O ressarcimento ao SUS pelos planos de saúde suplementar (e o mito da gratuidade da saúde pública)

September 26, 2017 | Autor: Ricardo Perlingeiro | Categoria: Saúde Coletiva
Share Embed


Descrição do Produto

Nº CNJ RELATOR

: 0004788-49.2004.4.02.5101 : JUIZ FE DE RAL CONVOCADO RICARDO PERLINGEIRO APELANTE : SEISA SERVICOS INTEGRADAS DE SAUDE LTDA ADVOGADO : DAGOBERTO JOSE STEINMEYER LIMA E OUTROS APELADO : AGENCIA NACIONAL DE SAUDE SUPLEMENTAR - ANS P ROCURAD : LEONARDO MONTANHOLI DOS SANTOS OR ORIGEM : QUI NT A VARA F E DE RAL DO RI O DE JANEIRO (200451010047880)

RELATÓRIO Cuida-se de apelação interposta por SE ISA SE RVIÇOS INTEGRADAS DE SAUDE LTDA em face da AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR – ANS, buscando a reforma de sentença que julgou improcedentes os pedidos, entendendo pela constitucionalidade do pagamento previsto no art. 32 da Lei nº 9.656/98 e pela validade das cobranças realizadas pela Agência Reguladora (v. fls. 2.876/2.882). Sustentou a Demandante a inconstitucionalidade formal e material do ressarcimento ao SUS, além da nulidade das Resoluções da ANS regulamentadoras da cobrança, por ofensa aos princípios da legalidade, do contraditório e da ampla defesa. Alegou, ainda, não serem cabíveis os pagamentos referentes a contratos anteriores à vigência da Lei 9.656/98, em respeito ao ato jurídico perfeito, bem como aduziu o descumprimento de requisitos contratuais nas cobranças realizadas pela Autarquia. Por fim, argumentou pela impossibilidade de sua inclusão no CADIN, ou mesmo da inscrição do suposto débito em dívida ativa (v. fls. 2.903/2.931). Contrarrazões às fls. 2.943/2.965. É o relatório. Peço dia para julgamento. RICARDO PERLINGEIRO Juiz Federal Convocado

VOTO O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL CONVOCADO RICARDO PERLINGEIRO: (RELATOR) Como relatado, cuida-se de apelação interposta por SEISA SERVIÇOS INTEGRADAS DE SAUDE LTDA em face da AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR – ANS, buscando a reforma de sentença que julgou improcedentes os pedidos, entendendo pela constitucionalidade do pagamento previsto no art. 32 da Lei nº 9.656/98 e pela validade das cobranças realizadas pela Agência Reguladora (v. fls. 2.876/2.882). A saúde é um direito público subjetivo, porém sua exigibilidade da Administração não está necessariamente associada à gratuidade. A prestação de direitos fundamentais pode reclamar dos beneficiários uma contraprestação financeira, a critério do poder público, que, contudo, neste caso, não poderia deixar de considerar a situação financeira individual de cada cidadão. Nesse contexto, encontra-se na margem de discricionariedade política do legislador conceder à Administração o poder de cobrar indiretamente dos usuários do SUS, por meio das operadoras de saúde, e mediante ressarcimento, sempre que houver cobertura privada para um serviço efetivamente prestado pela rede pública ou credenciada do SUS. Não obstante, o acesso direto aos serviços do SUS segue universal e gratuito. É, ademais, constitucional o art. 32 da Lei 9.656/98, segundo jurisprudência predominante. Porém, importa saber se o serviço prestado encontra-se ou não previsto em contrato, pois não se deseja que a operadora financie os serviços de saúde em geral, mas apenas que restitua o que teria recebido para prestar um serviço que acabara sendo ofertado pela Administração. Tampouco caberia ao usuário financiá-lo, ainda que indiretamente (por meio da operadora), eis que, a rigor, teria acesso gratuito àquele mesmo serviço de saúde em igualdade de condições com os demais beneficiários do SUS não contemplados com planos privados de saúde. Neste ponto, entretanto, necessário se faz que o Demandante indique claramente qual serviço de saúde cobrado não tem lastro contratual, não

