O RIO SÃO FRANCISCO NA LITERATURA BRASILEIRA: DEOCLECIANO MARTINS DE OLIVEIRA, PROGRESSO E MODERNIZAÇÃO NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX

May 20, 2017 | Autor: Nilva Pereira | Categoria: História e Literatura, Historia Social Y Cultural, Historia Regional y Local
Share Embed


Descrição do Produto

UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DA BAHIA – UFOB CENTRO DAS HUMANIDADES

NILVA PEREIRA DOS SANTOS

O RIO SÃO FRANCISCO NA LITERATURA BRASILEIRA: DEOCLECIANO MARTINS DE OLIVEIRA, PROGRESSO E MODERNIZAÇÃO NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX.

BARREIRAS, BA 2016

NILVA PEREIRA DOS SANTOS

O RIO SÃO FRANCISCO NA LITERATURA BRASILEIRA: DEOCLECIANO MARTINS DE OLIVEIRA, PROGRESSO E MODERNIZAÇÃO NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX.

Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de Licenciatura em História pela Universidade Federal do Oeste da Bahia, sob orientação do Professor Me. Flávio Dantas Martins.

BARREIRAS, BA 2016

FICHA CATALOGRÁFICA

S237

Santos, Nilva Pereira dos. O Rio São Francisco na literatura brasileira: Deocleciano Martins de Oliveira, progresso e modernização nas primeiras décadas do século XX. / Nilva Pereira dos Santos. – 2016. 60 f. Orientador: Prof. M.Sc. Flávio Dantas Martins. Trabalho de Conclusão de Curso: (Graduação em História) – Universidade Federal do Oeste da Bahia. Centro de Humanidades, Barreiras, 2016. 1. Rio São Francisco. 2. Deocleciano Martins de Oliveira Filho. 3. Sertão. 4. História e Literatura. 5. Barra-Bahia. I. Martins, Flávio Dantas. II. Universidade Federal do Oeste da Bahia – Centro de Humanidades. III. Título.

CDD: 918.142

SIBI UFBA/UFOB - Biblioteca Universitária de Barreiras

À Deus, força motora da minha vida. À família e amigos pelo apoio.

AGRADECIMENTOS

Assim como diz Marthin Luther King: “Talvez não tenha conseguido fazer o melhor, mas lutei para que o melhor fosse feito. Não sou o que deveria ser, mas graças a Deus, não sou o que era antes”. Até chegar a esse momento, que não é o fim, ainda há uma longa jornada pela frente, foi preciso muito esforço, paciência e determinação. Jamais chegaria até aqui sozinha. O caminho foi longo e nele encontrei pessoas que de alguma forma contribuíram para o êxito deste trabalho e é a elas que direciono os meus agradecimentos. Primeiramente, agradeço a Deus pelo dom da vida, por ser a força motora que rege o meu caminho. Agradeço aos meus pais, Odílio e Sidália, pelos sacrifícios que tiveram que fazer ao longo da vida pra criar e educar todos os seus filhos, pela preocupação para que andássemos sempre pelo caminho correto. Aos meus irmãos que sempre estiveram ao meu lado, a compreensão e o apoio foram muito importantes para a conclusão desta etapa. À minha irmã Gesilda, também colega de curso, na nossa convivência diária, sempre presente, me ajudando no que fosse preciso nesses anos de estudos. Agradeço a todos os professores do curso, Alex Alvarez, Bruno C. Pessoti, Pablo Antônio I. Magalhães, Lucas Junqueira, Rafael Sancho, Alex Costa, por todo o apoio e atenção durante as aulas ministradas e por estarem sempre dispostos a atender e ajudar no que fosse preciso. Em especial, agradeço ao professor Flávio Dantas Martins que com muita atenção dedicou do seu tempo para me orientar neste trabalho. Por ter me acompanhado desde a escolha do tema a ser pesquisado, me apresentando a literatura de Martins de Oliveira, até o momento final. Não poderia deixar de agradecer também ao professor Diego Carvalho Corrêa por ter aceitado participar da banca. Suas sugestões foram de grande importância para as revisões finais do trabalho e para o meu aprendizado. Aos meus colegas do curso, em particular à Andreia Queiroz, Kássia Maria de Carvalho e Sandra Fonseca, pois em vocês encontrei uma amizade verdadeira e que as aulas durante todos esses anos não seriam a mesmas se não estivéssemos todas juntas. À todos que, mesmo não estando citados aqui, colaboraram para a conclusão deste trabalho, meu muito obrigado.

RESUMO

A pesquisa analisa a proposta de modernização de Deocleciano Martins de Oliveira Filho (1906-1974), revelando suas atuações para que o progresso pudesse chegar à região sãofranciscana, tomando como ponto de partida as suas obras de contos e romances, publicadas nos anos de 1931 a 1942, que compõem o “Ciclo do Rio São Francisco”. Temas relacionados ao rio São Francisco, dados históricos e socioeconômicos, são assuntos que foram debatidos e escritos entre diversos intelectuais na década de 1930 e que procuraram mostrar a potencialidade econômica desta região, que nas suas visões, iriam contribuir para o progresso regional e nacional. A literatura de Deocleciano não é diferente. Para a crítica literária, sua escrita busca o que é considerado de mais autêntico no que diz respeito às tradições regionais do vale do São Francisco, as raízes históricas e culturais do povo. O ficcionista procurou mostrar em suas obras um conjunto de assuntos que pudessem caracterizar esta região, conduzindo parte de seus estudos no folclore e na religiosidade. Neste contexto, utilizo sua obra de ficção publicada no período mencionado como fontes e objetos para demonstrar seu desempenho no sentido de convencer e pressionar os governantes para que os mesmos pudessem voltar seus olhos para esta região. Sua intenção era que o Estado pudesse adotar a tarefa de construir, de transformar e de levar melhorias para o desenvolvimento da região. Deocleciano Martins de Oliveira foi um homem das letras que atuou no cenário jurídico, jornalístico e social brasileiro, bem como no cenário artístico como poeta, pintor e escultor. Defendeu e tentou buscar soluções para as problemáticas da região são-franciscana.

Palavras-Chave: Rio São Francisco. Deocleciano Martins de Oliveira Filho. Sertão. História e Literatura. Barra-Bahia.

ABSTRACT The research analyzes the proposal of modernization of Deocleciano Martins de Oliveira Filho (1906-1974), revealing his actions so that progress could reach the region of São Francisco, taking as a starting point his works of tales and novels, published in the years From 1931 to 1942, which make up the "São Francisco River Cycle". Topics related to the São Francisco River, historical and socioeconomic data, are subjects that were debated and written among several intellectuals in the 1930s and who sought to show the economic potential of this region, which in their visions, would contribute to regional and national progress. Deocleciano literature is no different. For literary criticism, his writing seeks what is considered most authentic in regard to the regional traditions of the San Francisco valley, the historical and cultural roots of the people. The fictionist sought to show in his works a set of subjects that could characterize this region, leading part of his studies in folklore and religiosity. In this context, I use his work of fiction published in the mentioned period as sources and objects to demonstrate his performance in the sense of convincing and pressing the rulers so that they could turn their eyes to this region. Its intention was that the State could adopt the task of building, transforming and bringing improvements to the region's development. Deocleciano Martins de Oliveira was a man of letters who worked in the Brazilian legal, journalistic and social scene, as well as in the artistic scene as poet, painter and sculptor. He defended and tried to find solutions to the problems of the Franciscan region.

Keywords: San Francisco River. Deocleciano Martins de Oliveira Filho. Hinterland. History and Literature. Bar-Bahia.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 7 CAPÍTULO I – DEOCLECIANO MARTINS DE OLIVEIRA: TEMÁTICA SÃOFRANCISCANA NA PROSA FICCIONAL ........................................................................... 13 1.1 Primeiros passos: conhecendo sua história ......................................................................... 16 1.2 Ciclo do Rio São Francisco: conhecendo suas obras ......................................................... 22 CAPÍTULO II – AS PAISAGENS DO SERTÃO NA LITERATURA: NÚCLEOS URBANOS E RURAIS ............................................................................................................ 28 2.1 Paisagens Sertanejas: cotidiano das cidades ribeirinhas do Vale do São Francisco .......... 29 2.2 Fazendas: paisagens fundamentais do sertão do São Francisco ......................................... 37 CAPITULO III - PROGRESSO E MODERNIZAÇÃO NA OBRA DE MARTINS DE OLIVEIRA ............................................................................................................................... 44 3.1 Fundamentos teóricos – progresso / modernidade ............................................................. 44 3.2 Diagnósticos do atraso: o “drama do progresso”................................................................ 47 3.3 Projetos de progresso: técnica, ciência. .............................................................................. 51 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 56 FONTES E REFERÊNCIAS: ................................................................................................... 59

7

INTRODUÇÃO

A literatura analisada como documento oferece informações de conteúdo histórico. Na percepção de Valter Guimarães Soares, durante muito tempo o mundo ocidental não distinguiu tão claramente realidade de ficção;

De qualquer modo, a segunda metade do século XIX pode ser colocada como marco referencial da ruptura entre história e literatura, quando se instaura a hegemonia do modelo de interpretação positivista e suas postulações de objetividade. Realidade e ficção ganham estatutos opostos. Sacraliza-se a história como sistema da ciência, lugar da verdade na apreensão do real, e a literatura como sistema da arte, território do fictício, da subjetividade e do imaginário 1.

Tal como a Literatura, a História também tem seu lado fictício. A aproximação de ambas são possíveis, podendo ser consideradas duas formas de representar o mundo partindo de mecanismos diferentes. Sobre esta questão, Ricoeur admite a ficcionalização da História, presente na capacidade imaginária desta narrativa, de construir uma visão sobre o passado e de se colocar como substitutiva a ele. “A ficção é quase História, assim como a História é quase ficção”2. Em outros termos, Soares considera a literatura e a história como leituras possíveis da recriação do “real”, uma vez que os discursos não apenas representam, mas também instituem a realidade, instauram imaginários e práticas sociais 3 . Nesta medida, a História e Literatura são formas de dar a conhecer o mundo, mas só a História tem a pretensão de chegar ao real acontecido4, ou só representar uma forma do real possível. A literatura de Martins de Oliveira, objeto principal deste trabalho, traz um denominador comum entre a História e a ficção, no qual busca retomar o passado instituindo a narrativa realidade da região são-franciscana. Deocleciano Martins de Oliveira foi um ficcionista baiano que fez das margens do Rio São Francisco cenário para suas histórias e dos tipos que lá viviam seus personagens. Nasceu na cidade de Barra/BA em 1906 e mudou-se aos 17 anos de idade para Cuiabá, onde concluiu seu curso ginasial e passou a contribuir nos periódicos locais. Posteriormente foi para o Rio de Janeiro onde diplomou-se em estudos jurídicos e sociais. Foi auditor de guerra, comissário de polícia, juiz de direito do antigo Distrito Federal e, finalmente, desembargador do Rio de 1

SOARES, Valter Guimarães. História e Literatura: é possível sambar? UEFS, 2009. RICOUER, Paul. Tempo e narrativa, tomo III. Campinas-SP: Papirus, 1997. P. 329. 3 SOARES, Valter Guimarães. Op. cit. p. 04. 4 PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2014. P 55. 2

8

Janeiro. Diante das mudanças e dos anseios de progresso para a sua cidade natal, bem como para toda a região do Vale São Francisco, Deocleciano Martins de Oliveira sentiu a necessidade de marcar a passagem da civilização pastoril para a civilização industrial5. Foi assim que ficou conhecido também como “escultor da justiça”6, no qual povoou as cidades ribeirinhas com suas esculturas. Seu objetivo era marcar este divisor de culturas, apontando os valores do passado e os valores do presente. Para ele esta ligação de passado, presente e futuro era indispensável7. O potencial da literatura do autor barrense está nas suas características regionalistas, tendo o sertão como repositório do caráter nacional. Trabalhar com suas obras é uma forma de trazê-las a conhecimento não só as novas gerações, mas também a todos os leitores, pois são escritos, conforme a crítica literária, ricos em informações históricas. Ele que foi capaz de fornecer dados históricos que representam as paisagens do mundo sertanejo são- franciscanos. Procurou narrar detalhadamente as cidades, a fazenda, as famílias, os remeiros com suas histórias e crenças e os mitos que povoavam o rio São Francisco. Oliveira foi um memorialista que escreveu histórias de sua cidade. Narrou acontecimentos no qual ele considerava marcante a sua própria vida. Acontecimentos estes que caracterizavam não só os lugares da região do São Francisco, mas também as pessoas. Analisar a literatura de Martins de Oliveira foi motivado por duas razões, primeiro porque sua ficção tem como cenário principal o rio São Francisco e traz elementos que configuram uma narrativa da identidade do povo sertanejo das beiradas (povo ribeirinho que vivem as margens do rio São Francisco). Segundo, sua escrita ambicionava ser a voz de reivindicação das populações ribeirinhas, visto por ele como esquecidos. Retrata, seja nos contos ou nos romances, sua vontade de protestar aos políticos para que olhassem para essa gente que lutava dia e noite nas margens do grande rio. Portanto, o objetivo deste trabalho é analisar e discutir a proposta de modernização para o desenvolvimento dos sertões do São Francisco e mostrar as reinvindicações do autor para solucionar os problemas.

A definição do autor para o termo “passagem da civilização pastoril para a industrial” se deu diante da sua animação para a mudança. Momento em que os governantes deixaram de ser indiferentes, passando a encarar e resolver vários problemas na região e assim iniciando um novo ciclo. OLIVEIRA, Deocleciano Martins de. Procuro o menino. Obra Póstuma. Rio de Janeiro: Cátedra, 1976. P. 15. 6 Termo designado à Martins de Oliveira pelo fato do mesmo atuar em diversas áreas. Além de atuar no cenário jurídico, destacou-se também no campo das artes, dedicando-se as esculturas de bronze. Algumas de suas estatuas, nas quais representam a “lei”, a “Justiça”, a “Equidade” e o “Testemunho”, estão no entorno do Fórum no Centro do Rio de Janeiro. 7 Oliveira, Deocleciano Marins de. Op. Cit., p. 15. 5

9

Para tal proposito, utilizo como material de análise as suas obras que compõem o “Ciclo do Rio São Francisco”: as coletâneas de contos No país das Carnaúbas (1931), Marujada (1936) e os romances Caboclo d’água (1938) e Os Romeiros (1942) – 2ª edição (1973). As narrativas representam os caracteres regionais mostrando o cotidiano do povo, seja na cidade ou nas fazendas. Identifica os problemas econômicos, políticos e morais do povo sertanejo e defende projetos para solucioná-los. Suas escritas dirigem-se também para a religiosidade e para a mitologia, focando nos seres encantados e poderosos que vivem no rio e nas florestas. A partir das suas representações procuro identificar os seus propósitos e ideais de progresso que estão anunciados e implícitos no seu discurso no qual despertou e possibilitou o foco desta pesquisa. No intuito de sensibilizar os governantes com os problemas humanos e a vida precária da região, Martins de Oliveira descreve em suas narrativas, não só o cais como um espaço único do sertão do São Francisco, onde tudo acontece, mas também descreve muito bem as cidades, que pouco são referenciadas por outros autores e pelos viajantes. É nas cidades que o autor descreve as famílias tradicionais, a educação, o cotidiano dos habitantes. Menciona a família Mariani, cuja influência política dominava Barra e eram conhecidos pelo partido político de nome “Rabudo”. Faz referências às festas, a exemplo da Marujada e São João, que são festas religiosas populares. Na sua visão folclorista, Oliveira traz nos seus romances e contos as descrições dos costumes regionais, como as crenças, os mitos e superstições que povoam o rio e todo o seu cenário regional. As crenças dos ribeirinhos, muitas vezes eram associadas à religião, ou seja, havia certa ligação entre o catolicismo popular e a crença em algum ser místico do rio. Como estão presentes nas obras de Martins de Oliveira quadros que designam o povo do interior e os lugares privilegiados do sertão, intenciono estabelecer um diálogo com outros autores que também abordam questões voltadas para o sertão do São Francisco como, por exemplo, Orlando M. de Carvalho que falou de questões econômicas, culturais, mitos e o potencial econômico do rio São Francisco. Euclides da Cunha, que retrata muito bem o sertão e é muito influente como referência entre os que falam sobre o rio São Francisco como fator geográfico da unidade nacional. Para mostrar que o rio não é somente o “rio da integração” há o autor Zanoni Neves, que através da história da navegação no rio São Francisco, menciona em sua obra uma categoria profissional que para ele institui como classe social – os remeiros – moços de barca, que vivem exclusivamente do rio e contribuíam para uma melhor articulação econômica e social na região, pois são responsáveis em operar a ligação

10

campo/cidade, transportando pessoas e mercadorias ao longo de pequenos trechos do rio. Por fim, temos a bibliografia de Geraldo Rocha, que aborda aspectos diversos, questões que vão da história da sociedade do rio São Francisco e o cotidiano de vaqueiros e remeiros até o potencial energético e para agricultura irrigada do vale. Com a demanda em torno da modernização do sistema de transportes fluviais, muitos projetos hidráulicos foram iniciados no decorrer do século XIX. O rio São Francisco se tornou um elemento crucial para promover a integração inter-regional e o escoamento comercial de vários centros produtivos do interior do país, além de difundir o progresso por toda a região. Entretanto, os projetos para o rio não se basearam somente em interesses sociais, mas precisaram levar em consideração também aspectos físicos fluviais8. “Assim, o rio despontava como objeto de disputa entre diversos projetos viários”9. Aproveitar o curso do rio São Francisco para a navegação a vapor ia bem além de questões econômicas. Mais do que apenas incrementar o mercado interno e consolidar a inserção no comércio internacional capitalista, aquela seria uma medida de valor político estratégico. Com o território profundamente fragmentado, com muitas regiões isoladas entre si desde antes do governo monárquico inaugurado em 1822, os chamados sistemas de comunicação mostraram-se mecanismos vitais aos projetos de consolidação do poder e da unidade imperial10.

