinquente. Por outras palavras, para R. o facto de que um acto delinquente seja noticiado, pode ser considerado pelos seus autores como “troféu”, como uma afirmação de si próprio enquanto delinquente, adquirindo o reconhecimento pela opinião pública e pelos pares; segundo R. a publicação dos actos transgressivos servem ainda de meio informativo entre grupos delinquentes, de forma a “mostrarem uns aos outros do que são capazes”. Salienta que, se por um lado é importante que os cidadãos estejam informados para que possam prevenir eventuais situações de vitimação, por outro lado pode fomentar a 53

estigmatização social de jovens dos meios desfavorecidos, que nem sempre são delinquentes. Refere também que o facto de ser noticiado o modo de agir das forças de segurança, pode levar aos jovens transgressores a “se precaverem de eventuais „erros‟ na sua conduta criminosa”, dificultando o trabalho destas mesmas entidades. Na opinião do jornalista Nuno Silva (Cf. Anexo 3), a delinquência juvenil é hoje em dia um fenómeno preocupante, principalmente pela violência com que estes jovens actuam e pelo “sentimento de impunidade” que marca o seu percurso. Nuno Silva refere que é necessário informar o cidadão relativamente aos factos que encontramos na sociedade, para que “possa formar a sua própria opinião”. Defende a objectividade do jornalismo e refere que noticiar realidades como a criminalidade juvenil, pode servir de alerta não só para os cidadãos, mas também para as entidades que são responsáveis por “procurar soluções para combater o fenómeno”.

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Considerações Finais Desde a fase de recolha das notícias para a constituição da amostra começamos a registar algumas constatações. A primeira é que quase todas as edições diárias dos jornais consultados, noticiam crimes cometidos por jovens delinquentes ou “gangues”, contudo encontramos substancialmente mais publicações no Jornal de Notícias do que no jornal Público. A segunda diz respeito às referências de primeira página dos jornais, pois encontramos que (no geral das notícias retidas na nossa amostra) a delinquência juvenil e a delinquência em grupo não são alvo preferencial de atenção na primeira página dos jornais, a não ser que se trate de crimes mais violentos ou casos mediáticos como o caso da “Noite Branca” no Porto – são apenas as notícias de maior impacto as referenciadas nas primeiras páginas. Em ambos os periódicos o tipo de informação veiculada transparece uma imagem negativa dos actores que, quer pela frequência com que é publicada, quer pela forma como é noticiada, pode contribuir para a construção do sentimento de insegurança que cada vez mais é associado à figura do jovem delinquente e dos chamados “gangues”. Mas será que estes “gangues” existem efectivamente, ou serão mais uma construção do relato noticioso que “abusa” do termo para denominar os transgressores que actuam em grupo? Como vimos, para que um grupo de transgressores seja efectivamente reconhecido como “gangue” não basta apenas que os indivíduos actuem em grupo, mas a palavra “gangue”, por si só, tem a carga conotativa do perigo que estes sujeitos podem representar. Como tal, a sua utilização sugere uma tentativa de alerta para que se tenha medo deles, mais uma vez contribuindo para a construção da imagem perigosa das figuras que “pairam” nos grandes centros urbanos – dos “jovens do sexo masculino, desempregados e provenientes de bairros sociais que actuam em grupo”. Contudo, não podemos esquecer que a postura do leitor não é uma postura passiva de mera absorção da informação que lê nos jornais, se assim fosse o medo associado à figura do jovem delinquente, provavelmente teria outras proporções. Mas como referem Fernandes (1997) e Manita (1997), a população é proactiva na construção das suas representações dos fenómenos sociais. Assim, apesar da informação que os media difundem, é o público que escolhe o tipo de informação que pretende “consumir” para entender determinadas realidades, interpretando-as cada um à sua maneira.

