O Reconhecimento do Transexual como um Sujeito de Direito das Famílias: o Biodireito Frente aos Desafios da Contemporaneidade

July 27, 2017 | Autor: Taysa Schiocchet | Categoria: Transsexuality, Biotecnologia, Familia
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Citação do texto: WUNSCH, G.; SCHIOCCHET, T. O Reconhecimento do Transexual como um Sujeito de Direito das Famílias: o Biodireito Frente aos Desafios da Contemporaneidade. In: XX Encontro Nacional do CONPEDI, 2011, Belo Horizonte. Anais do XX Encontro Nacional do CONPEDI. Florianopolis: CONPEDI, 2011. Disponível em: https://unisinos.academia.edu/TaysaSchiocchet.

Bio: Pós-doutora pela UAM, Espanha. Doutora em Direito pela UFPR, com estudos doutorais na Université Paris I–Panthéon Sorbonne e na FLACSO, Buenos Aires. Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Líder do Grupo de Pesquisa |BioTecJus| Estudos Avançados em Direito, Tecnociência e Biopolítica. Tem experiência na área de Direito e Bioética, com ênfase em Teoria do Direito e Direito Civil-Constitucional, atuando principalmente nos seguintes temas: direitos humanos, ética na pesquisa, biotecnologia genética, laicidade e estudos de gênero, criança e adolescente, antropologia e povos indígenas.

CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/4551065746013148 E-mail: [email protected] Site: http://biotecjus.com.br/

O RECONHECIMENTO DO TRANSEXUAL COMO UM SUJEITO DE DIREITO DAS FAMÍLIAS: O BIODIREITO FRENTE AOS DESAFIOS DA CONTEMPORANEIDADE THE RECOGNITION OF TRANSEXUAL AS A SUBJECT OF FAMILIES LAW: THE BIOLAW FORWARD TO THE CHALLENGES OF CONTEMPORARY

Guilherme Wünsch Taysa Schiocchet RESUMO O avanço nas biotecnologias trouxe novas situações para a humanidade, exigindo uma postura ética nas suas regulações, de modo que se deve agir eticamente para o ser humano. O sistema jurídico, e também a Medicina estabelecem, desde logo, com o nascimento, uma identidade sexual, a qual, teoricamente, é imutável; e uma, onde o gênero se apresenta como uma expressão pública dessa identidade. Neste contexto, é que se coloca o questionamento sobre a tutela jurídica ao transexual e o seu reconhecimento enquanto ser humano que deseja formar uma família em um sistema jurídico que enxerga no sexo anatômico uma identidade única ao indivíduo. PALAVRAS-CHAVE: BIOTECNOLOGIA; TRANSEXUALIDADE; FAMÍLIA. ABSTRACT The progress in biotechnology has brought humanity to new situations requiring an ethical stance in its regulations, so they must act ethically for humans. The legal system provides, first, with birth a sexual identity, which, theoretically, is immutable, and one where the gender is presented as a public expression of that identity. In this context, it is that it puts the question on the legal protection to transsexual and its recognition as a human being who wants to start a family in a legal system that sees the sexual anatomy a unique identity to the individual. KEYWORDS: BIOTECHNOLOGY;TRANSSEXUALITY;FAMILY

Sumário: Introdução. 1. Biotecnologia e Transexualidade – (Des)Construindo noções. 2. Transexualidade e Direito à identidade sexual. 3. A dessacralização do Direito de Família e seus efeitos na família contemporânea: o transexual como um sujeito de direito. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO Tratar do tema da transexualidade constitui-se em um verdadeiro desafio. Não apenas porque é um tema que ainda não possui ampla abordagem nos bancos acadêmicos, principalmente jurídicos, mas porque envolve uma discussão entre toda a sociedade, uma vez

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que não permitiu a afirmação da condição de sujeito de direito ao transexual, de modo que a sua tutela jurídica permaneceu sempre à margem, no esquecimento. Assim, a proposta que se busca levantar reside na análise da relação entre o desenvolvimento das novas tecnologias com seus reflexos no Direito, a possibilidade de procedimento cirúrgico de troca de sexo e a configuração familiar em que um dos indivíduos seja, ou tenha sido, pós cirurgia, transexual. Portanto, ao se escolher o tema da transexualidade quer-se viabilizar uma reflexão sobre como o ordenamento jurídico busca proteger – se busca – os indivíduos que tenham se submetido à intervenção cirúrgica, objetivando-se compreender o porquê de ser a questão da transexualidade um dos desafios que se colocam frente ao Direito na contemporaneidade e como ele deve atuar na defesa dos interesses de tais indivíduos. Investigar a temática do transexual implica, necessariamente, em questionar a noção do que venha a ser sexo, gênero, direito à vida, direito à integridade, entre outros, para se entender até que ponto o Direito correspondeu aos avanços oriundos das ciências médicas, ou se apenas limitou-se às considerações legislativas amarradas às velhas fórmulas, as quais contemplam o sexo da pessoa como algo imutável. Desta forma, imperioso o questionamento e análise deste novo cenário que se coloca na sociedade contemporânea, de modo a ancorar nos princípios constitucionais uma proteção à família que vá além do disposto no Código Civil de 2002, desvinculando-se da codificação e buscando nos princípios erigidos pela Carta Magna a efetiva proteção às novas famílias surgidas no contexto social, cuja proteção torna-se base para a efetivação do Estado Democrático de Direito, o qual proíbe expressamente a discriminação de qualquer natureza.Cabe ressaltar que é necessário pensar o transexual não somente no Direito de Família, mas em todo o Direito, como um verdadeiro sujeito de direitos e de desejos . Optase, no entanto, neste trabalho por analisar-se a questão do reconhecimento do transexual como um sujeito de direito no Direito de Família. Deixa-se o convite de uma proposta de busca de conhecimento e questionamentos sobre a importância de se tratar este tema, principalmente se reconhecendo que o Código Civil de 2002, ainda que tenha silenciado sobre diversos temas no Direito de Família, é o marco legislativo atual que regula as relações oriundas deste campo.

1. BIOTECNOLOGIA E TRANSEXUALIDADE: (DES)CONSTRUINDO NOÇÕES

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O Direito, enquanto tutela dos fatos sociais, busca responder aos anseios da sociedade. Assim, se a sociedade dá as costas aos assuntos da sexualidade, o Direito assim o faz, pois haveria legitimidade para tanto. Entretanto, sexualidade e Direito estão umbilicalmente ligados, haja vista que as questões de Direito de Família perpassam pela sexualidade, não como um elemento formador de família, mas como um elemento presente em determinadas relações familiares. Estes aspectos vêm sendo modificados paulatinamente pelo comportamento social. Todavia, as mudanças sociais ainda são pequenas considerando que os transtornos da sexualidade não surgiram com o Código Civil de 1916, com a Constituição Federal de 1988 ou com o Código Civil de 2002.[1] Essa idéia foi trazida pela Medicina, que, inicialmente, por meio da Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.482/1997, revogada pela Resolução nº 1.652/2002, dispôs sobre a cirurgia de transgenitalização. Ao considerar o paciente transexual portador de um desvio psicológico permanente de identidade sexual, inclusive com a rejeição fenotípica e tendência a automutilação, bem como outros fatores, autorizou a cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia e procedimentos complementares sobre os caracteres sexuais secundários como forma de tratamento dos casos de transexualismo[2]. Elimar Szaniawski alude que o sexo biológico consiste “no aspecto físico do indivíduo que lhe determina o fenótipo”[3]. Ou seja, é o sexo biológico aquele que decorre das características corporais da pessoa. O sexo endócrino divide-se em sexo gonadal e extragonadal. O gonadal é identificado pelas glândulas sexuais do homem e da mulher destinados à produção de hormônios. Já o sexo extragonadal é constituído de outras glândulas que atribuem aos indivíduos outras características de masculinidade ou feminilidade. Ainda, o sexo morfológico corresponde à forma ou aparência de um indivíduo no que diz respeito ao sei aspecto genital, ou seja, a designação de homem ou de mulher. O sexo psíquico é aquele cujas características são descritas a partir das reações psicológicas do indivíduo a partir de determinados estímulos. Essa tipologia corresponde ao papel do gênero que expressa a identidade da pessoa, de modo que a sua conduta está ligada diretamente ao seu psiquismo.[4] O sexo civil, também denominado de jurídico, é a determinação do sexo de uma pessoa a partir de sua vida civil, ou seja, de acordo com as suas relações sociais, as quais, então, identificam esse sexo civil. O sexo jurídico tem início a partir da realização do registro de nascimento da criança, quando ocorre a designação do seu sexo, a partir de seu sexo morfológico externo.