Projetos diversos foram criados para se ter um melhor aproveitamento econômico do vale. A criação dos chamados sistemas de comunicação e transportes possibilitaria levar com mais rapidez aos lugares mais isolados da região, as ações administrativa, as políticas públicas, ou seja, um maior controle do Estado nesta localidade. Devido a distância dessas localidades, essas ações administrativas já chegavam enfraquecidas ou até mesmo não chegavam. Pensando em todas essas questões é que foi requisitada pelos deputados, ainda no século XIX, a criação de uma Província ou Estado do São Francisco, demonstrando que a região sempre esteve num lugar de prioridade das atenções e na disputa de diversos interesses. Gabriel Oliveira, em estudo sobre o debate parlamentar e técnico em torno do aproveitamento econômico do vale mostra a existência de miragens de potencial ilimitado de riqueza agrícola e pecuária e disputa de grupos das províncias de Minas Gerais, Bahia, Alagoas, Ceará, Pernambuco e Corte em torno do controle do acesso através de meios de transporte modernos ao vale. 8

OLIVEIRA, Gabriel Pereira de. O rio e o caminho natural: propostas de canais do São Francisco, aspectos físicos fluviais e dinâmicas políticas no Brasil Império (1846-1886). Dissertação de Mestrado, UFMG. 2015. 198 páginas. 9 Idem, p. 18. 10 OLIVEIRA, Gabriel Pereira de. Op. cit. p. 29.

11

No século XX, especialmente a partir da década de 1930, há uma nova discussão sobre o potencial de aproveitamento econômico do vale do São Francisco, a chamada questão hidráulica. Os ideais de Martins de Oliveira para esta região, bem como outros literatos que discutem temas relacionados ao São Francisco, tem como objetivo mudar a imagem que se tinha de um lugar isolado, com ausência de modernidade e de trabalho. Ele e outros autores falavam do potencial da natureza, da capacidade de trabalho e iniciativa dos são-franciscanos e da carência de estímulo governamental e de técnica para a modernização acontecer. Queria despertar o que essa região tinha de melhor, queria difundir a civilização e o progresso no intuito de inserir o sertão do São Francisco nos circuitos do mercado nacional e internacional. “Se a população vai vegetando na pobreza, na ignorância e na imoralidade, a saída seria facilitar os meios de transportes, porque deles principalmente depende nossa futura prosperidade” 11 . “A solução para o estado de penúria dos sertanejos estaria assentada na modernização das comunicações, o meio capaz de preencher os supostos vazios dos sertões com a luz da civilização”12. O presente trabalho foi esquadrinhado em três capítulos. No primeiro, Deocleciano Martins de Oliveira: temática são-franciscana na prosa ficcional, analiso a trajetória de vida do autor, contextualizando sua vida e sua obra com a história do sertão do São Francisco, especialmente a cidade de Barra, sua cidade natal, no início do século XX. No primeiro momento do capítulo, descrevo um pouco de sua biografia. Uma biografia comentada, no qual relaciono momentos históricos da cidade de Barra com alguns momentos de sua própria vida. Depois, descrevo as características fundamentais de cada um de seus livros, que são pontos de partida para esta pesquisa. No segundo, As paisagens do sertão na literatura: núcleos urbanos e rurais, desenvolvo um estudo acerca das paisagens sertanejas que são desenhadas por Martins de Oliveira em suas obras que remetem ao mundo beiradeiro, ao rio, à cidade e ao campo. Temáticas que reportam a relação entre cidade e campo/fazendas. O propósito deste capítulo é mostrar que, ao descrever estes cenários diversos que remetem à população interiorana, o autor encontrou uma forma para ajusta-las aos seus ideais e expectativas. Já no terceiro e último capítulo, Progresso e modernização na obra de Martins de Oliveira, analiso a literatura de Martins de Oliveira no intuito de revelar as suas ações e seus

11 12

FRANCO, Manoel de Mello Apud OLIVEIRA, Gabriel Pereira de. Op. cit. p. 31. Idem, p. 31.

12

projetos para que o progresso pudesse chegar a região do vale do São Francisco. Destaco questões que a cidade apresenta e que o autor considera como dificuldades nos quais impede a região de progredir e que só leva ao atraso como, a falta de transportes, os impostos altíssimos, fretes caros e a falta de assistência dos governantes. Assim como são mencionadas as dificuldades, as soluções para esses problemas também são discutidos. Juntar a técnica, a ciência, os investimentos necessários do governo, na visão de Oliveira, elevaria uma cidade ou região ao progresso, ao desenvolvimento econômico.

13

CAPÍTULO I – DEOCLECIANO MARTINS DE OLIVEIRA: TEMÁTICA SÃOFRANCISCANA NA PROSA FICCIONAL Para alguns críticos da literatura brasileira, a exemplo do Cardeal Brandão Vilela13, João Ribeiro e Agripino Grieco14, Deocleciano Martins de Oliveira foi merecedor de todos os títulos que a ele foram concedidos: poeta, escritor, pintor, escultor, jurista. Deocleciano foi um sonhador de imagens, um visionário do progresso. Conseguiu transformar seus princípios éticos religiosos e sociais nas suas obras literárias e nas estátuas que esculpiu e que estão espalhadas por várias cidades ribeirinhas do Vale do São Francisco. Viveu o mistério e a realidade de sua fé cristã católica e não deixou de acreditar no progresso dessas terras banhadas pelo rio São Francisco. Deocleciano foi um lírico da arte de narrar a temática sãofranciscana. Sua escrita traz o que a lembrança guardara do menino ribeirinho: cenas, costumes, tipos, aspectos folclóricos da região. Imerge na realidade local buscando através do imaginário construir o real de uma sociedade por meio de suas representações. Tendo a religião como um elemento sociológico de muita importância para a civilização e sobrevivência dos povos, Deocleciano apresenta a maior e tradicional romaria que acontece anualmente na cidade de Bom Jesus da Lapa, que recebe milhares de pessoas vindas de vários lugares para prestigiar este acontecimento vinculado à fé cristã. Pessoas que desejam cumprir suas promessas ao Bom Jesus, na esperança de serem curadas de suas enfermidades. Procurou mostrar em suas obras um conjunto de assuntos direcionados a questões históricas e culturais do povo sertanejo. As desigualdades sociais são expressas na literatura, na qual vemos os sertanejos dominados entre os desmandos da política local e a miséria, onde os meios de produção se concentram nas mãos de poucos. Sua produção pode ser lida como uma representação literária que se limita a ser fiel à Bahia e à região são-franciscana. Abrange desde a paisagem da cidade de Barra, descrevendo personagens pertencentes da família tradicional local, personagens da classe alta e média possuidores de fazendas, os remeiros que fazem do rio sua morada, como também personagens de ascendência africana que vivem como agregados ou empregados dos fazendeiros. A introdução do negro africano na região foi dos princípios da povoação que serviram de mão-de-obra nas lavouras. A escrita dá ênfase Avelar Cardeal Brandão Vilela. Arcebispo de São Salvador da Bahia – Primaz do Brasil (1971-1986). Escreveu o prefácio da obra póstuma de Deocleciano Martins de Oliveira Procuro o Menino, 1976. 14 Encontra-se opiniões de João Ribeiro e Agripino Grieco, bem como de outros críticos a respeito de Martins de Oliveira e suas obras no final dos livros Procuro o menino (1976) e Os Romeiros (1973). 13

14

também aos emigrantes das cidades ribeirinhas que vão em busca de trabalho nas lavouras de São Paulo ou nos garimpos de Mato Grosso. Corriam da pobreza para outros lugares onde pudessem encontrar oportunidades de trabalho assalariado mais vantajosas, pois nesta região o poder ainda estava nas mãos da politicagem dos coronéis. Como jornalista na Seção Econômica do Diário Carioca, Deocleciano iniciou, através de uma série de artigos e conferências o seu movimento reivindicatório em busca de soluções para os problemas da região. Um deles, “Como colonizar o São Francisco”, segundo a crítica, chamou a atenção do Ministro Salgado Filho no governo de Getúlio Vargas, que passou a se interessar pela problemática do Rio São Francisco. Depois como secretário da “União do Norte”, organizou uma série de conferências sobre os problemas do setentrião brasileiro e começou a publicar em revistas cariocas os seus contos que depois apareceriam em No País das Carnaúbas (1931) e Marujada (1936), com o objetivo de sensibilizar os homens da política e da administração com as crises da vida da região. Além de conduzir a sua escrita mostrando a vida pacata e humilde do povo ribeirinho, dirigiu seus estudos no folclore dando forma no romance Caboclo d’água (1938), e da religiosidade através do romance Os romeiros (1942), cuja ação se passa na cidade de Bom Jesus da Lapa e único livro de prosa do autor que teve reedição em 1973. Em ida a Salvador como auditor de guerra, nos anos de 1944 e 1945, no exercício da magistratura militar, Deocleciano Martins de Oliveira reuniu a outros companheiros e fundou o “Círculo dos Amigos do São Francisco,” que visava estudar soluções para a vida social da região sãofranciscana. Também é autor de Parábolas, coletânea com poemas, gravuras e dois vinis com letras de Martins de Oliveira e música de Bibi Miranda, de 1968; das coletâneas de poesias Benção da terra natal (1973), O peixe do deserto (1973), Olhos d’água (1953), do livro de crítica literária Voz da minha terra (1954), do ensaio de folclore Baile Pastoril (1954), dos álbuns de gravuras Iniciação plástica (1956), Imagens do encantamento (1961), Verbo figurado (1965) e da coletânea de ensaios É uma voz no silêncio (1954), além de teatro, produção jurídica e coletâneas de folclore. No final de Procuro o Menino, obra de memórias publicado em 1976, dois anos após a sua morte, como também em Os Romeiros encontram-se algumas opiniões críticas a seu respeito e de suas obras. Entre esses críticos destaca-se Agripino Grieco, um dos mais respeitados escritores brasileiros. Grieco era poeta, crítico e ensaísta, nascido em Paraíba do

15

Sul, Estado do Rio de Janeiro. Era admirado mas também temido pelas suas críticas ferinas. Além de escritor de livros de poesia, foi também colaborador em revistas e jornais, como a revista ABC e Hoje e no Boletim de Ariel em O Jornal. “São inegáveis os méritos narrativos deste jovem escritor do Norte, que se apresenta com uma série de descrições, ora literais ora romanceadas, da gente e do viver das margens do rio São Francisco, desse rio que mestre João Ribeiro classificou de “grande caminho da civilização brasileira”. O começo do livro, com o atraente episódio do padre e dos barqueiros, vai interessando o leitor e mau grado uma ou outra cena talvez excessivamente sentimental, uma ou outra paisagem de cromo ou idílio de vinheta, o volume faz-se ler com satisfação que não decresce. Se, nos próximos trabalhos, o sr. D. Martins de Oliveira se apegar ainda mais à verdade objetiva de figuras e ambientes baianos, bem poderá unir o seu nome a uma obra literária destinada a perdurar.”15 Agripino Grieco (Do “Boletim de Ariel”)

Outro crítico que se dedicou ao trabalho de Deocleciano foi Carlos Chiacchio, professor, jornalista, crítico de arte, ensaísta e poeta. Chiacchio foi uma figura que marcou presença na vida cultural da Bahia, criou duas agremiações literárias, liderou o movimento de renovação intelectual da Bahia, publicou livros e revistas, fez críticas literárias e lutou contra o analfabetismo. “São, positivamente, estranhos, característicos seres, que, só agora, pela novela de D. Martins de Oliveira, ingressam na galeria dos nossos tipos regionais. Tal desse ponto de vista prima o trabalho de D. Martins de Oliveira. E já não é pouco. Inicia em nossas letras o romance regional do São Francisco e oferece um campo de estudo folclórico em suas páginas despretensiosamente feitas com pitoresco, com sinceridade, com brilhantismo e com emoção. Um livro para a estima dos curiosos das nossas coisas e dos nossos tipos do interior. Bem arquitetado. Bem observado. Bem realizado. Felicíssimo, no gênero.”16 Carlos Chiacchio (De “A tarde”, da Bahia)

Outro que também não deixou de mencionar Deocleciano nas suas críticas literárias foi Pedro Calmon Muniz de Bittencourt. Membro da Academia Brasileira de Letras, Calmon foi professor, escritor, jurista, historiador e político. Tornou-se também presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em 1968. “... esse romance em que há paisagens, regionalismo evocado e estilo magistral, qualidades excepcionais de narrativa e folclore original e sincero.”17 Pedro Calmon

15

OLIVEIRA, Deocleciano Martins de. Procuro o Menino: Obra Póstuma. Rio de janeiro, 1976, p.276. OLIVEIRA, Deocleciano Martins de. 1976, op. cit. p. 276-277. 17 Idem, p. 278. 16

16

Um nome já bastante conhecido por críticos desde a década de 1920 e a frente da Academia Piauiense de Letras, Amélia de Freitas Bevilaqua, também citou as obras de Deocleciano nas suas críticas, reconhecendo-o como um bom paisagista. Definida como uma mulher de vanguarda foi a primeira mulher a se candidatar a Academia Brasileira de Letras em 1930, porém, não foi aceita porque o estatuto da Academia não contemplava as mulheres. Sua carreira literária influenciou outras mulheres a publicar seus escritos. “Há interesse impressionante no ambiente bem humano e comovente das formosas narrativas deste livro, envolvendo, carinhosamente, o decoro de todas as paisagens”18. Amélia de Freitas Bevilaqua (Do Jornal do Comércio)

1.1. Primeiros passos: conhecendo sua história

Antes de representar a história de vida do escritor pesquisado, é preciso ressaltar que a descrição da biografia se fez em implicação à repetição de informações que estavam disponíveis em sua obra de memórias e em um de seus livros que é autobiográfico, por acreditar que esse seria o meio mais apropriado e fiel para retratar sua história. As narrativas biográficas ou autobiográficas de um determinado autor podem evidenciar de forma clara sua trajetória de vida, permitindo ao biógrafo conhece-lo e a partir daí selecionar expressivos acontecimentos da vida do biografado e estabelecer entre eles conexões coerentes. Por outro lado, a biografia também pode narrar uma perspectiva linear de vida que pode ser falsa, levando ao que Pierre Bourdieu chamou de ilusão biográfica; a ilusão de uma linearidade e coerência do indivíduo. Falar de história de vida é pelo menos pressupor que uma vida é inseparavelmente o conjunto dos acontecimentos de uma existência individual concebida como uma história e o relato dessa história19. Deocleciano Martins de Oliveira Filho nasceu em 09 de março de 1906 na cidade de Barra-BA, foi o segundo filho, entre os doze, do casal Deocleciano Martins de Oliveira e Tercina Diamantino de Oliveira. Recebeu esse nome em homenagem ao seu pai, por ter nascido no mesmo dia e mês. Seu pai, junto com seu avô Joaquim de Oliveira, apelidado de 18

OLIVEIRA, Deocleciano Martins de. Os Romeiros. Rio de Janeiro, 2ª Edição, 1973. P. 224. BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de M.; AMADO, Janaina; (org). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: ed. Fundação Getúlio Vargas, 1998. 19