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Teria sido interessante podermos aceder a esta interpretação, tentar perceber dentro da população que lê os jornais que aqui analisamos, qual a imagem que lhes é transmitida a partir da informação que recebem sobre os crimes cometidos e a acção policial referenciada, enfim, qual a representação que criam da delinquência juvenil. Igualmente teria sido oportuno, termos complementado a interpretação dos resultados recorrendo à opinião de jovens infractores para podermos analisar, por exemplo, o impacto que estas notícias têm neles (se é que tem algum impacto). Embora tentássemos obter, junto de jornalistas, uma explicação para a omissão sistemática de alguns dados referentes aos transgressores, às vítimas e às reacções sociais, não conseguimos este esclarecimento. O jornalista Nuno Silva esclareceu apenas que defende a máxima objectividade, sem omissão de factos, para que os cidadãos possam criar a sua própria opinião acerca deles. Todavia, segundo o estudo de Manita (1997), uma hipótese explicativa para estas omissões encontra-se na origem dos dados que os jornalistas publicam, pois muitas vezes são as próprias fontes (forças policiais, por exemplo) que omitem as informações à imprensa. Na perspectiva de um sujeito ex-delinquente, a informação veiculada pelos media a respeito dos jovens transgressores pode por um lado aumentar a sua motivação para o crime, uma vez que são reconhecidos publicamente os seus actos (factor comum referido na literatura como reforço no desenvolvimento de condutas delinquentes – Cf. “delinquência em grupo” no ponto 1, Capítulo I), mas por outro lado pode fomentar a discriminação e estigmatização de todos os jovens provenientes de zonas desfavorecidas, mesmo os que não possuem historial de criminalidade. O estudo que fizemos pretendeu ser um contributo para a definição da imagem que o discurso mediático fornece relativamente à delinquência juvenil, gangues e delinquência em grupo (em geral). Contudo, assumimos que os nossos resultados fornecem apenas uma luz daquilo que é noticiado, na imprensa escrita, acerca destes fenómenos. Não podemos esquecer que os dados recolhidos referem-se apenas a jornais com tiragem no Porto e zona norte, como tal não é conveniente fazer uma leitura destes resultados à escala nacional. Com certeza o nosso trabalho teria sido mais rico se tivéssemos tido a oportunidade de comparar os nossos resultados com os resultados do estudo, ainda em curso, que nos serviu de referência metodológica. Por isso, consideramos que numa investigação futura será interessante poder fazer esta confrontação. 56

Encontramos também outras sugestões para futuras investigações, como por exemplo incluir na análise jornais de tiragem no centro e sul do país, de forma a fazer uma generalização do discurso da imprensa à escala nacional; analisar intercaladamente uma década de publicações (por exemplo os anos ímpares ou os anos pares de 2001 a 2010), e comparar com décadas anteriores, no sentido de examinar semelhanças e diferenças/mudanças nos discursos noticiados. Claramente estas propostas de estudo mereceriam um nível mais aprofundado de análise, mas certamente contribuiriam para uma tentativa de interpretação mais objectiva do discurso mediático sobre a delinquência juvenil e a delinquência em grupo. Concluindo, assistimos neste momento a um aumento do sentimento de insegurança veiculado (entre outras) pelas figuras do jovem delinquente e dos gangues, sujeitos perigosos que furtam e assaltam com uso de violência nos grandes centros urbanos. Esta informação chega às populações principalmente através dos meios de comunicação social, entre os quais a imprensa escrita. Tratando-se de uma realidade que não é directamente acessível ao cidadão comum, os mass media são a via mais fácil de acesso, onde é possível assistir (como contemplamos aqui) ao relato do crime, onde são identificados os actores e onde é constantemente referida a acção das entidades de controlo social formal (entidades policiais e judicias principalmente). Por outro lado (curiosamente) assistimos também às respostas destas entidades, que insistem em demonstrar, com números, que estão a esforçar-se por restabelecer o “sentimento de segurança” nas populações. Por vezes sugere mais um confronto político do que efectivamente uma preocupação pelo entendimento destes fenómenos, no sentido de promover intervenções de integração e de reestruturação social, como seria suposto. Em suma, é esta a informação a que temos acesso quando consultamos a imprensa para saber quem são e o que fazem os jovens delinquentes.

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“Mãe! Mãe! Quem são esses rapazes? - Esses rapazes filho, são maus… fazem mal às pessoas Porque? - Porque roubam, batem e fazem coisas feias às pessoas…são maus filho Mas porque é que são maus mãe, sabes? Não sei meu filho…não diz no jornal…” Anónimo

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Sites consultados: Programa

Escolhas.

Consultado

em

http://www.programaescolhas.pt/apresentacao

63

02

Dezembro,

2008

de

Anexos 1. Grelhas de análise de conteúdo 2. Gráficos 3. Comentários

1. Grelhas de análise de conteúdo CARACTERIZAÇÃO DO TRANSGRESSOR Categoria

Indicadores Referência (ou não) à idade do transgressor, agrupada

Idade

posteriormente em intervalos de idades: 60 anos.

Referência (ou não) ao sexo da vítima.