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Ana Paula Ariston Barion Peres apresenta uma tipologia que não havia sido trabalhada por Elimar Szaniawski. Para esta autora, o sexo de criação, o qual se vincula ao meio em que a criança se desenvolve. A formação do sexo de criação é então responsabilidade das pessoas que estão ligadas direta ou indiretamente ao desenvolvimento da criança, como, por exemplo, os pais, os familiares, educadores, entre outros. O sexo psicossocial é o resultante das interações genéticas, fisiológicas e psicológicas que se formam dentro da atmosfera social e cultural. Na verdade, corresponde ao sexo psicológico, pois é a partir da ação integrada dos elementos descritos que irá se forma a identidade de gênero da pessoa.[5] Ocorre que a sexualidade humana pode apresentar por vezes determinadas perturbações ou disfunções, conhecidas como anomalias sexuais, como o bissexualismo, o travestismo, o intersexualismo, o hermafroditismo e o transexualismo. Assim como nos diversos tipos de acepções da palavra sexo, a doutrina possui diferentes definições para as sexopatias. Por tal motivo é necessário identificar as diferenças de tais categorias, pois a falta de conhecimento destas pode gerar confusões teóricas na discussão, justificando eventuais preconceitos em relação a estas pessoas que estão em referidas categorias. Elio Sgreccia alude que o bissexualismo que se refere ao desejo não exclusivo pelos dois sexos, de modo que há uma alternância entre a prática com os parceiros do sexo oposto. Pois, esta nomenclatura quebra uma dicotomia existente entre o heterossexual e o homossexual, de modo a possibilitar uma identificação sexual intermediária[6]. O travestismo é utilizado na área da sexualidade para descrever o indivíduo que “obtém prazer de cunho sexual em vestir-se com as roupas do sexo oposto ao seu”[7]. Assim, há travestis homens e mulheres, e não significa necessariamente vestir-se totalmente com roupas do sexo oposto, mas apenas partes das mesmas, assim como não há necessidade de publicizar esta característica. Ainda, o intersexualismo como uma anomalia sexual caracteriza os indivíduos que apresentam caracteres físicos e funcionais de ambos os sexos, sendo o indivíduo intersexual portador de um sexo indefinido, eis que possui características somáticas e psíquicas dos dois sexos.[8] O hermafroditismo por sua vez é um fenômeno geneticamente determinado por uma deficiência enzimática durante a formação do embrião no útero materno, sendo que, diagnosticado o quadro de hermafroditismo é recomendável a realização de intervenção cirúrgica para adaptação do sexo externo ao interno ou oposto[9]. Segundo Oliveira, a decisão

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sobre a predominância do sexo interno ou externo deve levar em consideração o momento da realização do procedimento cirúrgico corretivo[10]. A disforia de gênero ou o distúrbio de identidade de gênero significa o constante sentimento de infelicidade pelo indivíduo com relação ao seu sexo biológico e pode culminar com o desenvolvimento de quadros depressivos, bem como tentativas de mutilação ou suicídio.[11] Assim para se diagnosticar o transexualismo deve haver a presença constante de tal disforia, sendo que a presença única de tal distúrbio não é capaz de diagnosticar o transexualismo, pelos critérios clínicos. Neste sentido, são as palavras de Silvério Oliveira: Entendemos por disforia de gênero ao indivíduo que não se sente adaptado ou à vontade dentro do papel sexual destinado ao seu gênero (masculino ou feminino). (...) No diagnóstico do transexualismo cabe atentar que o indivíduo não deseja pertencer ao sexo oposto ao seu em virtude de supostas vantagens sociais. Se os motivos estão vinculados a vantagens sociais, familiares, financeiras ou outras semelhantes não cabe o diagnóstico de transexualismo e sim de momentânea disforia de gênero.[12]

No transexualismo há uma constante disfunção do gênero, onde não se visa obter alguma espécie de lucro em troca de sexo, mas sim a integridade física e psicológica, ao passo que o indivíduo sente-se presente num corpo de mulher como se homem fosse ou um homem como se mulher fosse. Isso porque o sexo do indivíduo, enquanto gênero, abarca apenas duas possibilidades: masculino e feminino, todavia, a forma como a pessoa utiliza cognitivamente esse sexo, relacionando-se emocionalmente com as pessoas é que se apresenta com uma multiplicidade de formas.[13] O transexualismo é considerado um transtorno de identidade sexual (CID-10 e DSMIV), sendo também denominado de disforia neurodiscordante de gênero.[14] Então, a utilização da terminologia transexual serve tanto para homens quanto para mulheres. Tereza Rodrigues Vieira apresenta o seguinte conceito para transexual: Transexual é o indivíduo que possui a convicção inalterável de pertencer ao sexo oposto ao constante em seu Registro de Nascimento, reprovando veementemente seus órgãos sexuais externos, dos quais deseja se livrar por meio de cirurgia. Segundo uma concepção moderna, o transexual masculino é uma mulher com corpo de homem. Um transexual feminino é, evidentemente, o contrário. São, portanto, portadores de neurodiscordância de gênero. [15]

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Elimar Szaniawski apresenta algumas fases do transexualismo, cujo desenvolvimento se dá dentro de três fases: inicialmente, há o transexualismo psicógeno, onde existe uma tendência do indivíduo pertencer ao sexo oposto, possuindo características narcisistas. Em seguida, surge uma fase ligada ao desenvolvimento hormonal e que é aplicada pelo próprio transexual, o qual procura, sozinho, transformar as suas características para as do sexo oposto. A última etapa consiste na plena convicção que a pessoa tem em sentir-se do sexo oposto, configurando-se a síndrome transexual no indivíduo.[16] No transexualismo há uma ausência de satisfação sexual e raridade de contatos sexuais, eis que há uma distorção do corpo e a rejeição do gênero. Atualmente, a cirurgia de transgenitalização é autorizada no Brasil pelo Conselho Federal de Medicina, a qual com o advento da Resolução n. 1.652/2002 autoriza o procedimento, conforme aludido no início deste capítulo. Segundo esta Resolução, o transexualismo será diagnosticado se o paciente apresentar as seguintes características: desconforto com o sexo anatômico natural, desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto; permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente, por, no mínimo, dois anos e ausência de outros transtornos mentais.[17] De acordo com o artigo 4º da Resolução, a seleção dos pacientes deverá obedecer a critérios como o diagnóstico médico de transgenitalismo, o paciente ser maior de vinte e um anos e a verificação de ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia. O objetivo deste capítulo é propor uma revisão sobre as denominações e discursos que se colocaram sobre a transexualidade, para consagrar os direitos sexuais como direitos humanos, eis que a partir da real possibilidade que existe em trocar de sexo, transformando o corpo, a fim de adequá-lo ao sexo oposto do biológico, é que ressurgem os questionamentos sobre o direito de dispor do próprio corpo, para se (re)descobrir qual é a relevância do sexo para a identificação dos sujeitos de direitos. Sobre isto, Miriam Ventura alude que: Os direitos sexuais situam-se nessa complexa interface do público e do privado que por um lado refuta julgamentos morais em função de modos de obter prazer, e, por outro, exige liberdade para que afetos e relacionamentos possam ser vivenciados e assumidos sem discriminação. Exige, portanto, além da garantia de proteção pelo Estado à vida privada e às escolhas pessoais, que sejam viabilizados os meios e as condições indispensáveis para a vivência da almejada liberdade sexual, que implica a implementação de ações e políticas sociais que previnam e coíbam as

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discriminações, violências e demais desigualdades nas relações pessoais e sociais.[18]

Assim, propor uma afirmação do que sejam os direitos humanos no âmbito da sexualidade serve para suprimir o pensamento clássico de sexo biológico como afirmação de gênero e fator de conduta humana, em vista da existência da Constituição Federal que assegura a intimidade e a vida privada, verdadeiros fundamentos concretizadores de um Estado Democrático de Direito que pretende assegurar a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana. Então, essa fundamentação corrobora para constituir o Direito em um terreno que seja espaço de luta pelos direitos das pessoas que são minorias na sociedade. Por tal motivo é que nos últimos anos os direitos sexuais avançaram e ganharam uma nova formatação tanto no campo jurídico quanto no campo da saúde. Legitima-se, com maior força, pelo menos na última década, o direito à troca de sexo. Isso significou uma real possibilidade de alteração da identidade sexual, o que salvaguarda a demanda pelo reconhecimento jurídico da operação de troca de sexo para fins de troca de nome no registro civil. Por exemplo, já que este é um dos pontos mais controversos que envolve a questão da identificação do sujeito que realiza a intervenção cirúrgica e que se vê diante do dilema sobre a possibilidade ou não de troca de nome, a fim de adequá-lo a sua nova identidade. Desconstruir a noção de sexo não é tarefa fácil, porque de fato as pessoas nascem e recebem uma sentença definitiva do que deverão ser quando se desenvolverem fisicamente e psicologicamente, mesmo que no primeiro momento da vida ninguém saiba qual será a verdadeira identidade psíquica que aquela pessoa irá desenvolver. Assim, os casos de transexualidade surgem como uma quebra de paradigma à visão pura, fechada e classificatória de sexo. Ou seja, há um novo momento em que as possíveis verdades são contestadas hoje não se pode mais dizer com absoluta certeza que o José será José a vida inteira, que a Maria será Maria a vida inteira. José poderá vir a ser Maria e Maria poderá vir a ser José. A vida afetiva e psíquica, antes cerrada, abre-se à renovação das noções que acompanharam a sociedade por anos. Portanto, adotar uma noção única de sexo restringindo a autonomia dos sujeitos é afrontar a autonomia destes, assim como o direito à saúde, à liberdade, à diferença, à não discriminação, enfim, todos aqueles que já são consagrados pela ordem constitucional.

