O que será o Brasil?

July 18, 2017 | Autor: Eduardo Pellejero | Categoria: Literatura, Filosofía, Brasil
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Por Eduardo Pellejero (Filósofo e professor do Dep. de Filosofia – UFRN)

“Todos os lugares são no estrangeiro”. Helberto Helder

O que será o Brasil? Ser argentino, estar chegando de Portugal, falar mal a língua, aprendida noutra parte, não me qualificam da melhor das formas possíveis para responder essa pergunta.

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Estrangeiro em terra estrangeira, por outra parte, sou consciente de que, paradoxalmente, essa pergunta me é dirigida a mim com muita mais frequência do que a vocês. A mim, para quem esta terra não é a terra pátria, a mim, para quem esta língua não é a língua materna. Esse curioso hábito – que não é distintivo do Brasil, mas uma rara constante das comunidades humanas – responde ao desejo de aceder a uma perspectiva exterior, ao ponto de vista do “de-fora”, e eu posso compreendê-lo em certa medida. Não que uma perspectiva exterior possa dizer-nos o que somos, pintar-nos “objetivamente”, ser um espelho; mas acaso uma perspectiva exterior fosse capaz de fazer uma diferença. Estrangeiros mais ilustres que eu fizeram desse princípio a chave de algumas das interpretações mais extemporâneas, mais heterodoxas do Brasil. Penso em Lévi-Strauss, quem em Tristes trópicos deixou o registro de uma transvaloração instigante das paisagens tantas vezes revisitadas. E penso em Félix Guattari, quem em 1982 atravessou um país mobilizado, deixando como registro, menos uma visão estruturada dos grupos sociais e políticos que emergiam na época, que uma série de questões que ainda incitam a pensar o seu devir.

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Não me é dado atingir essas alturas do pensamento, mas acredito compreender o que constitui a potência desses pontos de vista excêntricos. A saber: perante as identificações imaginárias às quais nos encontramos sempre submetidos de alguma forma (o país, a nação, o povo), a perspectiva exterior opera uma desincorporação temporária da nossa subjetividade, isto é, abre uma distância crítica em relação às imagens de consenso nas quais são presas as nossas singularidades, em relação às formas da representação nas quais alienamos as nossas diferenças. O olhar do outro não tem porque ser o inferno (mesmo não nos prometendo o paraíso). O olhar do outro é (pode ser) uma brecha em nossas identidades, uma perturbação do regime das representações identitárias próprias dos dispositivos de saber-poder nos quais nos encontramos inscritos. Esse é, no fundo, o segredo da emancipação: não a autonomia, mas uma certa heteronomia, uma certa heterogênese.

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Filósofos como Gilles Deleuze e Jacques Rancière disseram as coisas mais interessantes sobre essa anomalia que configura ao mesmo tempo a poética da emancipação e as políticas da escrita (porque é através da escrita, da literatura, que somos capazes de experimentar-nos como não

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somos, para além do que chegamos a ser). De fato, muito antes de Deleuze e Rancière, Sartre sugeria que é justamente uma perspectiva exterior, excêntrica, o que define a posição própria de qualquer escritor comprometido, engajado, em relação à sociedade para a qual escreve. O escritor – dizia Sartre – chega “de fora aos seus leitores”, os considera “com assombro”, reencontrando por vias travessas o olhar dos excluídos, dos que ocupam as suas margens, dos que, virtualmente, constituem o seu fora. E a tarefa do escritor não é superar a distância que o separa dos seus leitores, mas explorar essa distância de um modo crítico. E então, aqui estou eu, estranho em território estranho, olhando com assombro esse objeto elusivo e refratário às definições que é o Brasil. Uma pergunta me foi colocada, e eu não consigo responder, apenas percorrer indefinidamente a distância que me separa de vocês (meu amor, como dizia Paul Valery, é a exploração dessa distância). Eu e a minha perspectiva exterior. Não é uma questão meramente subjetiva. É uma falha. A falha que habito, pelo menos na medida em que é impossível para mim me identificar completamente com nenhuma imagem do país, do povo ou da cultura. Os países também habitam essas falhas. Os países também podem, sem sair do seu lugar, estar no estrangeiro. O Brasil é, entre muitas outras coisas, um território, uma terra (para mais vermelha, rubra, em brasa). Mas o Brasil também se encontra no estrangeiro; quero dizer, se inscreve numa língua, numa história, numa cultura que tem a sua origem, pelo menos em parte, noutro lugar (em Portugal, na Europa, no Ocidente, e assim). Quero dizer que os países também constituem (ou podem constituir) uma perspectiva exterior, isto é, não uma identidade, mas uma diferença, um diferencial, uma brecha.

