O Rádio Clube Português na imprensa espanhola (1936-1939)

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O Rádio Clube Português na imprensa espanhola (1936-1939)

Trabalho para o seminário Comunicação e Educação orientado pelo Doutor Carlos Camponez no âmbito do Doutoramento em Estudos Contemporâneos do CEIS20

Junho de 2014 Tiago Agostinho Arrifano Tadeu

1-Introdução A Guerra Civil de Espanha assumiu no imaginário coletivo do século XX um lugar de relevo devido à luta ideológica em torno do conflito e sobretudo pela intervenção que suscitou junto das nações, fosse ela organizada diretamente pelos Estados ou então fruto de iniciativas particulares. Portugal foi desde cedo arrastado para a contenda por causa da inexorável geografia, mas especialmente pelas convicções políticas do Estado Novo. O seu envolvimento ao lado dos militares sublevados acabou por ter diversas componentes, nomeadamente militar, diplomática, financeira, logística e a propagandística. Neste último domínio a intervenção portuguesa foi bastante significativa devido aos constrangimentos iniciais de um golpe efetuado desde o território africano e ao facto da maioria dos grandes centros urbanos, onde estavam os principais jornais e emissoras de rádio, terem permanecido leais ao Governo da II República espanhola. Deste modo os meios de comunicação portugueses assumiram um papel

importante,

pois

muitos

deles

envolverem-se

diretamente

no

apoio

propagandístico aos revoltosos. Com este trabalho propomos examinar como é que o Rádio Clube Português, emissora que esteve ao lado dos rebeldes desde a primeira hora, foi caracterizado pela imprensa espanhola republicana. Para tal foram analisados três periódicos, La Vanguardia, La Voz e ABC durante o período da Guerra Civil (Julho de 1936 e Abril de 1939)1. Tentaremos deslindar qual foi o impacto e protagonismo daquele órgão de comunicação, assim como o do seu diretor, Jorge Botelho Moniz, uma das personagens principais do lado português e figura central da emissora naquela época.

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No anexo está disponível uma breve caracterização de cada um dos periódicos escolhidos.

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2-Propaganda: uma breve abordagem histórica A necessidade de convencer os outros acompanha desde sempre o ser humano, contudo, o domínio desta arte e a sua projeção para uma grande audiência só começou a surgir com o desenvolvimento da vida político-cívica já durante a antiguidade clássica. Persuadir as massas, que se acotovelavam na ágora ou no fórum, passou a ser tão ou mais essencial para a sobrevivência política do que as conquistas no campo de batalha. Intimamente relacionado com aquele objetivo estavam os meios utilizados para difundir a mensagem. Inicialmente bastaria um indivíduo com bons dotes oratórios, discurso convincente e sobretudo com uma voz que se sobrepusesse ao burburinho da multidão. Tal bastaria num meio pequeno, onde toda a população tomaria rapidamente conhecimento do conteúdo do discurso. No entanto, e à medida que a civilização se complexificava e expandia do ponto de vista geográfico, foi necessário recorrer a outros meios de difusão mais eficazes. O extinto Império Romano explorou diversos artifícios como a moeda, os jogos, a arquitetura, entre outros, para sabiamente dar a conhecer as suas conquistas, triunfos e realizações pelos seus vastos territórios. Destaque-se a frequente utilização de meios de fácil interpretação e que se sobrepunham às diferenças linguísticas e culturais daquele grande espaço. A queda da civilização romana dará lugar a um uso mais parcimonioso desta arte de persuadir o outro devido à escassez dos meios, mas sobretudo à mudança do ponto de vista político-governativo. O fim da era imperial deu lugar a uma panóplia de pequenos reinos cujos governantes eram hereditários e que não estavam sujeitos à aprovação do povo, não tendo por isso uma necessidade tão premente de divulgarem e publicitarem os seus feitos. Os conflitos religiosos entre católicos e protestantes no decurso do século XV e XVI conduziram à criação do primeiro organismo que visava propagandear, neste caso a fé católica. Surgiu assim a Sacra Congregatio de Propaganda Fide, que aproveitou a existência de um novo meio de difusão, a imprensa, facilitadora da transmissão propagandística a um vasto público, não obstante os condicionalismos existentes ao nível dos transportes e da literacia das populações. A divulgação de uma propaganda escrita a uma grande escala só se tornou realidade com a revolução americana e francesa, numa altura e em territórios com um elevado número de pessoas alfabetizadas. Americanos e franceses utilizaram habilmente a propaganda para justificarem as suas posições, ao mesmo tempo que atacavam e denegriam os seus inimigos, inclusive nos 2

seus próprios territórios. A propaganda assumiu assim durante o século XVIII e XIX um peso cada vez mais importante na sociedade, independentemente dos fins para os quais era utilizada, devido ao desenvolvimento dos meios de transporte que facilitou a rápida difusão das suas mensagens. Os conflitos bélicos do século XX deram a conhecer um novo tipo de guerra, a guerra total, que alargou definitivamente o campo de batalha passando a envolver direta e indiretamente toda a população. Tal realidade catapultou o papel da propaganda, que assumia agora várias facetas ao nível interno e externo. Internamente mobilizava os combatentes a prosseguir a luta, ao mesmo tempo que procurava motivar e congregar o esforço feito pelas populações na retaguarda. Já externamente procurava fomentar a descrença junto do inimigo, fossem eles militares ou civis, com vista a provocar a sua derrota e também podia apelar à participação ou não de países neutros na luta. Foi já no final da I Guerra Mundial que se criaram os primeiros organismos estatais ligados à propaganda2 no Reino Unido e nos Estados Unidos da América e que ficariam encarregues da sua produção e difusão. O meio mais privilegiado continuou a ser a imprensa através da publicação de cartazes e textos propagandísticos. Contudo, e acompanhando a evolução tecnológica, começaram também a ser utilizados outros meios, nomeadamente o cinema e a rádio, capazes de alcançar facilmente uma audiência mais numerosa, inclusive além-fronteiras. Foram os alemães, em 1915, os primeiros a usarem a rádio para fazerem reportagens diárias sobre os acontecimentos no campo de batalha. Todavia, esta iniciativa não teve um impacto significativo, pois as suas transmissões eram em código morse e porque a generalização de válvulas nos recetores só se consubstanciaria durante o primeiro pós-guerra. Não é assim de estranhar que nos anos 20 se assistisse ao surgimento de inúmeras estações emissoras. Neste contexto surgiu em 1922 a Rádio Moscovo, num país onde a maioria da população era analfabeta. A rádio, que segundo Lenine era “a newspaper without paper… and without boundaries”3 transformou-se no veículo ideal para doutrinar ao nível interno e externo. Deste modo as emissões em francês e inglês para o estrangeiro arrancaram em 1929, aproveitando o facto da União Soviética ter à altura o emissor com mais potência à face

