O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS DE FAMÍLIA DA UNIÃO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

July 22, 2017 | Autor: Matheus Bezerra | Categoria: Direito de família, União Homoafetiva, União Estável
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O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS DE FAMÍLIA DA UNIÃO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

MATHEUS FERREIRA BEZERRA Especialista em Direito Civil pela Universidade Federal da Bahia Mestrando em Direito Privado pela Universidade Federal da Bahia Advogado Professor de Direito Processual Civil II na Faculdade Anísio Teixeira/BA

Artigo doutrinário inserido no Juris Plenum Ouro nº 4, novembro de 2008.

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. A formação da família à luz do direito brasileiro: 2.1. O casamento; 2.2. União estável - 3. União entre pessoas do mesmo sexo: 3.1. Argumentos negadores do reconhecimento: 3.1.1. Da diversidade de sexos na união estável; 3.1.2. Da necessidade de prole - 3.2. Argumentos favoráveis ao reconhecimento: 3.2.1. O direito à igualdade; 3.2.2. A dignidade humana; 3.2.3. Autonomia contratual; 3.2.4. Do enriquecimento sem causa - 4. Conclusão - 5. Referências bibliográficas. RESUMO: O presente trabalho buscou analisar os aspectos jurídicos inerentes às uniões entre pessoas do mesmo sexo a partir da análise da família no direito brasileiro, bem como as transformações sofridas pelo ordenamento jurídico nacional que permitiram a inclusão de novas formas de constituição da família, como a união estável e a família monoparental, chegando à análise específica das uniões entre pessoas do mesmo sexo, que apresentam omissões ao tratamento jurídico-legal do ordenamento brasileiro. Doravante, utilizando-se dos princípios de direito e dos argumentos contrários e a favor ao reconhecimento de direitos das uniões entre pessoas do mesmo sexo, o presente trabalho, considera que a estrutura jurídica brasileira encontra campo propício ao reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo à luz dos valores por ele mesmo eleitos como mais relevantes. PALAVRAS-CHAVE: Reconhecimento - Direitos - União - Pessoas do mesmo sexo - Família. ABSTRACT: The present work searched to the same analyze inherent the legal aspects to the unions between people of the same sex from the analysis of the family in the

Brazilian right, as well as the transformations suffered for the national legal system that had allowed the inclusion of new forms of constitution of the family, as the steady union and the one relative family, arriving the specific analysis of the unions between people of the same sex, who present omissions to the legal-legal treatment of the order Brazilian. From now on, using itself of the principles of right and the contrary arguments and the favor to the recognition of rights of the unions between people of the same sex, the present work, considers that the Brazilian legal structure the same finds propitious field to the recognition of the unions between people of the same sex to the light of the elect values for itself as more excellent. KEY-WORDS: Recognition - Rights - Union - People of the same sex - Family.

1. INTRODUÇÃO Ao longo dos anos a ciência jurídica sofreu diversas transformações, com avanços e retrocessos, decorrentes, principalmente, da influência que o Direito sofre dos valores sociais vigentes num dado momento e num dado local, dentre os quais, o direito de família foi dos seus ramos que mais sofreu com as modificações ocorridas do século XIX, o que proporcionou uma alteração não só nos seus institutos jurídicos e dispositivos legais, mas também nos seus próprios conceitos e na forma de pensá-los. Destarte, as transformações sociais forçaram a ciência jurídica a promover uma revisão dos seus institutos, na qual incluiu o próprio conceito de família. Com efeito, no direito brasileiro, a família prevista pelo Código Civil de 1916, em seu art. 229,(1) estava consolidada, apenas, no casamento, não sendo admitido nem reconhecido pelos diversos dispositivos qualquer outra forma legítima para sua constituição. Contudo, diante de uma realidade crescente de famílias constituídas fora da esfera de proteção criada pelo casamento, a ciência jurídica teve que adotar posicionamentos mais brandos com aqueles que não fossem amparados pelos laços matrimoniais. Neste contexto, em 1964, o Supremo Tribunal Federal, sensível à realidade social e buscando a justa divisão patrimonial dos então denominados concubinos, editou a Súmula 380 que se constituiu numa verdadeira ruptura do sistema jurídico-legal que via o casamento como única forma de constituição familiar, firmando o entendimento de que: "comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum". Esse posicionamento adotado pelo excelso pretório representa um grande avanço jurídico, pois não mais permitiria a exclusão daqueles que dedicaram seus esforços para a realização de ideais comuns, embora, ainda, não representasse um reconhecimento da entidade familiar propriamente dita. Doravante, o reconhecimento da existência de "sociedade de fato" foi uma solução encontrada no direito societário, para justificar a divisão do patrimônio entre os seus integrantes, a fim de que nenhum deles experimentasse o enriquecimento injustificado à custa dos esforços do outro, passando a

solucionar as contendas judiciais acerca do patrimônio, mas ainda deixava os componentes destes grupos à margem da lei por não serem reconhecidos como grupos familiares. Porém, com o advento da Carta Magna de 1988, visando a maior adequação jurídico-legal à realidade social, o próprio conceito de família foi ampliado, com a entidade familiar deixando de ser criada exclusivamente pelo casamento e passando a se aceitar novas formas de constituição, como a família monoparental e a decorrente da união estável. Neste contexto, a norma jurídica abriu azo ao reconhecimento de situações de fato já consolidadas na sociedade brasileira, mas que não encontravam respaldo jurídico necessário ao tratamento mais condizente com os seus anseios, sob o seguinte enfoque: A grande mudança no direito concubinário se deu a partir de 1988 com a Constituição da República, autorizando definitivamente que as questões relativas a essa outra forma de constituição de família fossem tratadas no campo do Direito de Família e não mais no campo do Direito Obrigacional. Essa não é apenas uma simples mudança didática na organização jurídica. Reveste-se de grande importância porque instala outro marco teórico, mudando o ângulo de visão e raciocínio de atribuição e distribuição de direitos decorrentes da união estável. Com isso, a concepção sobre a contribuição indireta ganha mais força. Em última análise, significa a revalorização do trabalho doméstico, atribuindo-lhe conteúdo econômico. (DIAS; PEREIRA, 2006, p. 231). Além disso, a Constituição Federal de 1988 também promoveu a igualdade entre os componentes do ente familiar, seja entre marido e mulher, para o exercício do pátrio poder e a chefia familiar, seja em relação aos filhos havidos fora do casamento que passaram a ter os mesmos direitos que os havidos no casamento, afastando-se, por completo, as adjetivações discriminatórias, como filhos ilegítimos, bastardos, espúrios, dentre outras similares, de sorte que a família ganhou contornos mais inclusivos e menos segregatórios, adequando-se, assim, aos novos ideais constitucionais que visam: "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (inciso IV, do art. 3º, da CF/88). Doravante, com o passar do tempo, os ideais constitucionais, que elevam o valor do ser humano e protegem as entidades familiares, foram sendo sedimentados na sociedade brasileira, não mais deixando espaço para tratamentos excludentes às pessoas e aos grupos familiares, de modo que outros seguimentos da sociedade, até então, excluídos da previsão legal, passaram a buscar o reconhecimento de seus direitos, como ocorre com os casais formados por pessoas do mesmo sexo que, embora convivam como entidades familiares, atendendo aos requisitos caracterizadores de uma união estável, não foram abrangidas pela norma constitucional quando esta tratou de entidade familiar em seu art. 226, nem sequer pela norma infraconstitucional, com o advento da Lei nº 10.406/2002 (Código Civil de 2002), o que apenas contribui para o surgimento de conflitos

por não haver uma previsão legal expressa. Entretanto, mesmo não tendo sido previsto expressamente pela norma jurídica, as uniões entre pessoas do mesmo sexo representam uma realidade social, sendo crescentes os movimentos para os reconhecimentos dos direitos decorrentes delas. Ao longo do mundo, a discussão vem ganhando força, de sorte que em alguns países já se reconhece o direito às uniões entre pessoas do mesmo sexo, inclusive, sendo permitido até mesmo o casamento, a exemplo do que ocorre nos Países Baixos, na Bélgica, no Canadá, na África do Sul e na Espanha.(2) No Brasil, a discussão é bastante presente e, até então, na jurisprudência, não encontra um posicionamento uníssono, haja vista os diversos julgados antagônicos acerca do tema, frutos, sobretudo, da aludida omissão legal, cada qual apresentando um motivo para fundamentar seus entendimentos que ora reconhecem as entidades familiares formadas por pessoas do mesmo sexo e, consequentemente, asseguram aos integrantes todos os direitos dele inerentes, ora as desconhecem por completo não admitindo a produção de quaisquer dos efeitos jurídicos inerentes ao direito de família. Assim, por um lado, existe uma clara resistência de seguimentos sociais, a fim de reconhecerem os direitos oriundos destas relações, em especial, o direito ao próprio reconhecimento de entidade familiar, a exemplo do que se fazia preteritamente, com as uniões estáveis entre homem e mulher, antes da previsão constitucional, considerando-as como sociedade de fato, o que demonstra a completa negação de incidência das normas de direito de família, para dirimir os eventuais litígios, como bem demonstra entendimento exarado pelo aresto abaixo, proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, no seguinte sentido: SOCIEDADE DE FATO - Relação homossexual - Meação Pretensão à extensão a todos os bens do falecido convivente Simples sociedade de afeto mantida entre parceiros do mesmo sexo que não induz efeitos patrimoniais, à falta de normatização específica - Inexistência de respaldo a legitimar a aplicação analógica da Constituição da República de 1988 ou legislação ordinária que regulamente a união estável, de modo a conferir direito de herança ao apelante - Ruptura do liame informal que gera conseqüências meramente no âmbito do Direito das Obrigações Presença dos pressupostos do artigo 1.363 do Código Civil Necessidade da aferição da contribuição de cada um dos sócios para se proceder à partilha na proporção de seus esforços Recurso parcialmente provido (Apelação Cível nº 179.953-4 - São Paulo - 10ª Câmara de Direito Privado - Relator: Paulo Dimas Mascaretti - 26.02.2002 - v.u.).(3) Por outro lado, para aqueles que vêem no Direito um meio de transformação social e de atender aos anseios sociais, não é difícil também encontrar quem entenda pelo reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo como entidades familiares,

