“O que são os direitos humanos?” (tradução - Costas Douzinas - Núcleo de Direitos Humanos/UNISINOS)

July 7, 2017 | Autor: D. Carneiro Leão ... | Categoria: Human Rights Law, Critical Legal Theory, Costas Douzinas
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What are human rights? Probing questions of legality and morality can help us understand the paradox that not all humans have humanity



Costas Douzinas theguardian.com, Wednesday 18 March 2009 11.43 GMT Tradução do texto de autoria do Professor Costas Douzinas publicado na página “The Guardian” no dia 18 de março de 2009. Link de acesso: http://www.theguardian.com/commentisfree/libertycentral/2009/mar/18/human-rightsasylum O que são os direitos humanos? Autor: Costas Douzinas Tradução: Daniel Carneiro Leão Romaguera Revisão: Profª. Fernanda Bragato

A sondagem sobre questões de legalidade e moralidade pode nos ajudar a compreender o paradoxo de que nem todos os seres humanos têm humanidade.

Em um segmento extremamente bem planejado em resposta ao artigo da semana passada (“São os direitos universais?”), colaboradores discutiram o estatuto metafísico desses direitos, a sua ligação ao ambiente universal ou local e sua importância política. Zdenekv levou-me a tarefa de não concordar que, de acordo com o “realismo moral”, as pessoas têm direitos “como qualquer outra propriedade natural” – poder-se-ia dizer, da mesma maneira que têm braços ou pernas. Jami, um requerente frustrado de asilo vivendo nas sombras, respondeu ao realista moral na cobertura do Guardian de segundafeira com um relatório sobre a caridade aos refugiados denominada Parfras. Uma humanidade subterrânea sem abrigo, comida ou o direito ao trabalho sobrevive em nossas cidades com menos de um dólar por dia, Parfras revelou. No vídeo que acompanha, Jami, que dorme em parques em silêncio contrasta-se a seus amigos que têm “papéis” - e, implicitamente, com o resto nós também. “Qual a diferença entre mim e eles?” Jami pergunta. “Eles são humanos como eu. Pessoas como eu têm duas mãos, dois olhos e duas pernas. Qual é a diferença entre nós?” Ele termina sua descrição de cortar o coração ao falar da miséria, pobreza e desespero, abordando discretamente pessoas como nós que a partir de nossas casas confortáveis e escritórios seguimos proclamando: “Os direitos humanos, os direitos humanos”. Mas onde estão os direitos humanos para os requerentes de asilo? Em assombrosas e vacilantes frases ecoa o sofrimento da humanidade de Shylock a Primo Levi. Este filósofo natural afirma uma

verdade indiscutível do realismo: todos nós podemos ser humanos, mas a humanidade sempre exclui, despreza e degrada algumas de suas partes. A humanidade não é única. Como podemos entender esse paradoxo que nem todos os seres humanos têm humanidade em um mundo de direitos humanos? O crescimento dos “rights-talk” tem obscurecido os termos, de modo que para compreender o que Jami nos diz, temos de começar de novo. “Os direitos humanos” é um termo que combina lei e moralidade. Direitos legais tem sido o alicerce do direito ocidental desde o início da modernidade, embora, como direitos humanos, referem-se a um tipo de moralidade e ao tratamento que os indivíduos esperam dos poderes públicos e privados. Os direitos humanos são uma categoria híbrida, que introduz uma série de paradoxos que estão no centro da sociedade, reunindo o direito e a moral. O Estado de Direito Deixe-me começar com direitos legais, a parte que realmente importa no tratamento do poder com as pessoas. A propriedade privada e os direitos contratuais foram introduzidos no início da modernidade, ambos resultantes do surgimento de uma economia de mercado e contribuíram para sua vitória. Culturalmente os direitos foram precipitados pelo que Alasdair MacIntyre chamou de "catástrofe moral": a destruição das comunidades pré-modernas da virtude e dever. Isto porque, a sociedade capitalista composta do individualismo e do livre arbítrio não tem um código de moral universal, assim as restrições sobre o egoísmo privado devem ser externas. Crime, delito e direitos legais atingem exatamente isso. A lei autoriza os indivíduos a fazer valer os seus direitos, mas também limita o exercício desses direitos, de modo que, em teoria, todos nós podemos ter uma quantidade igual de direitos. Quando surgem as disputas, entretanto, é a atribuição de advogados e juízes que irão resolvê-los. Esses especialistas em regras têm propagado uma visão comum de que as leis e os direitos são como fatos: eles têm um significado objetivo que pode ser descoberto pelos profissionais. Direitos legais transformam conflitos sociais e políticos em um problema técnico sobre o significado de regras. Regras e direitos legais, no entanto, não vem com o seu significado exposto. Eles devem ser interpretados para sua aplicação, ao passo que a maioria das disputas de direitos envolve ao menos dois significados jurídicos contraditórios, mas plausíveis. Disposições sobre direitos humanos, em particular, são gerais e abstratas. Por exemplo, o "direito à vida", que introduz a maioria das declarações e tratados de direitos humanos. Sua afirmação não responde a perguntas sobre o aborto, a pena de morte, a eutanásia ou mesmo sobre se este direito protege os pré-requisitos necessários para a sobrevivência, como comida, abrigo ou cuidados de saúde. Na maioria dos casos, uma afirmação dos direitos humanos é apenas o início, em ocasião do final de uma disputa sobre o significado do direito ou a posição relativa visà-vis de direitos conflitantes. Neste ponto, as considerações morais, políticas ou ideológicas inevitavelmente entram nos argumentos jurídicos influenciados pela posição