Sexo

Referência (ou não) à proveniência da Zona de residência/proveniência

vítima,

classificada

segundo

a

zona

geográfica de residência/proveniência. Referência (ou não) à situação profissional Situação profissional

da vítima do crime. Referência (ou não) à situação em que a

Estava sozinha ou acompanhada

vítima se encontrava no momento do crime, se estava só ou acompanhada. Referência (ou não) à reacção da vítima no momento do crime: activa (resposta da vítima perante o transgressor, por exemplo,

Reacção/estratégia de defesa

“agrediu”, “perseguiu”); passiva (quando explicitamente é referido que a vítima não teve qualquer tipo de reacção). Referência (ou não) aos danos sofridos pela

Consequências para a vítima

vítima (dano/perda material, dano físico, dano psicológico).

RELAÇÕES SOCIAIS ENTRE OS ACTORES

Categoria

Indicadores Referência (ou não) à relação social entre as

Relação entre as vítimas

vítimas do crime noticiado, por exemplo: familiares, amigos.

Relação entre vítima e transgressor

Relação entre transgressores

Referência (ou não) à relação social entre a vítima e o transgressor do crime noticiado. Referência (ou não) à relação social entre os transgressores do crime noticiado.

2. Gráficos

Gráficos distribuição estatística das notícias

Gráfico 1 - Teor das notícias 300

250

200

150

100

50

0

Factual

Interpretativo

Opinativo

Misto

Total Por Teor

285

6

1

2

JN

251

3

1

1

PÚB

34

3

0

1

Gráfico 2 - Conteúdo das notícias 160 140 120 100 80 60 40 20 0

Total Por Conteúdo JN PÚB

Gráficos análise qualitativa

a) Caracterização do transgressor Gráfico 3 - Idade do transgressor

Gráfico 4 - Sexo do transgressor

Feminino Masculino

60 anos

Gráfico 33 - Zona de residência/proveniência

Grande Porto Grande Lisboa Outros Distritos

Gráfico 34 - Situação profissional da vítima

Comerciante Funcionário Empresário Estudante Farmacéutico Taxista

Gráfico 35 - Sozinha ou acompanhada

Gráfico 36 - Reacção/estratégia de defesa

Sozinha

Activa

Acompanhada

Passiva

Gráfico 37 - Consequências para a vítima

Dano/perda material Dano físico Dano psicológico

3. Comentários Comentário “R.” “Começo por dizer que os órgãos de comunicação social são factores que influenciam a nossa forma de ver as coisas talvez de um modo mais flagrante e importante do que o que supomos. Estamos constantemente sob as suas mensagens e cada vez mais a medida que as tecnologias de comunicação evoluem. Hoje em dia é impossível passar incólume ás mensagens dos media na rádio, internet, televisão, jornais, anúncios, etc... A meu ver, quando os órgãos de comunicação social retratam a delinquência não tem em consideração que o seu alvo não são apenas os “bons” cidadãos mas também os “maus”, mas mais importante ainda os tais jovens que são ainda cidadãos potenciais ou potencialmente “bons” ou “maus” entendendo-se por bons ou maus apenas na medida em que prejudicam outros deliberadamente e ilegalmente, embora isto se estenda a todas as actividades do ser humano. Os jovens, e falo como tendo sido também um adolescente, não se regem pelos mesmos padrões que uma pessoa dita adulta, ainda estão a absorver o mundo e a projectar-se nele. Ora...se já fazem parte de um grupo de adolescentes que “condicionados” pelas tendências actuais de viver o limite, de experimentar todas as sensações sem descriminarem as melhores ou piores, pois ainda não tem em si aquela noção de preparação do futuro que há-de vir, condicionados pela tendência actual do consumismo, é natural que como todos os jovens se sintam seduzidos pelo perigo, pela aventura, a responsabilidade ainda não tem um peso consciente em cada um deles é natural e comummente aceite tudo o que falei acima pelo senso comum. Por vezes creio que a delinquência é retratada de uma forma bastante sedutora para estes jovens. A meu ver os adolescentes regem-se por uma forma de ver a vida ainda muito ligada aos contos de fadas de quando eram pequeninos, mas agora, na adolescência as fábulas são da vida real. É comum no meio de adolescentes haver uma série de histórias, quase lendas, sobre o que uns e outros fazem, sobre o que cada grupo faz, quais as suas experiências. Correm sempre boatos ou histórias sobre o que um ou outro fizeram em determinado dia que saíram á noite, ou nas aulas etc...É uma forma ainda bastante precoce de entender a vida. Como tal e para os primeiros delinquentes acho que o facto de determinado facto perpetrado por eles ser publicado serve-lhe quase como troféu, além de que retratam sempre os delinquentes como conseguindo levar a avante grande parte dos seus “pequenos” crimes, mostram quais as recompensas que eles encontram nessa forma de vida e não toda uma gama de consequências que eles têm, tornando assim um exemplo a seguir em vez de uma referência a evitar. É sabido o estímulo forte que é para um adolescente desafiar a autoridade, as normas, as regras, as instituições etc...Por vezes as publicações servem até de meio de comunicação entre gangues diferentes servindo para mostrarem uns aos outros do que são capazes e como são “cool”, digamos