aplicando, analogicamente, os dispositivos da união estável, previstos na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil de 2002, a fim de contemplar os indivíduos excluídos pelas concepções tradicionais do Direito, como bem resume a matéria, o julgamento proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, assim disposto: APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. RELAÇÃO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO. ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DA VARA DE FAMÍLIA E DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE DA SENTENÇA. PRECEDENTES. 1. Não há falar em carência de fundamentação na decisão que deixa de se referir expressamente ao texto de lei que subsidiou a conclusão esposada pelo julgador quanto à decisão do caso concreto. 2. Está firmado em vasta jurisprudência o entendimento acerca da competência das Varas de Família para processar as ações em que se discutem os efeitos jurídicos das uniões formadas por pessoas do mesmo sexo. 3. Não há falar em impossibilidade jurídica do pedido, pois a Constituição Federal assegura a todos os cidadãos a igualdade de direitos e o sistema jurídico encaminha o julgador ao uso da analogia e dos princípios gerais para decidir situações fáticas que se formam pela transformação dos costumes sociais. 4. Não obstante a nomenclatura adotada para a ação, é incontroverso que o autor relatou a existência de uma vida familiar com o companheiro homossexual. Este relacionamento sequer é negado pela mãe do falecido. 5. A apelante não teve êxito na demonstração de que as aquisições imobiliárias foram feitas por ela e não pelo filho. Por fim, uma vez reconhecido que a convivência formou entre eles uma entidade familiar, aplicam-se por analogia ao caso os efeitos pessoais e patrimoniais comuns às uniões estáveis com presunção de formação patrimonial que dispensa prova da contribuição econômica do parceiro. Afastadas as preliminares, negaram provimento, por maioria. (Segredo de justiça). (Apelação Cível nº 70015169626, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 02.08.2006). Entretanto, as diferentes visões apresentadas pelo Poder Judiciário para a resolução dos casos, apenas promovem maior insegurança dentre os jurisdicionados que não conseguem obter uma unidade de tratamento, de modo que a sorte de uma demanda proposta pode variar, conforme a corte em que for proposta, a turma, ou mesmo o próprio julgador da matéria, o que somente ajudam a prolongar as possibilidades de recursos, procrastinando a resolução das demandas, aumentando, assim, a angústia de todos aqueles que buscam uma resposta judicial. Por conseguinte, diante dos diversos posicionamentos judiciais, evidenciando as contradições no entendimento da matéria, e as constantes incertezas que lhe rodeiam, a

proposta deste trabalho é buscar o esclarecimento do tema, sob o enfoque do direito civil contemporâneo, considerando os princípios da igualdade, da dignidade humana, da liberdade e da vedação do enriquecimento sem causa, a fim de que seja afastada a insegurança jurídica gerada pelos posicionamentos antagônicos dos tribunais e o conseqüente enquadramento das uniões formadas por pessoas do mesmo sexo sob a égide de relações familiares, partindo-se do entendimento da própria noção de família.

2. A FORMAÇÃO DA FAMÍLIA À LUZ DO DIREITO BRASILEIRO A família é um grupo constituído por laços de consangüinidade, afinidade, afetividade, ou laços civis. De fato, a palavra encerra uma acepção ampla e outra estrita. Nesta, devem ser considerados apenas os entes ligados por um tronco ancestral comum pais e filhos. Naquela, devem ser considerados todos os indivíduos que componham a família de fato, como os pais, os filhos, tios, sobrinhos, avós, primos, bem como os agregados, como é o caso dos "filhos de criação", adotados de fato, mas que não têm as suas situações regularizadas juridicamente (MONTEIRO, 1986, p. 3). Atualmente, a família é considerada "a base da sociedade", conforme previsão expressa do texto constitucional (art. 226 da CF/88), revelando, pois, a importância da entidade familiar para a sociedade brasileira. Aliás, saliente-se que isso somente ocorre porque, em geral, a família é o primeiro grupo social do qual o indivíduo faz parte, sendo nela que o indivíduo assimila os valores básicos para a sua formação, bem como, o suporte econômico e social, para o seu desenvolvimento. Contudo, a despeito da importância secular da família para a formulação de novos indivíduos, a sua estrutura não permanece a mesma, tanto no tempo quanto no espaço, variando conforme as diferentes realidades sociais. De fato, no Brasil, a organização familiar sofreu alterações, deixando de ser patriarcal,(4) no qual o homem exercia o mais amplo direito sobre a vida de todos os integrantes da família, por força da herança do pátrio poder do direito romano, e, hoje, de acordo com a Constituição Federal de 1988 que equiparou as funções dos consortes na família, percebe-se a existência de um poder de gestão compartilhada entre os consortes, no qual paternidade, atualmente, tem mais a feição de dever do que de direito propriamente dito como outrora instituído. Mas as mudanças na estrutura familiar também não se restringem somente à chefia do grupo. Elas vão muito além, pois alteraram os próprios conceitos estabelecidos do que se entende por família. Neste ínterim, vale dizer que, preteritamente, só se conhecia uma entidade familiar durante a vigência de um casamento, porém, com o passar dos anos o casamento foi perdendo espaço para outros tipos de relacionamento não contemplados pelo direito, o que levou alguns juristas a entender uma crise da própria família. Destarte, face às vicissitudes do último século, os valores passaram a ser revistos

pela sociedade, que foi, paulatinamente, abandonando a exclusão dos indivíduos que não estivessem inseridos na instituição do casamento. Em consonância com as novas concepções, o ser humano foi sendo cada vez mais exaltado em detrimento dos valores sociais, de modo que as segregações até então comuns, foram sendo eliminadas e a convivência familiar passou a ser vista como um direito do indivíduo e não mais como um privilégio decorrente do casamento, em especial com o advento da Constituição Federal de 1988, que inseriu o princípio da dignidade humana, que colocou o homem no centro da normatividade jurídica o que promoveu uma nova leitura no direito civil, principalmente no direito de família, mesmo que não expressamente previstos em lei, como leciona Marco Aurélio Viana (1999, p. 22): Por um período significativo de tempo o concubinato mereceu repúdio social. Era uma situação social inferior. O casamento era soberano como uma forma de constituição da família, e a denominada família legítima gozava da preferência do legislador. A família ilegítima, embora realidade social, era indiferente ao direito positivo. A família transformou-se. A grande família cedeu passo à família nuclear. Naquela atuava soberano o pater familias, que exercia a chefia política, econômica, religiosa e judicial. A família tinha atribuições que foram sendo absorvidas pelo Estado. E caminhamos para a família nuclear, centrada na tríade pai/mãe/filho. Porém, como realidade sociológica, não se podia negar que, ao lado da família então denominada legítima, cuja a disciplina estava e continua prevista em lei, abarcando sua forma de família, sem perfil normativo, que desconhecia a disciplina legal no que se refere à estruturação e efeitos. Esse fato social, inicialmente reprovado, acabou por ser admitido, certamente sob o influxo do desenvolvimento de um maior respeito à pessoa humana. A dignidade da pessoa humana é, atualmente, objeto central de tutela nas relações da família. Porém, ao contrário do que entendem alguns juristas, essas alterações estavam longe de consagrar a crise na família. Muito pelo contrário, pois como bem leciona Caio Mário da Silva Pereira (2004, v. 5, p. 28): "há uma nova concepção de família construída em nossos dias", de sorte que as novas concepções jurídicas trouxeram uma crise no conceito de família e não na sua estrutura, pois esta abandonou o seu caráter exclusivista, deixando à margem do direito e da sociedade todos aqueles que não estivessem ligados a um casamento e passou a ser inclusivista, a fim de que o indivíduo, casado ou não, goze do convívio familiar para as suas realizações pessoais. Assim, uma vez transformada a realidade social, com as ideologias mitigadas com as nuanças ocorridas no século XX, faz-se necessário também uma nova leitura dos anseios sociais, a fim de se desenhar os modernos contornos da família, para que a mesma seja capaz de atender as novas necessidades da sociedade, pautada muito mais na verdade dos acontecimentos que num contrato civil, até mesmo porque as relações

familiares estão longe de serem meras avenças civis, haja vista que, conforme a doutrina de Taísa Ribeiro Fernandes (2004, p. 42), constituem, hoje, "o resultado de uma ligação afetiva, em que sobrelevam os sentimentos de solidariedade, lealdade, respeito e cooperação. Trata-se de um organismo ético e moral, além de jurídico". Todavia, a despeito de todas as mudanças no direito de família brasileiro, o casamento ainda exerce uma significativa importância, seja pela sua segurança jurídica, seja pela maior valorização conferida pelos diversos seguimentos da sociedade, de modo que se faz imprescindível a análise do instituto para a melhor compreensão jurídica do tema.