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Cfr. Garth S. Jowett, Victoria O’Donnell, Propaganda and persuasion , 2nd Ed.,Sage Publicatons, Newbury Park, 1992; Taylor, Philip M., Munitions of the mind – a History of propaganda from the ancient world to the present day, Manchester University Press, 1995. 3 Taylor, Philip M., op. cit., p.205.

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da Terra. O pioneirismo soviético foi seguido pelos britânicos em 1927 com a criação da British Broadcasting Corporation (BBC), que respondeu à Rádio Moscovo já nos anos 30 com o alargamento das suas emissões ao resto do Império Britânico (BBC Empire Service). A estes juntaram-se outros países, com destaque para a Itália e Alemanha, cujos regimes aproveitaram ao máximo o impacto da rádio para propagandearem as suas ideias e alicerçarem assim o seu poder. Em Portugal as primeiras emissoras de rádio também datam dos anos 20, mas foi só na década seguinte que se assistiu ao surgimento das principais emissoras. O Rádio Clube Português fundado em 1931 por Jorge Botelho Moniz, em 1935 a estatal Emissora Nacional e no ano seguinte a Rádio Renascença propriedade da Igreja Católica. Ainda assim o panorama radiofónico do país não era animador, já que em 1935 só estavam registados cerca de 40 409 recetores de rádio em Portugal4, numa altura em que a população metropolitana rondaria os sete milhões de indivíduos. Tal situação explica a pouca preocupação demonstrada inicialmente pela censura, que só viria a controlar o sector em 1936, mas ainda a tempo de apanhar o frenesim registado nos finais dos anos 30, em grande medida pela eclosão da Guerra Civil de Espanha.

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Cfr. Ribeiro, Nelson, The war of the airwaves in Portugal: foreign propaganda on short and medium waves, 1933-1945. Journal of Radio & Audio Media. London. ISSN 1937-6529. 17: 2 (2010) 211-225. disponível em: http://repositorio.ucp.pt/handle/10400.14/10338, (21-04-2014, 18:56).

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3-Portugal, Espanha e a Guerra Civil A tensão esteve sempre presente nas relações entre as duas nações ibéricas, contudo o início do século XX ficou marcado pelo agudizar desse sentimento em dois momentos distintos. O primeiro ocorreu quando Portugal implantou o seu regime republicano em 1910. Nessa altura a Espanha ainda continuava a ser uma monarquia, que apoiaria as várias incursões militares monárquicas oriundas do seu território com vista ao derrube do regime português. A este facto acrescentava-se também o ressurgimento do imperialismo espanhol, no seguimento da derrota na guerra hispanoamericana e consequente perda das últimas colónias no Novo Mundo. Nos sectores mais radicais da política espanhola voltou a ser discutida a possibilidade de recriar a grande Espanha com a inclusão do território português. Tal receio terá sido um dos fatores que dinamizou a participação portuguesa na I Guerra Mundial, pois o conflito dava a oportunidade de afirmação e legitimação internacional de um regime recém-criado, num cenário onde a Espanha permaneceu numa posição de neutralidade. Já o segundo momento de empolamento das relações deu-se com a ascensão da II República em Espanha (1931), num momento em que a mesma já tinha sido substituída em Portugal pela ditadura militar (1926). O regime espanhol, à exceção do biénio de 1934-1935 de governação centro-direita, esteve marcado pela governação das forças de esquerda, cujas reformas estavam nos antípodas do modelo conservador português e que contribuíram para a erosão das relações entre os dois países. Além do mais, e à semelhança do que acontecera anteriormente, os governantes espanhóis apoiavam os opositores políticos portugueses que estavam em Espanha, tendo inclusive procurado fornecer-lhes armas para o derrube do regime português5. A descoberta dessa tentativa coincidiu com a ascensão do Estado Novo em Portugal, ideologicamente mais próximo das forças de centro-direita espanholas e que passaria a apoiar de um modo informal, pois manteve o reconhecimento das forças de esquerda. Com o início da Guerra Civil a posição portuguesa foi-se alterando gradualmente em detrimento do Governo de Madrid, tanto mais que Portugal acolhia uma larga colónia espanhola ligada às forças de direita, de onde se destacavam José Maria Gil-Robles, líder da CEDA (Confederación Española de Derechas Autónomas) e o general José Sanjurjo, o eventual líder do movimento militar, que haveria de falecer nas primeiras semanas da 5

Payne, Stanley G., El colapso de la república los orígenes de la Guerra Civil (1933-1936), Esfera de los libros, Madrid, 2005, p.130.

