O RESGATE DA MEMÓRIA COMO METODOLOGIA PARA A PRODUÇÃO TEXTUAL NUM CURSO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS.

May 28, 2017 | Autor: M. Montero | Categoria: História, Memoria, Produção Textual
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O RESGATE DA MEMÓRIA COMO METODOLOGIA PARA A PRODUÇÃO TEXTUAL NUM CURSO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS. 1

Maria Aparecida Alves da Silva Montero - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Maria Fernanda Alves Garcia Montero - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

RESUMO Este trabalho tem como objetivo principal relatar uma experiência de leitura e produção textual realizada com alunos de um curso de Ciências Contábeis de uma instituição privada da cidade de São Paulo. Trata-se de um curso que visa uma formação que vá além do conhecimento estrito da área. Esse trabalho foi realizado no primeiro semestre de 2015. Para a produção de texto, na busca de uma temática cativante, o resgate da memória foi o principal instrumento metodológico usado. O projeto Minha História, Nossa História possibilitou, através do resgate de histórias familiares, o resgate mesmo de relações pessoais que possibilitaram a cada um ser o que é hoje. Foram realizadas leituras de memórias, conversas com familiares, seleção de fotografias significativas, elaboração de uma árvore genealógica, além de uma visita ao Museu da Imigração da Cidade de São Paulo. O trabalho começou com a leitura do livro Leite Derramado, de Chico Buarque, livro que traz as memórias de um idoso que, através da historia da sua decadente família vai descortinando a própria História do Brasil. É a história pessoal contextualizada dentro da História. Dessa forma, os alunos foram instigados a pesquisar sobre suas origens, suas famílias e suas heranças, para que, depois, pudessem contar suas próprias histórias e, através delas, entender a influência que a História teve em suas histórias particulares. Os alunos são sujeitos da História e, ao pesquisar e compreender sua própria história, encaixando-a dentro da História, serão capazes de entendê-la como conhecimento e como experiência. É preciso que vejam a História - e as pequenas histórias que a compõem - e participem dela.

Palavras-chave: produção textual, memória, história.

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Trabalho apresentado no XVIII ENDIPE: Encontro Nacional de Didática e Praticas de Ensino, 2016, Cuiabá

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INTRODUÇÃO Este texto visa relatar uma experiência com produção de texto num curso superior, cujos fundamentos são o uso da língua em situação de comunicação tendo o desenvolvimento da competência leitora e escritora como objetivos fundamentais de formação. Tivemos como objetivos realizar uma reflexão sobre a linguagem, a formação do leitor, a ampliação do repertório cultural e a prática da produção de texto. Partimos do conceito de gênero textual, de forma que, a partir do contato com o texto, os alunos entendessem sua tessitura, suas características, e se apropriassem de suas marcas. Nossa questão central era a produção autônoma de texto a partir do contato com textos, sem a preocupação com a gramática formativa. Essa seria uma questão a ser trabalhada a partir das necessidades encontradas na própria produção. Esse trabalho foi realizado no primeiro semestre de 2015, na disciplina de Comunicação: leitura e produção de texto. O objetivo central dessa disciplina é colocar os alunos em contato profundo com a produção textual, afim de aperfeiçoar cada vez mais suas habilidades com a escrita. Para cumprir com tal objetivo é preciso, antes de tudo, ler. Assim é que nessa disciplina lemos muito, desde contos de fada - que permearam a infância de muitos - até Leite Derramado, de Chico Buarque. Afinal, para que possamos encontrar nossas próprias palavras é preciso que, antes, conheçamos as daqueles que nos precederam. Para a produção de texto, o resgate da memória foi o principal instrumento metodológico usado. Na busca por uma temática cativante que possibilitasse aos alunos a elaboração de textos de forma prazerosa, surgiu este projeto, intitulado "Minha História, Nossa História", cuja principal estratégia é o resgate da memória para o aprimoramento da escrita.

O DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO O texto que nos serviu de ponto de partida foi Leite Derramado de Chico Buarque, que nos traz um relato de memórias de um homem muito velho que vai desfiando a história de sua família, uma família tradicional, através de um discurso embaralhado. "O narrador colhe o que narra na experiência, própria ou relatada. E

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transforma isso outra vez em experiência dos que ouvem sua história." (Benjamin, p.60, 1983) Dessa forma, os alunos foram instigados a pesquisar sobre suas origens, suas famílias, suas heranças para que, depois, pudessem contar, através da escrita, suas próprias histórias. Os alunos são sujeitos da História e, ao pesquisar e compreender sua própria história, encaixando-a dentro da História, serão capazes de entendê-la como conhecimento e como experiência. É preciso que vejam a História - e as pequenas histórias que a compõem - e participem dela. Os relatos das conversas com pais, avós, tios e tias começou a dar corpo ao produto final - o livro das histórias daquela turma. Muitas versões dos textos foram produzidas até que se chegasse ao produto final. Nas palavras do personagem William Forrester, do filme Encontrando Forrester: "Você deve escrever o seu primeiro rascunho com o seu coração. Depois você reescreve com a sua cabeça. A primeira chave para a escrita é... escrever, e não pensar! " Um acompanhamento contínuo dos alunos, e uma produção freqüente de textos (não só daqueles relacionados a este projeto; trabalhou-se com diferentes gêneros textuais para que os alunos adquirissem um rico repertório de produção textual) permitiu que cada um deles, cada um de uma maneira especifica e peculiar, pudesse evoluir em suas habilidades escritas. No decorrer desse trabalho até pude sentir aquele cheirinho de infância no ar da bagunça das fotos espalhadas pelo chão. É bom falar daqueles que não conhecemos, mas crescemos ouvindo suas histórias. É bom falar daqueles com quais convivemos, porem já se foram. É bom falar daqueles com os quais crescemos junto, e também daqueles que nos colocaram no mundo. Toda vida trás boas histórias pra contar, e para que ela não morra conosco, temos que compartilhá-las. Deveria ser proposto a todo ser humano que publicasse sua história pelo menos uma vez na vida, só pela experiência de resgatar o que já passou . Rimos, choramos e aprendemos muito com as nossas histórias. E digo mais, todos nós somos constituídos por ela! SIM, átomos, células, cérebro, coração e HISTÓRIAS, porque não? (RELATO DE ALUNA) Talvez um feriado nacional: O DIA MUNDIAL DAS HISTÓRIAS, onde todas as pessoas do mundos e reunissem para contar suas historias de vida (RELATO DE ALUNA)