2.1. O Casamento Como é sabido por todos, o ciclo natural da vida é nascer, crescer, reproduzir e morrer. Nas sociedades humanas não é diferente, porém, a reprodução gera conseqüências jurídicas, principalmente porque o homem produz riquezas ao longo de sua existência. Portanto, como bem ensina Pontes de Miranda (2001), o casamento surge justamente, para regular, socialmente, este instinto reprodutivo, prevenindo, assim, futuros conflitos sociais. Como bem leciona Orlando Gomes (2002), o vocábulo casamento apresenta duas acepções distintas, ora sendo vista como o ato criador da família, ora como um estado proveniente deste ato. Porém, sob o aspecto jurídico, o casamento (ato) é definido como um "contrato solene de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência" (RODRIGUES, 2000, v. 6, p. 17). Por conseguinte, por ser solene, a liberdade contratual está restrita aos ditames da lei que prescrevem a forma sine qua non para a sua realização. Deste modo, o casamento passou a estabelecer maior segurança jurídica às relações firmadas na sociedade, como, p.ex., estabelecendo o marco inicial para a divisão de bens, a outorga uxória para a alienação de bens imóveis, a presunção de filiação etc., o que possibilitou a solução de muitos dos conflitos na seara do direito de família. Dada a sua importância na sociedade, configurada há bastante tempo, o casamento, na Idade Média, foi adotado pela Igreja Católica, como uma instituição sacra, o que fez com que, por muitos anos, este instituto permanecesse imutável em sua estrutura e seus preceitos, por meio dos ensinamentos bíblicos, como por exemplo, a indissolubilidade do vínculo conjugal, segundo de Mateus (19:6)(5) e a chefia do grupo familiar conferida ao homem (Gêneses, 3:16)(6) que, no direito brasileiro, somente foram superados no século XX, sobretudo, com o advento da Constituição Federal de 5 de outubro 1988. Assim, o casamento outrora idealizado como o único meio hábil de se constituir a

família legitima, principalmente pelas concepções religiosas, ganhou assaz importância e valor na sociedade, o que gerou o fortalecimento dos próprios laços de família ao longo dos anos.(7) Todavia, com a evolução da sociedade e o grande dinamismo que ela passou a sofrer a partir da economia capitalista, o instituto, assim como muitos outros do direito, sucumbiu às vicissitudes, trazidas pelas novas necessidades sociais e novas concepções de convivência humana, sobretudo, no que diz respeito às formas de agregação familiar que geraram o surgimento de outras formas de constituição familiar como o concubinato, a união estável e a família monoparental. Dentre elas, a união estável merece destaque por ter mantido a mesma estrutura cerne da formação para o casamento, bem como os seus impedimentos, o que representa o verdadeiro estado de casado para os componentes desta relação, porém, para a sua plena configuração, não apresenta o ato constitutivo do casamento (o contrato solene) exigível para a sua caracterização sob o prisma jurídico. Destarte, estar-se diante do casamento de fato que, com o passar dos anos, ganhou cada vez mais espaço na sociedade brasileira.

2.2. União Estável A união estável não representa nenhuma novidade para as sociedades humanas ao redor do mundo. Todavia, com o passar do tempo, e as constantes nuanças, o tratamento jurídico-social dado a estes grupos familiares é que sofreu transformações de acordo com a evolução do pensamento político-social da época em cada parte do planeta. Atualmente, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, as uniões estáveis ganharam respaldo jurídico no direito brasileiro, com o reconhecimento como entidade familiar, à luz do que dispõe o § 3º do art. 226, tendo alguns dos seus efeitos equiparados ao casamento. A disseminação das uniões estáveis, hodiernamente, decorre, principalmente, de alguns fatores consideráveis. Primeiro porque a união estável, em tese, é bem mais cômoda aos consortes, haja vista que, em geral, não são formalizadas em cartório, não representando custos aos conviventes nem na sua formação, nem na sua dissolução. Assim, a união estável ganha solo fértil, pois propõe a busca pela simplificação de procedimentos e velocidade na resolução de suas contendas, num mundo que tende a reduzir as formalidades e simplificar seus procedimentos. Em segundo lugar, porque com o declínio da influência religiosa que pregava o casamento como a única união a ser aceita pela sociedade, o preconceito com os não casados foi cedendo espaço à igualdade das pessoas, sejam elas filhos que deixaram, por exemplo, de ser classificados como legítimos ou ilegítimos, seja pelos próprios conviventes que passaram a ter os seus direitos respeitados mesmo fora do casamento. Deste modo, não mais existindo tratamento discriminatório, com a maior aceitação social da união estável, estas passaram a ganhar maior segurança para o seu desenvolvimento.

Estes requisitos são, na verdade, uma mescla de elementos que se completam, a fim de dar a certeza necessária para o reconhecimento de uma entidade como familiar, em substituição ao "sim", proferido pelo nubente, perante testemunhas e autoridade competente no momento da celebração do casamento. Além dos requisitos para a configuração da união estável, a norma jurídica também prevê os deveres a serem obedecidos pelos seus integrantes, quais sejam: "lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos" (art. 1.724 do CC/2002), bem como a regulamentação patrimonial, haja vista que, no que tange o regime de bens, "salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens". (Art. 1.725 do CC/2002). Assim, com o passar dos anos, as uniões "livres"(8) foram sendo, paulatinamente aceitas pela sociedade, o que se refletiu nos tribunais nacionais. Porém, estas uniões, adjetivadas de "livres", também passaram a ter que atender a certas exigências legais para serem consideradas como entidades familiares. Isso porque, dada a importância que o ordenamento jurídico brasileiro atribui à família os casais devem estar imbuídos de um compromisso de formar um agrupamento sólido e estável, suficientemente para assegurar o melhor desenvolvimento de seus integrantes. Desse modo, na ausência de um vínculo jurídico mais formal, como um contrato escrito e firmado entre as partes, a configuração do grupo familiar estará sujeita à apreciação de fatos, considerando-se principalmente os elementos intrínsecos como a intenção dos seus componentes, haja vista que as uniões constituídas com respeito e afeto tendem a ser mais sólidas e duradouras (estáveis), mesmo que não estejam respaldas num instrumento contratual formal e solene, na existência de prole, na convivência sob o mesmo teto, ou em quaisquer outros indícios de vida em comum que, isoladamente, não são capazes de estabelecer um liame familiar. Portanto, o reconhecimento dos direitos decorrentes da união estável, hoje, está longe de representar o declínio da estabilidade e da dignidade familiar como pregara Washington de Barros Monteiro (1986),(9) mas sim uma necessidade jurídica de se reconhecer os direitos das relações de fato, possibilitando maior segurança jurídica, como também favorecer um maior desenvolvimento humano no grupo familiar. Após esse processo evolutivo da ciência jurídica, que culminou com a inclusão de pessoas de sexo diferente que se encontraram casados de fato, mas não tinham um posicionamento legal definido até a previsão constitucional encerrar as contendas, faz-se necessário analisar a situação análoga, trazida aos tribunais nacionais envolvendo os casais formados por pessoas do mesmo sexo, considerando o aspecto jurídico, os pontos relevantes, bem como os irrelevantes da igualdade sexual para a formação do ente familiar.

3. UNIÃO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO Após o reconhecimento dos direitos oriundos das uniões estáveis, entre pessoas de sexos diferentes, previstos a nível constitucional e, posteriormente, a nível infraconstitucional, consolidado pelo Código Civil de 2002, as relações familiares de fato passaram a ter maior segurança jurídica, permitindo, assim, a sua maior difusão, principalmente, por força da maior solidez, decorrente da regulamentação jurídica conferida pelo direito brasileiro. Entretanto, em que pese o trabalho legislativo, sobretudo, constitucional, no que diz respeito ao reconhecimento de famílias fora do casamento, dos direitos individuais fundamentais como a igualdade, a liberdade, a defesa da dignidade humana, a vedação de discriminações e a busca por uma sociedade mais justa e solidária, a Carta Magna e, posteriormente, o Código Civil de 2002, não foram capazes de contemplar uma outra realidade do direito de família existente em todo mundo, as uniões de fato entre pessoas do mesmo sexo. Com efeito, a legislação brasileira, no seu atual estágio de desenvolvimento, não aborda o tema com a importância que o mesmo merece, de modo que prefere o silêncio ou a omissão a edição de normas que venham a dar certeza e segurança às relações jurídicas desses entes, hoje, considerados pela sociedade como "subfamiliares", devido ao tratamento discriminatório e preconceituoso adotado por segmentos da sociedade. Porém, ao contrário do que muitos juristas têm defendido em suas manifestações sobre o tema, a omissão legislativa não representa nenhum entrave ao direito para que uma solução possa ser apontada quando for necessária uma manifestação para se dirimir conflitos sociais, mesmo porque o ordenamento jurídico de um país nunca está preparado para enfrentar todas e quaisquer controvérsias que se apresentem de fato, como bem aponta a lição de François Geny (apud JORGE JUNIOR, 2004, p. 13-14): A ordem jurídica de um determinado país nunca se encontra plenamente satisfeita apenas pelas disposições das suas leis escritas. Mesmo que, através do procedimento de uma lógica rigorosa, deduzir-se delas (leis escritas) tudo aquilo que se possa extrair de uma aplicação intensa das faculdades intelectuais tendentes à penetração de um texto redigido por homens, ainda assim, permaneceremos abaixo das necessidades, às quais deve corresponder a idéia integral do direito. As relações humanas são demasiadamente numerosas, demasiado complexas e mutáveis para que possam encontrar uma regulamentação suficiente em algumas fórmulas verbais editadas num momento fixo e na presença de uma situação impossível de ser abraçada num só golpe de vista, tanto para a distinção entre os fatos da vida social que mereçam a sanção pública, como para que se determinem as