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guerra num acidente aéreo no Estoril, quando se deslocava para Burgos onde iria assumir a liderança do golpe. A sublevação dos militares espanhóis teve origem no território marroquino sob domínio espanhol e rapidamente se estendeu à península, sobretudo na zona do interior norte junto à fronteira portuguesa. Para tal em muito contribuiu o suporte logístico da aviação italiana e alemã, fundamental no transporte das tropas do norte de África. Contudo, e como a II República se organizou para enfrentar o levantamento militar, foi necessário um apoio continuado para travar uma guerra que iria assumir uma importância transnacional devido à aposta e envolvimento de forças externas. Como referimos anteriormente, a simpatia do Estado Novo recaiu nos militares sublevados devido à proximidade ideológica e ao facto de quererem lutar contra inimigos comuns, o comunismo e o anticlericalismo que grassava na maior parte das forças de esquerda espanholas. Deste modo, Portugal procurou auxiliar o grupo liderado por Francisco Franco, sempre de um modo encapotado para não ser alvo de sanções por parte das várias potências envolvidas no conflito. No plano diplomático o Governo português assumiu-se como o representante e defensor dos militares sublevados junto da comunidade internacional, ajuda que era essencial tanto mais que inicialmente os golpistas não foram reconhecidos diplomaticamente. Já no terreno militar concederam-se facilidades à movimentação de tropas e material pelo território português, contando os sublevados com a ajuda das forças lusas que prendiam e entregavam fugitivos os republicanos, assegurando assim a proteção da retaguarda franquista. Neste domínio deve-se destacar a participação de milhares de voluntários portugueses nas fileiras do exército nacionalista, contingente cujos números estão envolvidos na penumbra, com estimativas que apontam para um efetivo entre os 2 000 e os 10 000 homens6. Esta mobilização, efetuada com o beneplácito do Estado Novo, mas supostamente alheia à sua intervenção, foi em grande parte promovida por Jorge Botelho Moniz, militar que participara no golpe de Maio de 1926 e também estivera na génese da Legião Portuguesa em Setembro de 1936. Aliás foi sobretudo através desta organização que era feito o engajamento dos portugueses para o exército franquista.

Cfr. , Oliveira, César, Salazar e a Guerra Civil de Espanha, Edições “O Jornal”, Lisboa, 1988; Gomes, Varela, Guerra de Espanha – Achegas ao redor da participação portuguesa 70 anos depois, 2ª edição, Fim de Século, Lisboa, 2006; Delgado, Iva, Portugal e a Guerra Civil de Espanha, Europa-América, Mem Martins, 1980. 6

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A ajuda diplomática e material foi essencial para o sucesso dos militares revoltosos, contudo e sobretudo numa fase inicial, era necessário convencer e mobilizar os espanhóis indecisos. Neste domínio a propaganda tinha uma missão importante a desenvolver, apesar das dificuldades logísticas, já que grande parte do território espanhol manteve a sua lealdade para com a II República. Face a este cenário, Portugal reforçou a sua colaboração com as forças franquistas através da imprensa, que cedo assumiu uma preferência por aquela causa. Formalmente o Estado português só cortaria relações com o Governo de Madrid em Outubro de 1936, no entanto a imprensa portuguesa foi criando um clima de tensão entre as duas capitais desde a subida ao poder da Frente Popular no início de 1936. O Estado Novo fomentou essa situação ao atribuir subsídios à imprensa que era mais favorável ao Governo português e ao golpe militar através do Secretariado de Propaganda Nacional (SPN). Tal plano ia ao encontro dos desejos de Pedro Teotónio Pereira, um dos principais ideólogos do Estado Novo e que entendia ser necessário “organizar a preparação do espírito público para os acontecimentos, num sentido de defeza nacional anti-comunista e anti-iberista”7. Caso o apoio financeiro ainda não convencesse as publicações, entrava então em ação a censura, que além de expurgar os comentários e notícias desfavoráveis, procurava também impedir a divulgação do envolvimento português no conflito. A imprensa lusa tornou-se assim um fiel e eficiente retransmissor dos desejos do Estado Novo e dos nacionalistas espanhóis na Península, já que os jornais portugueses eram muito procurados em Espanha, sobretudo nas zonas sob controlo dos militares sublevados. No entanto, o seu impacto também se fazia sentir nas colónias e comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo e noutros espaços da cena internacional, pois sabia-se que ela divulgava informações atuais e pormenorizadas sobre os nacionalistas devido às relações privilegiadas que mantinha com o Governo de Burgos. Num outro plano propagandístico surgiram as rádios, que assumiram um papel significativo durante o conflito devido à facilidade com que ultrapassavam as barreiras físicas e conseguiam contactar com os ouvintes. Alejandro Pizarroso Quintero entende mesmo que a propaganda com recurso a este meio de comunicação “alcanza su cenit en la Guerra Civil española”8.Neste domínio a atuação das emissoras portuguesas e um 7

Rodríguez, Alberto Pena, El gran aliado de Franco, Portugal y La guerra civil española: prensa, radio, cine y propaganda, Edicios do Castro, Serie Documentos, 1998, A Coruña, p.49. 8 Quintero, Alejandro Pizarroso. La Guerra Civil española, un hito en la historia de la propaganda, El Argonauta español 2 (2005), Varia, p.2, disponível em: http://argonauta.revues.org/1195 (21-04-2014, 18:56).

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pouco à semelhança da imprensa, teve uma ação muito importante tendo em conta que a maior parte das rádios espanholas se encontravam inicialmente na zona republicana. Até à criação da Radio Nacional de España, em 1937, a propaganda radiofónica nacionalista contava apenas com a Unión Radio Sevilla e com o apoio de emissões oriundas de Itália, Alemanha e Portugal. A afinidade entre regimes e sobretudo a proximidade física transformou as emissões portuguesas na verdadeira quinta coluna pois podia facilmente infiltrar-se atrás das linhas inimigas.

