O recrutamento ministerial no Brasil: trajetória profissional e filiação partidária de FHC a Lula

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7º. Seminário Nacional de Sociologia & Política Universidade Federal do Paraná Grupo de Trabalho: Elites Políticas e Sociais

O recrutamento ministerial no Brasil: trajetória profissional e filiação partidária de FHC a Lula Paulo Franz (Universidade Federal do Paraná) Adriano Codato (Universidade Federal do Paraná)

não citar sem a permissão dos autores

Curitiba, 11-13 maio 2016

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O recrutamento ministerial no Brasil: trajetória profissional e filiação partidária de FHC a Lula Paulo Franz1 Adriano Codato2

Resumo: O objetivo do trabalho é traçar e distinguir os diferentes perfis sócio-profissionais dos ocupantes das pastas ministeriais do governo federal entre os anos 1995 e 2010, período marcado por eleições regulares e relativa estabilidade democrática, durante os mandatos dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, e Luís Inácio Lula da Silva, do PT. Para tanto, analisamos informações referentes a: i) sexo dos ocupantes; ii) faixa etária; iii) ocupação profissional; iv) setor de origem profissional (público, privado, político ou militar); v) filiação partidária. Os resultados indicaram a experiência e o rodízio prévio em vários cargos como fatores comuns à grande maioria dos ministros nomeados, e a partidarização do gabinete nos governos Lula, principalmente com a presença do PT. Palavras-chave: elites, recrutamento, ministros, Lula, Fernando Henrique Cardoso.

O objetivo deste trabalho é realizar uma análise exploratória sobre as origens políticas e as trajetórias ocupacionais prévias dos ministros de Estado no Brasil durante os governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luís Inácio Lula da Silva (PT), presidentes por partidos rivais num período de consolidação democrática e da configuração política derivada da Constituição de 1988: o “presidencialismo de coalizão” (Abranches 1988)⁠. Analisamos algumas características políticas e profissionais relativas às carreiras dos ministros nomeados a fim de comparar as diferentes estratégias às quais os presidentes lançaram mão ao recrutarem seus colaboradores políticos para a formação dos gabinetes. As variáveis explicativas mobilizadas no estudo são: i) sexo; ii) idade; iii) ocupação; iv) tempo de carreira prévio, assim como o número de cargos ocupados antes da nomeação; v) natureza das pastas ministeriais; vi) setor de origem profissional do ministro; vii) situação partidária do ministro. As últimas quatro variáveis foram categorizadas (como explicado adiante) a fim de favorecer a rentabilidade dos testes estatísticos. Espera-se achar padrões de recrutamento para os cargos de primeiro escalão do governo federal que podem variar dependendo da área temática do ministério em questão e do presidente da República em exercício.

1 Mestrando, Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná, Capes. Email: [email protected] 2 Professor do Departamento de Ciência Política (DECP) da Universidade Federal do Paraná e pesquisador do CNPq. E-mail: [email protected]

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A suposição básica é que há diferenças importantes (num grau a ser determinado) nos padrões de recrutamento ministerial entre os governos Cardoso (1995-1998; 19992002) e Lula da Silva (2003-2006; 2007-2010), assim como algumas nuanças nas preferências quanto às nomeações ao longo de quatro mandatos presidenciais. Assim, assumimos as seguintes suposições: Hipótese 1: os governos Lula da Silva foram marcados pela maior presença de políticos e dirigentes partidários no gabinete ministerial, ao passo que nos governos de Cardoso encontraremos maior número de “tecnocratas”, ou, de outro modo, profissionais que tenham sido recrutados em burocracias do setor público e no mercado. Do mesmo modo, testamos a hipótese segundo a qual diferentes tipos de ministérios (conforme o tipo de tema que superintendem) exigem diferentes opções de recrutamento por parte do presidente. Assim, esperamos que, tanto nos governos Cardoso, quanto nos governos Lula Hipótese 2: ministérios com funções mais políticas que gerenciais sejam ocupados, majoritariamente, por ministros com experiência política prévia, seja em cargos eletivos, seja em cargos de nomeação de primeiro escalão. Hipótese 3: ministérios com funções econômicas sejam ocupados, em sua maioria, por pessoal de perfil mais técnico que partidário, com trajetória profissional prévia principalmente em cargos da burocracia pública e/ou no mercado. Essas diferentes estratégias de nomeação ministerial impactam diretamente a eficiência e a qualidade das decisões públicas, das rotinas burocráticas e das configurações políticas constituídas pelos governos. Isso porque, no “presidencialismo de coalizão”, os ministros cumprem uma dupla função no Poder Executivo: i) assegurar que a formulação e a implementação de políticas públicas estejam de acordo com as diretrizes do presidente da República e seus aliados de governo; e ii) garantir, através de transações, o apoio político para que esses projetos tenham sustentação e chances de aprovação pelo Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal). Assim, a seleção de ministros e a formação de gabinetes, em especial no Brasil, têm um papel central na estratégia política e de governo do presidente da República. O trabalho explora, assim, alguns achados empíricos que indicam as estratégias de Cardoso e de Lula para arregimentar indivíduos para seus respectivos gabinetes, comparando como esses atores foram distribuídos pelos diferentes ministérios. Visto que esses governos foram liderados por dois partidos rivais – PSDB e PT –, com prioridades políticas distintas, é esperável alguma diferença nas equipes de governo. Este paper está organizado da seguinte maneira: na seção 1 apresentamos a discussão sobre estudos de carreira prévia de ministros, presente na literatura internacional e nacional, com destaque para autores que tem explorado o peso dessa variável; na seção 2, detalhamos a metodologia do estudo, assim como os critérios utilizados para a

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categorização de algumas variáveis utilizadas na análise; na terceira parte, apresentamos os resultados dos testes, sempre a partir de uma abordagem comparativa entre os dois governos, com uma breve descrição dos achados empíricos; nas conclusões, fazemos um balanço dos achados confrontando-os com as hipóteses de pesquisa.