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Sobre estes aspectos, teve-se a oportunidade de reiterar que na democracia contemporânea as sociedades iniciaram um movimento em defesa dos direitos sexuais[19], os quais se constituem em um ramo dos Direitos Humanos, relacionados com os direitos reprodutivos, desigualdades de gênero e questões multidisciplinares em saúde pública. Nesse sentido: As sociedades democráticas contemporâneas deram início a um grande movimento político de reivindicação por direitos na esfera da sexualidade e reprodução, a partir de uma concepção pluralista, afirmativa e emancipatória. A construção da noção dos “direitos sexuais e reprodutivos” está vinculada aos movimentos sociais, principalmente ao de mulheres, que, inicialmente, voltou-se contra as políticas verticais de controle de natalidade e, posteriormente, ampliou seu debate para questões relacionadas ao exercício pleno da sexualidade e da reprodução, as quais passaram a ser introduzidas no discurso político não mais como necessidade biológica e sim como um direito, ou melhor, um conjunto de direitos. Os “direitos sexuais” são um ramo dos direitos humanos e estão intimamente relacionados com os direitos reprodutivos, com a desigualdade de gênero e com as questões multidisciplinares da saúde pública. [20]

A abertura dos conceitos e sua conseqüente desconstrução por meio de questionamentos é que irá garantir a livre expressão da sexualidade do indivíduo. 2. TRANSEXUALIDADE E DIREITO À IDENTIDADE SEXUAL Propõe-se neste capítulo aprofundar a questão da identidade, a qual foi abordada anteriormente, para se analisar sob o prisma da igualdade, os argumentos favoráveis e contrários à cirurgia de redesignação de sexo e as suas implicações no Direito, a partir da análise de decisões jurisprudenciais. Um dos maiores anseios da contemporaneidade é o da igualdade, a qual está conjugada à noção de cidadania, como marcos descritos na Constituição Federal em seu artigo 5º. A idéia de igualdade está intimamente ligada à justiça, já que embasa a criação das regras, valorando moralmente a igualdade, enquanto princípio que se abre em diversos sentidos, dentre os quais se encontram aqueles que são o foco do escrito: gênero e sexo. É neste contexto em que se discute a questão da afirmação da igualdade em virtude da orientação sexual do indivíduo, já que a não-discriminação pela orientação sexual concretiza o

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princípio da igualdade. Tal princípio está inserido no ordenamento jurídico brasileiro como expressão simultânea da igualdade diante da lei e da igualdade na lei, expressões estas que possuem significações distintas acerca do direito à igualdade. Em linhas gerais, veja-se o que diz Roger Raupp Rios acerca da aplicação do princípio da igualdade no ordenamento brasileiro: Inicialmente, pode-se afirmar que a igualdade perante a lei (igualdade formal) diz respeito à igual aplicação do direito vigente sem distinção com base no destinatário da norma jurídica, sujeito aos efeitos jurídicos decorrentes da normatividade existente; a igualdade na lei (igualdade material), por sua vez, exige a igualdade de tratamento dos casos iguais pelo direito vigente, bem como a diferenciação no regime normativo em face das hipóteses distintas (...)[21].

O princípio da igualdade, pelo viés formal, pressupõe uma aplicação do direito sem considerar a pessoalidade de seu destinatário perante a norma. É a primazia da lei no Estado de Direito. Sob a égide da igualdade formal, portanto, aplica-se a mesma lei a todas as pessoas, para tratá-las de modo igual diante da sua consideração abstrata enquanto sujeitos de direito, o que deflagrou a consciência crítica de que esse viés não abarca as situações da vida. Essa regra de aplicação do princípio da igualdade demonstra-se insuficiente como critério de promoção da justiça em sentido material, contexto em que o princípio da igualdade desenvolve-se, via de regra, da melhor forma possível. Estar diante de um Estado de Direito material, neste sentido, é reconhecer o conteúdo da atividade que o Estado desenvolve perante a sociedade, para além de um mero olhar sobre as normas jurídicas positivadas. Ou seja, revela-se a preocupação com a garantia e a realização dos direitos fundamentais, como o próprio direito de não ser discriminado em face da orientação sexual, sob conseqüência de transformarem-se os juristas em meros repetidores daquilo que está escrito e é aparentemente imutável. No contexto da sexualidade o debate não pode pautar-se apenas sob o aspecto do que é normatizado, pois o Estado não exerce mais um papel de controle sobre a constituição das formas de famílias. É, na verdade, uma ruptura do paradigma masculinizado em que a família assentava-se classicamente, como quebra da idéia do patriarcalismo. Sobre isso, Rodrigo da Cunha Pereira expõe que: A família e o casamento sofrem atualmente transformações a partir de seus fundamentos: a divisão sexual do trabalho e a dicotomia do público e doméstico passam a constituir áreas de conflito na busca de uma igualdade

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de direitos. É o sistema patriarcal que se abala, sem que se tenha, todavia, resolvido até hoje os dilemas das desigualdades e diferenças entre homens e mulheres.[22]

Ou seja, questiona-se a sustentabilidade da ideologia patriarcal que esteve presente historicamente na idéia da virilidade masculina superior ao papel feminino da sociedade. Neste sentido, havendo essa ruptura da idéia da identidade da família estar centrada na figura masculina é que se embasa a justificação do reconhecimento da orientação do transexual, como sujeito de direito cuja identidade biológica é dissonante de sua identidade psíquica. Sobre a questão da identidade Fachin afirma que “o ponto de partida desta abordagem, contextualizada no Brasil, se funda na idéia da autodeterminação superando as portas cerradas de suposto assunto proibido e vencendo antigo e pretenso dogma que impunha um silêncio hipócrita”.[23] Diante da incompreensão jurídica aos transtornos da identidade sexual como assegurar o direito ao indivíduo de assumir corporalmente a sua identificação, quando seu sexo biológico encontra-se contrário ao seu sexo psíquico? Através da já aludida cirurgia de redesignação do estado sexual, a qual com a evolução das técnicas cirúrgicas possibilitou-se a mudança da morfologia sexual externa, a fim de encontrar a identificação entre o sexo físico e o psíquico. Teoricamente, o ser humano possui uma faculdade inerente de dispor sobre seu corpo, não constituindo em ilicitude seu ato, já que objetivamente o Direito não busca compreender o modo pelo qual o indivíduo vive e como este protege a sua saúde. Como afirma Szaniawski, Fora algumas hipóteses em que existe um atentado contra a saúde do indivíduo, que lhe cause uma diminuição permanente de sua integridade psicofísica, possui o ser humano uma facultas quaedam disponendi de si mesmo, faculdade de disposição esta que se diz interna a sil, localizada em uma esfera extrajurídica.[24]

Então, o fato de um transexual submeter-se à cirurgia de ablação de seus órgãos não pode ser encarado como uma espécie de lesão ou atentado contra o paciente, eis que, analisando o papel do médico, não há, em tese, nenhum agir doloso deste em realizar a cirurgia, já que a sua autorização foi dada por uma equipe especializada após um complexo período de tratamento pré-cirúrgico. O que há, na verdade, é uma soma de dois fatores que implicam necessariamente no consentimento do paciente, quais sejam, o ato cirúrgico acrescido ao ato de disposição do corpo do paciente. Seria, enfim, uma tutela ao direito de

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liberdade do indivíduo, cuja tradução constitui uma atividade lícita, eis que seu consentimento é voluntário, obtido a partir de sua capacidade de consentir com a realização da cirurgia, fruto de sua consciência e vontade, sendo uma capacidade natural e não jurídica, por assim dizer. Agora, com relação ao direito de dispor sobre seu corpo e a questão da natureza da cirurgia, o debate permanece complicado. Isso porque como destaca Elimar Szaniawski, há um direito de propriedade que as pessoas possuem sobre o seu próprio corpo, sendo que a disposição de partes do mesmo seria o exercício da titularidade de tal direito de propriedade. Em sentido contrário, poder-se-ia pensar que dispor do próprio corpo seria um atentado, um crime à própria constituição física.[25] Argumenta-se enfim que a realização da intervenção médica irá trazer ao paciente transexual uma nova condição de vida e que o mesmo irá, ao adaptar-se à sua nova condição física, ter a chance de se reinserir na sociedade, mas agora assumindo a sua nova identidade. Mas, qual a importância existe para o Direito em se tratar de temas como a transexualidade? Que tipos de conseqüências são geradas quando se é autorizada a cirurgia pela equipe médica? Existe algum limite para essa disposição do próprio corpo, em face dos direitos de personalidade? Então, o artigo 13 do atual Código Civil reza que “salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes”. A fim de lançar um debate, aduz-se aos artigos 11 e 12 do mesmo diploma civilístico, sendo que tais normativos estabelecem que: Art.11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. Art.12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos sem prejuízo de outras sanções previstas em lei

Portanto, em face dos direitos de personalidade o direito assume um caráter protetivo ao direito do transexual em realizar a cirurgia de troca de sexo, legitimando todas as conseqüências que advirão da intervenção, como, por exemplo, a troca de nome no Registro Civil, ou, ao contrário, fundamentando-se nos direitos da personalidade, o ordenamento jurídico proibiu qualquer espécie de disposição do próprio corpo para fins de troca de sexo, interpretando-se literalmente o caput do artigo 13 do Código Civil de 2002?