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4-A rádio portuguesa e a Guerra Civil Como explicámos anteriormente o panorama radiofónico português conheceu o seu maior desenvolvimento durante a década de 30, altura em que surgiram as principais emissoras que viriam a ter um papel mais ativo no conflito espanhol. Porém, num Estado onde a censura controlava a informação divulgada pelos órgãos de comunicação, não havia margem legal para o surgimento de conteúdos desfavoráveis aos definidos pelo Governo. As poucas iniciativas que ocorreram naquele período da guerra civil, através da Rádio Sonora e da Emissora da Frente Popular Portuguesa foram pontuais. A sua ação foi prontamente manietada pela Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE) e também pelas emissoras afetas ao regime que interferiam no sinal radiofónico. A iniciativa que acabou por ter melhores resultados acabou por ser a da Rádio Fantasma, que enganava as autoridades portuguesas transmitindo desde território espanhol mas insinuando o contrário. Dentro do quadro vigente foram várias as emissoras que prestaram ajuda à causa nacionalista espanhola, designadamente o Rádio Clube Português (RCP), a Emissora Nacional (EN), a Rádio Renascença, a Rádio Hertz, a Ideal Rádio e a Rádio Invicta. Porém, o destaque iria caber ao RCP, emissora privada fundada pelo já referido Jorge Botelho Moniz. Já a estatal EN, apesar da simpatia que demonstrava pela causa, assumiu uma posição de algum recato, pois o Governo português não queria comprometer a sua posição internacional. As restantes emissoras mencionadas acabaram por ter uma atuação modesta, tendo em grande parte colaborado em ações do RCP, através da dinamização de pequenas iniciativas ligadas à recolha de fundos para os rebeldes e com a emissão de programas anticomunistas. O protagonismo assumido pelo RCP seria reconhecido pelos nacionalistas, mas sobretudo pelos republicanos espanhóis que acabariam por eleger a emissora como um dos seus principais inimigos. Poucas semanas após o início dos combates já o RCP assumia o papel de arauto das movimentações nacionalistas, servindo de principal fonte de informação para muitas das notícias publicadas na edição de Sevilha do jornal ABC, que se encontrava sob o domínio rebelde. A emissora portuguesa dava conta aos seus ouvintes e leitores (através do periódico) do sucesso das operações militares nacionalistas em direção a Madrid, desmentindo a informação das vitórias republicanas veiculada pela Unión Radio

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Madrid9. Esse papel de contrainformação seria reforçado com os relatos sobre o alegado avanço triunfal em direção a Madrid10 e também com o anúncio da queda eminente de várias cidades do Norte de Espanha. A ação da emissora começou a granjear-lhe um protagonismo no conflito que passou a ser reconhecido pelos republicanos e nacionalistas quer em Espanha quer em Portugal. Claudio Sánchez-Albornoz, o embaixador republicano de Espanha em Portugal, reconhecia em Agosto de 1936 que a estação de Jorge Botelho Moniz passara a ter uma intervenção substancial no conflito ao dedicar cada vez mais horas da sua emissão ao conflito. Para além do espaço de antena, a emissora mantinha uma forte campanha a favor dos militares sublevados, em contraste com as críticas ao “gobierno legítimo de la República”11 e a todos aqueles que não acreditavam no triunfo dos nacionalistas ou que duvidavam das informações divulgadas pelo RCP. Neste sentido, o diplomata chamava a atenção que aos microfones daquela rádio estavam muitas vezes locutores espanhóis12, recrutados junto da colónia espanhola portuguesa e que conseguiam no idioma de Cervantes causar um maior impacto junto dos seus compatriotas. Prova disso era o carinho manifestado pelos espanhóis da zona nacionalista para com aqueles radialistas, sobretudo os do sexo feminino, sendo realizadas subscrições populares com vista a recompensar o trabalho desenvolvido aos microfones do RCP oferecendo peças de ourivesaria13 e até o traje típico das sevilhanas14. O sucesso da iniciativa foi tal que a quantia obtida serviu ainda para a aquisição de caixas de vinho para os restantes funcionários da emissora portuguesa, um sinal do reconhecimento do trabalho desenvolvido. O trabalho propagandístico do Rádio Clube Português também passou pela mobilização dos seus ouvintes para grandes iniciativas anticomunistas. Tal foi o caso do comício de 28 de Agosto de 1936 em Lisboa, projetado com o objetivo de fortalecer a união da população portuguesa em torno do Estado Novo e da sua posição perante o 9

Redação, Los marxistas, derrotados en las cercanías de Madrid, ABC (Sevilha) 27 de Julho de 1936, p.9. 10 Redação, ABC (Sevilha) 15 de Agosto de 1936, p.15. 11 Rodríguez, Alberto Pena, op. cit., 1998, p.331. 12 Rodríguez, Alberto Pena, La “guerra del éter”. La campaña radiofónica de Portugal contra la Segunda República española, Diacronie, Studi di Storia Contemporanea, nº7, 2011, Spagna Anno Zero: la guerra come soluzione, p. 14, disponível em: https://www.academia.edu/4062537/The_Portuguese_radio_in_the_Spanish_Civil_War, (21-04-2014, 18:56). 13 Redação, A la «speaker» de Radio P o r t u gal se le regalará una joya de filigrana cordobesa, ABC (Sevilha), 18 de Agosto de 1936, p.19. 14 Redação, Del momento actual, ABC (Sevilha) 21 de Agosto de 1936, p.6.