1. Ministros de Estado: carreira profissional e política Diferentes atributos políticos, profissionais e sociais de ministros nomeados expressam, em boa medida, as estratégias e preferências do presidente da República e de seus assessores. É justamente a partir dessas escolhas que o chefe do governo terá maior previsibilidade sobre o modo de atuação de seu ministério. Apesar de não possuir uma tradição tão extensa quanto os estudos que focalizam a elite parlamentar, estudos sobre processo de seleção e trajetórias políticas/sociais prévias de ministros têm certo espaço na Ciência Política. Esses estudos trataram de contextos institucionais variados, desde o parlamentarismo europeu (Mershon 1996; Rose 1971)⁠, até o presidencialismo latino-americano (Carreras 2013; D’Araujo 2009; Dávila et al. 2013; Escobar-Lemmon & Taylor-Robinson 2005; Inácio 2013; Camerlo 2013)⁠⁠, passando pelo semipresidencialismo francês e português (Dogan 1979; François & Grossman 2012; Pinto & Tavares de Almeida 2014; Behr & Michon 2013)⁠. De forma resumida, a premissa destas pesquisas é de que a experiência adquirida nas direções de partidos, em uma comissão parlamentar ou em altos cargos do serviço público tem impacto significativo sobre o estilo e preferências pessoais dos agentes políticos. Assim, a nomeação política deve levar em conta os caminhos prévios que esses agentes seguiram. Um ministro que passou a maior parte da sua carreira profissional em um partido político não tem, necessariamente, o mesmo perfil, as mesmas opiniões e as mesmas preferências que seus colegas vindos dos altos níveis da administração pública ou das comissões parlamentares do Congresso (Dogan 1979, p.22). Estudos procuram traçar um perfil da elite ministerial de seus respectivos países a partir de variáveis padrão como idade, sexo, herança familiar, formação escolar, trajetória profissional, orientação ideológica do partido, experiência em cargos legislativos, ocupação de cargos no alto escalão público ou em firmas privadas, etc. Seus resultados não costumam surpreender. Há um ministro-tipo que vigora em todos os gabinetes. Dogan, por exemplo, alerta para a importância continuada de heranças políticas que gabaritam os atores a ocupar um posto ministerial. Entretanto, as características dessas heranças, ou seja, os elementos valorizados no recrutamento político, variaram ao longo do tempo na França (Dogan 1979). Ele chega a essa conclusão após realizar uma análise longitudinal das últimas três Repúblicas (1870–1940; 1946–1958; 1958–1978), totalizando mais de mil ministros avaliados em 108 anos.

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O que as pesquisas sobre gabinetes na França têm observado é a ocupação de ministérios por indivíduos cada vez mais acostumados com as lógicas do campo político. Autores têm percebido a presença de novos tipos profissionais no gabinete francês: uma diminuição no número de tecnocratas e não partidários, e o proporcional incremento de quadros políticos com treinamento e carreira majoritariamente em entidades de representação, seja em cargos eletivos, seja na burocracia partidária e até mesmo em movimentos sociais (Behr & Michon 2013; François & Grossman 2012). Behr e Michon (2013) ressaltam, inclusive, como esse movimento de politização dos gabinetes ganhou força a partir de 2002 quando liderado por governos de esquerda. Todavia, essa não é uma regra geral para países europeus. Pinto e Almeida mostraram como o padrão de recrutamento dos ministros portugueses tem cada vez mais se aproximado do setor público, chegando a relegar a um papel secundário o papel dos políticos no gabinete. Segundo os autores, esse fato não seria exclusividade de Portugal: “the linkages between ministerial and parliamentary careers have been weakening in several countries during recent decades. Simultaneously, the number of expert and nonpartisan ministers has increased, although in an uneven way. As someone once simply and eloquently put it, there is a tendency towards the formation of ‘party governments with fewer partisans […]’” (Pinto & Tavares de Almeida 2014, p.1).

Os países referidos nessa pesquisa são, majoritariamente, sistemas semipresidencialistas. No parlamentarismo, a preponderância do Poder Legislativo sobre o Executivo faz com que a nomeação ministerial seja responsabilidade direta dos partidos políticos com representação no Parlamento. O resultado é a proporção muito maior de indivíduos com extensa carreira política prévia nos gabinetes ministeriais. Nesse sentido, o caso inglês seria o mais expressivo, principalmente quando comparado com os demais países parlamentaristas (Rose 1971). Países latino-americanos presidencialistas, mesmo com um sistema de governo oposto ao parlamentarismo, os parecem abrir cada vez mais espaço aos políticos. No Chile e na Argentina, por exemplo, parlamentares e dirigentes partidários têm ocupado gradualmente mais ministérios e postos na burocracia federal ou, ao menos, têm mantido forte presença no gabinete, a despeito de uma histórica presença de tecnocratas no Poder Executivo desses países (Camerlo 2013; Dávila et al. 2013).