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Há oitenta anos atrás, na Argentina, numa conferência pronunciada em 1932, que tinha por tema uma questão similar à que é a nossa, Jorge Luis Borges desenvolvia essa ideia. A ideia da exterioridade da perspectiva enquanto chave duma cultura (isto é, não enquanto princípio de identidade, mas enquanto processo de diferenciação). Comentando a obra de um sociólogo norte-americano do século XIX – Thorstein Veblen – Borges especulava que se os judeus tinham sido capazes de inovar em tantos aspetos da cultura ocidental, se se tinham destacado como escritores, como filósofos ou como artistas, não se devia a uma identidade racial ou religiosa; se devia, antes, a que os judeus, estando ao mesmo tempo dentro e fora dessa cultura, isto é, nunca se assimilando completamente às identificações imaginárias europeias, se encontravam em melhores condições para criticar e recriar essa cultura (em melhores condições que os povos que no imaginário se identificavam totalmente com a cultura europeia). Borges escrevia: “[os judeus] se destacam na cultura ocidental porque atuam dentro dessa cultura e, ao mesmo tempo, não se sentem ligados a ela por uma devoção especial; «nessa medida – diz Veblen – a um judeu lhe é mais fácil que a um ocidental não judeu inovar na cultura ocidental“. Borges acreditava que a mesma coisa acontecia com os escritores irlandeses em relação à cultura inglesa. No caso dos escritores irlandeses, qualquer hipótese de preeminência racial ou predestinação divina deve ser imediatamente posta de lado, porque constatamos que muitos desses ilustres irlandeses (Shaw, Berkeley, Swift) eram descendentes de ingleses, eram pessoas que não tinham sangue celta. Porém, para eles foi suficiente sentir-se irlandeses, foi suficiente sentir-se diferentes para inovar na cultura inglesa.

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Ora, essa diferença sem identidade, essa distância interior, essa reserva crítica, essa perspectiva exterior é para Borges, antes de mais, aquilo que define a situação dos Sul-Americanos. O que Borges queria dizer é que a cultura dos argentinos, a cultura dos brasileiros, a cultura dos sul-americanos, a nossa cultura, antes de conquistar qualquer identidade, se carateriza por essa situação anômala: somos e não somos parte da história de Ocidente, temos e não temos uma língua própria, formamos e não formamos parte da cultura europeia. Mas justamente em virtude dessa desadecuação, dessa ligação sem devoção, podemos manejar todos os temas da cultura ocidental sem pompa, sem superstições, com uma irreverência que pode ter (e que já teve) consequências afortunadas (e a mesma coisa vale para a língua e para a história). É nesse sentido, acredito, que devíamos ler a literatura de Guimarães Rosa, de Manoel de Barros ou de Clarice Lispector. É nesse sentido que devíamos pensar a obra conceitual de Cildo Meireles, o cinema de Glauber Rocha, a música de Chico Buarque. E é também nesse sentido que o jogo em que andamos – a filosofia, a literatura, a história – pode ganhar um valor crítico fundamental, não só para os homens que nos lêem nestes sertões, mas também para os homens que não nos lêem, para os homens de além-mar, para os quais o Brasil é uma incógnita, uma diferença sem identidade, uma falha.