17

Vim-Vim, tocavam o negócio da família e eram conceituados comerciantes da cidade, cujo estabelecimento, “Casa Bom Gosto”, ou Vim-Vim & Martins, vendiam produtos para outros comerciantes da Bahia. Por esta época a produção da borracha (maniçoba e mangabeira) extraída no município ou passava pelo porto de Barra, era uma das atividades monetárias fundamentais à economia local, no qual a comercialização da mesma favorecia os negócios, dando êxito e impulsionando cada vez mais o crescimento do estabelecimento da família. Sua infância não foi diferente das demais crianças de sua classe dessa época. Por volta dos seus sete anos de idade, em 1913, Deocleciano entrou para a escola municipal das professoras Zabelinha e Lisinha, que funcionava na Rua dos Mariani, onde localizava a maior parte do comércio da cidade. Era uma escola pequena, simples e com poucos alunos. Já no ano de 1914, entrou para o Instituto Amor as Letras, colégio fundado por Augusto Fernandes, provavelmente um dos primeiros a levar o protestantismo à cidade de Barra. Era um colégio leigo e com fama de novos métodos de ensino. Por uma série de problemas, o instituto veio a decair no ano de 1916. Martins de Oliveira, oriundo de família abastada e conceituada na cidade de Barra, possuía uma característica rara na época, seus pais e avós eram alfabetizados. Suas lembranças da infância estão bem marcadas neste sentido. Sua mãe foi uma grande incentivadora, sempre o ajudava nas atividades escolares e mantinha o hábito da leitura. Sua avó materna também o inspirou despertando em Deocleciano o gosto pela leitura, pois ela adorava ler romances e poemas, não deixando de encomendá-los na capital. Um ano depois da chegada do primeiro Bispo, D. Augusto Álvaro da Silva (1915), que marcou a cidade elevando a igreja matriz à categoria de Catedral e contribuiu para que o catolicismo se consolidasse frente à presença e crescimento de outras religiões. Foi instalado em 15 de fevereiro de 1916 o Colégio Diocesano, fundado pelo Bispado de Barra. D. Augusto queria estabelecer o ensino religioso obrigatório, assim combatia o Protestantismo e o Espiritismo na região, afirmando ser a igreja católica a única fundada por Jesus Cristo, desenvolvendo uma grande repercussão na cidade e comoção entre as pessoas. Também procurava reformar o catolicismo, envolvido em tradições populares e práticas religiosas não aprovadas pela Igreja de Roma. Durante as primeiras décadas do século XX, as religiões populares, principalmente aquelas ligadas aos afrodescendentes, e que não tinham nenhuma ligação ao catolicismo foram perseguidas e proibidas. A tensão entre catolicismo e novas instituições religiosas como

18

as denominações protestantes e os centros kardecistas, assim como entre a religião dos padres e a religião popular pode ter marcado a formação de Deocleciano, visto que na sua obra está presente uma religiosidade muito forte. No romance Caboclo d’água, estão narrados parte desses acontecimentos e quem os vive é o personagem Emilio, de caráter autobiográfico. Sua crença, tanto em Cristo e no ser místico (Caboclo d’água), talvez o tenha deixado confuso. A quem deveria acreditar? Não se podia seguir aos dois. Qual dos dois valeria mais? Sentia-se sem rumo, precisava crer em alguma coisa divina. Há também uma descrição do bispo diocesano no personagem D. Aldo de Os Romeiros, no qual é recepcionado no porto por orquestra musical, entre súplicas e cantos. Nesta época, quando a crença nos seres místicos do rio o acompanhava, Deocleciano entrou para o Colégio Diocesano, que possuía um curso completo de humanidades e corpo docente que julgava excelente. Deocleciano se envolveu com a educação religiosa esquecendo-se das suas devoções supersticiosas, adorando somente a Deus e se preparando para ser um sacerdote. Segundo sua autobiografia, tornou-se um aluno exemplar e muito querido pelo Padre Maurilo Vieira Sampaio, vice-diretor do Colégio e que tinha uma enorme dedicação a seus alunos. A amizade se estendia também ao Bispo D. Augusto Álvaro da Silva, a quem o menino distingue a ambos como professores e amigos. O lado poético e literário de Deocleciano veio sob a influência do Bispo D. Augusto, que fazia o gênero lírico e do Padre Maurilo. Havia uma página no jornal “Folha da Barra”, fundado pelo bispado de Barra (1916), onde Padre Maurilo publicava seus poemas e outros tipos de escritos voltados para assuntos da sociedade, da religião e da educação. O que ganhou mais destaque foram as publicações denominadas de “Serões com os meninos”, no qual, os alunos aparecem dialogando, espécie de teatrinho. Em muitos deles o nome de Deocleciano foi lembrado. Ganhou uma seção no jornalzinho humorístico oferecido por D. Augusto, “O Alfinete”, servindo como estímulo e base para a sua formação na escrita. Sua amizade com os religiosos o levou, em uma de suas férias colegiais (1916-1917) a conhecer outros lugares e a navegar pelo rio São Francisco em uma das embarcações, “Mata Machado”. De Barra até a cidade de Juazeiro a viagem foi feita no vapor, depois até o destino final realizou-se em barca de remeiros. Esta viagem, para o menino Deocleciano foi o maior presente que o Padre Maurilo o concedeu. O rio São Francisco era o principal caminho para se chegar a cidades ribeirinhas do interior. No conto de Marujada encontram-se relatos desta

19

viagem à cidade pernambucana, Boa Vista20, cidade natal do Padre Maurilo. Deocleciano o acompanhava e ajudava-o nas missas como coroinha. A volta à cidade de Barra foi com muita tristeza e lágrimas. Um bota fora de despedida foi realizado, no qual vários cavaleiros os acompanhavam, percorrendo as ruas da cidade se despedindo de cada habitante. Andou a cavalo mais de 25 léguas pelo sertão até Petrolina. Foi nessa viagem que as lembranças das paisagens e o encanto do interior marcaram sua vida, dando-lhes expressão nos contos e romances. O colégio Diocesano foi transferido para a cidade de Juazeiro em 1918, fazendo com que os alunos, na sua maioria desistissem dos estudos por falta de colégios e outros a retornarem o ensino no Instituto Amor as Letras sob nova direção de Antônio Viegas. Com essa mudança do colégio e com a suposta transferência da sede do Bispado de Barra também para a cidade de Juazeiro, o menino Deocleciano se viu desolado, vendo seu sonho de se tornar um sacerdote destruído. Barra é o município que sediou o Bispado criado pela Bula Papal datada de 20 de outubro de 1913 21 . Estas duas notícias pegaram os barrenses de surpresa. Quanto à transferência da Diocese, foi lavrado um protesto para que a mudança não ocorresse.

Não teve a mesma sorte o colégio, que definitivamente foi transferido para

Juazeiro. Ao voltar para o Instituto Amor as letras, foi difícil para o menino aceitar a forma que o Instituto administrava o ensino. Assim, abandonou os estudos no Instituto, voltando à sala de aula somente algum tempo depois quando foi instalado na cidade o Colégio Público Municipal Maurina L. M. de Paula. Possuía um método de ensino mais moderno e quase individual, não se falava mais em virtudes cristãs e sim em manter nos alunos bons comportamentos, que tivessem bom caráter e que os mesmos pudessem tornar ótimos cidadãos. Um ensino cívico e laico, portanto. Com a dificuldade financeira que se abateu sobre a família, o estabelecimento comercial corria o risco de ir a falência. Na autobiografia e no romance, se indica que a falência foi devido a manobras tramadas por políticos adversários que aproveitaram o momento da crise para se vingar dos Vim-Vim, mas a crise de economia borracheira brasileira e o fechamento de mercados causado pela Grande Guerra de 1914 devem ter pesado no contexto geral de crise. A política era comandada pelo partido dos “Rabudos”, gente de 20

Atualmente conhecida como Santa Maria da Boa Vista. IBGE – Enciclopédia dos Municípios Brasileiros – Municípios do Estado da Bahia, XX volume. Rio de Janeiro, 1958. Barra, p.60. 21

20

família tradicional da cidade, vistos como pessoas egoístas, intolerantes e inescrupulosas. Como supracitado, o romance Caboclo d’água, escrito de caráter autobiográfico, relata os prejuízos sofridos no comércio de seu avô, vivido pelo personagem coronel Lourenço Ramalho. Com o aumento das dívidas e com processos correndo na justiça, seu pai resolveu ir para fazenda Muquém, iniciar o cultivo do algodão e aproveitando a terra para outros cultivos, como mandioca, milho, feijão e cana de açúcar. Era na fazenda que Deocleciano e seus irmãos passavam as férias e finais de semana, auxiliando nos trabalhos da roça, nos curais e no transporte de água para abastecer a casa e aos animais. É daí que se tira a inspiração para descrever as fazendas, representando como um lugar tranquilo de vida rústica, um lugar onde o trabalho se realiza com muita alegria e festas, diferente das cidades. No início do ano de 1919, houve uma grande cheia do rio São Francisco, levando a perda de grande parte das lavouras, acarretando prejuízos aos roceiros. Os moradores se aglomeravam em barracas em acampamentos improvisados cobertos por palhas de carnaúba ou lonas. Toda a família de Deocleciano se refugiou em outra fazenda mais distante onde a água do rio não pudesse atingir. Com a enchente as doenças também apareceram, vitimando boa parte dos habitantes, inclusive as crianças que são mais vulneráveis. Ao término de tudo, Deocleciano não voltou mais à fazenda, voltou a estudar e a trabalhar. Prestava pequenos serviços na farmácia da cidade do proprietário João Pires, ali adquiriu conhecimentos básicos de manipulação de medicamentos. Era um menino curioso, aprendia com grande facilidade tudo que via e tudo que escutava, conseguindo a confiança do farmacêutico. Seu interesse pela química o levou a estudar com mais afinco despertando o seu interesse pelos livros. Seu conhecimento com os remédios o fez se interessar pela saúde das pessoas e chegava a fazer visitas aos doentes, realizando os primeiro atendimentos, como aplicar injeções, aferir pressão arterial e algumas vezes até prescrever medicamentos. Tornou-se um “médico de emergência” inspirando a confiança do médico local, Dr. Custódio. Nesta época, houve na região um grande surto de gripe espanhola e o Dr. Custódio incumbiu Deocleciano para que percorresse o rio Grande levando os remédios para atender os doentes necessitados. Assim o fez, percorreu várias cidades ribeirinhas vendendo os produtos, e atendendo os chamados. Depois de atender os enfermos na vila de Poço Redondo, hoje distrito de Jupaguá, Deocleciano seguiu a cavalo para a cidade de Cotegipe recomendado pelo Coronel João Mauricio Wanderley, descendente do Barão de Cotegipe, político do império (1815-1889).

21

Ao mesmo tempo em que se dedicava ao trabalho na farmácia, Deocleciano se interessava também pelos livros de literatura, ficava lendo nos intervalos do trabalho as obras de Castro Alves e sonhava no dia em que iria partir para alguma capital e cursar o curso superior. Foi assim, entre um atendimento na farmácia e a leitura, que conheceu o escritor baiano, Doutor Afonso Costa, que se encontrava na cidade de Barra em serviço de sua repartição do Ministério da Educação em 1921. O seu interesse e admiração pelos intelectuais e suas obras cresceu depois que Afonso Costa o apresentou aos livros de Olavo Bilac, Euclides da Cunha e outros. O escritor vendo o seu interesse o incentivou a desenvolver os seus estudos, e assim, como o seu tio já havia o convidado para estudar em Cuiabá, Deocleciano viu a sua oportunidade surgir. Aos 17 anos de idade, com ajuda de seus pais e avós, que apesar de estarem passando por dificuldades financeiras, Deocleciano mudou-se para a capital do Mato Grosso, onde concluiu seu curso ginasial. Posteriormente foi para o Rio de Janeiro cursar o ensino superior em Direito. Ainda como estudante passou a contribuir nos periódicos locais com os seus primeiros versos literários. Diplomou-se em estudos jurídicos e sociais. Foi auditor de guerra, comissário de polícia, juiz de direito do antigo Distrito Federal e, finalmente, desembargador do Rio de Janeiro. Conforme dados de sua vida narrados em sua obra de memórias, Procuro o menino, Deocleciano estava propenso a se tornar um médico. Mas quando terá nascido nele à vocação para seguir a carreira no Direito? Talvez tenha sido sob a influência dos tempos em que seu pai foi delegado de polícia da cidade de Barra, no qual cheio de curiosidade, ficou a par de vários processos, que inclusive se tornaram matéria de sua literatura. Quando esteve na cidade de Cotegipe no tempo em que trabalhava na farmácia e percorria a região atendendo as pessoas adoentadas, ficou sabendo de uma história de um crime que havia acontecido no povoado denominado de Duas Barras, um crime que abalou o lugar. Morava ali um lavrador com sua mulher e o sobrinho dele, porém, sua mulher e o seu sobrinho mantinham as escondidas um relacionamento amoroso. Os dois planejaram a morte do lavrador, vindo a executar o crime no momento em que o homem chegou da roça para o jantar. A polícia se empenhou bastante no caso, pois era um crime passional muito raro nesta região, acabou descobrindo os culpados que ao serem presos e interrogados, confessaram o delito. Depois de 10 anos do ocorrido, Deocleciano já escrevendo seus contos regionais, enviou a revista Noite Ilustrada o seu escrito intitulado Um Júri no Sertão, no qual relatava o crime, todo o seu desenvolvimento de inquérito e julgamento e que os mesmos tinham sidos

22

absolvidos por falta de provas, graças à relações de parentesco dos criminosos com poderosos locais. Um Júri no Sertão, é um conto que se encontra na obra Marujada. Devido ao seu artigo publicado na revista, o caso chegou ao conhecimento do procurador do Estado que se interessou pela localização do processo, que estava engavetado por anos. O processo foi reaberto e um segundo júri os absolveu. Com novos recursos o processo voltou para à Câmara da Capital e houve novo julgamento, onde os criminosos foram condenados a vários anos de prisão. O crime deve ter ocorrido no ano de 1920 e passados mais de 20 anos, quando Deocleciano esteve em Salvador como Auditor de Guerra em 1944-1945, visitou as prisões das mulheres que funcionava no velho Forte, deparando com a prisioneira, a sua personagem do conto a quem nunca tinha visto. Visitou também o outro personagem que participou do crime. Analisando os autos do processo se convenceu de que não inventou nada do ocorrido no seu conto. Sobre esse episódio, escreveu outros capítulos, transformando o conto em uma novela. Famoso por ser desembargador e escultor da justiça, mas desconhecido pela literatura. Iniciou o movimento artístico-cultural por ele denominado de “Ciclo do Bronze” 22 . Suas estátuas em bronze estão espalhadas por várias cidades ribeirinhas, como também nas cidades que passou e morou, Cuiabá e Rio de Janeiro. Suas esculturas mais citadas pelos historiadores de arte, além das três do Rio de Janeiro, são, todas de bronze: de São Francisco de Assis, São João, do Senhor Ressuscitado, os bustos do Dr. José Ferreira Muniz, de Dom João Muniz, de vários barões do império e de figuras em chafarizes e praças Bahia afora. E, principalmente, o conjunto que é considerado sua obra-prima em termos de escultura: os doze apóstolos que decoram a entrada da gruta de Bom Jesus da Lapa, inspirados no Evangelho e nos pescadores e remeiros negros e mestiços do São Francisco.

1.2 Ciclo do Rio São Francisco: conhecendo suas obras

O conjunto das obras publicadas por Deocleciano Martins de Oliveira revela as imagens do povo sertanejo. Suas representações deixam-se as cenas mais vivas, os lugares, as pessoas, todos os atos e acontecimentos. Assim como outros intérpretes baianos que imaginavam soluções, projetavam sonhos para o futuro e tratavam de temas puramente 22

Movimento artístico-cultural no qual o autor desejava expandir pelas cidades ribeirinhas as suas esculturas que representam vultos ilustres ligados à cidade; santos que influenciaram sua formação espiritual e de animais que estão presente nas lendas e histórias do povo ribeirinho.