sendo suficientes alegações e documentos genéricos. Examinando os documentos constantes dos autos, verifica-se que, quanto às AIH’s nos 20309054517, 2322477619, 2314517216, 2319029724, 2312220890, 2319118990 e 2322916442 (v. fls. 2.961/2.965), a natureza do serviço prestado é elemento de prova suficiente para demonstrar que o atendimento ocorreu com observância dos requisitos contratuais. Também deve ser considerado que, uma vez indicado pela ANS a natureza do procedimento, com a sua inclusão contratual, competia à parte contrária fazer prova técnica em sentido diverso. De outro lado, havendo demonstração de que o serviço prestado ocorreu em data posterior à vigência do contrato de saúde, assiste razão ao Demandante (ainda que não tenha sido comunicado administrativamente à ANS o desligamento do segurado ou juntado aos autos a comprovação da notificação da inadimplência, circunstância que interessa apenas à relação entre beneficiário e seguradora). Dessa forma, anulam-se as AIH’s nos 2179150160, 2308990002, 2309040734, 2323030370 e 23224744994 (v. fl. 2.925). Também assinalo que, para o fim de ressarcimento em favor da Administração, deve ser considerada a data da prestação do serviço e não a data da assinatura do contrato entre a operadora e o usuário. Na verdade, não se discute a relação entre os contratantes, mas a previsão de pagamento por um serviço público de saúde. Daí ser inaplicável a alegação de ofensa a ato jurídico perfeito. Uma vez admitido o seu cabimento, a concretização do ressarcimento deve se aproximar ao máximo da realidade. Os critérios adotados pela ANS (TUNEP – Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos) para fixar o valor de ressarcimento são fruto de procedimento administrativo participativo técnico-científico, desenvolvido por equipe multidisciplinar. O seu questionamento em sede jurisdicional é admissível desde que mediante prova técnica e, ainda assim, se acessível aos limites cognitivos do juiz, de modo que este não seja relegado a um segundo plano e a lide, na realidade, decidida por peritos (caso em que estaríamos diante de uma discricionariedade técnica insuscetível de controle jurisdicional). Quanto aos procedimentos para apurar o ressarcimento, aos interessados deve ser assegurado ampla defesa e contraditório efetivo, o que corresponde ao “direito de ser informado da instauração do processo e de todas as fases e medidas subsequentes, podendo o interessado acompanhá-lo e apresentar argumentos, dados, documentos e provas a seu favor” (Proposta

de Código-modelo de processos administrativos - judiciais e extrajudiciais – para Ibero-américa). Contudo, não é inconstitucional ou ilegal o procedimento instituído pelas resoluções da ANS, enquanto não significarem negativa de acesso à outra via, sempre que a solução advinda possa ser mais favorável ao interessado por influência de argumentos vedados naquele procedimento. Neste caso, facultar-se-ia ao interessado, valendo-se da lei de procedimento administrativo, provocar a Administração a uma decisão quanto ao ponto específico que esteja impedido de discutir nos procedimentos das Resoluções da ANS e que, igualmente, seja determinante para a procedência da sua pretensão. Finalmente, vale assinalar que a simples apresentação de uma demanda judicial, ao contrário de alguns sistemas estrangeiros (Código alemão de jurisdição administrativa/VwGO, §80; Código português de processo nos tribunais administrativos, art. 128), não implica suspensão automática do ato administrativo. Para tanto, necessita-se do oferecimento de garantia pelo próprio interessado ou de medida jurisdicional de urgência, ante o periculum in mora e fumus boni iuris. Inadmissível, tal como almejado, o pedido de exclusão da inscrição no CADIN. Improcedente em parte o pedido na esteira dos precedentes STF, ADIn. 1931, julg. 21/01/2003; TRF2, Súmula 51; TRF 2ª Região, AC 461432, Rel. Des. Fed. Frederico Gueiros. Julg. 08/08/2011; TRF 2ª Região, AC 522335, Rel. Des. Fed. Guilherme Couto, julg. 08/08/2011; TRF 2ª Região, AC 465307, Rel. Des. Fed. GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, julg. 28/03/2011; STJ, AgRg/REsp 1105308, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, julg. 16/04/2009. Assim, dou provimento parcial à Apelação, apenas para anular as AIH’s nos 2179150160, 2308990002, 2309040734, 2323030370 e 23224744994, nos termos da fundamentação acima. Ante a sucumbência recíproca, determino a compensação dos honorários advocatícios, nos termos do art. 21 do CPC. É como voto. RICARDO PERLINGEIRO Juiz Federal Convocado EMENTA APELAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. PLANO PRIVADO DE SAÚDE.