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conflito espanhol. Esta iniciativa, que ocorreu no Campo Pequeno, foi transmitida para Espanha pelo RCP e contou com a presença e a aclamação de membros da colónia espanhola, nomeadamente do escritor José María Pemán e da locutora Marisabel de la Torre Colomina. Já Jorge Botelho Moniz usou o seu discurso para apelar novamente ao Governo, no sentido de permitir a criação de uma força militar que defendesse Portugal das “barbaridades que se cometen por los marxistas en España”15, a Legião Portuguesa16. O desejo foi concretizado em Setembro desse mesmo ano, coincidindo com uma das intervenções mais importantes do RCP no conflito espanhol, o cerco do Alcázar de Toledo. A fortaleza, situada em território republicano e ocupada pelos nacionalistas, sofria o acosso das tropas governamentais desde os finais de Julho, começando a situação a atingir um ponto crítico por parte dos defensores. Face a este cenário e à desmotivação provocada pela demora dos reforços nacionalistas, coube ao RCP utilizar os seus microfones para incitar à resistência dos sitiados, informando-os ao mesmo tempo dos progressos registados no terreno militar e que davam conta da sua rápida libertação. Tal ação mereceu rasgados elogios junto da imprensa espanhola nacionalista e originou o envio de novas lembranças aos locutores do RCP17, desta vez por parte de familiares dos cercados. Aliás, segundo Alberto Pena Rodríguez, a emissora portuguesa foi a grande responsável pela criação do mito do cerco do Alcázar de Toledo, ao relatar uma luta heroica por parte dos defensores enquanto dava conta de “una imagen cobarde y bárbara del bando leal”18. Terá sido esse protagonismo que chamou definitivamente a atenção da imprensa republicana para a emissora portuguesa, que daí em diante passou a ser um dos alvos preferenciais dos seus ataques contra Portugal. Em Outubro de 1936, o jornal catalão La Vanguardia informava os seus leitores que o RCP não era uma emissora imparcial, acusando-a de estar ao serviço dos nacionalistas, afirmando que fora “alquilada [alugada] por March19 por tres millones de pesetas”20. O periódico acrescentava ainda que tal posição contra a República espanhola custara à rádio a saída de muitos dos seus sócios. A reação nacionalista surgiu nos dias 15

Félix Correira, Información telegráfica sobre el movimento salvador de España, ABC (Sevilha) 29 de Agosto de 1936, p.9. 16 Decreto-Lei n.º 27 058 de 30 de setembro de 1936. 17 Redação, ABC (Sevilha), 12 de Setembro de 1936, p.5. 18 Rodríguez, Alberto Pena, op. cit., 1998, p.163. 19 O artigo refere-se a Juan March, empresário espanhol que tem sido apontado como o principal financiador do levantamento militar de Julho de 1936. 20 Redação, Lo que ocurre en Portugal con los refugiados españoles, La vanguardia, 3 de Outubro de 1936, p.3.

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seguintes, quando a edição de Sevilha do ABC dava o destaque a Marisabel de la Torre Colomina, colocando uma imagem sua a ocupar toda a primeira página e onde se podia ler na legenda que se tratava de uma “locutora voluntaria de Radio Club Portugués”21. Naquele mesmo mês e no seguimento da vitória nacionalista em Toledo, Jorge Botelho Moniz, diretor do RCP e chefe da Secção de Assistência da Missão Militar Portuguesa de Observação em Espanha, organismo que prestava apoio aos portugueses que combatiam no exército franquista, visitou a cidade onde foi “entusiásticamente recibido”22. Já a imprensa republicana não demonstrava a mesma simpatia pela figura, que era identificada como estando ao serviço “de un rico industrial fascista llamado Da Silva [Alfredo da Silva]”23, o que não seria novidade, pois recordava que Jorge Botelho Moniz fora “un agente germanófilo”24 durante a I Guerra Mundial, altura em que teria agido contra a participação portuguesa no conflito. O periódico também criticava a postura do diretor do RCP aos microfones, através dos quais fazia o incitamento à violência contra o embaixador e restantes funcionários da representação diplomática da República espanhola em Portugal. Os discursos de Jorge Botelho Moniz obtinham uma certa ressonância junto dos ouvintes, pois o embaixador espanhol em Lisboa era frequentemente ameaçado e insultado na rua, ao passo que os funcionários viviam em constante sobressalto, conforme atesta o episódio da invasão de um restaurante onde comiam por uma multidão instigada pelo diretor do RCP. A forte adesão de Jorge Botelho Moniz aos militares sublevados era visível pelo apoio propagandístico que lhes concedia, mas também pelo papel que assumia na frente de batalha. Essa sua faceta promovia a sua figura junto dos espanhóis, ao mesmo tempo que lhe possibilitava a recolha de dados sobre as movimentações militares, transformando-o a ele e ao RCP numa das principais fontes de informação do conflito. Outras figuras da emissora portuguesa alvo da atenção dos jornais republicanos eram os locutores espanhóis, com destaque para Marisabel de la Torre Colomina, “la Berta de la Parede”25 (localidade onde estavam os estúdios do RCP), por quem os 21

Redação, ABC (Sevilha) 7 de Outubro de 1936, p.1. Redação, En Toledo es entusiasticamente recibido el director de Radio Clube Portugués, 9 de Outubro de 1936, p.7. 23 Redação, Nuevas y graves revelaciones sobre la injerencia de Portugal, ABC (Madrid) 15 de Outubro de 1936, p.11. Alfredo da Silva, através das suas indústrias, mais concretamente da Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes Limitada é apontado como um dos financiadores portugueses do golpe militar. Cfr. Asiaín José Ángel Sánchez , La financiación de la guerra civil española: Una aproximación histórica, Editorial Crítica, Barcelona, 2014. 24 Idem. 22

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Rodríguez, Alberto Pena, op. cit., 1998, p.336.