condições, a natureza e os efeitos dessa sanção. Em razão do que, faz-se necessário multiplicar os caminhos e os meios de investigação das normas jurídicas, e, acima de tudo, reconhecer que, além de procedimentos muito variados, através dos quais as normas são elaboradas, impõe-se uma apreciação discriminatória do intérprete, a única verdadeiramente capaz de adaptar, in concreto, o direito ao fato. Esta apreciação discriminatória, que entra em jogo tanto para avaliar os outros procedimentos como para lhes suprir, não conta com complexa independência. Ela está se canalizando para determinadas direções, cujas mais precisas provêm das fontes formais do direito positivo. Por conseguinte, os operadores do direito, diante da omissão legislativa, deverão procurar mecanismos para a resolução dos conflitos, desenvolvidos pela própria ciência jurídica, através dos seus métodos interpretativos e integrativos, capazes de preencher a lacuna na lei, e apresentar uma resposta aos jurisdicionados, o que, no caso específico do ordenamento jurídico brasileiro, a solução, em caso de omissão legal, encontra-se prevista no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil que impõe adoção da analogia, dos costumes e princípios gerais do direito.(10) Nesse diapasão, a analogia é o primeiro instrumento adotado pela legislação para o suprimento de omissão. Em conformidade com o magistério de Carlos Maximiliano (2000), a analogia decorre de uma situação de semelhança entre duas situações, na "presunção de que duas coisas que têm entre si um certo número de pontos de semelhança possam consequentemente assemelhar-se quanto a um outro mais" (p. 206). Nesse contexto, impende lembrar que, a rigor, fora a diferença de sexos entre os companheiros, verificadas na união estável entre homem e mulher e, logicamente, não verificada nas uniões entre pessoas do mesmo sexo, pode-se afirmar que os elementos presentes entre ambas são os mesmos. Com efeito, os requisitos exigidos pelo art. 1.723 do Código Civil de 2002, consoante abordagem no capítulo anterior (item 2.2), para a confirmação da união estável são: a) publicidade; b) durabilidade; c) estabilidade e d) objetivo de constituir família. Doravante, nota-se com bastante clareza que estes requisitos podem ser atendidos pelo casal, seja ele composto por pessoas de sexos diferentes, quanto por pessoas do mesmo sexo. Sendo assim, uma vez que duas pessoas se unam, afetivamente, para a constituição de uma entidade familiar, de forma estável e duradoura, assumindo seu compromisso publicamente, estar-se-á diante de uma situação de casamento de fato que, se desacompanhada do ato jurídico solene exigido pelo direito brasileiro, é considerada uma união estável independentemente do sexo de cada membro do casal, afinal, o objetivo da norma jurídica é a proteção dos grupos familiares e a maior segurança das relações jurídicas considerando as suas diversas formas de constituição de fato.

Logo, o uso da analogia, para disciplinar as relações entre pessoas do mesmo sexo, é mais que uma mera faculdade conferida ao magistrado, ao aplicar a norma jurídica. Trata-se, pois, de uma própria determinação normativa que elegeu a analogia como o primeiro instrumento integrativo da norma jurídica quando esta não puder atingir, por si só, as relações de fato verificadas. Desse modo, comparando-se a união estável entre pessoas de sexo diferente e do mesmo sexo, as duas apresentam bastantes semelhanças. Sendo, ambas, situações de fato, constituídas e consolidadas, principalmente, mediante o afeto, sem serem convalidadas por nenhum ato jurídico solene como ocorre com o casamento. Ademais, os laços afetivos existentes entre os seus componentes retiram a feição de mera sociedade de fato, firmando a natureza de entidade familiar. Sendo assim, para melhor abordagem do tema e uma melhor visão jurídica sobre a certeza e a solidez científica de cada alegação acolhida como fundamento para o entendimento das cortes nacionais, na apreciação do tema, impende apresentar os principais argumentos favoráveis e contrários ao reconhecimento das relações entre pessoas do mesmo sexo.

3.1. Dos argumentos Negadores do Reconhecimento Considerando os argumentos apresentados pelos magistrados e pela doutrina, que embasam as fundamentações jurídicas utilizadas para negar o reconhecimento de direitos aos casais formados por pessoas do mesmo sexo, os capítulos abaixo seguem analisando, os dois argumentos apresentados, a dualidade de sexos e a necessidade de prole, bem como os arestos que seguiram esta corrente que resiste em não reconhecer o caráter familiar das uniões entre pessoas do mesmo sexo.

3.1.1. Da diversidade de sexos na união estável A dualidade de sexos não se constitui elemento essencial para a configuração das uniões estáveis, haja vista que ao escrever: "união estável entre o homem e a mulher", o legislador deu a frase um significado mais uma delimitação, afirmando que o título se referiria exclusivamente às uniões estáveis entre pessoas de sexo diferente, que em afirmar que a união estável somente poderia ocorrer entre um homem e uma mulher, excluindo quaisquer outros grupos familiares do reconhecimento jurídico-legal. De fato, caso o legislador quisesse dar uma definição excludente a outros grupos não formados por homem e mulher, teria dito claramente que "a união estável somente é configurada entre o homem e a mulher". Porém, uma vez que não seguiu esta linha, preferiu estabelecer outros requisitos que não a dualidade de sexos, quais sejam: "configurada na convivência pública, contínua e duradoura". Logo, diante da composição

lingüística da frase do caput do art. 1.723 do Código Civil de 2002, não se pode interpretar que seja vedado o reconhecimento de uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo.(11) Ora, como se pode notar, o artigo é taxativo e no seu bojo não foi inserida a igualdade de sexos como conduta proibida para a configuração da união estável. Por conseguinte, não existe nenhuma proibição expressa ao reconhecimento das uniões formadas por pessoas do mesmo sexo, pois, conforme dispõe a própria norma civilista em comento, a união estável faz parte do rol de direitos pessoais, o que significa dizer que, em caso de vedação, a mesma tem que ser feita por disposição expressa e taxativa, pois, nestes casos, a omissão significa aceitação jurídica. Mesmo assim, quando as cortes nacionais se deparam com casos como esses, de união entre pessoas do mesmo sexo, é muito comum preferirem utilizar a analogia com a sociedade de fato para conseguirem atingir a divisão do patrimônio em comum ao casal, a exemplo do que ocorria com a união entre pessoas de sexos diferentes antes do advento da Constituição Federal de 1988. Neste sentido, alguns tribunais, como o Supremo Tribunal de Justiça, vêm reconhecendo a existência de sociedade de fato entre os casais homossexuais, como bem demonstra o julgado abaixo transcrito: SOCIEDADE DE FATO. HOMOSSEXUAIS. PARTILHA DO BEM COMUM. O parceiro tem o direito de receber a metade do patrimônio adquirido pelo esforço comum, reconhecida a existência de sociedade de fato com os requisitos no art. 1.363 do Código Civil. Responsabilidade civil. Dano moral. Assistência ao doente com AIDS. Improcedência da pretensão de receber do pai do parceiro que morreu com AIDS a indenização pelo dano moral de ter suportado sozinho os encargos que resultaram da doença. Dano que resultou da opção de vida assumida pelo autor e não da omissão do parente, faltando o nexo de causalidade. Art. 159 do Código Civil. Ação possessória julgada improcedente. Demais questões prejudicadas. Recurso conhecido em parte e provido. Decisão: por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento. (STJ, 4ª Turma, REsp 148897/MG; Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 10.02.1998). Contudo, ao utilizar a equiparação ao direito obrigacional que trata as uniões entre pessoas do mesmo sexo como uma sociedade de fato, na verdade, os tribunais acabam promovendo uma discriminação, pois entendem que essas uniões não são capazes de constituir uma entidade familiar, demonstrando, assim, uma visão na qual se exclui destes entes a existência do afeto, do amor, do companheirismo, enfim sentimentos pertinentes à família, como se fossem, juridicamente, desprovidas dos sentimentos caracterizadores dos laços de família. Desse modo, as uniões entre pessoas do mesmo sexo seriam vistas, tão-somente, como relações obrigacionais, equiparando-se a, por exemplo, uma empresa irregular com fins lucrativos, como se tais relacionamentos estivessem restritos ao plano patrimonial e a

divisão de lucros e prejuízos advindos após um exercício financeiro, o que evidencia que a analogia ao direito societário não se faz satisfatória, por desconsiderar os laços afetivos inerentes à própria condição humana. Por isso, mesmo diante de todas as limitações trazidas pelos valores constantes na sociedade brasileira contemporânea, a ciência jurídica, no seu atual estágio de desenvolvimento, sobretudo com os ideais de igualdade, fraternidade e liberdade, além do respeito à dignidade humana, não pode deixar de enfrentar os problemas que lhe são apresentados, preferindo adotar soluções indiretas, que somente conseguem aumentar os conflitos, incertezas e excluir os indivíduos da participação social. Ao contrário, porém, a norma jurídica deve ser aplicada em prol do desenvolvimento do ser humano (TEPEDINO, 2001). Assim, a analogia, como instrumento do direito para a resolução de casos não previstos legalmente, deve ser utilizada, à luz dos valores constitucionais e infraconstitucionais, para a integração do ser humano na sociedade e não na sua segregação, de modo que qualquer entendimento contrário estaria confrontando com o texto constitucional que idealiza a sociedade brasileira livre, justa e solidária, como bem firmou o entendimento o aresto proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul nos seguintes termos: UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO. PARTILHA DO PATRIMÔNIO. MEAÇÃO. PARADIGMA. Não se admite mais o farisaísmo de desconhecer a existência de uniões entre pessoas do mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos derivados dessas relações homoafetivas. Embora permeados de preconceitos, são realidades que o Judiciário não pode ignorar, mesmo em sua natural atividade retardatária. Nelas remanescem conseqüências semelhantes às que vigoram nas relações de afeto, buscando-se sempre a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito, relevados sempre os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Desta forma, o patrimônio havido na constância do relacionamento deve ser partilhado como na união estável, paradigma supletivo onde se debruça a melhor hermenêutica. Apelação provida, em parte, por maioria, para assegurar a divisão do acervo entre os parceiros. (TJRS, AC 70001388982, 7ª Cam. Civ., Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, j. 14.03.2001). Sendo assim, a interpretação dos textos normativos leva a ilação de que a igualdade de sexos se constitui numa barreira social e não jurídica a ser superada em nome da efetivação dos direitos dos casais de pessoas do mesmo sexo. Por isso, a aplicação analógica deve ser buscada em seu favor, pois a analogia se funda no princípio de justiça e igualdade jurídica, de modo que espécies semelhantes devem ser regidas de formas semelhantes (MAXIMILIANO, 2000).