23

regionais, Deocleciano iniciou o seu primeiro volume, No País das Carnaúbas – livro de contos de 1931, premiado pela Academia Brasileira de Letras e que mostra aspectos do meio, tipos e lendas. Os contos deste volume mostram a vida no grande rio, nos campos e também nas cidades. Oliveira se apegou cada vez mais à temática são-franciscana unificando-se nos costumes e tradições de uma região. Em No País das Carnaúbas, o autor situa os leitores sobre a condição da mulher tida como prostituta, que mantém uma vida sórdida. Mulheres que vivem nos locais mais decadentes da cidade, um lugar onde acontecem os encontros de mulheres perdidas com homens alcoólatras e violentos. A narrativa do conto Maria Tostão, põe o leitor a pensar no descaso de uma mãe para com sua filha, que mesmo sabendo que a mesma foi estuprada pelo seu amante a coloca para fora de casa por ciúmes. A menina é vendida para uma cafetina que recebe os homens mais detestáveis da cidade. Na mesma obra encontra-se a história que traz os remeiros do rio São Francisco como personagens. Trabalhadores pertencentes ao setor de transportes e que contribuíram para a circulação de mercadorias e pessoas na região. Um trabalho que necessitava de força física e muita energia, pois a profissão exigia longas horas de trabalho e as varas, ferramentas utilizadas para impulsionar as barcas, muitas vezes provocavam acidentes fatais. A alimentação constituía de peixes que era pescado por eles próprios, picadinho de carne seca com arroz e a Jacuba feita de farinha de mandioca, rapadura e água. A religiosidade dos remeiros também chama a atenção. A fé no poder milagroso do Bom Jesus da Lapa é um exemplo. Os “moços de barca”, como eram conhecidos os remeiros23, contribuíram também para a propagação dos mitos e as crenças que habitam o rio São Francisco, como o Caboclo d’Água e as assombrações que se apoderavam das embarcações perseguindo os remeiros durante a noite. Relato sobre essas barcas assombradas, encontra-se no conto Barca Fantasma, que segundo os próprios remeiros são almas de homens, donos de barcas, que já morreram e que retornam ao mundo dos vivos para assustá-los. Em 1936 surge a sua segunda obra, um livro de contos que traz aspectos excêntricos da terra e do sertanejo, Marujada – ganhador da menção honrosa Ramos Paz pela ABL. Aqui o autor mostra a vida pacata e humilde do povo sertanejo que contracena com cangaceiros e coronéis. Menciona as festas tradicionais da cidade de Barra, como a “marujada” que faz 23

NEVES, Zanoni. Os Remeiros do São Francisco na literatura. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2003, v. 46 nº 1.

24

parte das comemorações do Divino Espírito Santo. Na véspera da festa uma pessoa é escolhida para ser o imperador do Divino Espírito Santo, depois ocorre o momento das esmolas, onde as pessoas saem as ruas em numerosos grupos munidos de uma bandeira, visitando as residências para que os moradores possam receber a benção do Espírito Santo e ao mesmo tempo coletando dinheiro ou outras contribuições para a festa. Para se ter uma boa festa do Divino no São Francisco é importante organizar uma boa marujada. A marujada é uma festa que lembra a luta entre os mouros e cristãos trazida de Portugal pelos colonizadores. As pessoas enfeitam suas barcas com bandeirolas feitas de papel de seda e tematizam o momento. Depois da encenação, os mouros e cristãos vão para a porta da igreja esperar a chegada do imperador. O autor coloca no final de Marujada um registro dos versos usados na festa, fazendo na coletânea de contos, um trabalho que então era característico do folclorista que registra a cultura popular. Descreve passo a passo de como era realizada a festa da Marujada, quem eram os personagens, tanto cristãos como mouros, e os atos representados; 1º ato – Ato dos Fandangos, onde os cristãos e marujos aparecem à frente da maruja e cantam seus versos, em seguida aparece o Capitão general e o Embaixador mouro que, armado, avança contra os cristãos e novamente são cantados os versos. A encenação sempre é seguida por cantos, citação de versos e diálogos entres os participantes. No 2º ato – A Tormenta do Gageiro, no qual os marujos fingem embarcar para seguir viagem e cantam em coros como se estivessem contando uma aventura de suas vidas. Já no 3º ato – Morte do Piloto, entra o capitão cantando acompanhado pelo coro. A cena segue com o piloto desmaiando e todos pensam que ele morre e para finalizar o ato, todos cantam em coro. Tem também a festa de São João, outra festa simbólica da cidade de Barra. Momento em que as famílias se reúnem as portas de casa para assistir à queima das fogueiras, as crianças brincam soltando fogos diversos e também acontecem entre os jovens as juras de amor ao pé da fogueira, assumindo assim o compromisso de casamento. É durante o festejo de São João que acontece o desfile tradicional dos quatro clubes locais, nos quais referenciam a vitória na Guerra do Paraguai. Na noite do dia 23 de junho os moradores de Barra saem as ruas para representar três grandes batalhas travadas no referido conflito, transformando esta festa na maior comemoração cívica da cidade24: Curuzú (vermelho e preto), Humaitá (verde e amarelo), Riachuelo (vermelho e branco) e Iataí (verde e branco). Este último deixou de ser 24

RODRIGUES, Marcelo Santos. Guerra do Paraguai e festa em Barra do Rio Grande. Anais Eletrônico do IV Encontro da ANPHLAC. Salvador, 2000.

25

representado na década de 1960. Todos os anos são nomeados os presidentes de cada clube para a organização dos festejos. A festa teve início, segundo Marcelo Santos Rodrigues, 25 anos depois do término da guerra, com a fundação do primeiro forte, o do Curuzu e em seguida o forte Humaitá e Riachuelo. A rivalidade entres esses clubes se acentuavam por elementos históricos, nos quais disputavam pelo poder de fogo, lembrando as batalhas efetuadas durante a guerra. Outro ponto que marcou esses conflitos foram as diferenças sociais. O Curuzu, era composto por pescadores e pequenos lavradores pobres da cidade baixa, enquanto o Riachuelo, era constituído por moradores do centro da cidade, fundado por pessoas tradicionais. O forte de Humaitá, depois da sua fundação, também entrou na competição25. O autor menciona também em Marujada a cidade de Pilão Arcado, que teve a fama de ser uma cidade de muitas lutas devido as jazidas de ouro e diamantes e que hoje se encontra no abandono. Cidade do personagem de nome Brigador Militão, apresentado como homem de coragem, brio e audacioso que se viu apaixonado pela mulher de um dos seus funcionários, tomando-a pra si. Tal fato é contado pelo comandante do vapor que navegava pelo rio São Francisco e que Deocleciano como passageiro, se interessou pela história, transformando-a em conto. Dizem que a tal mulher, conhecida como Sancha se interessou por um rapaz, Pedro Costa, e este, teve a coragem de se engraçar pela amante de Militão. Os boatos se espalharam e o amante traído reuniu todos os seus jagunços e vaqueiros para ir atrás do rapaz, encontrando-o em um sítio denominado de Brejinho, perto da cidade de Barra. O moço não teve tempo de fugir, foi amarrado e levado para a Vila de Xique-Xique, onde teve seus membros, mãos e pés, mutilados. Assim se fez a vingança de Militão. Para ele, esse ato horrível era para servir de exemplo a todos os sedutores que afrontassem o coronel. A etnografia tomou rumo principal em Caboclo D’água, romance de 1938. Neste romance Oliveira descreve a educação da cidade, citando o Instituto Amor as Letras, o Colégio Diocesano e a Escola Santa Eufrásia. Um romance de estilo autobiográfico que expressam os acontecimentos da sua própria vida e que são representados pelo personagem Emilio. O autor adaptou um fio condutor comum a sua realidade relatando o cotidiano nas fazendas de Barra. Conta o momento em que foi para a fazenda “Matafome”, propriedade de João Madureira, compadre de seu avô. É no caminho para a fazenda, percorrendo o rio em

25

RODRIGUES, Marcelo Santos. Op. cit. p. 7.

26

uma barca, ouvindo sobre os mitos que o rondam é que começa o seu interesse pelos seres místicos do rio. Protagoniza muitas histórias abordando a mitologia com seres encantados e poderosos que vivem no rio e nas florestas, como o Caboclo d’água, Nanan (avó d’água), as Mães d’água ou Iaras, a Caipora (habitante das florestas) e Romãozinho, espirito brincalhão e trapaceiro que vive na terra sofrendo grandes padecimentos. As narrativas de Deocleciano são feitas de surpresas, proporcionando ao leitor momentos de fantasia. Assim é a história de Veronica, uma moça recatada, inocente e que sofria dos nervos, tinha medo de tudo que lhe era desconhecido ou visto como sobrenatural. Nas vésperas do casamento foi se refrescar nas águas do rio, lá foi estuprada. A vítima e a mãe atribuíram o crime ao Caboclo d’água. Após o casamento, ao saber do ocorrido, o noivo Francelino não acreditou nas histórias e pensava que a noiva o tinha traído com outro. O desespero se abateu sobre Francelino, passava várias noites sem dormir e sem se alimentar. Os pensamentos confusos só o levavam para a figura do Caboclo d’água. Passou a maltratar a mulher e jurava matar o bicho em vingança à desonra da esposa. Veronica ficou grávida, acreditava-se que o filho era do Caboclo d’água e Francelino, na sua loucura, acreditava ser ele mesmo o bicho que rondava as águas do rio. Ficou louco, sendo internado em um hospital do Rio de Janeiro para um tratamento sério e por lá mesmo morreu afogado nas águas do mar. Já insano, Francelino deseja que a filha seja chamada de Mãe d’água, razão de a menina ficar sem ser batizada até os 7 anos de idade até que o padre e Francelino consentem em batizar a menina de Iara, o grande amor da vida do personagem Emilio. Os personagens descendentes de africanos e seus costumes também estão presentes nas narrativas deste romance. A sua presença humilde, como por exemplo, o personagem Valencio, um mulato de inteira confiança da família de Emilio e que já tinha sido remeiro no rio São Francisco, contava seus contos sobrenaturais que encantava e instigava a imaginação do menino. Na fazenda, o autor também menciona a presença de crianças negras e mulatas, filhos de funcionários da fazenda. Os meninos descritos por Deocleciano “correm nus por cima da erva rasteira, desafiando-se a chegar primeiro em casa. A negrinha corre também, mas com grande desvantagem, tropeçando adiante, caindo e levantando-se para correr de novo, cada vez mais longe dos meninos”26. Há também a presença do remeiro Valério, dono da barca Gaivota, que conduziu o barco na viagem do menino Deocleciano e o Padre Maurilo

26

OLIVEIRA, D. Martins de. Caboclo d’água. Romance. Rio de Janeiro: Schmídt Editor, 1938. p. 32.

27

ao Pernambuco. De acordo com Zanoni Neves27 os remeiros, classe de trabalhadores do rio São Francisco, eram compostos de negros e mestiços. Já em Os Romeiros, romance de 1942, também premiado pela Academia Brasileira de Letras, retratou os problemas econômicos, políticos e morais do povo sertanejo. É um livro que tem como tema a romaria de Bom Jesus da Lapa. O que Deocleciano faz é mostrar que boa parte dos grupos sociais do Vale do São Francisco compartilham a fé no poder de milagre do Bom Jesus. Mostra também a influência política dos coronéis que exerceram decisivo controles não só na região são-franciscana, mas também em outras cidades do Brasil. A migração também é tema presente neste romance no qual traça a trajetória dos emigrantes nordestinos que partem para o cenário amazônico, os cafezais de São Paulo e os garimpos mato-grossenses. É o único dos livros de ficção do autor que teve segunda edição em 1973. A história se desenrola com seus personagens navegando no vapor que percorre as cidades ribeirinhas do rio São Francisco com destino à Bom Jesus da Lapa, onde muitos romeiros aportam, ficando na cidade para a festa que se realiza no dia seis de agosto. No vapor, a tripulação da segunda classe era composta de retirantes, de alguns romeiros e de jagunços do coronel Manuel Fabião, este se acomodava na primeira classe, onde permaneciam outras pessoas graúdas, como o D. Aldo, o bispo diocesano, o comandante e o professor Bernardino. Os acontecimentos narrados se passam, do rio para o vapor, depois segue do vapor para a cidade cristã e para a igreja do Bom Jesus. O romance, assim como suas outras obras, é cheio de paisagens que impressionam os leitores. A escrita de Os Romeiros foi dedicado ao professor universitário José Américo de Almeida (1887-1980), nascido em João Pessoa na Paraíba, o mesmo foi também escritor, advogado, folclorista, sociólogo e político brasileiro. Iniciou a geração de regionalistas do Nordeste e foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1966. No final da obra de memórias de Deocleciano Procuro o Menino (1976), encontra-se uma crítica de Almeida direcionada a Oliveira, no qual ele agradece pela dedicação do livro e que pra ele foi uma grande honra. Tudo indica que o personagem do professor Bernardino, de Os Romeiros seja a representação do professor José Américo de Almeida.

27

NEVES, Zanoni. Os Remeiros do São Francisco na literatura. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2003, v. 46 nº 1.

28

CAPÍTULO II – AS PAISAGENS DO SERTÃO NA LITERATURA: NÚCLEOS URBANOS E RURAIS

Na primeira metade do século XX em especial na década de 1930, cientistas sociais e literatos, diante da realidade do país, buscaram recriar seus personagens para melhor retratar os lugares, fatos e costumes de diversas regiões brasileiras. Em se tratando da região do Vale do São Francisco, muitos tentaram mostrar um conjunto de assuntos direcionados aos problemas e questões que articulavam o significado de identidade nacional 28 de um povo. Cada um a seu modo, na literatura científica e técnica ou na escrita de ficção, apresentaram quadros que melhor se encaixavam à suas intenções. Nomes de diversos intelectuais apareceram com suas publicações, cuja finalidade das histórias era representar a cultura nacional, buscando retratar o mais fiel possível uma nação. Dentre esses intelectuais podemos destacar, no campo da ficção, Raul Alves29 com o romance o Canastra, cuja edição saiu em 1936. Lucio Cardoso 30 com o romance Maleita, publicado a primeira edição em 1934. Escrevendo livros técnicos, ainda que cheios de narrativas históricas, descrições de paisagens e de tipos humanos, temos Geraldo Rocha31 com o livro O rio São Francisco: fator precípuo da existência do Brasil, publicado em 1940 e Agenor Augusto de Miranda32 com seu livro O Rio S. Francisco publicado em 1936 fazendo parte da coleção Brasiliana. A literatura busca através do imaginário construir o real de uma sociedade por meio de suas representações. Como fonte histórica, a literatura tem o seu valor. Portanto, “expressões e evidências de representações e práticas culturais, experiências e costumes, sociabilidade e cotidiano tem seu valor como expressão sócio histórico” 33 . Encontramos na literatura de Martins de Oliveira um denominador comum entre a história e a ficção, no qual busca retomar o passado instituindo a realidade da região são-franciscana. Na sua literatura encontra-se uma especificidade beiradeira, configurando-se o seu discurso em uma narrativa da nação e da identidade nacional. O discurso histórico presente na sua ficção atinge um efeito de real, assim como diz Sandra Jatahy Pesavento, o discurso histórico, mesmo operando pela 28

Encontram-se discussões sobre a identidade nacional em REIS, José Carlos. As identidades do Brasil 2: De Calmon a Bonfim. Rio de Janeiro: Ed. Da FGV, 2006. 29 ALVES, Raul. O Canastra. Romance regional dos sertões do Norte. Rio de Janeiro: A Encadernadora, 1936. 30 CARDOSO, Lúcio. Maleita. Romance. 3 ed. Rio de Janeiro: Presença, 1974 (primeira edição de 1934). 31 ROCHA, Geraldo. O Rio de São Francisco. Factor precípuo da existência do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1940. 32 MIRANDA, Agenor Augusto de. O Rio São Francisco. 2 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941. 33 Citado por Ione Celeste de Sousa em Cultura Escolar e Literatura: Fontes em História da Educação. Feira de Santana. UEFS, 2012.

29

verossimilhança e não pela veracidade, produz um efeito de verdade34. É uma narrativa que se propõe como verídica e mesmo se substitui ao passado, tomando o seu lugar. A produção literária de Deocleciano Martins de Oliveira é aqui utilizada com o propósito de mencionar algumas temáticas que reportam a relação entre cidade e campo. Temas que designam a população de uma região interiorana, seus costumes e tradições. O autor selecionou uma série de descrições que remetem à população e seus modos de vida às margens do rio São Francisco, ajustando as suas expectativas: chamar atenção para o atraso do sertão do São Francisco, mostrar o quanto que esta região possui de importante e excepcional, e assim clamar por soluções políticas. Oliveira foi capaz de nos fornecer dados históricos que representam as paisagens do mundo sertanejo, ele que procurava ingressar dentro de suas escritas, narrar detalhadamente as cidades, as famílias, as fazendas, os remeiros com suas histórias e crenças e os mitos que povoavam o rio São Francisco. As paisagens desenhadas pelo autor remetem ao mundo beiradeiro, ao rio, à cidade e o campo. As paisagens se encontram em constantes transformações. Segundo Denis Cosgrove35 a paisagem, por seu caráter multidimensional, pode ser interpretada e compreendida como um aspecto ligado às atividades e crenças humanas. A paisagem não é apenas o produto, mas um agente ativo que desempenha importante papel na reprodução da cultura36. Cosgrove propôs ainda que a paisagem fosse vista como uma construção simbólica, mas condicionada pela realidade socioeconômica que a enreda. Neste sentido, podemos incluir a ficção de Oliveira, nosso maior fornecedor de paisagens. Seus contos e romances nos fornecem imagens estabelecidas como típicas da natureza pitoresca que seduzem o olhar dos leitores.