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Isto que digo não quer ser uma definição: não se trata de um sucedâneo, de um duplo transcendental dessa ideia generalizada do Brasil enquanto mestiçagem ou miscigenação. A perspectiva exterior não é uma posição de identidade, é um princípio de diferenciação. Estar de-fora, ver as coisas desde o exterior não é uma essência, uma imagem, uma origem a recuperar ou um ideal ao qual equiparar-se. Da mesma forma que a solidão, da mesma forma que errância, da mesma forma que o exílio, é uma espécie de destino sem destinação, caminho sem objetivo que corresponde a esse objetivo sem caminho que é o único que vale a pena atingir (Blanchot). É, nesse sentido, o próprio duma existência, não o conteúdo duma essência (logo, a forma duma liberdade). Becket dizia que somos estúpidos, mas não assim tão estúpidos como para acreditar que alguém possa viajar simplesmente pelo prazer de viajar. Se viajamos, viajamos porque não temos outra saída. A mim, por exemplo, a diferença que me forçava a sentir o que sentia, a pensar o que pensava, a fazer o que fazia, não me deixava alternativas, e tive que sair, tive que ir embora, tive que viajar. Sou outro agora. Outro entre outros. De outra maneira. Os países, os povos também fazem suas viagens, mas de forma imóvel. Quando não há mais alternativa, fazem as suas viagens. E essas viagens têm um nome (em realidade têm muitos): a desincorporação. Quando os países são reduzidos a uma imagem do consenso (como quando se reduz uma sociedade a um número, ou a vários), quando os povos são cooptados às mãos de uma identificação imaginária (como quando se fala do «povo brasileiro», como quando se grita «Viva o povo brasileiro»), quando a gente é marginada, esquecida, negada à conta duma representação maioritária (como quando se nega a ligação histórica duma minoria a uma terra ou o reconhecimento jurídico de uma configuração do desejo), então sempre fica a alternativa da desincorporação, da desujeição, da desindentificação, do devir, da viagem.

teianeuronial.com

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Ateliê Fotográfico Giovanna e Geórgia Hackradt

Se a escrita, se a filosofia ainda faz algum sentido para nós, é na mediação infinita desse trabalho de (des)subjetivação para além dos dispositivos de captura do saber e do poder. Pensar o Brasil não é refletir sobre uma identidade, mas fazer uma diferença (sendo o Brasil essa diferença sempre por fazer). Mas, claro, então a pergunta que extemporaneamente me foi dirigida em virtude da minha desadequação muda de signo, e já não diz respeito ao que o Brasil é, ao que o Brasil chegou a ser, mas ao que o Brasil ainda não é, ao que está em vias de devir.

PÁGINA PESSOAL DE MÁRIO RASEC

E então eu posso me fazer essa pergunta como vocês, colocar-me junto a vocês essa pergunta que não tem a forma duma proposição, mas duma tarefa, duma recriação. O que será o Brasil, a apatria? 9

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Alyson Freire

29/08/2011 at 11:54

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Muito bom texto! Para muitos brasileiros, intelectuais ou não, o Brasil é simples de se entender e definir: sociedade miscigenada, marcada pela corrupção e o personalismo, cultura de patrimonialismo, pessoas alegres etc.. Seria um país transparente demais. É na transparência, na naturalizações de nossas pré-noções que reside o problema de nossa autoimagem e autocompreensão. Precisamos de alguém e de obras que lancem dúvidas. Talvez, um olhar estrangeiro nos ajude. Como disse o sociólogo Georg Simmel, o estrangeiro pode ser um potente mediador, pois nele o próximo está remoto e o distante perto.

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Sandra

29/08/2011 at 21:50

Bem legal o texto! Parabéns.

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Cecília Marinho

30/08/2011 at 11:41

Muito bom texto professor. E melhor ainda é aula dele, quem tiver como pagar alguma matéria com Pellejero, não desperdice a oportunidade.

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