RESSARCIMENTO AO SUS. CONTRATOS ANTERIORES À LEI Nº 9.656/98. VALORES DA TUNEP. PROCEDIMENTOS INSTITUÍDOS PELA ANS. OBSERVÂNCIA DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. SERVIÇO PRESTADO APÓS A VIGÊNCIA DO CONTRATO. INSCRIÇÃO NO CADIN. SÚMULA 51 DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO E PRECEDENTES. 1. O art. 32 da Lei 9.656/98 rompe com o mito da gratuidade do serviço público de saúde (que não tem lastro constitucional) ao valer-se da discricionariedade política do legislador e dispor que os serviços prestados junto ao SUS serão indiretamente pagos pelos usuários, por meio das operadoras de saúde e nos limites dos contratos com elas mantidos. 2. Para o fim de ressarcimento em favor da Administração, deve ser considerada a data da prestação do serviço e não a data da assinatura do contrato entre a operadora e o usuário. Inocorrência de ofensa a ato jurídico perfeito. 3. A revisão jurisdicional dos critérios adotados pela ANS (TUNEP – Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos) é admissível desde que mediante prova técnica e, ainda assim, se acessível aos limites cognitivos do juiz, de modo que este não seja relegado a um segundo plano e a lide, na realidade, decidida por peritos (caso em que estaríamos diante de uma discricionariedade técnica insuscetível de controle jurisdicional). 4. Não é inconstitucional ou ilegal o procedimento instituído pelas resoluções da ANS, enquanto não significarem negativa de acesso à outra via, sempre que a solução advinda possa ser mais favorável ao interessado por influência de argumentos vedados naquele procedimento. 5. É importante saber se o serviço prestado encontra-se ou não previsto em contrato, pois, não se deseja que a operadora financie os serviços de saúde em geral, mas apenas que restitua o que teria recebido para prestar um serviço que acabara sendo ofertado pela Administração. Entretanto, necessário se faz que o Demandante demonstre claramente qual serviço de saúde cobrado não tem lastro contratual, não sendo suficientes alegações e documentos genéricos. Examinando os documentos constantes dos autos, verifica-se que, quanto às AIH’s impugnadas, a natureza do serviço prestado é elemento de prova suficiente para demonstrar que o atendimento ocorreu com observância dos requisitos contratuais ou em função de uma emergência ou urgência. Também deve ser considerado que, uma vez indicado pela ANS a natureza do procedimento e o seu caráter de emergência ou urgência, com a sua inclusão contratual, competia à parte contrária fazer prova técnica em sentido diverso. 6. Havendo demonstração de que o serviço prestado ocorreu em data

posterior à vigência do contrato de saúde, assiste razão ao Demandante (ainda que não tenha sido comunicado administrativamente à ANS o desligamento do segurado ou juntado aos autos a comprovação da notificação da inadimplência, circunstância que interessa apenas à relação entre beneficiário e seguradora). 7. A simples apresentação de uma demanda judicial não implica suspensão automática do ato administrativo (exclusão da inscrição no CADIN); para tanto, necessita-se do oferecimento de garantia pelo próprio interessado ou de medida jurisdicional de urgência, ante o periculum in mora e fumus boni iuris. 8. Precedentes do STF, ADIn. 1931, julg. 21/01/2003; TRF2, Súmula 51; TRF 2ª Região, AC 461432, Rel. Des. Fed. FREDERICO GUEIROS. Julg. 08/08/2011; TRF 2ª Região, AC 522335, Rel. Des. Fed. GUILHERME COUTO, julg. 08/08/2011; TRF 2ª Região, AC 465307, Rel. Des. Fed. GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, julg. 28/03/2011; STJ, AgRg/REsp 1105308, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, julg. 16/04/2009. 9. Dado parcial provimento à Apelação. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quinta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à Apelação, na forma do relatório e do voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte do presente julgado. Rio de Janeiro, 18 de outubro de 2011 (data do julgamento). RICARDO PERLINGEIRO Juiz Federal Convocado

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.