2.1 Paisagens Sertanejas: cotidiano das cidades ribeirinhas do Vale do São Francisco

Para compor a paisagem da cidade, Deocleciano descreve o que há de melhor e o que mais se destaca em uma população do interior. “A cidade é considerada o lugar da civilização, 34

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2014. P. 55. COSGROVE, Denis. A geografia está em toda parte: cultura e simbolismo nas paisagens humanas. In: ROZENDAHL, Zeny (org.). Paisagem, tempo e cultura. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1998. 36 Ver, por exemplo, o estudo de CORREIA, Roberto Lobato. Denis Cosgrove - A paisagem e as Imagens. Espaço e cultura, UERJ, RJ, N. 29, p.7-21, jan./jun. de 2011. 35

30

o polo avançado da sociedade. É o lugar de vivência e atuação de cidadãos livres e conscientes”37. Nenhum cronista e nenhum dos viajantes que percorreram o rio São Francisco se igualaram a Deocleciano na descrição dos acontecimentos que rondam o rio e nem na descrição do cotidiano das cidades. É no espaço da cidade que os acontecimentos mais corriqueiros ganham força e são narrados pelo autor com muita expressividade. A cidade de Barra, cidade com mais destaque nas escritas de Deocleciano, desfrutava no final do século XIX e início do século XX uma situação privilegiada entre as unidades municipais mais prósperas do Estado da Bahia. Barra era considerada a cidade mais civilizada, sendo o berço de nobres e letrados no período imperial. Na impossibilidade de comentar tudo, farei aqui apenas algumas amostras de paisagens que saltam aos olhos dos leitores, pois em toda a literatura de Deocleciano, encontraremos o mesmo deslumbramento que nos remete ao mundo dos sertanejos. As cidades interioranas quando se encontram em festa são um encanto de se ver. A população se reúne para a arrumação dos cenários, para a preparação de comidas, vestimentas e danças. Deocleciano as descreve nos seus contos com riqueza de detalhes. A festa da Marujada por exemplo, supracitada no capítulo anterior, é uma festa tradicional da cidade de Barra, como também de outras cidades do interior da Bahia38. Em Barra, a festa faz parte das comemorações do Divino Espirito Santo e que lembra a luta entre os mouros e cristãos trazida de Portugal pelos colonizadores. De acordo os estudos de Carmelia Aparecida Silva Miranda, a festa da Marujada na cidade de Jacobina na Bahia, diferente da cidade de Barra, presta homenagem a São Benedito e a Santo Antônio. Inicialmente fazia homenagem somente a São Benedito e não se sabe ao certo o porquê e em qual momento a festa passou a ser homenageada também a Santo Antônio. Festas tradicionais é que não faltam em Barra e região. Todo ano no mês de junho acontece a festa de São João, onde se realizam batizados e o desfile dos clubes locais que até nos dias atuais permanece viva na cidade, bem como as juras de amor ao pé da fogueira. Todos os detalhes da festa são citados na sua obra Marujada. Em se tratando de tradição popular, há a narrativa que mostra uma prática que acontece todos os anos no sertão. Como o próprio Deocleciano afirmou, é uma “tradição 37 38

ARRUDA, Gilmar. Cidades e sertões: entre a história e a memória. Bauru, SP: EDUSC, 2000, p. 13.

Ver estudo de Carmelia Aparecida Silva Miranda sobre a festa da marujada em Jacobina na Bahia. MIRANDA, Carmélia Aparecida Silva. Festas e Comemorações: versos, danças e memórias – a festa da marujada em Jacobina. Proj. História, São Paulo, (28), p. 451-458, jun. 2004.

31

esquisita” que já foi abolida nos lugares mais modernos. Acontece na noite de Sexta-feira da Paixão para o Sábado de Aleluia a “cerração da velha”. Com os restos das fantasias do carnaval, os boêmios brincalhões se caracterizam de morte, munidos de uma espécie de foice. Outros se vestiam representando o diabo e com um espeto nas mãos. Muitos ainda se vestiam de almas cobertos por lençóis brancos e munidos de matraca e velas acesas. Saiam às ruas pela noite e escolhiam uma pessoa para ser serrada, fazendo algazarras à porta do escolhido. Júlio Caro Baroja afirma, em seus estudos sobre o carnaval na península ibérica, que as representações da quaresma eram de mulher idosa e que a queima ou serração da velha marcava o fim da quaresma, assim como a queima do Judas marca o sábado de aleluia. O “ritual” é uma paródia da extrema-unção, da leitura do testamento e da procissão das almas da sexta-feira da Paixão e é uma espécie de carnavalização que marca o final da quaresma39. Para compor a paisagem das cidades ribeirinhas, outro acontecimento vinculado à fé cristã se destaca na escrita do autor que é a romaria do Bom Jesus. A festa é comemorada no dia seis de agosto na cidade de Bom Jesus da Lapa, que recebe o mesmo nome do Santo. Na romaria se reúnem milhares de visitantes e devotos todos os anos. As ruas ficam cheias de romeiros, peregrinos e doentes que vão à terra sagrada na esperança de cura, ou se já curados, vão para cumprir suas promessas. Cenário que “lembra qualquer coisa da eterna Jerusalém das peregrinações piedosas”40. O personagem Pedro Tamboril do conto O milagre vive essa peregrinação. Depois de adquirir uma doença grave, a lepra, bebeu água da gruta sagrada e após ser curado da sua terrível moléstia, seguiu viagem a pé com sua mulher e seis filhos para agradecer ao Bom Jesus. Viajou durante um mês, passando por privações até chegar à cidade de Bom Jesus da Lapa. Ali, junto aos demais, percorre as escadarias da capela de joelhos e entra na gruta já exausto, mas feliz. Sua trajetória marca a história de tantas pessoas que compartilham da mesma fé e no poder do Bom Jesus. Nas proximidades do cais, outra paisagem mencionada, encontramos vários de seus personagens. Deocleciano Martins de Oliveira descreve este espaço como sendo o lugar da economia, da política, da cultura e do amor. É no cais que os marinheiros, já castigados pelo sol, faziam a carga e descarga dos vapores que se encontravam no porto, um trabalho desgastante. Havia os pescadores que vendiam seus peixes, única forma de sobrevivência. O cais era lugar de conflitos entre marinheiros dos vapores e remeiros das barcas, que afinal 39

BAROJA, Júlio Caro. El carnaval (Analisis histórico-cultural). Madri: Taurus, 1979, p. 136. Aparece na literatura são-franciscana de Wilson Lins, em Pilão Arcado, a serração dos adúlteros, no romance LINS, Wilson. O reduto. São Paulo: Martins Editora, 1965. 40 OLIVEIRA, D. Martins de. No país das carnaúbas. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1931, p. 136.

32

queriam estabelecer suas próprias regras, tentando obter vantagens. Os remeiros também tinham seus conflitos com a polícia e com cidadãos comuns das cidades e vilas nas quais passavam. Eram vistos como agressivos e viviam sempre na presença de prostitutas, sendo muitas vezes violentos com as mesmas. As prostitutas que se relacionavam com remeiros eram consideradas as piores por suas colegas. Em termos sociológicos, temos uma síntese das desigualdades e distorções sociais. Assim é a personagem Maria Tostão do conto homônimo de Deocleciano, que vive próximo ao cais, um local da cidade que é frequentada pelos remeiros, marinheiros e soldados. A mãe de Maria, prostituta da zona, levava uma vida sem nenhuma perspectiva. A filha, tentava levar uma vida de virtude trabalhando como aguadeira e, adolescente, sendo assediada na cidade. Ao ser estuprada pelo amante da mãe foi expulsa de casa, passando a morar em uma casa de prostituição da cidade. Ali nas proximidades do cais, acontecem os “bailes sifilíticos” das “mulheres perdidas”41. O cais também é local dos encontros e desencontros das pessoas que partem da pequena cidade natal para as grandes capitais. É no porto que o moço embarca no vapor pra estudar fora e se tornar um doutor. Despede-se da sua amada menina a quem pretende se casar e a mesma fica com o coração apertado, pois sabe que com a distância esse amor irá acabar. Ligado à imagem do cais, o papel do rio também é uma das paisagens que o autor refere. Os trabalhadores que viviam exclusivamente do rio, como os canoeiros e remeiros, desempenharam um papel muito importante para que houvesse na região uma melhor articulação econômica e social42. Transportavam pessoas e mercadorias ao longo de pequenos trechos do rio. Os remeiros também eram fundamentais na circulação cultural no vale do São Francisco. Não só os remeiros, mas também os vapozeiros, tropeiros e outros grupos sociais que compõem o Vale do São Francisco, foram responsáveis nesse processo de difusão, consolidando a unidade cultural-religiosa da região, bem como a “circulação dos mitos, lendas e poesias popular por toda a orla fluvial”43. As imagens do sertão enquanto personagem que o autor constrói em suas narrativas é que ele está cansado, há tempos não se vê uma grande chuva. Personificado, o sertão está com saudade do tempo em que foi mar. Sob o calor do sol, grita por água. As raras chuvas que caíram no solo não foram suficientes para as plantações vingarem. Os rios clamam por seus 41

OLIVEIRA, D. Martins de. 1931. Op. Cit. p. 158. NEVES, Zanoni. Navegantes da integração: os remeiros do Rio São Francisco. Belo Horizonte. Ed. UFMG, 1998. P. 225. 43 NEVES, Zanoni. Op. Cit. p. 226. 42

33

peixes que estão escassos. As pastagens definham e seus animais morrem de fome. Deus na sua compaixão começa a providenciar a chuva. As nuvens começam a escurecer, os ventos sopram e as trovoadas ressurgem no céu. Rios e riachos se enchem para a alegria do sertanejo. O rio São Francisco se transborda engolindo o cais. Assim é a narrativa do autor para mencionar as grandes cheias do rio São Francisco que também compõem a paisagem da cidade. A narrativa não perde a força poética, característica das escritas de Deocleciano. Ele se coloca como um lírico a recriar o mundo sertanejo. As enchentes do rio São Francisco para os ribeirinhos eram sinônimo de fertilização natural. Junto com a água vinham materiais orgânicos que após a vazante acumulava ao solo propiciando um bom plantio e as colheitas raramente eram perdidas. Por toda a região são-franciscana o rio possui seus encantos. Nele habitam seres poderosos e sobrenaturais. O Caboclo d’água, apelidado de “compadre” ou “moleque” é o seu personagem principal e várias versões e casos sobre ele são difundidos ao longo do rio. A imagem mais marcante que se tem desse ser encantado é que ele é um ser vingativo, furioso e ao mesmo tempo pode demonstrar afeição para aqueles que o agradam. Para não provocar a raiva e obter a sua proteção, os ribeirinhos atiram-lhe pedaços de fumo na intenção de manter uma relação amigável. Segundo Zanoni Neves, existe alguma semelhança entre esta dádiva e o despacho (ebó) que, no candomblé, se faz a Exu em troca de seus préstimos como mensageiro junto aos orixás44. Lembrando que o Caboclo d’água não tem nenhuma ligação entre os homens e Deus, ou seja, não é nenhum intermediário entre os dois, mas que na crença popular, ele pode se tornar um protetor e cooperador. Ele é o próprio “deus terrível do rio”. Na sua visão folclorista, Deocleciano não deixou de mencionar o Caboclo d’água nas suas narrativas. Temos a história de uma família que se deixa levar pelos mitos e imaginações sem analisar o que de fato lhes ocorrem. No romance que leva o nome do ser encantado do rio, Caboclo d’água, há constantemente o aparecimento de representações verticalizando definições, o que leva o leitor a pensar e tentar entender as intenções do autor. Assim é a história do personagem Francelino que após se casar com uma moça de fazenda, recatada e inocente, descobre que a mesma foi estuprada na véspera do casamento pelo então “compadre”, o caboclo d’água, ficando grávida do mesmo. A angustia é tanta que o rapaz fica completamente fora de seu juízo normal, imaginando ser ele mesmo o “bicho” do rio. Há momentos que o personagem assume o corpo do caboclo d’água e a dúvida entre ser ou não 44

NEVES, Zanoni. Navegantes da integração: os remeiros do Rio São Francisco. Belo Horizonte. Ed. UFMG, 1998. P. 238.

34

ser o caboclo parece uma provocação ao leitor para que repensem suas certezas. O próprio narrador admite a dúvida: era Francelino ou o caboclo d’água? Outro ser místico que também faz parte das crenças que compõe a cultura popular é o “Romaõzinho”, uma entidade que passou a ser conhecida e temida por todos. Nos povoados da região são-franciscana as manifestações deste espírito já eram constantes. O espírito considerado brincalhão carregava móveis, espancava pessoas, derramava comida, jogava pedra nos telhados e diversas outras travessuras45. Suas artes são contadas e recontadas por toda a região, que temem sua visita. Na literatura, a história deste espirito brincalhão é contada de forma romantizada para estimular a imaginação do leitor 46. O Romãozinho de Martins de Oliveira, certa vez, apaixonou-se por Ana Luiza, moça formosa de seus dezesseis anos. Fazia de tudo para agradá-la e a impedia de amar outra pessoa. Com o tempo a menina se aperfeiçoou a Romãozinho e passou a ter com ele um “romance espiritual”, para o desagrado da família que fez de tudo para afastá-lo da menina. Havia na vila de Cotegipe, antiga Avaí, um Centro Espírita dirigido pelo coronel João Maurício Wanderley, também chefe político deste município. O coronel e líder espírita organizou uma sessão a fim de expulsar o espírito da vida da família. A reunião deu resultado e assim o espírito de Romãozinho deu adeus a Ana Luiza. Porém, com a falta do espírito Ana Luiza foi aos poucos caindo em profunda tristeza e abatimento. A saudade era tanta que a deixou enferma com uma febre misteriosa que nem os médicos da região descobriram do que se tratava. “E a morte chegou-lhe para conduzi-la a realizar, pela libertação, a grandeza de um amor que atravessava o mistério impenetrável dos mundos” 47. Para desenhar as paisagens da cidade, o autor não deixou de fora a educação formal da cidade de Barra no início do século XX. O Instituto Amor as Letras, embora criado por protestantes, era um colégio leigo com professores enérgicos, mas sem o uso de palmatórias. O uso de palmatórias era costume das escolas da época para castigar os alunos por mau comportamento e demais travessuras. Por alguns motivos o colégio veio a decair surgindo o Colégio Diocesano criado pelo Bispado de Barra, possuindo um curso de humanidades e um ensino religioso quase que obrigatório. A população de Barra era composta majoritariamente de católicos, assim os filhos dessas famílias passaram a estudar no novo colégio quase obrigando o mais antigo fechar suas portas. Havia ainda o Colégio Normal Santa Eufrásia, das

OLIVEIRA, D. Martins de. Caboclo d’água. Romance. Rio de Janeiro: Schmídt Editor, 1938, p.62. Há uma versão desse mito em Wilson Lins, Médio São Francisco. 47 OLIVEIRA, D. Martins de. 1938. Op. Cit. p. 71. 45 46

35

Freiras, que se tornou um dos colégios mais importantes a difundir a educação por todo o vale do São Francisco através de suas normalistas. Chegou a ser igualado à Escola Normal da Bahia e às Escolas Normais Rurais de Feira de Santana e Caitité e a até mesmo às Escolas Normais da capital48. No entanto, nem todas as crianças tinham condições de estudar ali, os pais não podiam custear o curso. Nos últimos anos, segundo Ione Celeste de Sousa