Quadro 1. Tipo de composição dominante do gabinete ministerial por sistema de governo Sistemas de governo

Gabinete ministerial

Semipresidencialismo

Experts e não partidários

Parlamentarismo

Políticos profissionais

Presidencialismo

Experts e não partidários/políticos profissionais

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D’Araújo fez uma radiografia do Poder Executivo no Brasil após a redemocratização e mostrou que os “ministros são pessoas experientes na vida política com forte enraizamento em atividades parlamentares e executivas em todos os níveis de governo” (D’Araujo 2009, p.25). Isso é um indicativo da existência tanto de expertise política como administrativa como condição básica para nomeação ao ministério. Apesar de serem postos de nomeação e não posições eletivas, ministérios também podem ser um espaço de profissionalização política, a exemplo das casas legislativas (Costa & Codato 2013)⁠. Isso no Brasil decorre da importância do critério partidário no recrutamento ministerial. No presidencialismo multipartidário, o partido do presidente da República quase nunca consegue ser o partido majoritário no Congresso Nacional, forçando o chefe do governo a fazer alianças com outras legendas para conseguir apoio político e aprovar seus projetos de lei, emendas legislativas e medidas provisórias. Para garantir essa sustentação, o presidente precisa atrair os demais partidos que não o seu para o governo, seja nos ministérios ou nas burocracias a eles subordinadas. Essa barganha entre cargos políticos de alto escalão e apoio parlamentar nas duas Casas do Congresso Nacional brasileiro impacta significativamente na composição dos ministérios e expressa as estratégias adotadas pelo presidente da República para formar a coalizão de governo (Amorim Neto 2006; Amorim Neto 2007)⁠. Inácio mostra, de forma convincente, como trajetórias políticas marcadas por cargos nas burocracias partidárias aumenta as chances de ser escolhido para participar do ministério. Essa probabilidade aumenta de acordo com o tamanho da bancada do partido. Quanto maior o espaço ocupado pela legenda na Câmara dos Deputados, maior a chance do partido indicar um alto dirigente para compor o gabinete no Executivo (Inácio 2013)⁠. Neste paper calculamos a proporção de políticos profissionais na composição dos ministérios de Lula da Silva e de Cardoso, em comparação com aqueles que vieram de outros setores (burocracias públicas, mercado privado, forças armadas); analisamos também a proporção de ocupação de diferentes tipos de ministérios a partir de suas atribuições respectivas (área social, área econômica, etc.) por esses diferentes tipos de agentes. Esperamos encontrar não apenas padrões de recrutamento como também de acondicionamento – ou seja, o lugar ocupado – entre 1995 e 2010.

2. Dados, metodologia e categorizações Levamos em conta, para coleta e análise de dados, todos os ministérios – inclusive os de caráter extraordinário – dos governos FHC (1995-1998; 1999-2002) e dos governos Lula (2003-2006; 2007-2010), além das secretarias com status ministerial. Ao todo foram encontrados 433 ministérios e secretarias: 34 nos dois mandatos FHC, 36 nos dois mandatos Lula. Para melhor operacionalização das informações, dividimos os 3 Apesar

de não estarem relacionados, foram considerados os ministérios e secretarias que sumiram com fusões entre pastas ou com mudança de nomes. O critério adotado foi padronizar a denominação das pastas

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ministérios e as secretarias de assessoramento direto em quatro categorias a partir de suas funções específicas no governo. A divisão leva em conta algumas categorias já usadas na literatura sobre o assunto, além de suas funções explícitas nas leis de criação desses órgãos. As categorias e as pastas ministeriais, aqui com os nomes padronizados, são as seguintes: a)

Econômicas: Agricultura, Comunicações, Fazenda, Indústria, Integração Nacional, Minas e Energia, Pesca, Planejamento, Transporte, Turismo, Secretaria Geral dos Portos;

b)

Militares: Aeronáutica, Casa Militar, Exército, Gabinete de Segurança Institucional, Marinha;

c)

Políticas: Advocacia Geral da União, Casa Civil, Controladoria Geral da União, Administração e Reforma do Estado, Ciência e Tecnologia, Defesa, Justiça, Ministério Extraordinário de Reformas Institucionais (FHC I), Ministério Extraordinário de Assuntos Políticos, Relações Exteriores, Secretaria de Relações Institucionais (Lula), Secretaria de Assuntos Estratégicos, Secretaria de Comunicação Social, Secretaria Geral da Presidência;

d)

Sociais: Cultura, Educação, Saúde, Previdência Social, Cidades, Desenvolvimento Agrário, Desenvolvimento Social, Esporte, Meio Ambiente, Trabalho, Secretaria de Direitos Humanos, Secretaria de Políticas de Promoção para Igualdade Racial, Secretaria Especial de Políticas para Mulheres.