assim...Deveria haver uma apresentação mais cuidada, mais lúcida e consciente na forma de retratar estas coisas pelos media, com o grande poder que têm pressupõe-se uma grande responsabilidade e ética claro. Muitas vezes publicam os pormenores que levaram a absolvição de determinados crimes educando assim o potencial criminoso, elucidando também as formas de agir das autoridades. Por outro lado, o constante retratar destas coisas muitas vezes de uma forma tão leve e “comum” vão minando a sensibilidade do público. Tantas vezes se ouve falar destas coisas que quando estão a acontecer não tem uma força tão grande como deveriam. Resultado: De uma forma muito leve e inconsciente é possível a um jovem cometer pequenos delitos e gabar-se dos seus feitos e com a prática dos mesmos ir lentamente assumindo uma motivação para os fazer e para se ir refinando no que faz. A incrível estimulação ao consumo, ao materialismo que move a nossa sociedade e até numa análise mais radical, sendo o materialismo a única forma de sobrevivência nesta sociedade, os jovens, sem posses e oriundos de um meio menos privilegiado vêem na delinquência uma forma de obter as coisas que de outra forma não conseguiriam arriscando assim a liberdade, a vida, o futuro. A discrepância entre os custos e os benefícios não são claros. Até porque às vezes ouve-se determinado crimes mas não há um acompanhamento de desfecho dos mesmos. Com toda esta submersão em informação contraditória e pouco clara é fácil para os jovens irem justificando para si e para os outros as práticas criminosas. Lembro-me de uma vez que fui abordado pela policia e detido devido á posse de meio kilo de haxixe e foi publicado no dia a seguir a detenção como tendo sido a maior daquela esquadra. Apenas isto foi publicado assim como uma leve menção à minha pessoa dizendo de onde sou, a mina profissão e o sitio e as horas da ocorrência. Para os meus amigos foi um feito que teve admiração por parte deles e respeito até. Mas não foi publicado que fiquei com uma pena suspensa de 2 anos, uma multa elevada, apresentações periódicas na esquadra, implicações familiares etc. Não posso deixar de referir o fenómeno do hip-hop e do rap sempre associado a gangues e gangsters e a modos de vida delinquentes. Para os jovens eles são modelos a seguir. Nem tal coisa devia ser apregoada nem tão pouco a delinquência ser enfatizada como uma característica desse tipo de música. É mau para os jovens. É mau para os músicos. Sendo um meio de intervenção social, que é, e um meio que promove a construção de significados acerca da realidade, que é, creio que os media deviam ter pessoas especializadas na abordagem das diferentes temáticas tendo em conta que isso vai influenciar a opinião publica e portanto tendo em conta o efeito na realidade que abordam e o efeito que vão ter nas pessoas fora dessa realidade.

Relativamente ao resultado, apresentado em forma de narrativa de síntese, das observações, investigações previamente efectuadas, não posso deixar de concordar com algumas coisas como de discordar com outras.