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A fim de se legitimar qualquer discussão sobre o aspecto levantado é preciso, inicialmente, analisar o que são os direitos de personalidade, a fim de relacioná-los com a transexualidade e a identidade do sujeito, objeto do capítulo. Deve-se alertar, todavia, que, ao se discutir o âmbito de aplicação dos direitos de personalidade, neste primeiro momento, busca-se lançar apenas as bases para a discussão, sendo que as implicações decorrentes ao transexual serão analisadas posteriormente. Adriano de Cupis assevera que “a personalidade, ou capacidade jurídica, é geralmente definida como sendo uma susceptibilidade de ser titular de direitos e obrigações jurídicas. Não se identifica nem com os direitos nem com as obrigações e nem é mais do que a essência de uma simples qualidade jurídica”.[26] Logo, a qualidade de ser titular de direitos não é apenas algo que decorre da natureza fática, mas sim do próprio ordenamento jurídico que tutela os interesses dos indivíduos. A personalidade, classicamente, é tida como o próprio pressuposto dos direitos e das obrigações jurídicas. Novamente, conforme De Cupis, “a personalidade seria uma constituição física destinada a ser revestida de direitos, assim como os direitos seriam destinados a revestir a essa mesma configuração”.[27] Em termos de identidade, pode-se afirmar que o sujeito revela-se um legítimo sujeito de direitos quando se considera que a sua identidade é o seu próprio objeto. Em outras palavras, é reconhecer os direitos subjetivos privados inerentes ao ser humano, respeitando-se a individualidade de cada um. Deste modo, direitos como integridade física, liberdade, honra são considerados como direitos privados, de interesse da própria pessoa.[28] Importante referir que os direitos da personalidade constituem-se na medida em que se contextualizam em determinada relação jurídica com outro sujeito, identificando-se tais sujeitos na coletividade, ou seja, todos são destinatários da norma jurídica, logo, do direito objetivo, onde estão inseridos os direitos da personalidade, onde assumem a responsabilidade de não lesarem os direitos da personalidade de outro sujeito, titular dos mesmos.

Justifica-se, por certo, a proteção aos direitos da personalidade, em vias de constitucionalidade, o próprio reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, inciso III. Destarte, as normas constitucionais que objetivam a proteção da personalidade são dotadas de eficácia e concretude, haja vista que a Constituição assume um papel de centro do ordenamento jurídico, afastando a dicotomia rígida existente entre o público e o privado, rechaçando-se, por conseqüência, a divisão entre o Direito Civil e o Direito Constitucional, de modo que a

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proteção da pessoa humana é garantida pelo direito como um sistema unitário, e não pelo direito público ou pelo direito privado. Neste sentido, o ordenamento jurídico não conceitua de forma explícita o que é pessoa, mas recebe uma noção, atribuindo-lhe carga valorativa, podendo, em vista disso, apenas limitar a capacidade de exercício de determinados direitos reconhecidos, mas sem subtrair o seu substrato axiológico.[29] Assim, proteger os direitos de personalidade frente ao ordenamento jurídico é efetivar os direitos correspondentes a ela; ou seja, não respeitar os direitos da personalidade significa não respeitar a própria pessoa, desviando todo o fundamento em que se assenta o ordenamento jurídico, considerando a pessoa humana como sujeito central de direitos. Inerente ao sujeito, o direito à vida acaba, por lógica, caracterizando-se como um direito intransmissível, configurando-se em atributo de direito da personalidade. Este direito à vida é um direito eminentemente privado, posto que respeita a pessoa enquanto possui uma condição de existencialidade. Trata-se de um direito tão fundamental que está positivado no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, sendo a fonte primária de todos os demais direitos, decorrentes do reconhecimento do direito à vida, os quais não poderão desenvolver-se de forma plena, se não houver a proteção a este, que é fundamental. Nenhum direito existirá separadamente do direito à vida. Portanto, a vida protegida pelos direitos da personalidade é aquela compreendida desde o momento da concepção. Conjugado ao direito à vida está o direito à integridade física da pessoa, sendo este direito da personalidade um bem ao modo de ser físico da pessoa. Novamente, de Cupis aduz que É digno de tutela o interesse público relativo à integridade física dos indivíduos, na medida em que tal integridade constitui condição de convivência normal, se segurança, de eficaz desenvolvimento da atividade individual profícua – e não se pode dizer que todas as manifestações da integridade física tenham essa importância.[30]

Reconhecer o direito à integridade física como um direito privado, assim como é o direito à vida, é respeitar o indivíduo pela sua própria condição de ser humano. Diz-se, neste sentido, que o direito à integridade física protege a pessoa contra lesão ao seu corpo e à sua mente garantido o desenvolvimento físico e psíquico da pessoa. Reveste-se, dessa forma, a integridade física como qualidade dos direitos da personalidade, eis que acompanha o ser humano desde a sua concepção até a morte, como o

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direito à vida. Ou seja, partindo-se da noção de direito à vida, refere-se ao direito à integridade física, construindo-se a idéia de existência da pessoa, onde a integridade é elemento constituinte desta existência, concentrando-se na manutenção dos atributos e características físicas – e psíquicas – do indivíduo, isso porque assume uma dimensão superior ao mero indivíduo considerado enquanto indivíduo dotado de um corpo físico. Preserva-se, assim sendo, a totalidade das partes e da constituição físico-corpórea que estrutura o ser humano, bem como o estado de saúde física e mental e a sua aparência. Logo, o direito à integridade física constitui-se em direito subjetivo da personalidade, dentro da idéia explanada no início do capítulo, eis que objetiva ao gozo dos bens da integridade física, eis que são direitos inatos a todo ser humano, e, aqui, registre-se, inclusive do transexual. O corpo humano, considerando seu aspecto biológico, é o meio pelo qual a pessoa desenvolve a sua vida, de modo a haver a junção do elemento espiritual e material para que a sua integridade seja protegida no âmbito jurídico.[31] Em face disso, e, considerando o viés da dignidade da pessoa humana, deve-se respeitar o direito à vida, bem como o direito à integridade física, de modo que a disposição do próprio corpo vedada pelo Código Civil de 2002 deve ser interpretada no sentido de proibição que implique na inviabilidade do exercício do direito à vida e integridade, como, por exemplo, em casos que possa causar alguma deformidade permanente no corpo, o que, por certo, não é o caso do paciente que se submete à cirurgia redesignativa de sexo.[32] Neste sentido, a autorização da cirurgia de troca de sexo acaba não apenas por concretizar o direito à vida e à integridade, considerando-se que o procedimento não inviabiliza o seu exercício, mas o próprio direito à vida privada como direito da personalidade, nos moldes do disposto no artigo 21 do Código Civil de 2002, ao afirmar que “a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”. Significa dizer, portanto, que o direito à intimidade e à vida privada coadunam-se com a autonomia que possui o indivíduo, a partir do momento em que se garante a ele o direito de decidir sobre a sua vida íntima, independente e inviolável. Deste modo, afirma-se que a cirurgia de transexualização não significa apenas uma correção cirúrgica para uma patologia biopsíquica, mas sim um elemento concretizador de direitos da personalidade, ao qual não cabe ao direito prender-se em noções aparentemente imutáveis sobre a identidade das pessoas. 3. A DESSACRALIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA E SEUS EFEITOS NA FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA: O TRANSEXUAL COMO SUJEITO DO DIREITO.