3.1.2. Da necessidade de prole Outro argumento utilizado para não reconhecer as uniões entre pessoas do mesmo sexo, é que a entidade familiar tem como o objetivo primário a prole. De acordo com este, as uniões não poderiam ser reconhecidas por não possibilitarem a procriação, como bem demonstra o julgamento proferido pelo Des. Sérgio Vasconcellos Chaves do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, citada por Helder Martinez Dal Col (2002, p. 83), nos seguintes termos: O Des. Sergio Vasconcellos Chaves, do TJ-RS, ao votar no AI 70.000.535.542, em questão de interesse homossexual feminina que pretendia alimentos da ex-companheira (por maioria a Turma do TJ-RS negou provimento ao Agravo), lançou os fundamentos do acórdão nos seguintes termos: "Tenho a família como sendo um grupo afetivo de cooperação social acima de tudo, mas não consigo desvincular, ainda, a idéia de família da idéia de prole, não consigo desvincular a idéia de família como sendo aquele ambiente próprio para receber uma prole, natural ou adotiva, e, onde, em verdade, deve ser formado o novo cidadão. A família é isso e, portanto, é muito mais do que uma mera relação de afeto. Tenho que o legislador constituinte, quando procurou dar à união estável a feição de entidade familiar, ele não procurou proteger o amor nem os amantes, ele procurou proteger a família, vista como sendo a base do grupo social". Todavia, a despeito do entendimento adotado pelo magistrado, caso a idéia de prole seja mesmo reconhecida pela ciência jurídica como um elemento essencial para a caracterização de uma família, correr-se-ia o risco de se suspender os efeitos dos casamentos ou das uniões estáveis, entre pessoas de sexo diferente, até que os mesmos procriassem, ou mesmo de não se reconhecer os casamentos entre homens e mulheres que não tivessem filhos, o que, de fato, não ocorre, nem deverá ocorrer, sob pena de se transformar a prole mais numa necessidade jurídica que numa expressão da liberdade do casal, consoante previsão constitucional do § 7º do art. 226 ("o planejamento familiar é de livre decisão do casal"), comprometendo-se a própria estrutura matrimonial brasileira. Ademais, a consagração da prole como elemento essencial à caracterização do casamento e da união estável é uma inversão de valores, pois, de acordo com a própria razão de ser do instituto, é o casamento quem legitima a prole e as relações sexuais e não a prole e as relações sexuais que legitimam o casamento. Entender o contrário é estabelecer à procriação uma importância até maior que a própria entidade familiar a que pertence. Amiúde, adentrando ainda mais no debate, insta aduzir que a doutrina de Pontes de Miranda (2001, p. 98) há muito tempo já se insurgia contra a ideologia da

obrigatoriedade da prole, como se a mesma fosse decorrente do próprio direito de família, nos seguintes termos: A procriação e o interesse do Estado. A procriação também pode interessar ao Estado, no sentido de facilitá-la numericamente, ou no sentido de obrigar ao casamento. Já não se está no direito de família: já se pisa no terreno do direito público, como acontece com as diferenças de impostos aos casados e aos não-casados, com os impostos pessoais aos solteiros e aos viúvos ou aos que não têm filhos, e as quotas de filhos e de isenções e imunidades fiscais. Pitágoras dizia que ter filhos era dever do homem, se queria agradar aos deuses... Portanto, ao considerar que o casamento ou uma união estável entre um homem e uma mulher não deixa de constituir uma família somente porque o casal não tem filhos, o argumento de que a prole é essencial para a construção do conceito de família não serve como empecilho ao reconhecimento de uma união entre pessoas do mesmo sexo por representar uma verdadeira inversão de valores. Ademais, frise-se que tais exigências fogem aos deveres decorrentes da própria união estável ou do casamento. Por conseguinte, como bem leciona Maria Berenice Dias (2004, p. 20), "o elemento distintivo de família, que o coloca sob o manto da juridicidade, é a presença de um vínculo afetivo a unir as pessoas, gerando comprometimento mútuo, identidade de projetos de vida e propósitos comuns". Logo, uma vez verificada a existência de relações amorosas, eróticas e/ou afetivas entre pessoas do mesmo sexo que frequentemente se reúnem para a constituição de uma família de fato, desde que pública e duradoura, estar-se-á diante dos requisitos da união estável que somente não deverá ser reconhecida se estiverem presentes as proibições previstas no art. 1.521 do Código Civil de 2002, o qual, como já supramencionado, não inclui a igualdade de sexos, nem a necessidade de prole como afirmaram alguns operadores do Direito, por conseguinte, faz-se necessário analisar os argumentos favoráveis ao reconhecimento.

3.2. Argumentos Favoráveis ao Reconhecimento Em contrapartida, existem outros argumentos favoráveis ao reconhecimento dos direitos decorrentes das uniões entre pessoas do mesmo sexo, pautados nos princípios constitucionais e infraconstitucionais, respectivamente, da igualdade e da dignidade humana e autonomia da vontade e enriquecimento sem causa, que serão analisados por meio de subdivisões dos capítulos, considerando os posicionamentos doutrinários e nas decisões dos tribunais nacionais.

3.2.1. O direito à igualdade

No que diz respeito ao tratamento isonômico, impende notar que o direito à igualdade foi uma das grandes conquistas do século XVIII, alcançadas a partir da Revolução Francesa. Desde então, a ciência jurídica vem sofrendo transformações, a fim de colocar os indivíduos em situação de paridade, de sorte que os iguais deverão ser tratados igualmente e os desiguais desigualmente. Nesse diapasão, a ciência jurídica vem buscando equiparar os direitos dos indivíduos, excluindo privilégios e minimizando discrepâncias por meio de tratamento diferencial justamente para suprir certa condição de inferioridade de um indivíduo em relação a outrem. Neste compasso, o direito de família também foi fortemente influenciado pela igualdade, sobretudo ao analisar o papel desempenhado pelos cônjuges na entidade familiar. Por força disso, nos últimos séculos, a grande discussão do direito de família brasileiro passou pelo plano da isonomia, ora para reconhecer a igualdade dos cônjuges, em direitos e obrigações, ora para reconhecer a igualdade dos filhos, de modo a não mais existir distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, como, outrora, era previsto pelo Código Civil de 1916. Doravante, com o advento da Constituição Federal de 1988 e, posteriormente, o Código Civil de 2002, essas discussões foram definitivamente superadas, haja vista que os dois diplomas reconheceram expressamente tanto a igualdade entre os cônjuges(12) quanto o direito à igualdade dos filhos,(13) havidos ou não fora do casamento. Portanto, uma vez que o cerne da discussão estava no casamento, este passou a ser o discrímen legal para distinguir os indivíduos da sociedade, com a aceitação de outras entidades familiares não houve mais justificativa para as distinções. Contudo, com a solidificação da isonomia entre os membros da família e os ideais constitucionais de inclusão social, proporcionaram um novo debate, agora sobre uniões entre pessoas do mesmo sexo. De fato, enquanto no século XX a igualdade dizia respeito a todas aquelas pessoas que ocupavam papéis dentro de um dado grupo familiar, p.ex., marido e mulher, pais e filhos, hoje, a luta pela igualdade é realizada por grupos de pessoas excluídas da própria família, ou seja, a igualdade diz respeito ao reconhecimento de direitos e deveres daqueles grupos que se encontram à margem do direito de família, em especial os casais de pessoas do mesmo sexo. Trata-se, pois, de uma igualdade familiar externa e não mais interna, busca-se o reconhecimento das próprias relações entre pessoas do mesmo sexo como entidades familiares. Entretanto, enquanto, preteritamente, a ciência jurídica levava em consideração elementos como o casamento ou poder econômico para fazer distinção entre os membros do grupo familiar, ora por considerar que o instituto jurídico era o único meio hábil para a formação da família no direito brasileiro, ora por considerar que o homem, como detentor do poder econômico, já que época era quem exercia atividades remuneradas, ou deveria exercer a chefia da entidade familiar, atualmente os discrímens para a aceitação do tratamento diferencial estão ainda mais distantes da razoabilidade.

Deveras, os discrímens são feitos em virtude de diferenças legais, geralmente, inerentes a um indivíduo e não existente em outro e que proporcionam mais diferenças, a ponto de justificar um tratamento especial para fazer equivalência entre os dois. Quando o elemento diferenciador fático não gerar nenhuma condição de vantagem de um indivíduo sobre o outro, não há que se falar em tratamento diferenciado. Por conseguinte, para se participar de uma entidade familiar, não existe qualquer diferença relativa ao sexo deste indivíduo, que venha a justificar um tratamento diferenciado, como bem leciona a doutrina de Celso Ribeiro Bastos (1989, v. 2, p. 9): Constata-se, pois, que à medida que se ascenda num nível de abstração, todas as coisas e pessoas vão-se parificando. O conteúdo do princípio da isonomia reside precisamente nisto: na determinação do nível de abstratividade que deve ter o elemento diacrítico para que ele atinja as finalidades a que a lei se predetermina. É que o princípio da isonomia pode ser lesado tanto pelo fato de incluir na norma pessoas que nela não deveriam estar, como também pelo fato de não colher outras que deveriam sê-lo. Mais uma vez se torna claro que o problema da isonomia só pode ser resolvido a partir da consideração do binômio elemento discriminador - finalidade da norma. A discriminação pelo sexo somente seria justificável no momento em que se considerar obrigatória a reprodução para a concretização da entidade familiar. Porém, como isso não pode ser exigido pelo Estado, por ferir o próprio direito à liberdade sobre a vida privada do cidadão, perde-se o sentido da dualidade de sexo para a caracterização da família, como entende a doutrina de Roberta Freitas (2005, p. 55): A igualdade perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, é direito previsto no caput do artigo 5º da Constituição Federal. Sendo assegurados aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, parece ser contrário ao preceito constitucional que as pessoas homossexuais não sejam amparadas por lei e ainda sofram discriminação. Deve-se também resguardar os princípios contemplados em nossa Carta Magna, relativos à preservação da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III); à construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I); à promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV) e o atinente à prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II). Portanto, de acordo com a análise do princípio da isonomia, não existe motivo para justificar tal situação diferenciadora, nem qualquer finalidade a ser atingida com esta conduta que não tenha conteúdo discriminatório que vai de encontro aos próprios objetivos constitucionais. Ao seguir a linha discriminatória traçada por alguns seguimentos sociais, o

aplicador do direito estará indo de encontro à própria norma constitucional, tornando sua ação insustentável. Sendo assim, em conformidade com o direito à igualdade, não existe qualquer impedimento ao reconhecimento dos direitos de família para os casais formados por pessoas do mesmo sexo e o tratamento paritário com as uniões estáveis formadas por pessoas de sexos diferentes.