ideológica dos decisores. Por exemplo, política ou moral. Ainda assim, advogados devem usar a razão e precedentes para tornar o exercício do poder neutro e objetivo, mas este subjetivismo reprimido sempre retorna. Prescrições morais Em segundo lugar, reconhecidos ou não por lei, os direitos humanos são clamores morais. Um dissidente chinês que afirma o direito à livre atividade política está ao mesmo tempo certo e errado. O seu “direito” não se refere a um direito legal existente, mas uma afirmação sobre o que a moralidade (ou ideologia, de direito internacional ou alguma outra fonte superior) demanda. Neste sentido, a moralidade dos direitos humanos está sempre em conflito potencial com o seu estatuto jurídico. Os direitos humanos confundem o real e o ideal. No primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos". Mas, como Jeremy Bentham observou pela primeira vez, os bebês recémnascidos dependem para a sobrevivência de seus cuidadores. Enquanto isso, a afirmação diz que as pessoas nasceram tal qual moscas iguais em face das enormes disparidades no mundo. Natureza biológica e social distribuem mercadorias de forma desigual, um resultado inevitável dos acidentes do nascimento e da história. A Igualdade não é natural e deve se lutar por. Declarações de direitos humanos são, portanto, receitas: as pessoas não são livres e iguais, mas deveriam sê-lo. Isso depende da vontade política e condições sociais. A igualdade é um chamado à ação e não uma descrição de um estado de coisas. Os direitos humanos são uma subcategoria dos direitos legais de produtos e atividades importantes. Elas são dadas às pessoas em virtude da sua humanidade, e não por serem membros de categorias mais estreitas, como o estado ou a nação. Os refugiados que não têm estado, nação ou lei para protegê-los deveriam ser os principais beneficiários dos direitos humanos, os destinatários das consolações de humanidade. Contudo, apesar das reivindicações dos filósofos liberais, a humanidade nua não oferece proteções. Os direitos humanos, poderíamos concluir, não pertencem ao homem; eles ajudam a construir quem e como alguém se torna humano. Jami não tem qualquer direito - na verdade, no seu caso, a relação paradoxal entre o direito e a moral foi resolvido através da eliminação do comando moral. Enquanto ele sangra e sente dor como o resto de nós, ele não é totalmente humano. O poder ideológico dos direitos humanos reside precisamente na sua ambiguidade retórica. Apesar de serem parte da lei, os direitos humanos também são a mais recente expressão do desejo de resistir à dominação e opressão. Eles são parte de uma longa e honrosa tradição que começou com o desafio de Antígona da lei injusta e as superfícies nas lutas dos desprezados, dizimados e explorados. Defende-se o resgate do valor dos direitos humanos no caso de Jami, ao mesmo tempo em que se usa a retórica dos direitos humanos para defender os direitos de pensão de Fred Goodwin, o que contribuiu para a banalização e eventual atrofia desses direitos. Esta atrofia paradoxalmente segue o triunfo dos direitos, que se transformaram e se