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ouvintes nacionalistas tinham grande estima em contraste com a opinião republicana. Aquele epíteto devia-se à comparação da voz/efeito da locutora com os do famoso canhão alemão da I Guerra Mundial. Por seu lado a imprensa republicana não tinha tanta consideração pela radialista, afirmando que a mesma não estava a passar por um período fácil da sua vida, considerando que a sua participação só tinha justificação porque ela “ha refugiado su menopausia en el micrófono”26. O auxílio material aos militares sublevados foi outra das facetas assumidas pelo RCP, consubstanciada na realização de várias campanhas de recolha de donativos (víveres, cobertores, medicamentos, dinheiro), em conjunto com outros órgãos de comunicação portugueses. Uma vez recolhidos eram encaminhados para a zona nacionalista em comboios-automóvel27, o que suscitava rasgados elogios na imprensa nacionalista e fomentava nos republicanos o ódio à emissora portuguesa. Tal protagonismo do RCP mereceu a atenção de bombistas, que em 20 de Janeiro de 1937 despoletaram engenhos nas suas instalações, assim como junto ao Consulado de Espanha e ao Ministério da Educação em Lisboa. Os danos provocados na emissora foram significativos, tendo causado a suspensão das emissões por diversas horas. Tal acontecimento foi destacado no jornal La Voz, chamando à primeira página o sucedido e informando com regozijo os seus leitores que a rádio estaria inoperacional pelo menos durante 10 dias, formulando ainda o desejo, caso fosse possível, “que la bomba que há destruído la Radio Club Portugués fuese declarada (…) monumento nacional”28. A imprensa nacionalista e o Governo português imputaram rapidamente a origem dos atentados a elementos comunistas apoiantes da República espanhola, sendo que o último atribuiu a autoria a elementos estrangeiros. Contudo, as investigações levadas a cabo pela PVDE identificaram a origem num grupo anarquista constituído maioritariamente por portugueses, onde para além de simpatizantes comunistas se encontravam elementos socialistas, republicanos e antifascistas, que terão ensaiado em Janeiro os preparativos para o atentado falhado contra António de Oliveira Salazar em Julho do mesmo ano. O sucesso da operação terrorista continuou a ser destacado na imprensa republicana com a publicação de fotografias do RCP e dos agentes policiais29 que agora vigiavam as instalações. 26

Redação, Se acabó el mito de los tanques, La Voz, 30 de Novembro de 1936, p.1. Foram efetuados cinco comboios-automóvel de apoio aos nacionalistas, os primeiros quatro entre Outubro e Dezembro de 1936 e o derradeiro já em Abril de 1939. 28 Redação, Todo no había de ser fascismo en Portugal, La Voz, 21 de Janeiro de 1937, p.2. 29 Redação, La Voz, 1 de Fevereiro de1937, p.1. 27

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A retoma nas emissões traduziu-se na continuação da propaganda em prol do lado nacionalista, que era efusivamente atacada por um dos seus ouvintes mais fiéis, a imprensa republicana. Aparentemente aos microfones do RCP caracterizava-se a situação económica em Madrid como insustentável, reportando-se o encerramento de estabelecimentos de comércio devido à falta de víveres, situação que inclusive teria levado à substituição do açúcar por um sucedâneo. O panorama retratado pela emissora era tal, que segundo ela já estavam a surgir por toda a cidade “carteles pidiendo la rendición”30. Ora tais afirmações eram profundamente rejeitadas, neste caso pelo jornal ABC edição Madrid, aproveitando a ocasião para ridicularizar a emissora portuguesa que fazia aquele serviço às forças franquistas num estilo que considerava “mitad lírico (…) mitad pedestre”31. O jornal La Vanguardia também se juntava às críticas classificando de “cretino”32 quem discursava aos microfones do RCP devido às informações falsas proferidas e sobretudo pela insistência com que o fazia, considerando até que os republicanos obteriam mais adesão das populações se difundissem aquelas emissões. Enquanto isso se passava na zona republicana, Jorge Botelho Moniz, o diretor da emissora, era alvo de várias homenagens em Sevilha aquando do acompanhamento de um grupo de estudantes universitários àquela cidade33, contribuindo assim para manter a sua figura e o RCP na mira dos republicanos. No cenário militar os primeiros meses de 1937 foram marcados pelo fracasso na tomada de Madrid por parte dos militares sublevados, dando assim algum alento aos apoiantes da II República espanhola, que aproveitavam para, no seu entender, repor a verdade ao divulgarem o que estava a ocorrer em Portugal, sobretudo na sua fronteira. O jornal La Voz informava os seus leitores sobre as matanças ocorridas em Badajoz, que supostamente eram repetidas ao longo da raia com a cumplicidade das forças portuguesas, que entregavam os fugitivos republicanos às tropas nacionalistas. Tais esclarecimentos tinham como principal destinatário a comunidade internacional, mas também visavam o RCP, que havia branqueado o sucedido naquela localidade estremenha. O periódico anunciava com alguma satisfação que aquela atuação parcial, com as suas “injurias y embustes”34 erodia substancialmente o número de associados e ouvintes da emissora, acrescentando que a emissora só conseguia manter o seu auditório 30

Redação, Turismo y crematística facciosos, ABC (Madrid) 3 de Fevereiro de 1937, p.8. Idem. 32 Redação, Impresión del dia, La Vanguardia, 3 de Fevereiro de 1937, p.6. 33 Redação, De la estancia en Sevilla de los estudantes portugueses, ABC (Sevilha), 12 de Fevereiro de 1937, p.9. 34 Redação, Mas datos para la historia negra del enanillo, La Voz, 25 de Março de 1937, p.1. 31

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através da força, aludindo a um eventual registo que o Estado Novo fazia para tomar nota das casas onde se ouvia o RCP. Jorge Botelho Moniz também era visado, insinuando o jornal que ao prestar aquele serviço aos nacionalistas estava a enriquecer consideravelmente com o conflito. Os pormenores de tal facto seriam dados alguns dias depois, com a explicação que o diretor do RCP fazia “fortuna fabulosa com los envios de víveres para los facciosos de Sevilla”35, aludindo a mais-valias na ordem dos milhões de pesetas por cada comboio-automóvel que organizava. A publicação alertava os seus leitores que a fortuna do português estava a ser feita à custa dos espanhóis espoliados por Burgos e Sevilha e dos fascistas que contribuíam para a causa, pois o português ficaria com “mitad de las mercancias [mercadorias]”36 daqueles comboios. Ainda segundo o jornal, aquela atitude e o facto de os portugueses conhecerem o sofrimento vivido pelos espanhóis, estaria a condicionar seriamente a obtenção de condutores para dirigir aqueles comboios até Espanha. Com vista à resolução dessa situação relatava-se que Jorge Botelho Moniz colocava em prática o que difundia na sua rádio, enganando esses portugueses com histórias de bombardeamentos de localidades portuguesas por parte dos republicanos. O protagonismo do RCP começou a diminuir consideravelmente a partir dos primeiros meses de 1937, muito por força da criação da Radio Nacional de España em Janeiro e das vitórias nacionalistas naquele período temporal. Também se deve referir que face ao mais que provável desfecho do conflito e à crescente pressão internacional, o Estado Novo procurou, pelo menos formalmente, assumir uma posição menos exposta, tentando ocultar a ajuda que havia dispensado e a que continuava a prestar ao lado nacionalista. Como sabemos o RCP era uma rádio privada, mas fortemente influenciada pelo Governo, fosse através do financiamento do SPN ou do longo braço da censura. Traçado este quadro torna-se mais fácil compreender o apagamento do RCP e a menor atenção que a imprensa espanhola passou a dedicar à emissora portuguesa, com exceção dos últimos meses do conflito, altura em que os jornais afetos aos nacionalistas encetaram as comemorações da vitória, não se esquecendo de agradecer aos amigos portugueses e em particular a Jorge Botelho Moniz e ao RCP. Serrano Súñer, cunhado de Francisco Franco e figura cimeira da futura ditadura espanhola, destacava em Setembro de 1938, por ocasião da comemoração da vitória no Alcázar de Toledo, a ajuda prestada por Portugal e pela emissora portuguesa, 35