3.2.2. A dignidade humana Após a Segunda Guerra em que o mundo esteve diante de muitos casos de genocídio e perseguições raciais, liderados por políticas fascistas, como, p.ex., os alemães aos judeus e os japoneses aos chineses, fez-se necessário uma nova forma de pensar os valores humanos para que o próprio homem não passasse a ser uma espécie em extinção ou para que os diversos grupos sociais humanos não buscassem a ilusão de uma supremacia étnico-racial de uns em relação a outros. Neste contexto, alguns países se reuniram para consolidar os ideais comuns, dentre os quais o da valorização do ser humano, donde surgiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos na qual ficou consignado que: "todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação" (art. 7º). Diante de tal compromisso, muitos países, visando à adequação jurídica interna, promoveram mudanças legais para se adequarem às novas realidades que, paulatinamente, despertaram no mundo. Destarte, almejando a melhor adequação, o Brasil promulgou a Carta Política de 1988, na qual ficou instituído o princípio da dignidade humana como fundamento da República (do art. 1º, III), de sorte que passou a ser o valor-guia da ordem jurídica brasileira (SARLET, 2001). Neste ínterim, uma vez que o homem é o centro do ordenamento jurídico, o que vale dizer que as normas devem convergir para as realizações do ser humano, toda e qualquer manifestação, ou expressão desta condição (humana) deve ser suportada e respeitada pela sociedade, a exemplo do que ocorre com a cor, a raça, etnia, sexo etc., sendo, consequentemente, vedada qualquer forma de discriminação. Como a orientação sexual é um desdobramento da própria sexualidade humana, por se tratar da manifestação do sexo, qualquer tipo de barreira imposta a esta manifestação estará em desacordo com o preceito constitucional. Portanto, em consonância ao fundamento constitucional da dignidade humana, a jurisprudência nacional não tem outro caminho a seguir que não o reconhecimento de tais entidades como familiares, estendendo os direitos incidentes a uniões entre pessoas do mesmo sexo, a fim de que o ser humano possa exercer os traços inerentes a sua própria

personalidade sem qualquer interferência jurídico-legal. Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul se manifestou de forma assaz correta ao decidir nos seguintes termos: HOMOSSEXUAIS. UNIÃO ESTÁVEL. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. É possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre homossexuais, ante princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida discriminação quanto à união homossexual. E é justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso país, destruindo preceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade científica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e coletividades, possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos. Sentença desconstituída para que seja instruído o feito. Apelação provida. (Apelação Cível nº 598362655, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 01.03.2000). Ademais, registre-se que outro não poderia ser o entendimento de um julgado que enfrenta o tema, haja vista que um Estado Democrático de Direito que visa à promoção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como disponibilizar tratamento digno à condição humana de cada um, considerando que o indivíduo possa gerir a sua vida íntima, dentro da sua esfera de liberdade, sem que seja alvo de preconceitos e discriminações, ou mesmo de um tratamento diferenciado, à margem do ordenamento jurídico que o coloque numa situação de inferioridade em relação a outros indivíduos, não corresponde à correta aplicação do quanto disposto no texto constitucional. Entender de forma contrária, seria criar uma categoria subumana para as uniões entre pessoas do mesmo sexo, pois estas jamais poderiam alcançar os direitos de família e seriam sempre tratadas numa condição de inferioridade em relação a outros grupos familiares formados por pessoas de sexo diferente. Desse modo, não resta dúvida de que o ordenamento jurídico brasileiro, pautado em princípios como a igualdade e a dignidade humana, já que deixa claro em seus diversos dispositivos que não condiz com a proposta constitucional a discriminação, o tratamento diferenciado sem qualquer finalidade consistente, ou a criação de categorias privilegiadas em relação a outras no exercício de suas cidadanias, é perfeitamente receptivo às uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, não possibilitando o surgimento de subterfúgios que venham a sustentar a legitimidade da recusa apresentada por alguns segmentos da sociedade que se apegam a dogmas que nada têm de jurídicos. Contudo, após a análise principiológica da Carta Magna que permite a defesa dos

direitos fundamentais do ser humano, enquanto "ser", individualmente considerado, faz-se necessária a análise dos princípios civis, que consideram os direitos do indivíduo enquanto inseridos no contexto social da vida privada.

3.2.3. A autonomia contratual O direito privado sempre buscou regular os acontecimentos cotidianos entre os particulares, conferido a estes uma esfera de liberdade na qual eles poderiam reger os seus interesses da forma como melhor lhes aprouvesse, de acordo com as suas vontades. Trata-se, pois, do que se chama de autonomia da vontade, que "consiste na prerrogativa conferida aos indivíduos de criarem relações na órbita do direito, desde que se submetam às regras impostas pela lei e que seus fins coincidam com o interesse geral ou não o contradigam" (RODRIGUES, 1997, v. 3, p. 5). No âmbito do direito de família, devido a uma série de normas de ordem pública, a autonomia privada se encontra bastante limitada, mas não afastada, mesmo porque, como bem leciona Orlando Gomes (2002, p. 7): "a vida familiar funda-se na autonomia, a intervenção dos órgãos públicos tem caráter excepcional". De fato, a despeito de o ordenamento reger alguns pontos de forma taxativa, como as proibições do casamento, ou os tipos de regime de bens, não se pode olvidar que outros tipos de elementos continuarão subordinados à vontade dos particulares, como é o caso da celebração do casamento (data, local, forma), da gestão familiar, da filiação, da criação dos filhos, não competindo ao legislador à interferência nestes assuntos, salvo os casos excepcionais, como maus-tratos aos filhos, incapacidade para gestão financeira etc. No que diz respeito à união estável, considerada como o casamento de fato, a liberdade de disposição é ainda maior, pois diante da norma reger de forma mais genérica, atribui-se aos particulares um maior poder de gestão de seus interesses, uma vez que, ao contrário do casamento, que se torna perfeito por um contrato solene, a união estável pode ser constituída de forma "livre", tanto pela escrita, por meio de um contrato de convivência, quanto pela oral, ou até mesmo de forma tácita. Neste diapasão, a união entre pessoas do mesmo sexo se encaixa perfeitamente dentro da liberdade conferida pela autonomia da vontade, de modo que permite aos particulares a melhor composição, de acordo com os moldes estabelecidos para a união estável, haja vista que mesmo não tendo sido expressamente prevista pela lei, como aquela composta por um homem e uma mulher (união estável típica(14)), ela também não se encontra expressamente proibida pela norma jurídica, o que lhe permite adentrar no mundo contratual através da forma atípica, como deixa claro o magistério de Sílvio Rodrigues (1997, v. 3, p. 15): "não estão as partes adstritas à escolha de um determinado contrato; antes podem usar a liberdade que lhes reconhece a lei, para recorrer a um contrato atípico".

Por conseguinte, uma vez que a autonomia privada pode suprir a omissão legislativa para a regência da vida privada, o elemento vontade deve ser levado em consideração para o reconhecimento da entidade familiar, bem como para a sua própria manutenção, como já aconteceu outrora com o próprio instituto do casamento, quando não regulamentado, sendo mais uma relação de fato que de direito, mantido apenas pela affetio maritalis (VIANA, 1999). Sendo assim, a autonomia privada serve perfeitamente para suprir as omissões de direito privado encontradas no ordenamento jurídico brasileiro, a ponto de conferir aos particulares a sua livre regência. Destarte, a regulamentação da vida privada deve estar conferida exclusivamente ao indivíduo, para que ele possa escolher, sem interferências externas, as bases para a construção de sua vida familiar, além de permitir que o mesmo possa eleger o seu consorte, pois sobre estas questões, o Estado Democrático de Direito, construído através da Carta Magna de 1988, não poderá intervir para restringir tais direitos, mas tão-somente para protegê-los e assegurá-los. Contudo, apesar da autonomia da vontade conferir liberdade aos indivíduos para a regência de seus interesses privados, a mesma não atribui um poder ilimitado e irrepreensível. Com efeito, ao dispor sobre os seus interesses, os particulares deverão estar atentos para não contrastar os seus desideratos com a ordem pública, nem com os bons costumes. A ordem pública e os bons costumes representam elementos limitadores do poder conferido aos particulares para regerem a vida privada da forma como melhor lhes aprouver. Amiúde, frise-se que o primeiro diz respeito ao conjunto de valores jurídicos e morais que a sociedade deve preservar, enquanto o segundo, diz respeito às regras morais não escritas, mas aceitas tacitamente pelo grupo social (RODRIGUES, 1997, v. 3). Neste contexto, a análise da ordem pública ocorrerá de forma objetiva, como, por exemplo, na hipótese do casamento e da união estável, a observância dos impedimentos matrimoniais previstos no art. 1.521 do Código Civil de 2002(15) para analisar a regularidade de uma entidade familiar, dentre outros componentes legais, que, em todos os casos, deverão ser trazidos expressamente pela norma jurídica que não poderão ser afastados por convenção entre as partes. Ao que se refere à análise dos dispositivos referentes às uniões estáveis, é cediço que o direito brasileiro não reconhece expressamente a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Contudo, o mesmo também não vem a ser negado pelo ordenamento jurídico de forma expressa, primeiro porque o art. 1.723 do CC/2002 não diz que somente será reconhecida como união estável aquela enquadrada naquele moldes, mas que aquele tipo de união estável (homem-mulher) será reconhecida, o que permite a construção de uma nova categoria (atípica) não prevista pela norma jurídica; segundo, porque ao elencar as hipóteses em que seria impossível o reconhecimento das uniões estáveis, conforme disposto no § 1º do art. 1.723 do CC/2002, o texto não determina qualquer proibição de união decorrente da igualdade sexual. Logo, como a norma não fez