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Em vista dos aspectos abordados nos capítulos anteriores, ao se reconhecer a identidade sexual do transexual, é preciso refletir sobre seu valor na família contemporânea. De forma breve, refere-se que o Direito de Família Clássico assentava-se em aspectos patrimonialistas, não havendo a consideração da pessoa enquanto um sujeito cujos direitos devem ser tutelados e garantidos. Luiz Edson Fachin irá referir que “o sujeito e o objeto ocupam espaço jurídico privilegiado na base das relações jurídicas”[33], onde ao sujeito assegura-se um papel avançado no sistema jurídico, eis que implica na noção de pessoa. Já, ao objeto são configurados princípios e regras que tutelam o regime jurídico dos bens. O citado autor, ao tratar da noção de pessoa aduz que: Primeiramente, pessoa não remetia à outra idéia senão a designação da máscara trágica que engrossava a voz do autor e também à designação da máscara dos ancestrais que se representava nos cortejos fúnebres. (...) Para esse modo de ver na acepção jurídica, pessoa é o ente físico ou moral suscetível de direitos e obrigações. Neste sentido, pessoa é o

sinônimo de sujeito de direito ou sujeito de relação jurídica.[34]

Por se considerar que pessoa remetia apenas à idéia de máscaras, é que se pode afirmar que o Código Civil de 1916 elevou o patrimônio como elemento nuclear das relações privadas. Diz-se que o conceito de indivíduo é que representou o marco inicial do relato político e jurídico moderno.[35] O Código Civil de 1916 impregna-se de determinados preceitos morais, em vista da manutenção patriarcal da família, onde ao marido cabia exercer o papel de chefe da sociedade conjugal. Ou seja, nada mais do que a elevação do papel do homem na direção da sociedade conjugal. Infere-se, portanto, a ausência do transexual como um sujeito de direito na família clássica. Se neste Direito de Família não havia espaço para o transexual ser considerado um sujeito de direito em família, em vista da idéia patrimonialista e matrimonializada em que se assentavam os laços tradicionais, no Direito de Família contemporâneo, ao contrário, busca-se efetivar os ideários previstos na Constituição Federal para inserir os indivíduos dentro do contexto atual do que vem a ser família. Para tanto, é preciso buscar as bases da mudança do sistema codificado para o sistema aberto, que busca não trazer verdades absolutas, considerando a essência do ser, não o reduzindo a mero objeto, como o sujeito cartesiano.[36]

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Neste quadro, é que se propõe questionar qual é a nova realidade que o Direito Civil e o próprio Direito de Família perpassam ao se considerar a abertura do ordenamento jurídico, como um caminho de superação da lógica reducionista, fechada, cartesiana, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988? Ainda, nesta família contemporânea, há espaço para novos sujeitos de direito das famílias, num aspecto pluralista de formas familiares, dentre os quais também enquadra-se o transexual? Inicialmente, traz-se à luz a reflexão de Fachin acerca das transformações conceituais do Direito Civil, a partir de uma perspectiva crítica. Nas suas palavras: A transformação de paradigmas supõe riscos e possibilidades. As dificuldades advêm da força de permanência dos significados e dos saberes pretensamente perenes dos significantes. Outros horizontes podem ser captados para compreender o novo Direito Civil, até mesmo a palavra muda. Uma alteração expressiva é rejeitar as definições sempre exatas e pretensamente verdadeiras.[37]

Neste sentido, há uma nova seara comportamental dos três pilares do direito civil, que passam a considerar o sujeito em família, que se insere em um sistema jurídico, que busca definir um sujeito para um conjunto de objetos, pelo que o Direito Privado assume um papel de classificação dos fatos que a ele interessam, albergando-os, no sistema como fatos jurídicos. Portanto, há uma tendência no direito privado e no direito público, no sentido de se publicizar o direito privado e privatizar o direito público, fenômeno este denominado de publicização

do

direito,

que

junto

a

dois

outros

fenômenos

denominados

de

constitucionalização e repersonalização do direito privado irão pautar os novos questionamentos e buscas de soluções para as contemporâneas questões de Direito Civil, em especial, o Direito de Família.[38] Segundo Eugênio Facchini Neto, “o fenômeno da constitucionalização do direito privado representa, de certa forma, a superação da perspectiva que via o universo jurídico dividido em dois mundos racionalmente diversos: o direito público de um lado e o direito privado de outro”.[39] Assim, retornando-se ao capítulo anterior deste trabalho quando se abordava a questão da evolução da noção de Estado, tem-se que a intervenção estatal na vida econômica e social das pessoas, a partir da idéia de estado de bem-estar, acarretou significativas conseqüências para o Direito, dentre as quais a publicização[40] do direito privado, já que ao Estado cabe agora o papel de interventor em atividades antes vistas apenas como do setor privado. * Trabalho publicado nos Anais do XX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Belo Horizonte - MG nos dias 22, 23, 24 e 25 de Junho de 2011

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Assim, a própria Constituição ao introduzir em seu conteúdo os fenômenos da família, da propriedade e da atividade econômica, entre outras, constitucionaliza o direito privado, que, aos poucos fragmenta-se em diversas fontes normativas e não apenas em códigos reducionistas. Portanto, desta constitucionalização exsurgem os princípios constitucionais que, ao serem interpretados e concretizados acabam por introduzir no sistema jurídico dois outros fenômenos: o da repersonalização do direito civil e o da despatrimonialização do direito civil.[41] A constitucionalização do direito privado pode, então, ser vista sob dois enfoques: a um, tratando-se da descrição do fato de que diversos institutos tipicamente de direito privado como a família e a propriedade passam a ser tutelados também pelas constituições hodiernas, assumindo uma relevância constitucional. A dois, significa a questão da hermenêutica contemporânea, a partir das reflexões acerca da força normativa dos princípios, a interpretação conforme a Constituição, entre outros, de modo que esta segunda acepção possibilita um olhar sobre os princípios constitucionais principalmente na área dos direitos fundamentais e sociais.[42] Facchini bem coloca, neste sentido, que: Em outras palavras, afirma-se que a Constituição não é apenas um programa político a ser desenvolvido pelo legislador e pela administração, mas contém normatividade jurídica reforçada, pois suas normas são qualitativamente distintas e superiores às outras normas do ordenamento jurídico, uma vez que incorporam o sistema de valores essenciais à convivência social, devendo servir de parâmetro de conforto para todo o ordenamento jurídico, além de auxiliar a este como critério informativo e interpretativo validante.[43]

Assim sendo, com a afirmação da supremacia da Constituição, que sedimenta valores, princípios e regras é que foi possível a compreensão das relações entre o público e o privado, tidas como inexistentes, eis que tratavam-se duas esferas distintas e incomunicáveis. No caso do Direito de Família percebe-se que anteriormente as características que definiam a família abrem espaço para novas configurações. Assim, o que antes se chamava de família matrimonializada, hierarquizada, patriarcal e de feição transpessoal acaba por ser substituída pela pluralidade familiar, a igualdade substancial a direção diárquica, onde os laços constituem-se pelo afeto, a fim da realização e felicidade da família, no modelo eudemonista, portanto.[44]

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Para entender a repersonalização a partir do texto constitucional é mister trabalhar o princípio inscrito na Carta Magna que orienta todo o ordenamento jurídico, por colocar a pessoa como centro axiológico, cujos olhos da sociedade e do direito devem estar atentos para os seus anseios, ou seja, o princípio da dignidade da pessoa humana, o qual vem expresso no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. Este princípio, ganha força e concretização por intermédio de demais princípios, também inscritos na Constituição Federal de 1988, com a finalidade de se formar um sistema jurídico harmônico, afastando o individualismo do Direito Civil clássico, para eivar de inconstitucionalidade qualquer fonte normativa que venha a conflitar com este princípio.[45] Deve-se esclarecer que não há nenhuma pretensão em se conceituar o princípio da dignidade da pessoa humana em termos fechados, eis que diante do pluralismo das relações sociais contemporâneas, a noção de dignidade da pessoa humana, é, no mínimo, uma noção em permanente desenvolvimento, o que não combina, portanto, com definições cerradas. Há que se considerar que a dignidade é uma qualidade inerente à pessoa humana, de modo que se reveste das características da irrenunciabilidade e inalienabilidade. Ou seja, é uma condição humana que deve ser protegida e respeitada, por ser indispensável ao desenvolvimento da pessoa, vista, onde o Direito assume um papel de garantidor deste atributo intrínseco ao indivíduo, visto como um sujeito de direito. Neste sentido, afirma Ingo Sarlet que: Assim, vale lembrar que a dignidade evidentemente não reside apenas onde é reconhecida pelo Direito e na medida em que este a reconhece, já que constitui dado prévio, no sentido de preexistente e anterior à toda experiência especulativa. Todavia, importa não olvidar que o Direito poderá exercer papel crucial na sua proteção e promoção, não sendo, portanto, completamente sem fundamento que se sustentou até mesmo a desnecessidade de uma definição jurídica da dignidade da pessoa humana, na medida em que, em última análise, se cuida do valor próprio, da natureza do ser humano como tal (...).[46]

A dignidade da pessoa humana é mais do que mero princípio: é regra jurídica a ser respeitada e protegida por toda a sociedade. O destaque e importância deste princípio são tantos que Sarlet, com sensibilidade, coloca que (...) dentre as funções exercidas pelo princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, destaca-se pela sua magnitude, o fato de ser, simultaneamente, elemento que confere unidade de sentido e legitimidade a uma determinada ordem constitucional, constituindo-se, de acordo com a * Trabalho publicado nos Anais do XX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Belo Horizonte - MG nos dias 22, 23, 24 e 25 de Junho de 2011