36

Redação, Las entretelas del fascismo portugués, La Voz, 2 de Abril de1937, p.1. Idem.

15

responsabilizando-os em grande parte pelo sucesso, afirmando que eles “fortalecieron y elevaron el espíritu de los defensores”37. Às suas palavras elogiosas juntou-se o testemunho de vários nacionalistas que tinham vivido na zona republicana, corroborando aquele papel do RCP e contando a emoção que sentiam ao ouvir “aquella voz amiga en la noche triste de Madrid”38, descrevendo a sua relação com a emissora com um contorno “espiritual”39, tal era a devoção com que a escutavam. Já o La Vanguardia40, sob domínio nacionalista, garantia aos portugueses que os espanhóis nunca se esqueceriam da ajuda prestada, salientando o vital auxílio dado nos primeiros meses, altura crítica para o sucesso do golpe militar. Desse tempo o periódico recordava o comboio-automóvel do Natal de 1936 (organizado pelo RCP), que em muito tinha contribuído para dar alento para o prosseguimento da luta. O fim do conflito daria lugar às celebrações da vitória nacionalista, onde houve lugar para o diretor do RCP, que mereceu uma atenção especial pelo seu papel à frente da rádio mas sobretudo pela mobilização de voluntários portugueses para o exército nacionalista. Os portugueses tomariam um lugar no desfile em Madrid41 e nos discursos oficiais feitos por Pedro Teotónio Pereira, futuro embaixador de Portugal em Madrid e por Jorge Botelho Moniz. Em Lisboa a receção aos lusos seria mais contida, ficando a cargo da Legião Portuguesa e da União Nacional, havendo pouco envolvimento dos membros do Governo para além do já referido embaixador português em Espanha. Por trás dessa atitude estava a realpolitik do Estado Novo, que procurava desvincular-se daqueles homens e da iniciativa dinamizada pelo diretor do RCP, assim como da ajuda prestada aos nacionalistas, procurando reposicionar-se internacionalmente face à crescente tensão no continente europeu e que acabaria por dar origem à II Guerra Mundial.

37

Redação, Discursos radiados de los señores Serrano Súñer, embajador de Portugal y general Moscardo, en comemoración de la gloriosa epopeya del Alcázar de Toledo, ABC (Sevilha) 28 de Setembro de 1938, p.15. 38 Idem. 39 Idem. 40 Víctor de la Serna, No lo olvidaremos jamas Portugal, La Vanguardia, 1 de Março de 1939 p.3. 41 Redação, La Vanguardia, 19 de Maio de 1939, p.2.

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5-Conclusões O papel que os meios de comunicação têm vindo a assumir durante o século XX e XXI transformaram-nos numa das armas prediletas em qualquer conflito. A guerra deixou de estar confinada às trincheiras e aos militares, passando a envolver toda a população, mesmo aquela que estava tranquilamente sentada no sofá de sua casa. Esse longo caminho evolutivo desenvolveu-se sobretudo durante a I Guerra Mundial e foi aperfeiçoado na Guerra Civil de Espanha, conflito no qual a rádio assumiu um protagonismo significativo, tornando-se na mítica quinta coluna tão mencionada pelos nacionalistas, pois conseguia atacar e minar a confiança dos inimigos bem atrás da linha de combate. O eclodir do conflito espanhol envolveu profundamente Portugal devido à proximidade geográfica, mas principalmente pela afinidade existente entre o Estado Novo e o grupo dos militares sublevados e que não existia com a II República espanhola. À semelhança do regime de Madrid, Lisboa ajudou os opositores do Governo espanhol dando-lhes guarida numa primeira fase e posteriormente, já com o movimento militar em ação apoiando-os a nível financeiro, logístico, diplomático e propagandístico. Foi nesta última vertente que se destacou o Rádio Clube Português, um órgão de comunicação privado, cujo diretor, Jorge Botelho Moniz, era um simpatizante do Alzamiento e uma figura com alguma relevância no Estado Novo, sendo o principal impulsionador da criação da Legião Portuguesa. A emissora assumiu a defesa dos revoltosos na sua antena desde o início, servindo os ditames do SPN e do Estado Novo, mas de uma forma encapotada. Contudo, a sua relevância para a Guerra Civil adveio de ser, em conjunto com a Unión Radio Sevilla, as principais estações de rádio dos nacionalistas nos meses iniciais do conflito. Para a assumpção desse papel em muito contribuiu a facilidade que tinha na obtenção do equipamento para o seu funcionamento e o facto de estar protegida das vicissitudes da guerra, assim como, numa primeira fase, acompanhar de perto os movimentos das tropas nacionalistas. Deste modo o RCP tornou-se num dos alvos preferenciais para as críticas da imprensa espanhola republicana pelo serviço prestado aos militares sublevados, onde concedia espaço radiofónico aos seus defensores e relatava as notícias da frente, mas sobretudo fazia uma guerra de contrainformação ao 17