uma proibição expressa, significa que deixou margem para que a sua regulamentação seja feita pelos próprios indivíduos. Ademais, o reconhecimento das uniões formadas por pessoas do mesmo sexo em nada afronta a ordem pública. Muito pelo contrário, pois a ordem estará muito mais assegurada, sendo mais respeitada, quando houver o reconhecimento, uma vez que este permitirá uma maior segurança às relações jurídico-sociais constituídas que com a recusa em se reconhecer os direitos decorrentes destas relações. Por outro lado, no que diz respeito aos bons costumes, os mesmos não são encarados de forma tão objetiva quanto os preceitos de ordem pública, primeiro, porque traz consigo um adjetivo de caráter subjetivo (bom), segundo, porque encerra um conteúdo de natureza moral. Deste modo, os valores sociais ditos bons costumes devem ser encarados como elementos ínsitos na própria estrutura social, de sorte que o desrespeito a qualquer conduta classificada como tal, tenha como conseqüência uma repulsa social. Portanto, os bons costumes devem ser analisados com extrema cautela, pois eleger valores como superiores ou preponderantes poderia significar a supressão de outros, o que poderá contrastar com princípio democrático que versa sobre o respeito às diferenças, como bem leciona Roxana Cardoso Brasileiro Borges (2005, p. 137): [...] por não se admitir a possibilidade de uma concepção objetiva da dignidade: por não se considerar que a sociedade possa ser tida como sujeito autônomo, dotado de consciência e moral próprias; por não se considerar a sociedade como um corpo único, mas como uma pluralidade de individualidades diversificadas; por não se considerar que algum tipo de costume possa adequadamente ser considerado bom ou mau em si mesmo; dentre uma série de outras objeções feitas em diversas partes desse trabalho, a moral e os bons costumes, ambos num Estado de Direito, democrático e pluralista, não podem constituir fatores restritivos às liberdades pessoais, principalmente às atinentes aos direitos da personalidade. Nesse diapasão, o não reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo, traz mais problemas morais ao sistema jurídico brasileiro, pois muitos são realidades em diversos locais, nos quais pessoas dividem suas vidas e seus bens, formam um patrimônio em comum e, no momento da extinção de tal relacionamento, alguém será contemplado com os bens, à custa dos esforços de outrem, o que representa um verdadeiro enriquecimento sem causa, tão nocivo ao direito que compõe a categoria de princípio do direito civil. Ademais, os bons costumes devem estar de acordo com os ideais constitucionais eleitos como os objetivos do Estado composto pela Carta Magna de 1988, que prega o respeito à dignidade da pessoa humana, de cada indivíduo, permitindo que o mesmo possa constituir livremente seus laços afetivos e patrimoniais.

3.2.4. Do enriquecimento sem causa O enriquecimento sem causa é um princípio milenar do direito que consiste no "indevido deslocamento patrimonial, sem correspondente causa jurídica, norma ou contrato que justifique o deslocamento positivo ou negativo" (MONSON, 2003, p. 10). Neste contexto, trata-se de uma vedação de que ninguém venha a auferir um ganho patrimonial à custa do empobrecimento de outrem, sem um motivo justificador (MONSON, 2003). Atualmente, o Código Civil de 2002 recepcionou este princípio, tanto por meio de elaboração de um capítulo próprio (arts. 884 a 886) na parte de Obrigações, quanto por meio de diversas disposições espalhadas pelo diploma civil, a exemplo do que ocorre nos arts. 1.214, 1.219, 1.222, 1.254, 1.255 dentre outros, nos quais, busca-se preservar o cerne do princípio nos seguintes moldes: O direito não tolera que alguém receba vantagem, obtendo acréscimo patrimonial em detrimento de outrem sem uma causa jurídica. Isto é, por meio de um ato que não seguiu uma estrutura econômico-social reconhecida pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o negócio sem causa não receberá reconhecimento jurídico, porquanto o ato não estará cumprindo a sua função social. Assim, se alguém, paga algum valor a outrem indevidamente, o ordenamento entende que esse enriquecimento, sem uma causa jurídica justificável lhe é contrário, impondo a quem recebeu a vantagem indevida que a restitua e, com isso, promova o re-equilíbrio patrimonial. (NEVES, 2006, p. 106) Apenas para argumentar, seguindo a lição do mesmo doutrinador, insta informar que embora válido o negócio jurídico, o ordenamento jurídico não consente com o benefício sem uma causa, considerando esta como imoral, de modo que aquele que experimentar o empobrecimento deverá buscar a tutela judicial para assegurar o seu direito por meio de ação própria (acto rem in verso). Destarte, percebe-se que o princípio tem aplicação em diversas áreas do direito privado, podendo, inclusive, ser adotado pelo direito de família, como foi feito preteritamente, por diversas corte nacionais, o que provocou uma transformação na estrutura familiar, pois se fazia necessária uma solução para a divisão patrimonial gerada pelo concubinato quando os conviventes desprendiam esforços para a construção de um patrimônio comum que, entretanto, não poderia ser dividido como num casamento.(16) Sendo assim, no momento em que uma entidade busca auferir um cumprimento patrimonial, todos os seus componentes concorrem para este aumento de modo que devem colher os frutos de forma eqüitativa, mesmo que os dois consortes não tenham o mesmo ganho, ou que um trabalhe externamente e o outro no lar. Na verdade, o que deve prevalecer não é o ganho efetivo, quantitativamente apurado, mas sim o esforço

desprendido para a realização do que ambos almejam, de acordo com as possibilidades de cada um. Vale lembrar que o posicionamento dos tribunais nacionais consolidou o entendimento, de modo que a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002, encerraram as discussões sobre este tema, haja vista que reconheceram a união estável como entidade familiar, conferindo-lhe tratamento equivalente ao dado ao casamento para a divisão do patrimônio. Todavia, a união entre pessoas do mesmo sexo, uma vez que não foram contempladas pelo ordenamento jurídico, constitucional ou infraconstitucional, continuam à mercê do posicionamento doutrinário e jurisprudencial para melhor dirimir os conflitos sem que haja uma disposição legal expressa sobre o tema. Entretanto, a análise do princípio da vedação do enriquecimento sem causa faz muito menos distinção quanto ao sexo dos envolvidos que os demais apresentados. Deveras, ao definir o referido princípio, o art. 884 do Código Civil de 2002, assegurando o equilíbrio patrimonial, dispôs que "aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários". Assim, sua aplicação leva em consideração apenas alguns elementos como: a) enriquecimento de alguém; b) empobrecimento de um outro; c) ausência de causa jurídica entre o enriquecimento de um e o empobrecimento de outro. Por conseguinte, por a norma jurídica não estabelecer qualquer distinção entre os sexos dos envolvidos no enriquecimento sem causa, podendo o mesmo ser perfeitamente aplicável nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.(17) Doravante, no momento da dissolução de uma união entre pessoas do mesmo sexo, deverão ser liquidados também os ganhos patrimoniais, pois se dois indivíduos concorrem para a formação de um único patrimônio, não será justo que o montante fique de posse de apenas um deles, salvo, porém, o caso de dissolução em decorrência do falecimento. Neste caso, também não seria justo que o consorte não tenha acesso a parte daquilo que construiu, apenas por ter sido registrado no nome do de cujus e não do sobrevivente.

4. CONCLUSÃO De acordo com a análise das uniões entre pessoas do mesmo sexo, à luz do direito brasileiro, percebe-se que, mesmo não havendo uma menção expressa de disposição sobre a possibilidade ou impossibilidade de reconhecimento, o que abre espaço ao surgimento de diversos posicionamentos jurídicos contrários nas cortes nacionais, cada qual com seus fundamentos, causando, assim, inseguranças sobre qual posição deve ser seguida para dirimir os conflitos, nota-se que a solução é conferida pela própria ordem jurídica.

Com efeito, o primeiro passo a ser dado para se encontrar a solução mais adequada aos casos trazidos diariamente a apreciação do Poder Judiciário, consiste justamente em buscar entender qual seria o verdadeiro sentido da norma jurídica, considerando que a norma busca o justo e o melhor para a coletividade (MAXIMILIANO, 2000). Neste diapasão, o estudo apurado do direito brasileiro, revela que o próprio ordenamento jurídico oferece as soluções aos casos concretos trazidos a julgamento, considerando a analogia aos casais entre pessoas de sexos diferentes, aos princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana e do convívio familiar, e dos princípios civis da vedação do enriquecimento sem causa e da autonomia da vontade, demonstra que a estrutura jurídica construída no Brasil é assaz permissiva ao reconhecimento dos direitos advindos das uniões entre pessoas do mesmo sexo, pois, conforme o entendimento doutrinário, "a família transcende uma mera formalidade e firma-se como núcleo socioafetivo necessário à plena realização da personalidade dos seus membros segundo os ditames da noção de dignidade da pessoa humana" (VIANA; NERY, 2000, p. 161), bem como veda expressamente qualquer comportamento discriminatório. No plano constitucional, encontra-se sedimentada a necessidade de se proteger o ser humano, valorizando a sua expressão particular para a sociedade. Nesse sentido, na constante busca por uma sociedade livre, justa e fraterna, preconizada pela Carta Magna de 1988, cabe a cada membro da sociedade, como promotor deste ideal, primeiro, respeitar a livre expressão e as diferenças que cada um possa apresentar em relação aos demais integrantes do grupo social; a solidariedade social, a fim de que cada um possa compartilhar com este projeto e a liberdade de poder gerir livremente a sua própria vida, sem sofrer qualquer segregação que implique na inibição da sua própria manifestação humana. Outrossim, a ordem jurídica idealiza a construção de um sistema protetivo ao ser humano, no qual o indivíduo possa exercer livremente o direito de gerir a sua própria vida e fazer as escolhas necessárias ao melhor desenvolvimento da sua personalidade, sem que seja alvo de qualquer conduta estatal ou social repressiva ou preconceituosa que busque imbricar a própria expressão humana em nome de valores sociais, e não jurídicos, que colocam uns indivíduos em vantagem em relação a outros sob o ponto de vista da condição humana. Destarte, buscando conjugar a valorização do ser humano, o direito à igualdade com a realidade social, nota-se que, a melhor interpretação normativa, constitucional e infraconstitucional, inclina-se ao reconhecimento de direitos inerentes às uniões entre pessoas do mesmo sexo. Deveras, uma vez configurada a estabilidade de uma união afetiva, erótica, amorosa, sexual, ou qualquer termo congênere que se considere mais adequado, as mesmas devem ser conhecidas como tais pelo Estado brasileiro, ou por força normativa ou