Os dados coletados para a produção deste artigo dizem respeito aos 175 indivíduos que ocuparam o cargo de Ministro de Estado entre 1995 e 2010 no Brasil. A unidade de observação são os Ministros dos governos Cardoso e Lula. Porém, o nosso critério para o preenchimento do banco de dados – nossa unidade de análise – são os mandatos ministeriais. Isso significa que se um ministro ocupou a mesma pasta ministerial ao longo de dois mandatos presidenciais (é o caso, por exemplo, do ministro da Fazenda Pedro Malan, ao longo dos governos FHC I e FHC II), ele estará duplicado em nosso banco de dados e será contado duas vezes. Da mesma forma, foram somados aqueles indivíduos que chefiaram mais de uma pasta ministerial, mesmo durante um mesmo mandato presidencial (é o caso do ministro Bresser Pereira, por exemplo, que ocupou as pastas de Reforma do Estado e a da Ciência e Tecnologia durante o primeiro mandato do governo de FHC). Disso resulta que a nossa unidade de análise são os mandatos, não os indivíduos, e os resultados dos testes estatísticos aplicados neste trabalho foram feitos para um total de 247 casos (110 para os governos FHC e 137 para os governos Lula). ministeriais a partir de suas atribuições e leis normativas.

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Com base nas suas carreiras prévias, antes de entrar na função de ministro, portanto, classificamos esses indivíduos em cinco categorias que indicam o setor predominante em que fizeram sua trajetória profissional: a)

Setor Público: diretores de empresas públicas, concursados, professores universitários, chefes de gabinete, assessores legislativos;

b)

Setor Privado: gerentes e diretores de empresas privadas, empresários, consultores;

c)

Setor Político: ocupantes de cargos eletivos ou nomeados de primeiro escalão (federal, estadual, municipal);

d)

Setor Militar: carreira nas instituições das Forças Armadas;

e)

Setor Partidário: indivíduos que com trajetória caracterizada pela ocupação em cargos da alta cúpula dos partidos da base aliada ou do governo.

Como se pode esperar, os indivíduos aqui distribuídos não se adequam completamente a apenas uma dessas categorias. Nossa pesquisa mostrou serem os ministros indivíduos de carreira híbrida com trânsito por diferentes áreas profissionais – algo já constatado por Loureiro e Abrucio (1999)⁠. Conforme Pinto e Tavares de Almeida, “there is a larger number of ministers, a hybrid type, who combine political skills developed in parties and legislatures with expert knowledge acquired through academic training and experience in parliamentary and governmental committees” (Pinto & Tavares de Almeida 2014).⁠ Todavia, essa classificação simplificada conforme o setor predominante por onde os ministros passaram antes de assumirem o posto, permite fazer algumas comparações relativas ao “tipo profissional” que estaria sendo priorizado pelo presidente em exercício e estimar suas estratégias de nomeação ministerial. Ou seja, a partir desse critério de classificação, procuramos identificar os espaços predominantes onde o presidente da República buscaria os integrantes do seu gabinete. Os dados dos ministros foram coletados no sítio institucional do Dicionário HistóricoBiográfico Brasileiro – DHBB, produzido e editado pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas, no sítio da Biblioteca da Presidência da República, além de verbetes em portais de notícias. A estatística descritiva foi produzida a partir do software SPPS.

3. Aspectos sócio-profissionais Os ministros no Brasil durante os governos FHC e Lula são, em sua maioria, homens, brancos, com uma idade média de 55 anos, alguns anos mais velhos que o padrão encontrado em outros países, como a França e Inglaterra (François & Grossman 2012) ⁠. O membro mais jovem de nosso banco de dados tinha 30 anos ao tomar posse no Ministério,

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e o mais velho, 80 anos. As profissões mais comuns são, pela ordem, as seguintes: advogado (29,6%), economista (12,6%), professor (6,5%), engenheiro, (5,7%), diplomata (5,3%) e militar (5,3%)4. Mais da metade dos ministros – 55,9% – nasceram no Sudeste do país, região seguida pelo Nordeste (22,3%) e pelo Sul (14,2%). Ao todo, são 17 mandatos ministeriais femininos, contra 93,1% de mandatos chefiados por homens. Dessas, apenas um caso ocorreu no governo FHC, todas as demais mulheres ocuparam o gabinete durante os governos do PT. Esses dados não surpreendem, pois muitos estudos evidenciam o caráter masculinizado do campo político. Entretanto, dados sobre a França mostram que, apesar de ainda haver alguma desigualdade entre homens e mulheres nos gabinetes ministeriais, no Brasil essa diferença é muito mais expressiva. A proporção de mulheres nos gabinetes franceses chega a 25%. (Behr & Michon 2013)⁠. Na América Latina, em 2003, a proporção média era de 18%, sendo que na Colômbia metade de seu gabinete era feminino (Escobar-Lemmon & Taylor-Robinson 2005, p.829). Embora a ocupação declarada se restrinja majoritariamente às listadas mais acima, a trajetória profissional dos indivíduos antes de eles serem nomeados ministros varia muito de caso a caso, nunca se resumindo a apenas uma ocupação. Na verdade, a pesquisa mostrou serem os ministros de Estado no Brasil pessoas de carreira multifacetada, que, ao longo de sua trajetória, chegam a ocupar dezenas de cargos de médio e alto escalão, podendo passar por ambientes corporativos, empresas públicas, cargos políticos de nomeação e postos eletivos, universidades, direções de partidos políticos, entidades sindicais e outras agências de representação. Em função da heterogeneidade da carreira profissional dos ministros, contabilizamos o número de cargos prévios ocupados por eles para termos uma dimensão da importância desse indicador de experiência. Para um tempo mediano de 31 anos de carreira, os indivíduos estudados passaram, em média, por 11 cargos antes de se tornarem ministros. Dividimos os ministros a partir do número de cargos na carreira em três categorias, com cortes que distribuíram todos os indivíduos em aproximadamente 33% para cada categoria: i) 1 a 8 posições antes da entrada na função ministerial (“carreira curta”); ii) 9 a 13 posições (“carreira média”); iii) acima de 14 posições (“carreira longa”). Ao separar os dados por mandato presidencial, percebe-se uma diminuição gradual e constante de ministros com alto número de cargos prévios ocupados ao longo dos dezesseis anos abarcados pela pesquisa. Em contrapartida, o número de indivíduos com pequeno número de cargos quase dobrou nos governos Lula I e Lula II. A explicação deste fenômeno poderia ser a seguinte: ao passo que nos governos FHC I, principalmente, e FHC II não houve um rompimento com os grupos que já ocupavam 4 Há, contudo, algumas diferenças notáveis. Enquanto

