O que vai acontecer com o Kursk?

September 24, 2017 | Autor: Leonam Guimaraes | Categoria: Nuclear Energy, Submarines, Accident analysis
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O que vai acontecer com o Kursk?

Dois reatores nucleares estão no fundo do Mar de Barents como resultado da
tragédia de Kursk. Que opções estão disponíveis para prevenir uma eventual
poluição radioativa?

Nuclear Engineering International, outubro de 2000
Tradução: CF(EN) Leonam dos Santos Guimarães

Em 12 de agosto de 2000, o submarino russo Kursk afundou ao largo da
Península de Rybatschi no Mar de Barents, a nordeste de Murmansk. Esta é um
das áreas de pesca mais importantes para Rússia e a Europa Ocidental.
Somente algumas dezenas de kilômetros a oeste do local do naufrágio do
Kursk encontra-se a famosa zona pesqueira de Kildinbanken. Apesar de todas
as tentativas de salvamento, a tripulação pereceu, e o Kursk é agora um
caixão de 14.000 toneladas. O problema então é assegurar que seus dois
reatores nucleares não tenham efeitos prejudiciais ao meio ambiente.
O Kursk, com 154 metros de comprimento e deslocando 14,000 toneladas,
está a uma profundidade de 108m. O submarino foi perdido após duas
explosões na região de vante. A causa destas explosões, assim como as
circunstâncias do incidente, não é conhecida com certeza. Estações sísmicas
na Noruega e Finlândia detectaram dois eventos sísmicos na hora do
acidente. Um evento pequeno foi seguido por um evento maior, que registrou
3.5 na escala Richter. O segundo evento é comparável a uma explosão
submarina que corresponde a 1-2 toneladas de TNT. Isto é confirmado pelo
dano infligido ao submarino, que foi danificado desde a proa até a vela.
Investigações mostraram que o submarino foi alagado, com as conseqüentes
implicações para seus dois reatores.
A Agência de Proteção de Radiação norueguesa (NRPA) e o Instituto
Meteorológico de Murmansk (MMI) têm monitorado os níveis de radiação nas
redondezas do Kursk. Até hoje, não houve nenhum sinal de isótopos de vida
curta na água circunvizinha. O nível de fundo de radiação para a área é 10-
20 (Roentgen/hora e as medidas do MMI indicaram um nível de radiação de l6
(Roentgen/hora. A monitoração dos acidentes com submarinos nucleares
anteriores tem demonstrado que os vazamentos de radiação tendem a ser muito
localizados, limitando-se à região em torno do casco naufragado.
Há pouca informação disponível sobre o inventário radioativo dos dois
reatores do Kursk. O que se sabe com certeza é que o submarino iniciou sua
missão em 10 de agosto. Informações do Instituto de Kurchatov de Moscou
sobre o reator do submarino Komsomolets, naufragado no Mar da Noruega em
1989, indicam um inventário de 2.8xl0El5Bq de Sr90 e 3.lxl0El5Bq de Cs137
no reator, e dois torpedos com cabeça de combate nuclear composta por uma
mistura de urânio e plutônio contendo aproximadamente 1.6xl0El3Bq de
plutônio de grau militar. O reator a bordo do Komsomolets é semelhante aos
dois reatores do Kursk. Assim, estimativas iniciais do inventário
radioativo do Kursk seriam de 5.6xl0El3Bq para Sr90 e 6.2xl0El3Bq para
Cs137. O Kursk poderia ainda levar dois torpedos nucleares semelhantes aos
do Komsomolets. As autoridades russas, porém, declararam que não há nenhuma
arma nuclear no Kursk.
A monitoração do Komsomolets indicou a ocorrência de pequenas
liberações de material radioativo por um duto de ventilação do
compartimento do reator. A probabilidade de grandes liberações, entretanto,
é muito pequena. Como as barreiras de contenção do submarino podem ser
violadas a longo prazo pela corrosão, poderão vir a ocorrer mais adiante
liberações graduais e estas incluirão, crescentemente, produtos de fissão
de vida longa do reator. Se houver armas nucleares a bordo, o urânio será
gradualmente mobilizado conforme a integridade estrutural do torpedo e o
encapsulamento da cabeça de combate seja violada. Considerando que urânio é
relativamente solúvel, sua contribuição para a poluição será insignificante
no contexto do ambiente circunvizinho. O plutônio tem solubilidade limitada
e uma grande afinidade por partículas. Consequentemente, a maioria do
plutônio liberado da cabeça de combate provavelmente será retido em
sedimentos na vizinhança imediata do naufrágio.
Duas avaliações da ameaça radiológica colocada pelo Komsomolets foram
levadas a cabo. A primeira, em 1995, por peritos noruegueses sob patrocínio
de um sub-comitê da OTAN, e a segunda, em 1996, pela Marinha russa. Como
resultado destas avaliações, concluiu-se que o casco e as várias barreiras
de contenção internas ao submarino deverão impedir a corrosão do
combustível do reator por aproximadamente 2000 anos. Até lá, somente o
plutônio e os isótopos de amerício ainda estarão presentes no reator em
quantidades significativas. No período interveniente, a rota principal para
liberação de substâncias radioativas do reator será o duto de ventilação do
compartimento do reator. As cabeças de combate dos torpedos, entretanto,
não seriam protegidas da água de mar no mesmo grau, e seriam muito mais
suscetíveis à corrosão precoce do que o combustível de reator.
O Kursk é dotado de dois reatores PWR do tipo VM5, cada com uma
potência térmica de 380 MW e acionando uma turbina GT3A com uma geração
elétrica de 72 MW. Informações indicam que há sérias avarias na proa do
Kursk, e que todas as seções do submarino estão inundadas. Isto
provavelmente significa que a seção de reator também está inundada. Ambos
os reatores são equipados com um sistema de desligamento automático que
operou efetivamente e o resfriamento por convecção natural transfere o
calor residual dos reatores como previsto.
A principal pergunta agora diz respeito ao que deveria ser feito com os
dois reatores Kursk? Há várias linhas de ação possíveis: içar o submarino;
cortar o compartimento de reator e levá-lo para a superfície; deixá-lo como
está; e deixa-lo onde está, porém lacrando o compartimento dos reatores
para minimizar o risco de vazamentos. Oficiais da Marinha russa ainda estão
considerando içá-lo parcialmente e reboca-lo para águas de mais rasas.
O problema principal do içamento das 14.000 toneladas do Kursk é a
condição estrural do casco naufragao. A proa foi devastada pela dupla
explosão e o submarino está com um ângulo de banda acentuado. Além disso, a
Rússia não tem experiência nem equipamento para esta operação, que irá
requerer colaboração internacional.
A operação de içamento será arriscada. Se o Kursk se romper durante a
subida, grande quantidade de material radioativo poderia ser espalhada pela
atmosfera e pelas correntes marinhas numa área maior. Se as análises
demonstrarem que seria seguro içar o submarino, então provavelmente isto
seria levado a cabo por guindaste flutuante, ou balões de ar, ou uma
combinação destes métodos. Se for muito arriscado içar o Kursk, o
compartimento de reator poderia ser cortado e elevado à superfície. A
operação de corte em larga escala do aço do casco de um submarino a 108
metros de profundidade, em águas do Ártico nunca foi feita antes, e
requereria equipamento especial, não disponível na Rússia. Se os reatores
fossem içados com sucesso, os núcleos combustíveis teriam que ser
armazenados seguramente. No momento, porém, toda a capacidade russa de
armazenamento de combustível usado de submarinos está sendo utilizada, não
havendo condições para armazenar os núcleos do Kursk.
A alternativa para o içamento do Kursk seria lacrar o compartimento dos
reatores para minimizar o risco de vazamentos. A Rússia reivindica ter
desenvolvido um plástico especial para lacrar seções de reator navais,
usado nos reatores de submarinos lançados no Mar de Kara, que lacraria-os
por 500 anos. Algumas das aberturas no casco do Komsomolets, a 1685 metros
de profundidade no Mar da Noruega, foram fechadas hermeticamente com
tampões de metal para evitar a penetração de água e dispersão do plutônio.
A solução mais provável, se esta opção for adotada, seria uma combinação
destes dois métodos.
A opção final seria construir um sarcófago ao redor do submarino, como
o de Chernobyl. O sarcófago provavelmente seria de concreto, embora
poderiam ser usados outros materiais. Esta opção provavelmente é a menos
satisfatória, já que a experiência de Chernobyl indicou ocorrência de
vazamentos após pouco mais de 10 anos, além de tornar qualquer operação de
içamento no futuro muito mais difícil e cara.
Até o momento não houve nenhum vazamento detetável do Kursk. Como
resultado, o problema, ainda que importante, não é crítico atualmente.
Seria crítico, porém, uma discussão transparente dos próximos passos a
serem dados, especialmente tendo em vista a maneira confusa com que os
oficiais russos dirigiram a operação de salvamento, mantendo sigilo e
apresentando informações por vezes enganosas.