judicial, de modo a poderem gerar os direitos de família, como o respeito ao convívio familiar, a sucessão, os alimentos etc., uma vez que "a família à margem do casamento é uma formação social merecedora de tutela constitucional porque apresenta condições de sentimento da personalidade de seus membros e da execução da tarefa de educação dos filhos" (TEIXEIRA, 1993, p. 77). O direito brasileiro deve seguir a linha da defesa da instituição familiar como sempre fez ao longo dos anos. Porém, como bem aduz a ilação de João Batista Villela (apud PEREIRA, R., 1999, p. 60), "no ambiente dessacralizado e pluralista das sociedades ocidentais contemporâneas, soa inaceitável o estabelecimento das restrições de direito em razão de preferências ou inclinações eróticas", é necessário que se faça uma releitura dos preceitos civis e constitucionais, face ao caso concreto e principalmente que a família que hoje se projeta para o futuro não está mais tão atrelada aos padrões tradicionais. Neste contexto, impende lembrar que, ao contrário do que se pensava preteritamente, sobre o fortalecimento da família na sociedade brasileira, quando se acreditou que a entidade familiar deveria estar pautada em formas rígidas e imutáveis de constituição, a verdadeira solidez familiar somente será alcançada em relacionamentos movidos pelo afeto e regidos pelo respeito e pela lealdade. Não obstante, vale dizer, também, que o respeito necessário para fortalecimento da família, deve ser entendido, tanto como o respeito mútuo entre os companheiros, quanto o respeito ao próximo, às diferenças humanas, o que se constitui no grande pilar da sociedade democrática, de modo que seria imperioso todo um processo educacional de conscientização que venha a sedimentar as noções de respeito à própria condição humana na sociedade brasileira atual e também futura, dissolvendo as concepções discriminatórias, que nada acrescentam ao convívio social, a não ser conflitos entre os indivíduos. Desse modo, diante de novos contornos e as novas realidades, a ciência jurídica deverá também buscar as suas adaptações, a fim de não contrastar com a própria sociedade em que regulamenta. Afinal, o direito visa a harmonia social, sendo assim, o reconhecimento dos casais formados por pessoas do mesmo sexo se encontra na faixa de alcance do desiderato da ciência jurídica, ao passo que, do contrário, estar-se-ia tentando fazer com que a sociedade tentasse harmonizar as relações jurídicas.

NOTAS

(1) A redação deste artigo foi feita nos seguintes termos: "Art. 229. Criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos (arts. 352 a 354)".

(2) Conforme informação no site Wikipedia.

(3) Este Acórdão faz menção ao art. 1.363 do Código Civil de 1916 (revogado pela Lei nº 10.406/2002) que tinha a seguinte redação: "celebram contrato de sociedade as pessoas que mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fins comuns".

(4) A antiga previsão legal da família no Direito brasileiro, constante no art. 233 do Código Civil de 1916, assim previa: "O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher no interesse comum do casal e dos filhos (arts. 240, 247 e 251)".

(5) Conforme este versículo "... já não são mais dois, porém, uma só carne. Portanto, o que Deus uniu o homem não separa". No mesmo sentido, o art. 175, § 1º da CF/1967 que previa a indissolubilidade do casamento.

(6) Conforme este versículo: "... o teu desejo será para o teu marido e ele te governará". O seu conteúdo foi acatado pelo direito civil brasileiro, no Código Civil de 1916, quando em seu art. 233 ficou estabelecido que a chefia do grupo familiar competiria ao homem.

(7) Segundo o doutrinador Rodrigo da Cunha Pereira (1999, p. 30): "É interessante observar que o estudo da família, em Direito, esteve estritamente ligado ao casamento, que a tornava legítima ou ilegítima, segundo os vínculos da oficialidade dados pelo Estado, ou mesmo pela religião. Grande parte dos juristas confunde o conceito de família com o de casamento. E por incrível que isto possa parecer, em nossa sociedade, mesmo no limiar deste terceiro milênio, quando se fala em formar uma família, pensa-se que ela só pode constituir-se através do casamento. Mas como a realidade aponta outra direção, nos vemos obrigados a vê-la, sob o ponto de vista da ciência como algo abrangente".

(8) O termo que conota liberdade, deve ser encarado com reserva, haja vista não corresponder à realidade, pois a união estável, nos moldes como ela se apresenta, atualmente, no Código Civil, também faz exigências tanto para sua configuração quanto sua continuidade, como bem dispõe o caput do art. 1.723 do Código Civil, no qual se estabelece que: "é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família". Desse modo, através da leitura do dispositivo legal, percebe-se que a configuração da união estável prevista expressamente pelo diploma civil de 2002 está intimamente ligada a apenas quatro requisitos essenciais: 1º) convivência pública; 2º) convivência contínua; 3º) convivência duradoura e 4º) objetivo de constituir família. Amiúde, do magistério de Silvio de Sávio Venosa (2003), entende-se que a convivência pública, a convivência pública diz respeito à notoriedade da relação; a continuidade se refere à inexistência de interrupção no relacionamento, valendo frisar que não se trata de qualquer interrupção, haja vista que sobressaltos corriqueiros são normais em relacionamentos afetivos, mas sim as interrupções capazes de comprometer o próprio prosseguimento da união; a durabilidade diz respeito à estabilidade do relacionamento, ou seja, a sua extensão no tempo, e, por fim, o objetivo é o intuitu familae, a vontade manifesta de constituição do grupo familiar.

(9) De acordo com o mencionado autor: "Na união livre, como adverte Savatier, não há fidelidade, obediência, assistência obrigatória. Tudo isso, dado por amor, não deve durar senão enquanto puder durar esse amor. Os amantes nenhum compromisso assumem para o futuro; a independência de ambos é sagrada. Nas páginas de sua vida nada se escreve com tinta indelével. Por sua natureza, como afirmou Aleomar Baleeiro, os que entram na união livre sabem que têm sempre aberta a

porta" (p. 21).

(10) Segundo este artigo: "quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito".

(11) Neste contexto, vale ressaltar que as proibições da união estável estão previstas no § 1º do art. 1.723 do Código Civil de 2002, que reportam aos impedimentos matrimoniais do art. 1.521 do mesmo diploma legal: "I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V - o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas; VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte".

(12) § 6º do art. 226 da CF/88.

(13) § 6º do art. 227 da CF/88.

(14) Prevista expressamente pelo § 3º do art. 226 da CF/88 e pelo art. 1.723 do CC/02.

(15) Impende lembrar que, conforme o art. 1.521 do CC/2002, os impedimentos matrimoniais são: a) os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; b) os afins em linha reta; c) o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; d) os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; e) o adotado com o filho do adotante; f) as pessoas casadas; g) o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

(16) Neste dilema, a jurisprudência passou a buscar uma solução indireta para evitar que uma desproporção ao se repartir o patrimônio construído pelo casal como bem leciona a doutrina: "Através de uma construção jurídica, buscando-se a justiça por via oblíqua, conseguia-se que a 'viúva' de companheiro falecido recebesse alguma coisa para compensar sua participação e contribuição no acréscimo patrimonial, do falecido, no mínimo correspondente a uma indenização por serviços prestados, ou seja, pelo menos uma parte daquele patrimônio havia sido adquirido à custa do trabalho da companheira, ou ainda, o companheiro havia sido beneficiado com o serviço que recebeu sem o correspondente pagamento, pois se não existia casamento, não se aceitava o direito derivado da vida em comum, o trabalho deveria ter sido remunerado. O que deixou de desembolsar o falecido/separado enriqueceu-o" (MONSON, 2003, p. 81)

(17) Não obstante a abrangência geral do art. 884 do CC/02, outros dispositivos mais específicos também trazem soluções jurídicas para o consorte que não fique desamparado após o encerramento de uma relação na qual desprendeu esforços para a construção da vida em comum. Com efeito, primeiramente, insta apontar o art. 871 do Código Civil de 2002 que, ao tratar da prestação de alimentos estabelece que: "quando alguém, na ausência do indivíduo obrigado a alimentos, por ele os prestar a quem se devem, poder-lhes-á reaver do devedor a importância, ainda que este não ratifique o ato". Conseqüentemente, uma vez que não haja previsão legal para a herança ou para a divisão patrimonial, a norma jurídica abre azo para que o consorte sobrevivente possa atingir o patrimônio do outro por meio de uma indenização capaz de reparar, ao menos, as despesas despendidas durante a convivência. Outros dispositivos que merecem ser apontados são os constantes nos arts. 1.254 e 1.255 que

versam sobre construções e plantações. Nestes, a norma jurídica prevê tanto que "aquele que semeia, planta ou edifica em terreno próprio com sementes, plantas ou materiais alheios, adquire a propriedade destes; mas fica obrigado a pagar-lhes o valor, além de responder por perdas e danos, se agiu de má-fé" (art. 1.254), resguardando o direito daquele que atua em terreno próprio com bens alheios; quanto aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização (art. 1.255, caput). Da leitura destes artigos, percebe-se de forma clara o direito de se indenizar o companheiro que investir seus esforços para a construção do bem comum, de modo que, por exemplo, caso a união alcance o seu final, os bens empregados para a construção patrimonial deverão ser partilhados na proporção em que houve acréscimo pelo consorte que, a princípio, saia em desvantagem patrimonial, a fim de se preservar o verdadeiro equilíbrio.

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