49

, a literatura brasileira,

memorialística e romance, vêm assumindo papel importante como fontes para a apreensão da cultura escolar. Souza apresenta em seu projeto de estudos50 um cruzamento de fontes, no qual considera a literatura essencial e rica para a história e principalmente para a história da educação. “A literatura pode oferecer uma chave instigante, levantar algum dado desprezado pela historiografia corrente que se vale apenas de documentos oficiais escritos como fonte” 51. Assim, a literatura como fonte histórica é (ou pode vir a ser) importante para o estudo da história da educação brasileira, bem como facilitar as análises de situações que devem ter sido bem comuns nas salas de aulas de escolas públicas no decorrer do século XX. A cidade também é o lugar da política. Deocleciano menciona o partido dos “Rabudos” que dominaram a política da cidade por vários anos. Gente de família tradicional considerada orgulhosa, egoísta e intolerante. Devido a manobras judiciais, os Rabudos foram responsáveis pela falência da casa comercial da família dos Ramalhos, conceituados comerciantes da cidade de Barra e potenciais ou efetivos concorrentes na política municipal. A escrita de Deocleciano busca mostrar que apesar das mudanças já ocorridas no campo da política, as velhas práticas de chefes políticos ainda continuavam com as mesmas injustiças, obtendo vantagens e estabelecendo suas próprias regras. Há ainda os coronéis que viraram chefes políticos. Como os governos precisavam dos votos dos pequenos povoados que eram dominados pelos coronéis, ficaram sujeitos a eles. As lutas entre coronéis ocorriam em torno do uso e posse de terras e domínio na política. Havia também a tensão entre os coronéis tradicionais, herdeiros das famílias proprietárias da região e os novos ricos, coronéis mestiços

48

OLIVEIRA, D. Martins de. Procuro o menino. Obra Póstuma. Rio de Janeiro: Cátedra, 1976. Ione Celeste J. de Sousa é Doutora em História Social PEPGHS.PUC-São Paulo, 2006. Professora adjunta B, da UEFS. 50 Ver estudo Cultura Escolar e Literatura: Fontes em História da Educação. Projeto financiado pela UEFS – Escolarização e Formação Profissional em Feira de Santana – 1910 / 1960 os grupos Escolares, a Escola Normal da Feira e o Ginásio Mantenópolis. SOUSA, Ione C. (Org.); CRUZ. Antônio R. Seixas da (org.). Escolas Normais na Bahia; olhares e abordagens. 01 ed. Feira de Santana-Ba: Editora da UEFS, 2012. 170 p. 51 LOPES. Teixeira. Apud. SOUSA. Ione C. 2012. P. 03. 49

36

ou emergentes, como os Ramalhos do romance Caboclo d’água e os Vim-Vim da autobiografia de Deocleciano, que representavam a modernidade no sertão52. As paisagens das cidades localizadas às margens do rio São Francisco são interessantíssimas, mas são pouco mencionadas por outros escritores. Orlando M. Carvalho53 as caracteriza como uma “massa de cidades rarefeitas, de produção limitada pelas dificuldades de transportes e pela falta de água das culturas ribeirinhas; de poder aquisitivo pequeno e capacidade tributaria inferior”. A história de muitas cidades desta região no período estudado apresenta-se cheias de conflitos sangrentos. Nas descrições de alguns viajantes, viviam sob esses conflitos as cidades de Xique-Xique, Pilão Arcado, Remanso e Carinhanha. Rodeada de jagunços vivia a cidade de Santa Maria da Vitória. Barra, diferente das demais cidades são-franciscana, construiu em torno de si um discurso de que vivia em paz, não apresentava tumultos. Era considerada a vila mais importante do Médio São Francisco, a maior e mais civilizada. Segundo informações do IBGE, durante a Revolução de 1930 não foi encontrado no município núcleos de jagunços, nem chefes de bandos criminosos 54 . Geraldo Rocha descreve Barra como um “centro de cultura” no século XIX 55 . No período imperial, projetou-se como berço de aristocratas e letrados. Todavia, em Procuro o Menino, Deocleciano narra os desmandos que o Manoel José Ambrósio Wanderley cometia na cidade, com anuência do parente poderoso, o ministro, senador e deputado do Império, Barão de Cotegipe. O autor conta que em seu coração morava somente a maldade e o crime. Derramou o sangue de muitas pessoas na cidade de Barra, inclusive o de sua própria irmã Luna e do trisavô de Deocleciano, Manoel Antônio Barbosa a quem mandou matar impunemente por pura arrogância. Oliveira faz uma crítica às atitudes da família Wanderley e principalmente a Manoel Ambrósio, que no seu orgulho via somente a sua ilustre família como digna e mais importante, seja na política ou na vida social. Ambrósio 52

Osório Alves de Castro narra os conflitos entre as famílias tradicionais do vale do rio Corrente contra o coronel emergente, o “negro Bê Martins”. Wilson Lins menciona a luta entre o novo coronel Franklin Lins de Albuquerque contra os tradicionais proprietários de terra de Pilão Arcado, a família França Antunes. Em ambos, os coronéis emergentes possuem usinas, projetos de iluminação pública e urbanidade para as vilas e cidades do sertão. 53 CARVALHO, Orlando M. O Rio da unidade nacional: o São Francisco. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1937. IBGE – Enciclopédia dos Municípios Brasileiros – Municípios do Estado da Bahia, XX volume. Rio de Janeiro, 1958. P. 55. 55 ROCHA, Geraldo. O Rio São Francisco. Factor precípuo da existência do Brasil. Rio de Janeiro, Companhia Editora Nacional, 1940. P. 51. 54

37

buscava impor-se pela atrocidade, pela crueldade e pelo crime. Seus crimes ficaram impunes devido ao prestígio da família Wanderley. A história de que no século XIX Barra foi uma cidade civilizada e que vivia em constante paz e sem conflitos é contestada nesta narrativa de Deocleciano, no qual muitos crimes e muitos conflitos foram cometidos, ficando encobertos por questões de influências políticas e prestígio social. Ressaltando que não há nada escrito na história sobre este episódio. Ao falar do Barão de Cotegipe, seus descendentes haveriam de omitir o nome do seu irmão Ambrósio. Os fatos escritos por Deocleciano são acontecimentos tradicionais de família, passadas de geração a geração e que só agora através de um parente, mesmo que distante, é que vem a conhecimento da história.

2.2 Fazendas: paisagens fundamentais do sertão do São Francisco

Diferente das cidades que são consideradas polos avançados da sociedade moderna, o campo (fazendas) é estigmatizado pelo atraso político, social e econômico. Ao contrário das cidades que são movimentadas, onde pessoas vivem na correria, a vida nas fazendas é tranquila e silenciosa. Nas primeiras décadas do século XX a história do Brasil ainda era vista como a história de uma sociedade de “vocação agrária” por possuir uma população majoritariamente rural. A descrição deste cenário feita por Oliveira é riquíssima de detalhes. Mostra que esse espaço é o lugar de pessoas que possuem seus próprios modos de viver. A casa da roça aos olhos do autor aparece “pulverulenta e decrepita, meio escondida pela ramagem de tamarindeiro soberbo que lhe ficava à frente, deitando galhos sobre o telhado”. Assim é a descrição da casa do sertanejo Joaquim de Faria do conto de Oliveira, Flor do Mato. Uma casa simples com paredes de reboque, “mesa desenvernizada, assento de couro de bezerro e nos tornos pendiam todos os apetrechos de montaria”56. Uma paisagem típica do sertanejo do São Francisco que vive uma vida rústica, sem patrão e sem empregados. Cria-se gado e mantem-se uma policultura e cultiva-se hortaliças no fundo do quintal. A região do Vale do São Francisco é caracterizada por ser uma região, cuja ocupação territorial, é apontada pelos seus cursos d’água, ótima possibilidade de atividades agrícolas, além de ser uma região importantíssima para o acesso tanto do comércio, quanto de comunicação a outras localidades. Por ter as casas construídas próximas aos rios, possibilita 56

OLIVEIRA, Deocleciano Martins de. 1931. Op. cit. p. 95.

38

os roceiros manter suas atividades agrícolas, cultivando o plantio de vários produtos como o milho, o feijão, a mandioca, a cana de açúcar, o cultivo de frutas e hortaliças. A criação de animais também é favorável por essas áreas como porcos, galinhas, gados e cabras. Nas pequenas propriedades rurais, o sertanejo planta de tudo um pouco e mantém suas produções para o autoconsumo sem condições de exportar ou até mesmo vender seus produtos nas cidades próximas ou nas feiras livres por falta de transporte e péssimas condições das estradas. Tudo por ali é feito pelo próprio proprietário. São fazendas desassistidas pelo governo, denunciam os autores que reivindicam a intervenção estatal no São Francisco da década de 1930, que não investe e nem incentiva os pequenos produtores, nos quais vivem sem orientações no mais completo esquecimento. Tomemos como exemplo o conto Flor do Mato de Oliveira, no qual narra a história do Dr. Everaldo Ribeiro, que ao percorrer o sertão do São Francisco se hospeda na casa de Joaquim de Faria, seu “Quincas”. Rapaz formado em medicina e estudioso da história natural, viu nas terras do seu Quincas a oportunidade de aplicar os seus conhecimentos. Pois, apesar de ser uma fazenda simples e pequena, tinha grande potencial de expansão. As terras eram propícias para desenvolver uma lavoura com cultivo de produtos diversos e com técnicas modernas, seja na fertilização ou na utilização de maquinários. Porém, sem assistência do governo e sem os investimentos necessários a fazenda permanecia no mais completo abandono. O Doutor queria expandir a cultura e modernizar o local, elevando a pequena propriedade a uma fazenda modelo. A solução seria agir por conta própria. Pautada no discurso de que as fazendas e pequenas propriedades rurais da região sãofranciscana tem vida própria, nos quais são entregues aos seus próprios destinos, Oliveira cita também a fazenda Matafome, propriedade do João Madureira personagem do romance Caboclo d’água. Uma fazenda situada cinco léguas acima da cidade de Barra, a beira do rio São Francisco, onde as crianças brincam à toa em “trajes de Adão”, “rajados e canelas fubazentas”57. O cotidiano das fazendas é assim, casas simples e com bastante gente. Para os visitantes são armadas redes embaixo da cajazeira, onde se tem sombra e ar fresco. Em seu romance, Deocleciano a descreve com o máximo de detalhes que ganham força, em um estilo notadamente filosófico.

57

OLIVEIRA, D. Martins de. 1938. Op, cit. P. 30.

39

Há nas fazendas as benzeduras de “folhas verdes de arruda” realizadas pelas “negras cozinheiras” que são ministradas na filha doente do fazendeiro58. Essa prática geralmente era realizada por mulheres mais velhas, conhecidas por “velhas benzedeiras”59. Por toda a região havia a crença e a valorização nos curandeiros e benzedeiras que através das plantas medicinais era possível se obter a cura de algumas doenças. Não raro as pessoas buscavam as benzedeiras, principalmente as mães com seus filhos para rezar de quebranto, espinhela caída ou mau olhado. De acordo com Martins de Oliveira, “um curandeiro sozinho tem prestígio para impressionar todo o sertão”60. É bem comum associar o curandeiro com o feiticeiro, mas existe uma distinção entre eles. O curandeiro, sem ser médico formado acredita que através das rezas e da associação de plantas se obterá a cura para determinadas doenças, enquanto que os feiticeiros possuem uma espécie de magia, um poder sobrenatural. Na crença dos ribeirinhos, os feiticeiros possuem ligações com o mal, com o demônio. Como por exemplo no romance Caboclo d’água de Martins de Oliveira, temos a mulher do feiticeiro Velho Patuá que segundo o próprio feiticeiro ela era melhor e mais forte nas rezas. Possuíam serpentes dentro de casa e dizia-se que se a velha mandasse as cobras matar uma pessoa elas a obedecia61. Rodeada por mitos e crenças, a região de Barra principalmente, é descrita por Deocleciano como sendo o lugar em que a existência de curandeiros com suas rezas são bem comuns. Além da existência das “velhas benzedeiras” tanto nas cidades quanto nas fazendas, havia ainda os curandeiros ou feiticeiros. No cotidiano das fazendas a busca pelos préstimos desses curandeiros não era rara. No romance de Deocleciano encontramos o Velho Patuá, um curandeiro da fazenda que tinha o conhecimento de rezas para vários tipos de situações. O sertanejo, quando se via com algum animal mordido de cobra, recorria ao Velho Patuá que rezava e logo o animal ficava curado. A crença nos curandeiros, bem como em suas práticas, é generalizada entre os barranqueiros do rio e entre os chamados “moços de barca” que

58

OLIVEIRA, D. Martins de. 1938. Op, cit. P. 37. Zanoni Neves menciona a “velha benzedeira” como uma personagem popular no Médio São Francisco, no qual vários grupos de posições sociais eram beneficiados pelos seus saberes. Principalmente as mulheres, que mesmo recorrendo aos médicos mais prestigiados da cidade não deixavam de recorrer a elas para que seus filhos pudessem receber as rezas e ser curados dos pequenos males como mau olhado e quebranto. A benzedeira dirigia-se ao quintal, cortava um raminho de planta (arruda na maioria das vezes) e iniciava a benzedura. As rezas eram longas e a benzedeira percorria o corpo da criança com o ramo. Ao final constatava que o mesmo havia murchado, indicando que o mal havia saído do corpo da criança. As benzedeiras atendiam também pessoas adultas. 60 OLIVEIRA, D. Martins de. 1931. Op, cit. p. 135. 61 OLIVEIRA, D. Martins de. 1938. Op. cit. p. 210. 59

40

acreditavam no poder de suas rezas e de suas receitas62. Em outro conto de Oliveira, temos o Velho Sorte, um “pagé” poderoso que cura lepra com água da gruta de Bom Jesus da Lapa63. A medicina popular era muito importante para os ribeirinhos que valorizavam a flora da região e tudo que ela podia oferecer. A utilização de garrafadas, cataplasma64 e chás eram bem comuns. Ainda hoje são utilizadas as chamadas “meisinhas”, preparações com raízes, cascas, folhas e sementes de diferenciadas plantas. “O óleo de capivara misturado com o mel de abelhas era amplamente utilizado nos males do pulmão: defluxo, gripes, bronquites e resfriados”65. Outro acontecimento que caracteriza bem as fazendas são as festas. No casamento da filha do fazendeiro se encontra de tudo, comidas e bebidas com fartura. A chegada dos amigos, parentes e vizinhos próximos fazia a alegria dos moradores. A orquestra vinda da cidade toca a marcha nupcial e todos seguem para a pequena capela que fica na mesma propriedade. Depois da cerimônia a festa segue o seu ritmo dentro da casa, onde a orquestra já toca as polcas, valsas e quadrilhas. Fora da casa, no terreiro, em homenagem aos noivos acontece o São Gonçalo66, descrita de forma depreciativa por Martins de Oliveira como uma espécie de quadrilha primitiva e bárbara de africanos. Os dançarinos formam duas filas, os músicos vão à frente batendo seus tambores e pandeiros, marcando o compasso da música com os pés: “Dança-se no terreiro uma porção de bailados: o catira, o peneira... Bebe-se, de quando em quando, a cachaça. Mas de repente, tambores batendo e rebatendo sons redondos; pandeiros riscando e arrepiando cadencias; violas implicantes, pinicando e tiritando arrulos; palmas estralando [...] As almas inflam de misticismo fetichista. O sangue ferve no fogo ancestral se acendendo vulcânico: os negros parecem tomados de espíritos macumbeiros”67.

62

Segundo Zanoni Neves, no século XX, o mais famoso curandeiro da região São Franciscana foi o negro de Ló que atendia na sub-região das atuais cidades de Paratinga/Ibotirama (BA). Entre os fluviários, comentava-se amplamente acerca do seu domínio sobre cobras, o que impressiona muito a sua clientela. Algumas pessoas o consideram feiticeiro. 63 OLIVEIRA, D. Martins de. 1931. op, cit. p. 135 64 Dic. Farm papa medicamentosa feita de farinhas, polpas ou pó de raízes e folhas que se aplica sobre alguma parte do corpo dolorido ou inflamada. 65 NEVES, Zanoni. 2011. op. cit. p. 236. 66 Nos estudos de Neves sobre a religião, mitos e outras crenças dos beiradeiros, temos o exemplo das “rodas de São Gonçalo” que eram apreciadas em quase todas as localidades ribeirinhas. A coreografia dos dançarinos com seus arcos coloridos revelava não apenas a devoção dos barranqueiros, mas também a sociabilidade dos grupos populares. 67 OLIVEIRA, D. Martins. 1938. Op. cit. p. 92.