nos governos de FHC a proporção de jornalistas e médicos é de, respectivamente, 0% e 1,8%, nos governos de Lula esses valores são de 5,9% 4,4% do ministério. Economistas, por exemplo, são 19,8% no gabinete de FHC e apenas 6,6% no gabinete de Lula.

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cargos políticos e burocráticos no Estado há anos, no governo Lula o que se viu foi uma tomada de assalto dos ministérios por indivíduos que até então, por estarem sempre na oposição política, nunca haviam ocupado postos nem burocracia do Estado, nem em governo federais anteriores (Gráfico 1).

Gráfico 1. Percentual de ministros de Estado no Brasil por gov erno e por número de cargos prév ios ocupados

45,0%

44,90%

44,3% 39,29%

40,0%

38,8%

35,0% 30,0%

25,0%

32,7%

35,8%

30,4%

32,9%

30,4%

25,37% 22,86%

22,4%

20,0% FHC I

FHC II 1a8

Lula I 9 a 13

Lula II

14 a 34

Pearson Chi-square: 11,074 Obs.: Número de casos: FHC I = 49; FHC II = 56; Lula I = 67; Lula II = 72. Fonte: Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil

Isso posto, comparamos o papel dos ministros mais experientes (carreira acima de 14 posições) nos gabinetes dos governos estudados em função da presença deles nos diferentes tipos de pastas ministeriais. O Gráfico 2 aponta para o predomínio de atores com larga experiência profissional em quase todos os tipos de ministérios durante os dois governos FHC, percentual bem mais expressivo nas pastas de natureza “social” (50% dos ministros tinham passado por 14 ou mais posições antes de entrar na função). Já durante os dois governos Lula da Silva, os ministérios que superintendiam políticas sociais foram delegados a ministros com menor cancha profissional, quando comparado com os demais tipos de pasta (nada menos de 65% dos ministros nesse tipo de pastas tinham carreiras entre 1 e 8 cargos). Na verdade, em valores absolutos, com alto número de cargos prévios, estamos falando de apenas seis indivíduos em pastas sociais nos dois governos Lula. Durante o período, os ministros com mais experiência foram maioria apenas nos ministérios políticos. Uma razão alternativa para o número de ministros com menos cargos ocupados

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previamente durante o governo Lula, seria o fato deste priorizar o recrutamento de indivíduos no campo político, ou seja, que tiveram uma trajetória profissional predominantemente em cargos eletivos ou de nomeação de primeiro escalão, como secretários estaduais e municipais, sem grande carreira anterior cumprida no mercado ou na burocracia do Estado. Carreiras políticas tendem a ter um número menor de posições, pois o tempo de duração em cada cargo costuma ser maior (quatro anos). Além disso, como já mencionamos a propósito do Gráfico 1, a geração de dirigentes que estreia no governo Lula possui uma carreira menos extensa ainda que a idade média dos dois grupos de ministros, de FHC e de Lula, seja exatamente a mesma (55 anos). Já uma carreira no setor público é caracterizada pela intensa rotatividade dos atores entre diversas agências, empresas, corporações, conselhos, cargos, etc. Gráfico 2. Percentual de ministros de Estado no Brasil por número de cargos prév ios ocupados conforme natureza da pasta (“setor”), por períodos de gov erno 5

Lula

social

64,7%

político

27,5%

35,0%

militar ,0% econômico

FHC

23,5%

social

28,6%

político

27,3%

10,0%

27,9%

21,4%

50,0%

39,4%

33,3%

33,3%

25,0% ,0%

,0%

41,9%

22,2%

econômico

37,5%

100,0% 30,2%

militar

11,8%

44,4%

33,3% 20,0%

30,0%

40,0%

1a8

9 a 13

41,7% 50,0%

60,0%

70,0%

80,0%

90,0% 100,0%

14 a 34

Pearson Qui-square PSDB: 2,745; Pearson Qui-square PT: 22,459 Fonte: Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil

O próximo teste de dados compara os setores de origem profissional de onde foram recrutados os ministros nos gabinetes dos governos FHC e Lula, seguindo os critérios informados na seção anterior.