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significativa fórmula de Haverkate, no “ponto de Arquimedes do estado constitucional”.[47]

Portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana busca não apenas garantir o tratamento humano à pessoa, mas sim, em termos jurídicos, transformar o Direito Civil, a fim de ultrapassar o individualismo de outrora, para fazer ressurgir em uma nova matriz axiológica o reconhecimento da dignidade como fundamento constitucional básico à concretização do texto elaborado pelo constituinte. Segundo Maria Celina Bodin de Moraes, são corolários da dignidade da pessoa humana os princípios jurídicos da igualdade, da integridade física e moral, da liberdade e da solidariedade.[48] Ou seja, é necessário reconhecer a igualdade entre as pessoas para que se proteja a integridade psicofísica das mesmas, no intuito de garantir a liberdade dos indivíduos, onde a sociedade acolhe estes sujeitos livres, concretizando o princípio da solidariedade. Como concretizador da dignidade da pessoa humana, o princípio da igualdade manifesta-se como a garantia de não haver tratamento discriminatório, onde cada indivíduo possui o direito de ser igual aos demais sujeitos de direito, vinculando-se ao aspecto formal da igualdade. Mas, a tutela da dignidade da pessoa humana, para além de mera vinculação formal, deve ser aplicada e interpretada a partir do respeito do direito à diferença, a fim de possibilitar a coexistência entre as pessoas, onde o que distingue cada uma das pessoas é a sua igualdade em termos de dignidade humana.[49] Assim sendo, aceitar a liberdade e integridade do outro significa o reconhecimento de uma sociedade solidária nos moldes propostos pela Constituição Federal, em vista do próprio reconhecimento da dignidade da pessoa humana. Sobre o princípio da solidariedade, novamente se traz a reflexão de Maria Celina Bodin de Moraes: Se a solidariedade fática decorre da necessidade imprescindível da coexistência humana, a solidariedade como valor deriva da consciência racional dos interesses em comum, interesses esses que implicam, para cada membro, a obrigação moral de “não fazer aos outros o que não se deseja que lhe seja feito”.[50]

Ou seja, o princípio da solidariedade previsto pelo legislador constitucional identificase com o desenvolvimento da existência digna com o intuito de se desenvolver uma sociedade livre e justa, sem excluir o outro.

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Portanto, quando se fala em dignidade da pessoa humana, está se falando nos próprios direitos fundamentais, posto que, contemporaneamente, ter condições para estar em família é ter a dignidade humana respeitada. O direito de ser família é fundamental ao desenvolvimento íntegro da pessoa, que se insere na sociedade como um verdadeiro sujeito cujos direitos devem ser tutelados em nome do desenvolvimento do Estado Democrático proposto pela Constituição Federal de 1988. Os direitos fundamentais são fruto de reivindicações, oriundas de situações de injustiça aos bens fundamentais inerentes aos seres humanos, pois sem o reconhecimento dos direitos fundamentais não há como existir uma ordem democrática, onde não haverá um espaço livre para desenvolvimento da igualdade e liberdade humana. Assim, só se pode vislumbrar a figura dos direitos fundamentais dentro de uma ordem constitucional.[51] Para Ingo Sarlet, “os direitos fundamentais exercem sua eficácia vinculante também na esfera jurídico-privada, isto é, no âmbito das relações jurídicas entre particulares”.[52] Esta é a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, num contexto em que se exprimem valores que o Estado deve respeitar, promovendo uma proteção global dos direitos fundamentais, de modo que atinjam todo o ordenamento jurídico. Portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana assume uma posição de destaque, eis que serve como justificativa da fundamentalidade dos direitos consagrados na Constituição Federal de 1988, onde acaba sendo concretizado pelos demais princípios oriundos do texto constitucional, conforme abordado, moldando uma rede sistemática, cuja interpretação do direito se fortalece a partir da consideração dos princípios e valores.[53] Feitas estas considerações, é possível perceber que tratar o indivíduo como um sujeito com dignidade é remodelar, por conseqüência, a idéia de formação familiar, uma vez que, ao se considerar a pessoa como ser humano, a família torna-se um lugar de realização da dignidade de seus membros[54], para além da rigidez do Direito Civil clássico, o qual estruturava a família com base na sacralização do matrimônio, a fim de não apenas concretizar a aplicação das idéias constitucionais, mas sim a laicidade do Estado brasileiro. Atento a esta questão é que se deve reconhecer as diversas formas familiares que se estruturam na contemporaneidade, em vista do que, hodiernamente, denomina-se de pluralismo das formas familiares, cujo contexto irá permitir uma reflexão sobre a família contemporânea, bem como o espaço de inserção do transexual como um novo sujeito de direito de família, fruto da repersonalização das formas familiares, considerando o afeto como um valor jurídico, o qual pauta a construção das novas famílias. Segundo Maria Cláudia Crespo Brauner, a pluralidade de formas de constituição de família significa uma ruptura com o modelo único instituído pelo casamento. Desta forma,

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aceitar as outras formas de relação é reconhecer o princípio do pluralismo e liberdade, que vem personificar as relações da sociedade contemporânea.[55] Este processo de reconhecimento de outras formas de constituir família é gradual e exige um enfrentamento do legislador e dos doutrinadores para se desconstruir o modelo herdado da família patriarcal, num verdadeiro movimento de integração das pessoas frente à complexidade das relações que se colocam na contemporaneidade. Neste quadro, o afeto foi paulatinamente ingressando no sistema jurídico, como um valor a ser considerado no momento em que as pessoas decidem formar um vínculo familiar ou dissolvê-lo. Nas famílias atuais o afeto significa muito mais que a presunção de sua existência como nas famílias patriarcais. Contextualizado na sociedade contemporânea, o afeto representa a visibilidade da família. Conforme leciona Silvana Maria Carbonera: Sua existência é mais concreta, sendo provada quotidianamente, o que novamente revela um modelo jurídico de família mais preocupado com os sujeitos do que com o conjunto. Esta noção contemporânea pode ser localizada em duas situações nas relações jurídicas de família: na formação e dissolução de casais e nas relações paterno-filiais.[56]

Portanto, para além de uma consideração jurídica do afeto, este princípio da pluralidade familiar galgada pelo afeto traduz-se no direito de ser família. A nova realidade do Direito Civil contemporâneo passa a defender os interesses da pessoa, direcionando a ela a sua atenção, para funcionalizar socialmente institutos vistos classicamente como de exclusividade do direito privado, a fim de concretizar os interesses existenciais da pessoa humana, para salvaguardar o seu desenvolvimento. Nas palavras de Jussara Meirelles: Enfim, a pessoa humana passa a centralizar as cogitações jurídicas, na medida em que o ser é valorizado. O seu papel anteriormente estabelecido pelas disposições do Código Civil, determinado fundamentalmente pela propriedade, pelo ter, assume função meramente complementar.[57]

Nesta seara, ser família contemporaneamente é entender a pessoa como um sujeito de direito, com liberdade de construir, manter e dissolver a sua relação, pois a família é o espaço de realização pessoal e da dignidade humana de seus membros. Ou seja, a repersonalização das relações familiares é um processo que revaloriza a dignidade humana, onde o afeto desponta como elemento nuclear definidor da família, colocando a pessoa como * Trabalho publicado nos Anais do XX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Belo Horizonte - MG nos dias 22, 23, 24 e 25 de Junho de 2011

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figura central da tutela jurídica, ao contrário do individualismo da propriedade, baluarte da época da codificação.[58] Portanto, a nova feição familiar caracteriza-se pela pluralidade e abertura multifacetária e democrática, onde, não apenas deve haver o espaço de reconhecimento, mas sim a efetiva proteção, consoante o caput do artigo 226 da Constituição Federal, o qual prevê ser a família a entidade protegida pelo Estado, predominando o modelo eudemonista[59] de família, como o local privilegiado para garantir a dignidade humana e realização plena do ser humano.[60] Neste sentido, em que a família passa a assumir novos contornos na sociedade plural, Pietro Perlingieri afirma que a família como formação social é garantida em função da realização das exigências humanas, como lugar onde se desenvolve a pessoa.[61] Desta forma, a função serviente da família deve ser realizada de forma integrada na sociedade, merecendo tutela em nome do princípio da dignidade, da igualdade e da democracia. A família deve ser respeitada, pois inspira-se “como qualquer formação social, no princípio da democracia”.[62] É mister refletir sobre institutos de Direito de Família, e a tutela aos direitos do transexual. Com relação ao casamento deve-se considerar que este instituto clássico é visto como a legitimação de uma união sexual entre pessoas de sexo diferente, de onde emana a prole. Apenas para título ilustrativo, cite-se o pensamento de Orlando Gomes, o qual conceitua o casamento da seguinte forma: “casamento é vínculo jurídico entre um homem e uma mulher, de base sexual, nascido do seu consentimento, do qual resultam direitos e deveres peculiares para os que o contraem e os que nascem dessa união”. [63] Se há uma afirmação de que o casamento só pode ocorrer entre indivíduos do sexo oposto, é preciso saber qual das acepções da palavra sexo deve ser a aplicada, já que, como abordado no início deste trabalho, a palavra sexo pode designar um estado biológico, psicológico, sociológico, entre outros. Quando o indivíduo se submete à cirurgia sabe que a sua constituição interna restará a mesma de seu sexo biológico de origem, então, aos olhos de uma sociedade discriminatória carregará a mácula de ser transexual, pois este adjetivo o acompanhará para sempre em sua vida.[64] É “como se a sociedade num gesto magnânimo lembrasse sempre ao transexual que ele pode parecer-se com o que pretende, mas nunca será realmente o que pretende”.[65] Logo, argumenta-se que o transexual deve ter a possibilidade de constituir família sob a proteção do Direito.. Segunda hipótese seria a operação de troca de sexo na constância do casamento. Neste caso, mesmo que numa interpretação literal dos 1.156 e 1.157 do Código Civil de 2002 fosse se considerar a hipótese de erro essencial na pessoa do outro, sendo causa de anulação do