41

Os batuques da roda de samba são apreciados não só pelas pessoas adeptas de religiões afro-brasileiras, mas também pelos vaqueiros e lavradores católicos que entram na dança. Mulheres sapateiam no terreiro, expandindo sensualidade. Na narrativa de Oliveira, o personagem do Padre Cornélio também participa da roda de samba, demostrando que a sociabilidade pode sobrepor ao dogma religioso. Em outra fazenda, enquanto se vê a tristeza do fazendeiro por ter que se desfazer de parte da sua propriedade para custear as despesas, se vê a alegria do outro ao adquirir as terras. Venturano, pai de Emilio do romance Caboclo d’água (personagem autobiográfico de Deocleciano), ao comprar a fazenda Cajazeiras se entusiasma com a criação de gado e vai comprando outras fazendas, subdividindo-as em sítios do Riacho, depois Muquem, Calindé e Curimatá. Pouco a pouco os rebanhos de gado foram aumentando. Os vaqueiros de confiança eram beneficiados, de cada quatro crias nascidas do gado do patrão, o vaqueiro recebia um. Podiam ainda cultivar em benefício próprio as terras do patrão sem nada pagar68. Segundo Kluck69, o pagamento por dia nas fazendas de gado era bem mais raro do que nas fazendas de cana de açúcar. A quarteação era a forma de pagamento mais comum, no qual o vaqueiro recebia um bezerro a cada quatro que nasciam, podendo constituir seu próprio rebanho e crialo nas terras de pouco interesse dos fazendeiros ou mesmo fora das mediações da fazenda. Na região, esta era uma forma particular de trabalho. Um valor dado a existência da relação entre patrão, proprietário da terra, com o empregado, proprietário da força de trabalho. Na narrativa de Deocleciano encontramos fazendas com características diversas. Há fazendas em que os trabalhadores eram felizes no que faziam. Na fazenda Muquem por exemplo, na época da arranca da mandioca e antes das grandes chuvas, as mulheres se reuniam para ajudar na casa de farinha. “Os homens cantarolavam enquanto iam movendo a grande roda de madeira ligada a uma correia a bolandeira”70. Tudo era motivo de festa. Na lavoura, os trabalhadores cantavam ao mesmo tempo em que cumpriam seus serviços. Nenhum trabalhador reclamava do patrão. As noites na fazenda também eram alegres, podia ouvir os sons dos batuques e das violas. Vale lembrar que a descrição desta fazenda especificamente, é o olhar do autor, o olhar de filho de patrão.

Todas essas informações são encontradas nos romances Caboclo d’água (1938), que conta a história da família dos Ramalhos; narrativa autobiográfica da família de Deocleciano e no livro de memórias do autor Procuro o menino (1976). 69 KLUCK, Erick Gabriel Jones. O trabalho vai para o brejo: mobilidade, migração e colapso da modernidade. Dissertação de mestrado. São Paulo, 2011. 70 OLIVEIRA, D. Martins de. 1938. op, cit. p. 162. 68

42

Possuir grandes e prósperas fazendas constituía a riqueza das famílias mais distintas da região. Nas suas fazendas pode-se plantar de tudo, tem casa ampla, possuem empregados e o curral com várias cabeças de gados. Os pobres possuíam pequenas propriedades, no qual o que se planta mal dá para a sobrevivência e suas casas são pequenas choupanas. As secas levam a vida agrícola à ruína e sem ter a assistência do governo muitos fazendeiros fracassam. Famílias se transformam em retirantes para não ver mais a pobreza, vão em busca de outras oportunidades. Ao término da estiagem, as chuvas caem provocando as cheias do rio. Para os produtores que resistiram a seca, as enchentes são outro motivo de perda de grande parte das plantações de vazante. É necessário que a venda seja feita antes que se perca todo o estoque dos produtos, mas o mercado e as feiras da cidade já se encontram cheios e sem nenhuma saída. Exportar é outro problema, o frete não compensa e mesmo que chegassem ao destino os produtos já estariam estragados. Sem contar que os impostos são altíssimos e a oferta em grande escala torna inviável a comercialização. Fora da ficção, temos a menção de uma fazenda feita por Orlando M. de Carvalho. Sua descrição é de uma fazenda que antes de ser destruída pela enchente, era uma propriedade agrícola com muitos funcionários. Depois da cheia do rio, esses funcionários partiram para outras localidades e o que restou foi somente um casal com crianças seminuas, além de algumas cabeças de bodes. “Da casa ficou somente as paredes gastas pela água onde se podiam pendurar arreios e no interior, se podia ver duas esteiras e um tripé”71. Dos breves apontamentos já indicados que caracterizam as fazendas, há ainda os campos que também compõem esta paisagem. Ligado às fazendas, o campo constitui o cenário do sertão e são distinguidos pelos vaqueiros que geralmente são caracterizados como homens fortes, espertos, rudes, mas também práticos e honestos. Euclides da Cunha em Os Sertões os descreve como homens que atravessaram a mocidade sem ter sido crianças. “É um condenado a vida que se aprestou cedo para a luta” 72 . A impressão que se tem é que o vaqueiro não tem medo de nada, pois penetra na caatinga atrás do gado que se perdem ou ficam presos no mato. “Suas vestimentas são como uma armadura”73. Vestem-se com gibão, colete e perneiras de couro curtido. As perneiras são presas as pernas e sobem até a virilha. As mãos e os pés são protegidos com luvas e guarda pés de pele de veados. Para Euclides da

71

CARVALHO, Orlando M. Op. cit. p. 96-97. CUNHA, Euclides. Os Sertões, Volume I. São Paulo, 1901. Texto proveniente do Ministério da Cultura – Fundação Biblioteca Nacional. Departamento Nacional do Livro. p. 50. 73 CUNHA, Euclides. Op. cit. p. 51. 72

43

Cunha essa vestimenta é como uma forma grosseira de campeador medieval desgarrado em nosso tempo. Na época da vaquejada74, os vaqueiros se reúnem em um trabalho que consiste em discriminar os gados das fazendas vizinhas que viviam em comum nos pastos. Dividem as funções que cabe a cada um e seguem para a caatinga em uma correria selvagem para capturar os animais. Ao final, depois de separar e contar todas as cabeças seguem para as fazendas tangendo o gado e cantando o aboio75. O vaqueiro de Deocleciano é vivido pelo personagem José Pinga Fogo, nascido na fazenda “Quixabas” e desde criança já montava nos bodes e carneiros bravos. Cresceu solto e destemido na caatinga, acordava cedo para apanhar leite das vacas no curral da fazenda e soltava os animais no pasto. José Pinga Fogo era um moço bonito, forte e tratava muito bem o gado e os demais animais da fazenda. Pastorava os rebanhos até longe de casa sem se perder. Para conquistar o amor de Isabel, a moça mais bela da fazenda, José participou de uma vaquejada, no qual teria que capturar o boi “marruá cara branca” na lagoa do Fundão. “Vestiu sua roupa de couro de bezerro, colocou a perneira, o parapeito, o gibão. Botou as luvas de couro, pegou o chicote, cordas, montou no cavalo e se adentrou na mata sem companhia”76. No fim do dia voltou para a fazenda já com o “marruá cara branca” conquistando enfim o apreço de Isabel. Neste conto, Martins de Oliveira leva para a prosa um dos temas mais fortes na poesia popular, a vitória do vaqueiro sobre a rês. Vida de sertanejo seria assim, em suas propriedades rurais isoladas uns dos outros, no qual o acesso muitas vezes tinha que ser feita atravessando o rio, seguindo a cavalo ou a pé na caatinga. Plantavam suas culturas, melancias, abóboras, mandioca, milho e feijão. Seus trabalhos na casa de farinha rendiam tapioca, beijus, puba, biscoitos e bolos. A produção era só para a família comer e não precisava comprar o que a lavoura dava. As recepções aos visitantes eram sempre as mais festivas. Jantares especiais eram servidos e após a refeição, sempre vinham as bebidas, as danças e cantorias acompanhados de violas e pandeiros.

74

Em Os Sertões Euclides da Cunha descreve a vaquejada como sendo o momento em que o vaqueiro se embrenha na mata em busca do touro desgarrado. Capturar o animal fugitivo é um momento decisivo. Ao alcançá-lo o vaqueiro cai logo para o lado da sela, ficando suspenso com uma mão presa a crina do cavalo e com a outra agarra a cauda do boi e com um puxão fortíssimo derruba-o no chão. O quadro tem a movimentação selvagem e assombrosa de uma corrida de tártaros. 75 Canto triste e preguiçoso em que os vaqueiros cantam no momento de guiar as boiadas. Oliveira compara o aboiado como o sino do sertão chamando à igreja do curral o rebanho. 76 OLIVEIRA, Deocleciano Martins de. 1931. op. cit. p. 85.

44

CAPITULO III - PROGRESSO E MODERNIZAÇÃO NA OBRA DE MARTINS DE OLIVEIRA 3.1 Fundamentos teóricos – progresso / modernidade

No capítulo anterior descrevemos os núcleos urbanos (cidades) e os núcleos rurais (fazendas/campos), nos quais para muitos escritores/viajantes as cidades representam o progresso e a civilização enquanto que o sertão/interior representa a ausência de desenvolvimento ou incipiência de progresso. Neste discurso, como entender a questão do progresso e desenvolvimento de uma determinada sociedade, visto que o tema da modernidade está intimamente envolvido com o do progresso? Pautado na articulação do pensamento com o materialismo histórico, Walter Benjamim77 faz uma crítica sobre o progresso e a tecnologia, reconhecendo que o conceito de progresso pode ter tido uma função crítica em sua origem, mas no século XIX, quando a burguesia conquistou posições de poder, essa função desapareceu. Surgindo daí a necessidade de submeter o conceito a uma crítica imanente pelo materialismo histórico, cujo conceito fundamental não é o progresso, mas sim a atualização78. Segundo Peixoto, Benjamin não nega que os conhecimentos e as atitudes humanas progrediram, o que ele recusa é o mito de um progresso da própria humanidade que resulta necessariamente das descobertas técnicas, do desenvolvimento das forças produtivas, da dominação crescente sobre a natureza79. Benjamin afirma que “a ideia de progresso da humanidade na história é inseparável da ideia de sua marcha no interior de um tempo vazio e homogêneo”80. A noção de progresso supõe uma perfectibilidade humana, uma marcha sempre progressiva em direção a um futuro melhor. Para Benjamin não há verdadeiro progresso na história; o progresso se funda sempre no seu eterno retorno, eventualmente sob um disfarce pior81.

77

No final de 1920 até 1940 Walter Benjamin desenvolveu uma obra que só foi publicada pela primeira vez em 1982, A obra das passagens, no qual critica à ideia de progresso. O capitulo é intitulado de “Teoria do conhecimento, teoria do progresso”. Benjamin desenvolve uma versão própria do materialismo histórico livre do conceito de progresso e propõe no seu lugar, o conceito de atualização. BENJAMIM, Walter. Apud MACHADO, 2010. 78 Citado por PEIXOTO, Luiz Antônio da Silva. Walter Benjamim: uma visão crítica do progresso e da tecnologia. Vértices, ano 2 nº 01, jul. 1999. 79 Idem, p. 03. 80 BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras escolhidas I. Ed, Brasiliense, 1987. Tese 13, p. 229. 81 BENJAMIN, Walter. op. Cit. p. 229.

45

A abordagem crítica do progresso técnico tem sido dominante também no marxismo. Dentre os pensadores, Marx é o que perceberá o modo de produção capitalista, como o grande protagonista do mundo moderno e de forma singular, a sua natureza profundamente contraditória82. Outros pensadores sociais do século XIX e início do XX também formularam suas teorias sobre o mundo moderno. Jose de Souza Martins problematiza essas e outras questões da vida moderna a partir de uma dialética da história, retomada de Marx, mas atualizada para a contemporaneidade83. No Brasil há constantes contradições de modernidade. A vida rural e seus costumes não tem espaço para o imaginário moderno. A construção da concepção de civilização descartou as manifestações da cultura popular. No contexto capitalista industrial a pobreza ficou fora da sociedade moderna84. No Brasil as construções positivista republicanas tentaram sempre “civilizar” a nova nação capitalista tentando renegar o passado escravista. Por essa razão a realidade complexa da escravidão, suas expressões socioculturais e sua memória foram colocadas à margem da sociedade que se buscava imaginar e edificar. Ao invés de tentar solucionar o déficit social criado pela colonização escravista com relação à população afro-brasileira, os políticos nacionais em nome do progresso e do lucro capitalista, relegaram para a marginalidade a cultura popular e a pobreza, bem como as suas memórias. No entanto, apesar dessas tentativas civilizatórias, as desigualdades se expressam na dialética da historicidade e no cotidiano do homem moderno. Desse modo, as tradições e os costumes populares, bem como as históricas questões sociais, persistiram sempre incomodando os planos dos diversos liberalismos85.

No Brasil, muito antes da república, a ideologia do progresso já estava generalizada. “Redesenhar o perfil do país e da população, afastando a ideia de atrasado e exótico, era o projeto de muitos homens públicos” 86 . Para a sociedade brasileira, o progresso seria a construção de estradas de ferro, a urbanização, a modernização das máquinas que seriam utilizadas na agricultura, a construção de telégrafos, dentre outros. As ferrovias eram a melhor opção, a mais poderosa para se chegar ao interior do país e muitas vezes, antes mesmo de 82

Clovis Caribé cita que a obra de Marx que melhor retrata as concepções sobre modernidade é o Manifesto Comunista. Texto no qual identifica como se dá o processo constitutivo do mundo moderno, como ocorre a expansão do capitalismo. Mesmo Marx não tendo teorizado esse conceito, o seu espectro paira sobre sua narrativa histórica, que apresenta como moderna todas as manifestações, gênese e consolidação global do capitalismo. Ao identificar o capitalismo como protagonista da formação do mundo moderno, Marx captou de forma singular a natureza profundamente contraditória desse modo de produção, não como repetição do passado, mas como uma natureza opressiva e desumana. SANTOS, Clóvis Caribé Meneses dos. Oeste da Bahia: Modernização com (Des) articulação econômica e social de uma região. Tese de Doutorado. Salvador: UFBA, 2007 83 Ver estudo de SOUZA, Laura Olivieri Carneiro de. O Social em Questão - Ano XIII - nº 24 - Jul-Dez 2010, p. 189-196. 84 Idem, p. 189-196. 85 MARTINS, José de Souza. A sociabilidade do homem simples: cotidiano e história na modernidade anômala. São Paulo: Editora Contexto, 2008. 172 pp. Apud. SOUZA, Laura Olivieri Carneiro de. 2010. 86 ARRUDA, Gilmar. op. cit. p. 103.

46

existir um povoado ou vilarejo, as ferrovias já chegavam se tornando um símbolo de progresso. O cenário de progresso recorrente no Brasil no início do século XX era a continuidade de uma política iniciada no governo imperial que constatou a necessidade de modernizar o país 87 . Segundo Alencar, para firmar esta proposta, era preciso aperfeiçoar os meio de transportes e assim poder dinamizar a ligação entre os espaços e pessoas, abrindo caminhos para levar a cultura e potencializar atividades econômicas, inserindo o Brasil no grupo das “nações civilizadas”. Assim como as instalações de indústrias, os vapores e ferrovias marcaram o início da história de desenvolvimento brasileiro88.

A ferrovia é uma técnica, fruto de relações sociais especificas datadas do século XIX, que não deve ser confundida com a promotora das transformações sociais, embora, como resultado de sua instalação, tenhamos a transformação da mentalidade dos moradores, acelerando a incorporação ou a resistência às transformações que empurravam a ferrovia mais para dentro do sertão. Por todo o mundo, a construção dos trilhos de ferro, passou a marcar, na imaginação das pessoas, a chegada do progresso ou da modernização. O apito do trem trazia a reconfortante sensação, para as pessoas – por mais distantes que estivessem – de serem civilizadas, de serem contemporâneas89.

A modernidade técnica perde totalmente o sentido se não estiver à disposição da sociedade. De fato, a modernidade tecnológica já foi em grande parte atingida no Brasil, porém há uma contradição entre essa modernidade e a questão do acesso a ela pela maioria da população. Diferente de outros países, assim como sustenta Oliven90, o Brasil passou por uma modernização conservadora em que o tradicional se combinou com o moderno, a mudança se articulou com a continuidade e o progresso convive com a miséria. A sociedade brasileira é hoje composta de desmedidas desigualdades econômicas e sociais. O progresso era a palavra chave do século XIX e XX. Assim como afirma Hobsbawm, o “drama do progresso” é uma metáfora, mas para várias pessoas foi uma dura realidade, significando sérias mudanças inevitáveis91.