5 Número de casos: FHC: setor econômico = 36; militar = 9; político = 33; social = 28. Lula: setor econômico = 43; militar = 2; político = 40; social = 51.

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Na realidade, o que constatamos no Gráfico 3 foi uma semelhança significativa entre os governos de Cardoso e de Lula em relação aos setores profissionais de proveniência dos seus ministros. Algumas diferenças podem ser observadas, principalmente de indivíduos oriundos do que chamamos “setor público” nos governos de Lula II (isto é, diretores de empresas públicas, concursados, professores universitários, chefes de gabinete, assessores legislativos). Se no primeiro mandato do petista, a proporção de funcionários, servidores e executivos públicos diminuiu em relação à gestão tucana (ela passou de 44% para 33%), no segundo mandato de Lula estes chegam a ter metade dos mandatos ministeriais. Disso resulta que a suposição lançada mais acima sobre o setor da burocracia pública ser menos numeroso nos governos do PT mostrou-se equivocada. A proporção entre os governos FHC e Lula é muito parecida, tanto entre indivíduos do setor púbico quando do setor político (Gráfico 3).

Gráfico 3. Percentual de ministros de Estado no Brasil por setor de origem e por gov erno6

100% 90% 80%

32,84%

37,25%

44,07%

50,00%

70% 4,48% 60%

7,84% 8,47%

50% 40%

37,25%

30% 20%

10%

5,71%

38,81%

38,98%

32,86%

2,0%

22,4%

15,7%

3,4% 5,1%

0% FHC I setor militar

setor partidario

1,4%

1,5%

FHC II setor politico

10,0%

Lula I setor privado

Pearson chi-square: 34,446 Fonte: Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil

6 Número de casos - FHC I = 51; FHC II = 59; Lula I = 67; Lula II = 70

Lula II setor publico

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O setor privado é minoria em ambos os governos, mas ligeiramente menor em Lula I e Lula II. A diferença mais substancial entre Cardoso e Lula ficou por conta do crescimento de ministros com carreira prévia sobretudo em burocracias partidárias. Na verdade, a proporção do setor partidário no governo Lula I foi mais de dez vezes maior (22,4%) do que em FHC I (2%). Isso ilustra a prioridade do PT e de seus aliados em arregimentar caciques partidários para os postos ministeriais, enquanto o PSDB deu maior preferência a burocratas, professores e funcionários em sua estratégia de recrutamento. Outro dado marcante é a presença cada vez menor de militares no gabinete, mas isso pode ser explicado por motivos institucionais. O primeiro governo FHC foi marcado por uma polêmica com as Forças Armadas. No fim de seu primeiro mandato, ao instituir uma reforma administrativa, Cardoso propôs a supressão das pastas ministeriais militares. Dessa forma, os ministérios do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, estruturas constituídas durante a ditadura militar, foram unificados e substituídos pelo recém-criado Ministério da Defesa, que passou a ser ocupado por civis. Disso resultou a brusca diminuição no número de ministros com carreira militar nos governos daí em diante. O próximo passo é saber onde os ministros provenientes dos diferentes setores foram acomodados nos governos PSDB e PT. A Tabela 1 cruza as naturezas das pastas ministeriais (ministério social, político, militar e econômico) e os setores de origem profissional dos indivíduos que as ocuparam (militar, partidário, político, privado e público).

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Tabela 1. Setor de origem profissional dos ministros, por natureza da pasta (N e %) ministério econômico setor militar setor partidário FHC setor político setor privado setor público Total FHC setor militar setor partidário Lula setor político setor privado setor público Total Lula Total Geral

N %

ministério militar ministério politico ministério social Total 11

11

100%

100%

N

3

3

%

100%

N

19

12

13

44

%

43,2%

27,3%

29,5%

100%

N

3

4

%

42,9%

N

15

1

17

13

46

%

32,6%

2,2%

37,0%

28,3%

100%

N

40

12

33

26

111

%

36,0%

10,8%

29,7%

23,4%

100%

100%

7

57,1%

100%

N

2

2

%

100%

100%

N

7

5

10

22

%

31,8%

22,7%

45,5%

100%

N

21

14

15

50

%

42,0%

28,0%

30%

100%

N

3

4

7

%

42,9%

57,1%

100%

N

16

17

22

55

%

29,1%

30,9%

40%

100%

N

47

2

40

47

136

%

34,6%

1,5%

29,4%

34,6%

100%

N

87

14

73

73

247

%

35,2%

5,7%

29,6%

29,6%

100,0%

Pearson Qui-square PSDB: 112,597; Pearson Qui-square PT: 142,79 Coeficiente de contingência FHC: 0,707 Sig. Aprox. 0,000; Lula: 0,717 Sig. Aprox. 0,000 Fonte: Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil

A maior presença de dirigentes partidários nos governos do PT quando comparado com os governos do PSDB é confirmada (22 contra 3). Lula distribuiu essas lideranças em todos os tipos de pasta, mas com ênfase em ministérios sociais (10), com exceção das pastas militares, controladas apenas por militares de carreira. Em ambos os governos, ministérios de cunho político foram ocupados majoritariamente por indivíduos vindos do setor público e não do setor político, como seria de se esperar. Na verdade, se somássemos os setores de origem partidário e político, unificando essas duas categorias como “setor político-partidário” nos gabinetes do PT, constataríamos poucas diferenças na composição ministerial entre os tipos de pastas nos dois governos. O Gráfico 4 nos dá a segurança dessa afirmação. A rigor, a diferença no recrutamento quanto ao setor de origem profissional dos ministros nas pastas de cunho político é nula

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entre os dois governos. A estratégia dos dois presidentes analisados neste estudo, na escolha dos ministros para as pastas da área política, é relativamente parecida, tendo o Lula optado por também nomear políticos de carreira mais ligada a partidos, enquanto Cardoso praticamente ignorou este critério de recrutamento em quase todo o seu gabinete. Como se vê no Gráfico 3 e na Tabela 1, a proporção e o N de políticos nos governos FHC (44) e Lula (50) é muito parecida. As diferenças significativas ficam mesmo por conta da maior presença do setor partidário durante os governos do PT. Entretanto algumas nuanças podem ser notadas no espaço ocupado por esses grupos nos gabinetes ministeriais ao longo dos dois governos. Dentro do contexto institucional brasileiro, esses grupos parecem cumprir um papel importante, mas específico, sendo que eles dividem os espaços nos gabinetes com outras categorias, como os funcionários e dirigentes públicos, além dos agentes do mercado. O que nossos dados mostram, é que os políticos e partidários foram recrutados em sua maioria para chefiar ministérios de tipo econômico durante os governos FHC (40%). Já durante os dois governos de Lula, políticos e partidários foram alocados, em sua maioria, nos ministérios de tipo social (38%). Gráfico 4. Percentual de tipo de pastas ocupadas por ministros com origem apenas nos setores político-partidário, por gov ernos

40,0%

38,0%

35,2%

33,3% 26,7%

26,8%

FHC

Lula econômico

político

social

Pearson Chi-square PSDB: 112,597; Pearson Chi-square PT: 142,791 Número de casos: FHC = 45; Lula = 71 Fonte: Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil

Analisando o papel dos ministros políticos e partidários no período estudado, procuramos mensurar a proporção de ministros filiados ao partido do governo, assim como aqueles ligados a partidos da base aliada. Essa proporção, vista diacronicamente,

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pode nos dar uma dimensão das estratégias partidárias adotadas pelos dois presidentes na nomeação de seus colaboradores. O objetivo desse último teste é comparar o grupo de filiados que foi mais acionado em cada um dos mandatos presidenciais: se o dos partidos aliados ou se o do partido do presidente (PSDB no caso FHC I e II, PT no caso Lula I e II). A título de comparação, também incluímos no teste os ministros sem filiação partidária. O gráfico abaixo mostra como esses grupos podem variar de governo a governo e a mudança importante que se dá entre FHC II e Lula I.

Gráfico 5. Tipo de filiação partidária dos ministros por gov ernos (%)

48,0%

43,0% 38,0%

44,1% 41,2%

38,6% 35,3%

32,2%

33,0% 28,0%

46,3%

34,3%

34,3%

27,1% 23,5%

23,7%

FHC I

FHC II

19,4%

23,0% 18,0% base aliada

partido governo

Lula I

Lula II sem partido

Pearson Chi-square: 14,824 Número de casos: FHC I = 51; FHC II = 59; Lula I = 67; Lula II = 70 Fonte: Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil

O Gráfico 5 registra o quão distinto foram as estratégias dos dois presidentes brasileiros em relação ao critério partidário de recrutamento ministerial. Ministros que não eram filiados a nenhum partido eram maioria enquanto o PSDB estava à frente do governo. O próprio partido que chefiava o governo, aliás, era o que possuía menos cargos quando comparado com os ministros apartidários ou com a soma de todos os aliados, privilegiando assim a presença de partidos coligados, em especial PMDB e PFL, como 13 mandatos ministeriais cada um. O que ocorre após a posse de Lula na presidência é a completa inversão desse quadro, com o PT sendo sobre-representado no gabinete chegando a ter quase a metade dos ministros durante o primeiro mandato de Lula (46%), enquanto os ministros apartidários passaram ao menor número, chegando a menos da metade da proporção atingida nos governos FHC (19%). Isso confirma a já enunciada “politização” dos gabinetes ministeriais

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do governo Lula, em que os setores político e partidário passam a ter mais espaço e representação, com destaque para a forte presença do PT no Poder Executivo. A despeito dessa grande inversão da representação partidária dos aliados no gabinete ministerial, pesquisas mostram que a proporcionalidade entre a presença dos partidos na Câmara dos Deputados e nos ministérios – taxa de coalescência – não difere radicalmente entre os dois governos (Amorim Neto 2007; Inácio & Rezende 2015)⁠. Isso ocorre em larga medida porque o governo Lula nomeou para um ou dois ministérios políticos filiados a partidos com poucas cadeiras no Congresso Nacional, o que em última instância resultou num cálculo coerente entre a proporção de ministérios e presença no Legislativo7. A despeito disso, estudos mostram que, comparativamente, o Brasil é o país com a menor taxa de coalescência – ou seja, proporções semelhantes de cadeiras dos partidos na Câmara e nos ministérios – entre os países latino americanos (Amorim Neto 2006, p.427). A semelhança entre os diferentes governos e mandatos ficou por conta da presença da base aliada que, a despeito das mudanças em relação ao partido do presidente e dos nomeados apartidários, manteve-se numa média de 34% dos ministérios ao longo dos 16 anos analisados. As estratégias não mudaram em relação aos aliados, mas sim em relação aos próprios partidos dos presidentes no período estudado.