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casamento, nem sempre este erro pode tornar insuportável a vida em comum, pois não cabe ao Direito dizer se o indivíduo irá ou não considerar insustentável a sua convivência com seu cônjuge pelo fato de ser transexual.[66] É preciso lutar para promover o bem das pessoas, pois apenas assim é que se concretizará o princípio que se encontra consagrado no artigo 1º, inciso III, da Carta Magna de 1988, onde, em nome da dignidade da pessoa humana, o constituinte estabeleceu a vedação a qualquer forma de discriminação, para possibilitar que o indivíduo busque a sua realização pessoal, e, por conseqüência, dentro da família, como consectário do princípio da liberdade de formas familiares e, sobretudo, da pluralidade das formas familiares, tutelandose,verdadeiramente, direitos em um Estado Democrático.. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pretensão deste trabalho, longe de encerrar a discussão sobre o tema, reside em apresentar algumas reflexões sobre o reconhecimento do transexual como sujeito de direito, tanto no que se refere aos Direitos Humanos, Direito Privado, Direitos da Personalidade e, especialmente, no Direito de Família. Tais reflexões foram viabilizadas, como se pode perceber, a partir da perspectiva interdisciplinar, isto é, da conjunção entre Medicina, Bioética, Estudos de Gênero e Direito. É necessária uma abertura conceitual para garantir a liberdade da identidade sexual. Para além disso, a cirurgia de transgenitalização não pode apenas ser entendida como um procedimento cirúrgico que corrigirá uma sexopatia. Neste ato está a concretização de um desejo, de uma vida, de uma pessoa. É mais do que isso: se o ato médico consegue biologicamente essa concretização, cabe, igualmente, ao Direito tutelar as garantias fundamentais ao transexual, demonstrando que está atento às mudanças sociais e que não é apenas um conjunto de normas que repetem velhas fórmulas já vistas anteriormente. É possível inferir, então, que hodiernamente a noção de sexo compreende não apenas o aspecto biológico e morfológico, mas sim outros fatores como o social e o psíquico, e a questão de gênero, por exemplo, conforme abordado. Vedar o direito de redesignação do estado sexual significa uma quase chancela com os modos clandestinos utilizados, por meio de automutilações, por exemplo, ou, em casos mais graves, o próprio suicídio. Em outras palavras, a impossibilidade de redesignação da identidade sexual contraria o próprio princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, erigido pela Constituição Federal de 1988. É em nome da dignidade da pessoa humana que deve, desta forma, ser

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autorizado o procedimento cirúrgico, como forma de garantir a defesa desta dignidade, e reconhecido os seus reflexos jurídicos. O Direito, neste sentido, abre espaço para novos sujeitos, e, a partir da Constituição Federal de 1988 com a eleição da dignidade da pessoa humana como princípio norteador do ordenamento jurídico, todos estes acabam por merecer a tutela jurídica de seus interesses. Neste sentido, concretiza-se o direito de ser família. Segundo Tânia da Silva Pereira, “a importância do grupo familiar advém do fato de a família ser, ao mesmo tempo, o objeto das recordações dos indivíduos e o espaço no qual essas recordações possam ser avivadas”.[67] Não à toa, a Constituição Federal de 1988 dedicou o seu artigo 226 à proteção da família enquanto base da sociedade, a qual possui proteção especial do Estado. Portanto, é papel não apenas do Direito, mas sim de toda a sociedade salvaguardar que o indivíduo possua a sua identificação com determinada forma familiar, uma vez que a sua integração nas relações sociais se dá também a partir da sua formação em família, inclusive na própria personalidade. O Direito brasileiro superou o modelo clássico de família, caracterizado pelo patriarcalismo e hierarquia entre seus membros, cuja única forma legítima de ser família era o casamento, como é possível verificar no artigo 226 da Constituição Federal de 1988, onde o afeto é que legitima as formações familiares. Não há, portanto, como desconsiderar o transexual como um sujeito de direito e vendar os olhos para a possibilidade já existente de cirurgia de redesignação de estado sexual como forma de atenuar o sofrimento do indivíduo que possui desconformidade com o seu sexo biológico. É necessário olhar o outro sem medo, sem as amarras do passado, sem as máculas da discriminação, sem a idéia de individualismo, sem o “cada um por si”. Nas palavras de Emmanuel Lévinas: “Não se deve ficar impressionado pela falsa maturidade dos modernos que não encontram para a ética, denunciada sob o nome de moralismo, um lugar no discurso racional (...). Esta inversão humana do emsi e do para-si, do “cada um por si”, em um eu ético, e, prioridade do paraoutro, esta substituição ao para-si da obstinação ontológica de um eu doravante decerto único, mas único por sua eleição a uma responsabilidade pelo outro homem (...) esta reviravolta radical produzir-se-ia no que chamo do rosto de outrem.[68]

Assim, olhar o outro é o olhar em seu rosto com afeto, com responsabilidade, reconhecendo-o como um sujeito de tutela jurídica, cuja proteção deve ser garantida não

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apenas pelo formalismo legislativo, mas pela materialidade social, que não considera o outro – o transexual – como diferente, mas como igual, com capacidade jurídica e com garantia de salvaguarda de sua dignidade. Encontra-se aí a razão para olhar o transexual com afeto, em seu rosto, e garantir-lhe o acesso aos direitos que estão legitimados no ordenamento jurídico, para, então, sem amarras e sem uma falsa não discriminação, reconhecer-lhe como um verdadeiro sujeito de Direito de Família. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO, Luís Ivani de Amorin e DEL’OMO Florisbal de Souza (org.). Direito de Família contemporâneo e os novos direitos. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