expandiram em um comovente vernáculo sobre todos os aspectos da vida social. Tais direitos tornaram-se onipresentes ao custo da sua especificidade e importância. O reconhecimento desses direitos tornou-se o principal alvo da política, com as reivindicações de grupos e posições ideológicas, bem como interesses setoriais e campanhas globais rotineiramente expressos na linguagem de direitos para os indivíduos. Mas quando o direito torna-se um trunfo para derrotar as políticas do estado e as prioridades coletivas, alegadamente para apoiar a liberdade do indivíduo, a sociedade começa a quebrar-se em uma coleção de átomos indiferentes para o bem comum. Desta forma, a política está despolitizada. Ambas a liberdade e a segurança sofrem. Política da identidade Direitos também se tornaram a principal ferramenta da política de identidade. Nas sociedades pós-modernas "Eu quero X" ou "X deve ser dado a mim" tornou-se sinônimo de "Eu tenho um direito a X”. Esta inflação linguística enfraquece a associação de direitos com bens humanos significativos. O direito de escolher a escola das nossas crianças ou o nosso telefone móvel é apresentado por ser tão importante quanto o direito de ser livre de tortura ou de ter comida na mesa. Mas quando todo desejo pode ser transformado em um direito jurídico nada mantém a dignidade do direito. Há mais. “Rights-Talk” tornou-se a maneira fácil e simples de descrever situações de complexidades históricas, sociais e políticas, um tipo de “mapeamento cognitivo” particularmente útil para a cobertura da mídia. Na greve dos mineiros, em evidência nos noticiários da atualidade. Quando apresentado o conflito entre o direito à greve e o direito ao trabalho (como é frequentemente o caso), um conjunto complexo de relações, histórias, tradições e comunidades é reduzido a um simples cálculo de direito contra direito, em que um deles deve estar errado. Esta tradução dificulta tanto a compreensão como a resolução dos conflitos. A amplitude desses direitos aumenta seu absolutismo inerente e faz dos antagonistas intransigentes. Finalmente, os direitos humanos tornaram-se globalmente a última ideologia universal. Ela une o Norte e o Sul, globalizando imperialistas e manifestantes contra a globalização; liberais de primeiro mundo e revolucionários do terceiro mundo. Os direitos humanos são usados por alguns como um símbolo ou sinônimo para o liberalismo, capitalismo, individualismo ou desenvolvimento, bem como para a justiça social ou a paz por outros. No Sul, os direitos são vistos como essencialmente coletivos, e não em sua dimensão individual, social e econômica, ao invés de civis são associados com a justiça social. Será que a vitória, a universalidade e a onipresença dos direitos indicam que eles transcendem os conflitos de interesses e confrontos de ideias? Ter direitos tornou-se um horizonte comum que une Cardiff e Cabul, Londres e Lahore? É uma ideia reconfortante, diariamente negada nos boletins de notícias. Se há algo perpétuo sobre o nosso mundo é o aumento da diferença de riqueza entre as terras metropolitanas e o resto; o abismo da renda entre ricos e pobres; as sempre novas e estritamente policiadas paredes que dividem as classes médias confortáveis da

"subclasse" de imigrantes, refugiados e pessoas indesejáveis. Se qualquer coisa, nosso mundo parece cada vez mais hostil e perigoso, e a administração do medo, seja justificado ou imaginado, tornou-se uma ferramenta comum e importante dos governos. Os direitos humanos introduzem moralidade na lei e oferecem imposição legal limitada aos créditos morais. Mas, como a moralidade não é uma só e a lei não é um simples exercício de raciocínio, o conflito moral ingressa no arquivo legal e restrições legais do regimento de responsabilidade moral. A história de Jami nos lembra qual é a finalidade dos direitos humanos. Seu monólogo triste atesta o fato de que os direitos humanos têm apenas paradoxos a oferecer.

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