Considerações finais Este trabalho é uma pequena parte de uma pesquisa em andamento que busca detalhar as carreiras prévias dos ministros nomeados entre 1995 e 2014, visando identificar as estratégias por trás dos padrões de recrutamento ministeriais empregados pelos presidentes brasileiros nos governos do PT e do PSDB. Mas algumas conclusões já podem ser sugeridas a partir dessa análise inicial. Característica típica de um país presidencialista, os ministros no Brasil possuem um tipo relativamente diversificado de carreira. Isso é expresso pelas diferentes estratégias de recrutamento das quais os presidentes lançam mão durante as nomeações. Vimos, entretanto, que a experiência prévia é um aspecto mais saliente durante os governos FHC, quando tratamos dos números de cargos ocupados antes da nomeação ministerial. O grande número de posições, aliado a uma carreira híbrida e de intensa rotatividade, parece ter sido um dos elementos essenciais para que o indivíduo passasse a ser cotado para assumir uma cadeira ministerial durante os governos do PSDB. Além disso, no Brasil, o presidente da República tem um significativo leque de escolhas de onde pode recrutar os quadros para formar seu gabinete, não se limitando apenas ao campo político. Procurando formar um gabinete com legitimidade pela opinião pública, o presidente muitas vezes nomeia especialistas, indivíduos com expertise e 7 O Partido Verde (PV), por exemplo, legenda com apenas 5 e 13 cadeiras no Congresso Nacional no primeiro e segundo mandatos de Lula, respectivamente, ocupou apenas o Ministério da Cultura – mandatos de Gilberto Gil e Juca Ferreira.

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experiência administrativa na área. O setor público, formado majoritariamente por executivos públicos e diretores de empresas estatais, teve presença significativa em absolutamente todos os mandatos e tipos de pastas estudados. Tecnocratas, especialistas, professores e funcionários públicos têm lugar consolidado em governos do presidencialismo de coalizão brasileiro. A outra dimensão do recrutamento ministerial diz respeito àqueles que foram arregimentados principalmente no campo político – cargos eletivos ou de nomeação do alto escalão, partidos, associações, etc. O critério político-partidário de nomeação ministerial ficou evidente no primeiro governo Lula, principalmente nas pastas de cunho social, ao passo que nos governos FHC esse extrato de ministros foi proporcionalmente maior nas pastas de “economia”. A comparação feita aqui entre os governos do PSDB e PT mostrou algumas estratégias diferentes na formação do gabinete pelos presidentes. A diferença mais evidente diz respeito ao tipo de filiação partidária dos ministros nomeados. Lula não só cedeu mais espaço dirigentes partidários em seu gabinete, como também priorizou aqueles que eram filiados ao seu partido, resultando assim na sobre-representação do PT nos ministérios, ao passo que os demais partidos ficaram com poucos cargos. Esse cálculo não foi de todo incoerente, pois o PT era, no início, a maior bancada do governo na Câmara8. Assim, estudos mostram que a taxa de coalescência dos governos FHC, que delegou mais cargos à base aliada, e Lula, que concentrou nas mãos do PT um número maior de pastas, são muito semelhantes entre si. Porém, quando comparado com outros países da América Latina, a taxa de coalescência no Brasil é a mais baixa, o que mostra de certa forma a dificuldade de acomodar coerentemente a base aliada no presidencialismo brasileiro, causando crises políticas constantes. Mesmo confirmando essa relativa diversidade no padrão de recrutamento dos ministros, parece-nos claro que os indivíduos de diferentes setores de origem profissional cumprem papéis específicos nos ministérios. Aos analisarmos as naturezas de pastas para as quais os ministros políticos e partidários foram recrutados, percebemos algumas diferenças nas estratégias de alocação de aliados políticos e correligionários: durante seu governo, Cardoso encaminhou esse grupo majoritariamente para os ministérios de natureza econômica. Nos governos do PT, os ministérios de natureza social foram o principal destino dos indivíduos de carreira política e partidária recrutados pelo então presidente Lula. O que fez com que ministros recrutados a partir dos partidos políticos tivessem mais presença nos ministérios econômicos durante os governos FHC, e nos ministérios sociais durante os governos Lula, pode dizer muito sobre as estratégias de controle e delegação de decisões levadas a cabo pelos presidentes. Isso já seria um bom ponto de partida para uma análise do lugar político dentro dos diferentes gabinetes ministeriais.

8 Sobre o tamanho das bancadas ver: http://infograficos.oglobo.globo.com/brasil/evolucao-das-bancadasparlamentares.html

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