Além das atividades realizadas em sala de aula, foi realizada, também, uma visita ao Museu da Imigração do Estado de São Paulo, antiga Hospedaria dos Imigrantes, para que os alunos pudessem entrar em contato com múltiplas histórias e origens, com as lembranças daquelas pessoas que vieram de longe e que foram parte importante na constituição tanto da cidade de São Paulo como do Brasil. A intenção era levar os alunos a perceber que essas histórias não podem ser encaradas apenas como

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algo que pertence exclusivamente ao passado; elas devem ser entendidas como construtoras do presente, já que continuam reverberando nos dias de hoje. Além disso, é preciso ter consciência de que essas diferentes trajetórias, esse contato e essa mistura de pessoas tão diferentes umas das outras é um fenômeno permanente na história da humanidade, e é preciso aproximá-las de nossas próprias experiências e fomentar diálogos para que assim seja possível contribuir para uma melhor compreensão do presente e para o estabelecimento de uma cultura do respeito às diversidades. A seguir apresentamos alguns trechos dos relatos de visita produzidos pelos alunos. Em minha opinião é sempre bem vindo histórias que trata do nosso passado, para que possamos aprender e não repetir crueldades cometidas e melhorar fazendo o bem a todos (RELATO DE ALUNA) O que mais me chamou a atenção foi um muro de madeira gigantesco, e nele estava escrito vários sobrenomes diferentes. Tinha nome russo, italiano, português, espanhol, francês, japonês etc. A visita ao museu foi muito legal, pudemos conhecer um pouco mais sobre os imigrantes e sobre os nossos antepassados. A visita proporcionou um enriquecimento cultural e histórico (RELATO DE ALUNO) Tudo o que temos que aprender, em questão de valores, está guardado no coração das nossas histórias, junto com os ensinamentos dos nossos avós, avós dos avós e avós dos avós dos avós. É preciso resgatar, para nunca perdermos nossas origens. A vida pode tirar de você a sua memória, mas ela jamais será perdida se estiver sido contada a outrem (RELATO DE ALUNA)

CONCLUSÃO Ao final do semestre montamos o livro com as histórias de cada um. Além do texto, compuseram esse livro, fotos de família que os alunos coletaram com pais, avós... Estão ali as histórias pessoais, familiares de cada um dos alunos, suas experiências, suas vivências, alegrias e dores. Boas lembranças, outras nem tão boas assim mas, são lembranças e fatos que fizeram de cada um o que cada um é hoje. Daqui pra frente não tenho mais como escrever, pois os próximos capítulos dessa história vou ainda viver. Sei que virão muitas alegrias, dificuldades, momentos de tristezas também, assim como foi ate agora, mas a superação está presente em qualquer história. E o mundo é cheio delas... Histórias que já se acabaram, histórias que ainda não foram contadas, histórias que estão em segredos. Há histórias boas, ruins e engraçadas, talvez tudo isso ou quase nada. Todas as histórias deveriam ser contadas, contar nossa própria história é como entrar em uma maquina do tempo, podemos reviver os momentos através das nossas lembranças. (RELATO DE ALUNA)

O que este trabalho deixou claro é a importância que o contato com a nossa própria historia - e através dela, o contato com a História - para o desenvolvimento de um entendimento acerca do presente, tanto o nosso como o geral.

Então, vamos

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descobrindo, vamos escrevendo nossa história, buscando no passado o compreender o presente e, no presente, gestar nosso futuro e assim, compreendermos quem somos. A memória é um dos alicerces que dão sentido à vida; os erros e acertos do passado ajudam a entender o presente e planejar um futuro; é refletir sobre a história, não somente a nossa, mas também a de outros sujeitos, descobrindo valores e renovando vínculos; é olhar para o passado, mas não apenas como alguém que recorda, mas sim como alguém que exercita planejar ações futuras. Resgatar (e preservar) a memória, não é apenas resgatar aquilo que já passou, mas também é compreender as diferenças e reconhecer os limites; é entender-se enquanto indivíduo integrado a um todo, enquanto sujeito de direitos e deveres; é ter referenciais consistentes para que se possa construir no presente uma verdadeira práxis, em que reflexão e prática andem lado a lado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENJAMIN, Valter O narrador. In: BENJAMIN,W.; HORKHEIMER, Max; ADORNO, T.W.; HABERMAS, J. Textos Escolhidos. Coleção Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1883. P.57-74 ENCONTRANDO Forrester. Direção de Gus Van Sant. EUA: Columbia Pictures. 2000. 1 DVD. (136min.). son., color., leg.

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