"OUTROS NAUFRÁGIOS DE SUBMARINOS NUCLEARES "
"USS TRESHER, 10 de abril 1963. "
"Posição: 160km ao sul de Cape Cod. "
"Profundidade: 2600m. "
"Estudos mostram níveis baixos de radioatividade no "
"sedimento "
"(12Bq por kg de Co60) "
"K-129, 11 de abril 1968. "
"Posição: Noroeste de Havaí. "
"Profundidade: 5000m. "
"USS SCORPION, 22 de maio 1963. "
"Posição: 650km a sudoeste do Açores. "
"Profundidade: 3600m. "
"Medidas mostram níveis muito baixos de radioatividade "
"nos sedimentos. "
"K-8, 8 de abril 1970. "
"Posição: Golfo de Biscaia. "
"Profundidade: 4680m. "
"K-219, 6 de outubro 1986. "
"Posição: Norte das Bermudas. "
"Profundidade: 5000m. "
"K-278, Komsomolets, 7 de abril 1989. "
"Posição: Mar da Noruega, ao sul de Ilha de Urso. "
"Profundidade: 1685m. "


Nota do tradutor: para maiores informações vide: Radioatividade Artificial
no Meio Ambiente Marinho e Impacto Ambiental de um Submarino Nuclear
Naufragado, Revista Marítima Brasileira v118 nos 10/12 (out/dez 98) e v118
nos 7/9 (jul/set98), respectivamente.
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