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Tais considerações são feitas com base nas bibliografias de ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional do transexual, bem como PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: O direito a uma nova identidade sexual e SZANIAWSKI, Elimar. Limites e possibilidades do direito de redesignação do estado sexual. [2] Cabe aqui referir que a nomenclatura transexualismo é utilizada para a indicação da sexopatia, diferentemente da terminologia transexualidade como uma qualidade daquele que é transexual. [3] SZANIAWSKI, Elimar. Limites e possibilidades do direito de redesignação do estado sexual. p.36. [4] Ibidem. p.38. [5] Para maiores detalhes ver PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo – o direito a uma nova identidade sexual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. [6] SGRECCIA, Elio. Manual de bioética – fundamentos e ética biomédica. p.504. [7] Conforme OLIVEIRA, Silvério da Costa. O psicólogo clínico e o problema da transexualidade. p.5. [8] Ibidem. p.45. [9] OLIVEIRA, Silvério da Costa. O psicólogo clínico e o problema da transexualidade. p.8. [10] Para o autor se o procedimento ocorrer durante a infância será dada preferência a manutenção do sexo cromossômico, já que ainda não houve o desenvolvimento de um padrão de masculinidade ou feminilidade da criança. Agora, se a cirurgia ocorrer em momento posterior deverá se respeitar o sexo culturalmente aceito pelo indivíduo. Em vista disso o diagnóstico de hermafroditismo exclui o de transexualismo, eis que o transexual nasce com a sua genitália perfeita. Ibidem. p.8. [11] Ibidem. p. 58 e seguintes. [12] OLIVEIRA, Silvério da Costa. O psicólogo clínico e o problema da transexualidade. p.9. [13] Ibidem. p. 9-10. [14] Ibidem. p.12. [15] VIEIRA, Tereza Rodrigues. Aspectos psicológicos, médicos e jurídicos do transexualismo. Texto disponível em http://editora.metodista.br/Psicologo1/psi05.pdf . Acesso em 10/04/2011. [16] SZANIAWSKI, Elimar. Limites e possibilidades do direito de redesignação do estado sexual. p.50. [17] Consoante o artigo 3º da Resolução CFM n. 1.652/2002. Disponível em http://www.portalmedico.org.br/novoportal/index5.asp. Acesso em 15/04/2011. [18] VENTURA, Miriam. Transexualidade: algumas reflexões jurídicas sobre a autonomia corporal e autodeterminação da identidade sexual. in RIOS, Roger Raupp (org.). Em defesa dos direitos sexuais. p.145. [19] Para uma análise mais aprofundada sobre os direitos sexuais, remete-se o leitor ao artigo: SCHIOCCHET, Taysa. Marcos normativos dos direitos sexuais: uma perspectiva emancipatória. In: BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. (Org.) Biodireito e gênero. Ijuí: Ed. Unijuí, 2007 [20] SCHIOCCHET, Taysa. Marcos normativos dos direitos sexuais: uma perspectiva emancipatória. In: BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. (Org.) Biodireito e gênero. Ijuí: Ed. Unijuí, 2007. [21] RIOS, Roger Raupp. O princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual. p.31. [22] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: uma abordagem psicanalítica. p.113. [23] FACHIN. Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro. p. 120. [24] SZANIAWSKI, Elimar. Limites e possibilidades do direito de redesignação do estado sexual. p.72. [25] Ibidem. p.77-78. [26] DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. p.19. Ressalte-se que a utilização deste conceito é essencial para este trabalho pois é a partir deste que se busca construir a noção de sujeito. [27] Ibidem. p.21. [28] Ibidem. p. 21 e seguintes. [29] Ibidem. p.36 e seguintes. [30] Ibidem. p.77. [31] Para mais, vide BELTRÃO, Sílvio Romero. Direitos da personalidade de acordo com o novo código civil. p.108/109. [32] Considerações realizadas com base nas literaturas de CUPIS, Adriano de. Direitos da personalidade e BELTRÃO, Sílvio Romero. Direitos da personalidade de acordo com o novo código civil. [33] FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. p.31. [34] Ibidem. p.33. [35] RODRIGUES, Celso. A construção do indivíduo e o direito moderno in FILHO, José Carlos Moreira da Silva e PEZZELLA, Maria Cristina Cereser. Mitos e rupturas no direito civil contemporâneo. p.98. [36] Aqui, há uma referência a René Descartes e sua obra Discurso do Método, em que desenvolveu o chamado método cartesiano centrando-se na dúvida provisória e na evidência e clareza das idéias, como meio para se chegar à verdade, sendo a razão a autoridade suprema na condução à busca dessa verdade. Neste sentido, afirma o filósofo que “o método que ensina a seguir a verdadeira ordem e a relacionar exatamente todas as circunstâncias daquilo que se procura, contém tudo o que dá certeza às regras...”. Assim, contextualizando o

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pensamento cartesiano para o Direito de Família seria possível afirmar que no modelo clássico e fechado do sistema codificado a família era o laço que trazia a certeza da perenidade, sendo indissolúvel. Hodiernamente, pelo contrário, esta concepção não possui espaço frente ao momento de questionamentos e incertezas que compõem o sistema jurídico, de modo que caberá ao intérprete a missão de aplicar a lei sempre com uma reflexão de que a pessoa não se esgota no ordenamento jurídico, e, que, portanto, é preciso um novo olhar sobre ela, para lhe garantir seus direitos fundamentais, que se encontram ao longo do ordenamento jurídico, principalmente na Constituição Federal de 1988. Para maior aprofundamento sobre o pensamento cartesiano, vide DESCARTES, René. Discurso do Método. Ed. Cone. [37] FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil à luz do novo Código Civil Brasileiro. p.175. [38] FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil à luz do novo Código Civil Brasileiro. p.176 e seguintes. [39] NETO, Eugênio Facchini. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado in SARLET, Ingo Wolfgang (org.) Constituição, direitos fundamentais e direito privado. p. 15. [40] Ibidem. p.15. [41] Estes fenômenos são referenciados e trabalhados principalmente por FACHIN, Luiz Edson em suas obras Teoria crítica do direito civil à luz do novo Código Civil Brasileiro e Estatuto jurídico do patrimônio mínimo, sendo também abordados por NETO, Eugênio Facchini. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado in SARLET, Ingo Wolfgang (org.) Constituição, direitos fundamentais e direito privado. [42] Para maiores reflexões vide NETO, Eugênio Facchini. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado in SARLET, Ingo Wolfgang (org.) Constituição, direitos fundamentais e direito privado. p.39-40. [43] Ibidem. p.41. [44] FACHIN, Luiz Edson. Direito de Família: elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro. p.39. [45] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. p.43. [46] Ibidem. p. 43 e seguintes. [47] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. p.79. [48] MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo in SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição, direitos fundamentais e direito privado. p.119. [49] Ibidem. p.126 [50] Ibidem. p.140-141. [51] Ibidem. p.350 e seguintes. [52] Ibidem. p.353. [53] Ibidem. p.353. [54] Sobre isto, deve-se referir à função serviente da família aludida por Pietro Perlingieri. Esta função serviente significa que a família é um valor constitucionalmente garantido nos limites da sua conformação, sendo um lugar de realização das exigências humanas. Assim, a família, enquanto formação social, deve se tutelada em face dos valores concretizadores da democracia, como a dignidade, a igualdade e a solidariedade. A fim de maiores considerações, sugere-se a consulta de PERLINGIEI, Pietro. Perfis do Direito Civil: introdução ao Direito Civil Constitucional, p.243-246. [55] BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. O pluralismo no Direito de Família brasileiro: realidade social e reinvenção da família in MADALENO, Rolf Hanssen e WELTER, Belmiro Pedro. Direitos fundamentais do Direito de Família. p.259. O pluralismo das relações familiares significa, portanto, reconhecer que na sociedade contemporânea, para além da família instituída pelo matrimônio, deve ser reconhecido o espaço da família formada pela união estável, a família monoparental, a família reconstituída, a família homoafetiva e, por que não, a família formada pelo transexual. [56] CARBONERA, Silvana Maria. O papel jurídico do afeto nas relações de família in FACHIN, Luiz Edson. Repensando fundamentos do Direito Civil brasileiro contemporâneo. p.298. [57] MEIRELLES, Jussara. O ser e o ter na codificação civil brasileira: do sujeito virtual à clausura patrimonial in ibidem. p.111. [58] Para maiores considerações sobre este aspecto, sugere-se a leitura de LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família in ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim e DEL’OMO, Florisbal de Souza. Direito de família contemporâneo e os novos direitos. p.99-114. [59] CARDOSO, Simone Tassinari. Do contrato parental à socioafetividade in ARONNE, Ricardo. Estudos de Direito Civil-Constitucional. Volume 2. p.104. [60] FARIAS, Cristiano Chaves de. A família da pós-modernidade: em busca da dignidade perdida da pessoa humana (ou famílias sociológicas versus famílias reconhecidas pelo Direito: um bosquejo para uma aproximação conceitual à luz da legalidade constitucional in FARIAS, Cristiano Chaves de. Escritos de direito de família. p.12. [61] PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. p.244.

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Ibidem. p.246. GOMES, Orlando. Direito de Família. p.38 e seguintes. [64] Deve-se referir que o objetivo da cirurgia de redesignação de sexo possibilita a conformação do sexo biológico com o sexo psicológico do transexual. Assim, não é correto que aquele indivíduo seja sempre tratado como alguém que se submeteu a um procedimento para transgenitalização, pois, deste modo, não haverá nenhuma chance daquele ser humano integrar-se na sociedade. Pelo contrário, o sofrimento pelo qual este indivíduo passa só tenderia a aumentar, posto que se antes havia preconceito da sociedade com a sua situação de desconformidade entre a aparência biológica e a psicológica, carregar o adjetivo transexual é nada mais do que perpetuar a discriminação pela realização da cirurgia. Ou seja, de qualquer forma sempre continuará sendo um indivíduo diferente, a ser excluído, o que, para quem busca desenvolver um trabalho dentro do Direito não pode haver, em especial no Direito de Família, pois estes indivíduos também são aqueles que buscam se socorrer do Judiciário para buscarem a tutela de seus direitos, os quais não podem ser simplesmente negados por uma condição de sexopatia daquela pessoa. [65] ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional do transexual. p.135. [66] Diz-se que não cabe ao Direito estabelecer se a convivência se tornará insustentável porque cabe a cada pessoa escolher a qual família deseja pertencer, uma vez que um dos princípios que norteiam o Direito de Família contemporâneo é o da liberdade de formas familiares, que consagra a formação afetiva da família, nos moldes dos artigos 226 e 227 da Constituição Federal, de modo que liberdade e igualdade andam juntas na elaboração da família. Segundo Maria Berenice Dias, “todos têm liberdade de escolher o seu par, seja do sexo que for, bem como o tipo de entidade que quiser para constituir sua família” in Manual de Direitos das Famílias. p.61 [67] PEREIRA, Tânia da Silva. Famílias possíveis: novos paradigmas na convivência familiar in PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Afeto, ética, família e o novo Código Civil brasileiro. p.653. [68] LÉVINAS, Emmanuel. Ensaios sobre a alteridade. p.269. [63]

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