desmentir regularmente as informações avançadas pelas rádios republicanas. Contudo, foi durante o cerco do Alcázar de Toledo (Julho-Setembro de 1936) que o RCP ganhou o maior protagonismo, quando a emissora se destacou pela defesa e apoio para com os sitiados, caracterizando-os como heróis ao passo que os atacantes foram retratados como bárbaros. Essa tomada de posição suscitou o aplauso da imprensa nacionalista e a crítica da republicana, que daí em diante elegeu a rádio como um dos seus inimigos prediletos, acusando-a claramente de favorecer os rebeldes. Essa acusação foi reforçada com insinuações sobre o financiamento da emissora, reportando os periódicos republicanos que aquele era feito pelos nacionalistas espanhóis ou então por empresários portugueses com ligações próximas a António de Oliveira Salazar. Com o triunfo franquista em Toledo, finais de Setembro de 1936, o diretor do RCP, Jorge Botelho Moniz, também passou a ser o visado pelas críticas, curiosamente na mesma altura em que o seu projeto da Legião Portuguesa foi criado em Portugal. A partir desse momento os jornais espanhóis começaram a levantar suspeitas relativamente ao seu passado, procurando ligar o seu envolvimento na luta propagandística a motivos dúbios que iam para além dos ideológicos. As censuras começaram igualmente a visar os espanhóis que usavam a antena do RCP, nomeadamente os intelectuais da colónia espanhola e os locutores. A imprensa republicana geralmente caracterizava de mentirosos e ignorantes quem falava aos microfones da emissora, ou então, como no caso da locutora Marisabel Colomina, justificava a sua participação com os achaques próprios de uma idade mais avançada, insinuando por isso a existência de alguma falta de discernimento. A ação propagandística da emissora portuguesa foi a faceta que lhe deu um maior reconhecimento, porém o ódio republicano em relação ao RCP terá sido incrementado em grande parte pelas campanhas de assistência material efetuadas em prol dos nacionalistas. Durante o conflito foram organizados diversos comboios-automóvel, iniciativas que contribuíram para acirrar a aversão para com o diretor da rádio, figura que era associada a negócios obscuros e a um aproveitamento censurável das difíceis condições a que o povo espanhol estava sujeito. O apogeu do RCP no conflito e na imprensa republicana dar-se-ia em Janeiro de 1937 com o atentado contra as suas instalações, que ela noticiou como se tratasse de uma vitória militar. Daí para a frente e no seguimento da criação da Radio Nacional de España e do avanço do exército nacionalista, o fulgor e a periodicidade das críticas para com a emissora portuguesa diminuíram significativamente. Tal deveu-se à quebra na quase exclusividade do RCP, 18

que via agora a sua ação ser ocupada pelas rádios nacionalistas espanholas e também à descolagem que o regime português começou a fazer em relação ao apoio dado aos militares sublevados. O Estado Novo face à pressão da comunidade internacional e sobretudo ao controlo do terreno militar por parte dos revoltosos diminuiu a sua intervenção. Só nos derradeiros meses do conflito é que o RCP e o seu diretor voltariam às páginas da imprensa, neste caso nacionalista, com as cerimónias de agradecimento de que eram alvo, em jeito de antecipação do desfile final da vitória em Madrid. Os militares sublevados reconheceram então a importante ajuda prestada pela emissora portuguesa e pelo seu diretor Jorge Botelho Moniz. Porém neste ponto deve salientar-se a associação que foi feita entre a instituição e o homem. Por um lado tal favoreceu o reconhecimento público de ambos, mas por outro atraiu sobre a rádio uma atenção e antipatia particular que ia para além das suas ações, certamente causada pelas iniciativas do seu diretor e sobretudo por ele ter sido um dos principais responsáveis pela presença de portugueses nas fileiras do exército nacionalista.

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Índice

1-Introdução .................................................................................................................. 0 2-Propaganda: uma breve abordagem histórica ............................................................ 2 3-Portugal, Espanha e a Guerra Civil ........................................................................... 5 4-A rádio portuguesa e a Guerra Civil .......................................................................... 9 5-Conclusões ............................................................................................................... 17 Anexos ........................................................................................................................ 21 Fontes e Bibliografia ................................................................................................... 23

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Anexos

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La Vanguardia- Jornal catalão fundado em Fevereiro de 1881 em Barcelona e que inicialmente estava ligado ao Partido Liberal. Durante a Guerra Civil o periódico tornou-se no porta-voz não-oficial da comunidade catalã (Generalitat de Catalunya) e posteriormente do Governo da II República aquando da sua estadia naquela cidade. Foi a publicação com mais relevância na Catalunha naquele período, tendo um tiragem que rondava os 135 000 exemplares.

La Voz- Publicação de matriz liberal e monárquica fundada em Madrid Julho de 1920. Por altura da II República a linha editorial alinhar-se-á com o republicanismo moderado com tiragens na ordem dos 70 000 exemplares. Já durante a Guerra Civil o jornal esteve sob o controlo de um conselho de trabalhadores (Consejos Obreros de Control) até Março de 1939, altura em que encerraria as suas portas.

ABC- Jornal fundado em Madrid em Janeiro de 1903 de índole conservadora e monárquica, assumindo-se como o principal periódico da direita espanhola. Em 1929 passou a ter uma edição em Sevilha. Com o início da Guerra Civil a edição de Madrid ficou sob controlo do partido Unión Republicana assumindo a qualidade de seu portavoz, enquanto a publicação sevilhana ficou nas mãos dos militares sublevados. Nesse período o jornal perdeu alguma da importância que fizera dele o mais lido até então, com tiragens na ordem dos 180 000/200 000 exemplares em Madrid e 25 000 em Sevilha.

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Fontes e Bibliografia

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