No caso da imprensa, através das suas publicações, elucidar os cidadãos acerca das estratégias levadas a cabo pelos delinquentes\criminosos nas suas práticas criminosas, acho que é importante fazerem-no para permitirem às pessoas precaverem-se de determinadas situações em que se expõem à possibilidade de virem a ser vitimizadas. Através da consciência da maior parte das formas em que os crimes acontecem podem autonomamente tomar medidas de prevenção mesmo sem o contacto directo com o mundo do crime ou dos criminosos. Já o divulgarem a forma de agir das diversas entidades que se dedicam à manutenção da ordem e harmonia, segurança social acho bastante errado pois estão a facultar ferramentas aos criminosos para se precaverem de eventuais “erros” na sua conduta criminosa e deste modo dificultarem o trabalho ou mesmo impossibilitarem o mesmo por parte das forças de segurança e mecanismos legais. Enquanto divulgação objectiva, e apenas se assim for, os media são responsáveis por informar as pessoas sobre o que se passa por esse mundo fora. Quanto às considerações (sempre presentes) acerca desta realidade social, sim, porque é uma realidade social e não um problema social distante das pessoas que por vezes optam por olhar para o outro lado ou por acharem que o “problema” está contido a pessoas “más”e de baixos estratos sociais ou baixa escolaridade e a específicas áreas da cidade ou país, acredito que estas considerações deveriam estar ao cargo de especialistas das várias áreas e não serem operacionalizadas e publicadas por pessoas com uma formação de base completamente distante do assunto, apenas especialistas em tornar realidades em ficções comercializáveis, impressionáveis, em tornar a realidade em utensílio de manipulação da opinião pública que em nada nos ajuda a uma melhor compreensão dos vários fenómenos. Quase desnecessário seria referir as gafes cometidas pela imprensa ao abordar o tema e que resultam numa grande exclusão social por parte da maioria dos cidadãos que não tenham uma visão analítica e crítica. De facto, parecem querer confinar as realidades criminosas aos bairros sociais, aos estrangeiros e aos jovens, desta forma, as comunidades dos bairros sociais, imigrantes e jovens são estigmatizados culturalmente através da generalização levada a cabo pela imprensa...as pessoas começam a descriminar injustamente todas as pessoas destes meios e condições e ao mesmo tempo vulneráveis a todos os criminosos que não se encaixem neste perfil, uma vez que a prática criminosa ou delinquente nos mais jovens, é transversal à sociedade e aqui falo um pouco com conhecimento de causa visto que também eu tive uma fase puramente delinquente por bastante tempo e contudo provenho de um meio privilegiado, ou seja de um alto estrato social, com escolaridade acima da média e todas as condições que podem ser consideradas atípicas num criminoso como uma boa base afectiva e relacional com a minha família. No fundo não são atípicas...visto que uma infinidade de factores que podem influenciar a motivação, a conduta, a ambição e desestruturação de uma pessoa que em último caso é sempre senhora de si independentemente do seu meio e como tal podendo enveredar por uma carreira criminosa, ou não...dependendo dos significados que atribui a si própria e á sua forma de agir como dos que atribui ao mundo externo ou social.”

Comentário Nuno Silva (Jornalista do JN) “A delinquência juvenil, muitas vezes inserida num contexto de gangues, é um dos fenómenos criminais que nos últimos anos mais tem crescido e preocupado as autoridades policiais. Sobretudo pelo aumento do grau de violência que o tem caracterizado. Ou seja, os jovens começam a sua carreira criminal com os designados pequenos crimes (como furtos no interior de viaturas ou em estabelecimentos), mas cedo evoluem para o patamar da criminalidade grave, praticando, por exemplo, assaltos com recurso a armas de fogo em que os alvos são postos de combustível, ourivesarias e carros (“Carjacking”), entre outros crimes. E com armas nas mãos de adolescentes pode esperar-se sempre o pior, num momento de descontrolo, em caso de a vítima resistir ou de a Polícia surgir no seu encalço. Outra questão importante é o total sentimento de impunidade que marca o percurso destes jovens, muitos deles oriundos de famílias desestruturadas, nascidos e criados em meios problemáticos como bairros sociais, sem aproveitamento escolar e com familiares na prisão. Sabem que a menoridade (só podem ser detidos a partir dos 16 anos) os “protege”, podendo apenas ser sujeitos a medidas tutelares educativas que pouco ou nada lhes servem de emenda. E não raras vezes dão conta desse “conhecimento”, em jeito de provocação, aos elementos das forças policiais que os interceptam. Quanto ao papel da imprensa na construção da imagem do delinquente, defendo sempre a máxima objectividade possível, sem omissão de factos, para que o cidadão seja informado daquilo que o rodeia e possa formar a sua própria opinião. Entendo que as notícias sobre determinadas realidades criminais servem muitas vezes de alerta, seja numa vertente preventiva ou mesmo de repressão dos crimes. E, nesse sentido, a atenção deve ser partilhada por todas as entidades ligadas a estas matérias, desde as polícias, às instituições sociais ou autarquias para que tentem, de forma multi-disciplinar, procurar soluções para combater o fenómeno.”

Nuno Silva

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