87

ALENCAR, Noila Ferreira. Eixos de desenvolvimento: as cidades, os vapores e as locomotivas no norte de Minas Gerais. Dissertação de Mestrado – UEMG. 2012. P. 60. 88 Idem, p. 60. 89 ARRUDA, Gilmar. Op. cit. p.108. 90 Ver estudo de OLIVEN, Ruben George. Cultura e Modernidade no Brasil. São Paulo em perspectiva. Vol. 15 nº 2. São Paulo Apr. /june 2001. 91 HOBSBAWM, Eric. J. A Era do Capital. 5ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. p. 23.

47

3.2 Diagnósticos do atraso: o “drama do progresso”.

Assim como a técnica, os romancistas regionalistas também foram responsáveis em criar cenários propícios nos quais pudessem reclamar o Estado para que voltassem seus olhos para o “abandono” da região São-Franciscana. Nas primeiras décadas do século XX várias cidades da região passavam por sérias dificuldades, ficando completamente abandonadas, entrando em decadência e permanecendo por décadas à margem do desenvolvimento. A cidade de Barra, cidade natal do autor, teve sua ascensão econômica e social no período de 1891 e 1912, quando se tornou centro de movimento comercial devido a sua posição geográfica no Estado da Bahia92, tendo o rio São Francisco principal curso para os viajantes, ponto de comercialização e escoamento de produtos. Desfrutava neste período de uma situação privilegiada entre as unidades municipais mais prósperas do Estado da Bahia. Nesta época a borracha de maniçoba e outros produtos naturais tiveram seus triunfos, levando para a região diversas pessoas vindas de várias localidades e fortalecendo o comércio local. Porém, a maniçoba teve seu declínio no ano de 1912, deixando grandes prejuízos aos comerciantes. Houve ainda no ano de 1914, início da primeira guerra mundial, uma crise que fez com que os produtos de exportação sofressem uma baixa nos preços acarretando uma depressão jamais vistas no comercio regional93. Por trás da história romantizada, a intenção de Deocleciano Martins de Oliveira Filho era mostrar os problemas da cidade de Barra e da região no intuito de sensibilizar os governantes e clamar por soluções. Tratava-se de uma literatura engajada nesse tema. Deocleciano procurou mostrar em suas obras, diversas questões, no qual ele considerava como situações que levaram o atraso do desenvolvimento e do progresso na cidade. Nas obras, destacou temáticas como a má gestão de políticos, o aumento de impostos, a migração de trabalhadores e essencialmente discutiu as atitudes violentas dos coronéis. No romance Caboclo d’água, parte do enredo narrado gira em torno da política da cidade de Barra que foi dominada por vários anos por políticos do mesmo partido, os Rabudos. O povo não depositava neles nenhuma perspectiva de que pudessem trazer para a cidade prosperidade. As atitudes do chefe político que estava no poder naquela época eram injustificáveis, puramente feudais e egoístas. As injustiças e os abusos de poder dos políticos estão constantemente presente nas obras de Oliveira. Vinganças a oposição aconteciam IBGE – Enciclopédia dos Municípios Brasileiros – Municípios do Estado da Bahia, XX volume. Rio de Janeiro, 1958. P. 58 93 OLIVEIRA, D. Martins de. 1938. Op. cit. p. 145. 92

48

causando prejuízos e até mesmo falência nos negócios de famílias conceituadas da cidade que se encontravam na oposição. A narrativa do autor é a história de quem viveu e sofreu essas adversidades. O comércio dos Ramalhos, família fictícia do romance, sofreu sérios prejuízos, no qual as vendas caíram consideravelmente e o volume dos negócios também reduziu. Primeiro, devido à crise que assolou o país nesse período e segundo, por manobras tramadas pelos políticos adversários. No momento em que a região, bem como todo o país estava passando por crises econômicas, o chefe político destituído de nenhum escrúpulo e contando com influências de pessoas importantes no magistrado, fez de tudo para derrubar a família dos Ramalhos. Levantou acusações sem fundamentos com falsificação de documentos, acarretando em escândalo público e desmoralizando a família perante a sociedade barrense. O requerimento de falência feito pelos políticos do partido dos Rabudos ao comércio dos Ramalhos foi visto como uma perseguição. Queriam reduzir a família à miséria, deixá-los sem honra. “O prestígio dos Rabudos era irredutível e o sentimento de crueldade e vingança escureciam as vistas”94. Percebe-se que com essas disputas pelo poder e com as brigas de coronéis tradicionais e coronéis novos, não havia nenhuma possibilidade de que o progresso chegasse à cidade. Uns mantinham o caráter independente desejando ver melhorias para sua cidade, enquanto que os outros, tradicionais e egoístas, permaneciam com pensamentos enraizados no passado sem nenhum sentimento de moralidade. Prevalecia uma sociedade que vivia sob os mandos e desmandos dos chefes políticos sem nenhuma probabilidade de desenvolvimento. No conto “Ressureição dos Bandeirantes”, Martins de Oliveira fala que o chefe de Barra, Francisco Mariani, líder do partido Rabudo, passa o dia na farmácia falando “filosofias baratas” e diz que o beiradeiro não trabalha por ter o peixe fácil para comer. O chefe local apenas prega placas com nome de parentes nas ruas95. Francisco Mariani apenas bebe cachaça e lê romances, “nunca resolveu um problema da zona”96. Deocleciano opõe a “nata política da eterna oligarquia dominante” dos Mariani, uma “oligarquia vagabunda” à “força nova”, à “gente heroica” 97 , fator de progresso do São Francisco que é aniquilado pelo atraso da

94

OLIVEIRA, D. Martins de. 1938, Op. cit. p. 114. OLIVEIRA, D. Martins de. 1931, Op. cit. p. 186. 96 Idem, p. 186. 97 Ibidem, p. 186. 95

49

“política sem idealismo” dos “chefetes locais”98. Enquanto Barra tem esse problema, outras cidades do vale vivem “lutas armadas” para piorar99. As cobranças de impostos altíssimos também foram vistos como fator relevante que impedia a cidade de progredir. Os impostos eram tão altos que os produtores não conseguiam escoar seus produtos e os mesmos perdiam as lavouras. Na narrativa de Deocleciano, os políticos locais nada faziam para que esta situação melhorasse. Novamente se vê que por trás das cobranças absurdas de impostos, estavam as tramas dos políticos para derrubar os adversários.

(...) Também não se exporta... argumentou Valencio. - Exportar o que homem de Deus? Melancia? Fruta? Onde já se viu. - Como não? Então, em outros lugares não se exporta frutas? - Você está é doido varrido. Frete não é dinheiro? Quando elas chegarem nos destinos, já estariam podres. - E esses quatro vapores da viação iam dar a nota dos carregamentos? - E os impostos, homem de Deus? Você não vê que até o mercado do Sr. Antônio João está cobrando um dinheiro de impostos? -Lá isso é. O patrão tem enterrado uma fortuna naquela roça. -(...) ouvi dizer que o intendente já está tratando de cobrar mais impostos por arroba de algodão, só para perseguir seu Venturano? - Não duvido nada. Política é assim mesmo 100.

Nas primeiras décadas do século XX, enquanto as cidades do interior permaneciam estagnadas economicamente e socialmente, os centros urbanos brasileiros, principalmente São Paulo, ganhavam destaque com a implantação de novos e complexos segmentos de modernização. A estrutura industrial teve uma ampla diversificação como a metalurgia, a mecânica, materiais de transporte e elétrico. Neste período a agricultura, essencialmente o café, teve seu grau de desenvolvimento e valorização no mercado exportador. Com o crescimento diversificado em vários setores, abriu-se espaço para a procura de trabalhadores. A presença do imigrante estrangeiro na cidade de São Paulo até o final da Primeira Guerra Mundial, já era predominante. No entanto, com o crescimento da economia, bem como o crescimento populacional urbano, a situação exigia que os serviços também se ampliassem. “A cidade agora crescia, elevando seu ritmo com a presença de imigrantes nacionais como os nordestinos, que trouxeram novas combinações sociais e culturais”101.

98

OLIVEIRA, D. Martins de. 1931, Op. cit. p. 188. Idem, p. 186. 100 Ibidem, p. 188. 101 CANO, Wilson. Da década de 1920 à de 1930: Transição rumo à crise e à Industrialização no Brasil. Revista Economia. Artigo da sessão especial “80 anos de Revolução de 1930: seu significado para a economia brasileira”. 38º encontro anual da ANPEC. 2012. 99

50

Foi justamente para chamar atenção para a questão da migração dos trabalhadores da região São Franciscana para as lavouras de café em São Paulo que Oliveira descreve em seu romance Os Romeiros a situação desse povo que sai de suas cidades a procura de compensação de trabalho. Foi com o sonho de riqueza que se elevou a povoação do São Francisco. A busca destemida por tesouros trouxe os bandeirantes nortistas e depois paulistas para essas bandas. Se estabelecendo em fazendas, o povo foi florescendo e se instalando por todos os cantos da região. Este mesmo sonho de prosperidade, agora sem apoio e sem a assistência dos dirigentes, os habitantes vão saindo de suas cidades em busca de novas conquistas. Os políticos fechavam os olhos para esta situação, nada fazendo para manter o povo a sua terra, para impedir que o despovoamento acontecesse. O povo das pequenas cidades interioranas do São Francisco passou anos vivendo sob o “esquecimento” dos governantes. As cidades não se desenvolveram por falta de investimentos. Faltavam indústrias, a agricultura não tinha assistência e os transportes e estradas também eram precários. Os únicos instrumentos que os agricultores tinham para manejar a terra era simplesmente a enxada e o machado. “A cana de açúcar ainda era moída com o velho engenho colonial de madeira puxado por bois e a farinha ainda era feita pela bolandeira, um processo que era realizado pelos fazendeiros a muitos anos atrás”102. O cultivo das lavouras e a criação de gado eram as únicas atividades econômicas da terra nesse período e cabia aos políticos, trazer benefícios para a expansão dessas atividades econômicas. Exportar era impossível, pois os vapores cobravam fretes exagerados e os comerciantes apelavam para barcas precárias 103 . Impostos eram cobrados até mesmo nas passagens dos imigrantes para o outro Estado, “com a desculpa de que pretendia evitar a saída de braços trabalhadores do Vale do São Francisco”104. Os imigrantes viajavam em vapores na segunda classe ou em trens de ferro totalmente aglomerados de gentes e mercadorias. Quase intransitáveis, onde homens, mulheres e crianças viajavam na promiscuidade. Todas as despesas da viagem eram custeadas pelo governo do Estado contratante, que pagava ao governo do estado contratado. Tudo tinha seu custo, “alugavam até a sombra das árvores para os imigrantes descansar”105.

Deus sabe as raízes que a gente tem de arrancar da terra, para se ir procurar uma paragem onde se encontre compensação do trabalho. Enquanto se falou na irrigação das lavouras, discutiu-se colonização de nosso vale e não se olhou para isso aqui, a 102

OLIVEIRA, D. Martins de. 1931. Op. cit. p. 187. Idem, p. 188. 104 OLIVEIRA, D. Martins de. 1973. Op. cit. p. 14. 105 Idem, p. 14. 103

51

gente ficou com os cabelos embranquecendo do mesmo ramerrão. Como não quero ver mais pobreza, além da que tenho, deixei os quatorze filhos, por não poder carregar com todos: depois de me enganchar num galho, arrasto a carga. Nunca vi o São Francisco pior do que agora. A politicagem vai roendo o resto106.

No conto “Ressureição dos Bandeirantes”, Deocleciano compara os sertanejos com os bandeirantes do período colonial, mas acentua o problema da migração em sua época quando dizia que o êxodo despovoa vilas, “os homens rareiam tanto que há um verdadeiro pânico entre as mulheres”107. “O despovoamento é um clamor tremendo de lágrimas; é um drama imenso de saudades e desesperos”108. De um dia para o outro “as casas ficam vazias, sem viola, sem fogo, sem o barulho das crianças, sem moradores, sem alma viva, ao abandono”109. Martins de Oliveira compara o êxodo sertanejo ao tráfico humano. “Aqueles vapores reviveram cenas de navios negreiros!” 110 . Havia, inclusive, a figura do traficante, os aliciadores de mão de obra. Os “trabalhadores [eram], enganados pelos que os aliciavam”, esses aliciadores lucravam 100$ “por pessoa que arrebanhavam” levando à “sangria” da população do rio São Francisco111. Com o êxodo, não há braços para a lavoura local112.

3.3 Projetos de progresso: técnica, ciência.

Na década de 1930 houve uma maior comoção entre os literatos para a causa do São Francisco. O coronelato que sobreviveu e se adaptou à centralização política do regime de Vargas queria progresso econômico. Ansiavam por repetir os triunfos que a borracha sertaneja da mangaba e da maniçoba geraram na virada do século e que o algodão, a pecuária e a carnaúba ofereceram nas primeiras décadas. Todavia, golpeados pelo fechamento dos mercados internacionais com a depressão de 1929 e perecendo com as secas da década de 1930 – que matava o gado, tomava sua mão de obra e depauperava suas fortunas – os coronéis apelaram para uma intervenção do Estado113.

106

OLIVEIRA, D. Martins de. 1973, op. cit. p. 15. OLIVEIRA, D. Martins de. 1931, op. cit. p. 183. 108 Idem, p. 183. 109 Ibidem, p. 183. 110 OLIVEIRA, D. Martins de. 1931, op. cit. p. 200. 111 Idem, p. 199-200. 112 Ibidem, p. 184. 113 MARTINS, Flavio Dantas. Bom Jesus mande progresso ou paisagem sertaneja e modernidade no debate São Francisco. Inédito. 13 páginas digitadas. 107

52

Em uma perspectiva de que o Estado pudesse adotar a tarefa de construir, de transformar e de levar melhorias para o desenvolvimento da região, Martins de Oliveira queria mostrar que a solução para que o progresso pudesse realmente chegar a região seria através do Estado, no qual tinha que assumir sua tarefa de proteção nacional e transformar a região do Vale do São Francisco. Deocleciano imaginou uma fazenda modelo que pudesse produzir para essa região. Na sua visão, tentava encontrar uma fazenda tradicional que tivesse potencial, riqueza natural e humana, onde as terras fossem férteis, com trabalhadores capazes e inteligentes e inserir a técnica como elemento para resultar em progresso. A visão do autor sobre esta questão está narrada no conto “Flor do Mato”, onde Martins de Oliveira conta a história do personagem Everaldo Ribeiro, Doutor que chega à fazenda Manga das Caiçaras e acaba se impressionando com a propriedade do fazendeiro major Joaquim de Faria e também com os encantos da “brejeirinha embaraçada” Florisbela, filha do fazendeiro114. O doutor viu na fazenda a possibilidade de apresentar um pouco de técnica, afim de que a mesma se desenvolvesse e se tornasse uma fazenda modelo. A terra tinha potencialidade, assim o doutor discutia com o fazendeiro sobre cultura e cuidados com a terra. Percebe-se suas intenções neste diálogo com o sertanejo, -Tenho aqui sete tarefas de plantação; dá para a gente comer um ano. -E porque não planta para exportar? - É muito difícil o transporte para a cidade, seu doutor. - É verdade! O sertanejo do São Francisco parece que é o mais esquecido dos governos. Para ele nada fazem; não lhe beneficiam a cultura nem a criação; não cuidam de instruí-lo nem de lhe dar saúde física; oneram o comercio de impostos e não incentivam qualquer indústria... Tudo ao abandono, sem orientação, entregue aos seus próprios destinos115.

Na fazenda Manga das Caiçaras, plantava de tudo um pouco, tendo a criação de gado atividade principal. Com Florisbela a conversa se desenrolava sobre o jardim e a horta. O doutor trouxe consigo várias sementes de flores e hortaliças diversas para enriquecer o seu canteiro. O sertanejo do São Francisco vivia sem nenhuma assistência, “parece o mais esquecido dos governos” 116 . Nada na região ia para frente, dando a impressão que tudo faltava. No “rincão” sertanejo, distante de tudo, podia-se viver no silêncio, no mundo de 114

OLIVEIRA, D. Martins de. 1931. OP. cit. p. 99. OLIVEIRA, D. Martins de. 1938, Op. cit. p. 37. 116 Idem, p. 106. 115

53

sonhos e amor117. Vivia num paraíso idílico no qual “não havia luta de classes”: “patrões e operários se irmanavam”. “Não pulavam as ambições desbriadas do ouro nem se observava o fragor das lutas de interesses; o coração hospitaleiro da terra floria em abnegações e generosidades na vida pacífica dos simples” 118 . Aqui o autor destaca a cordialidade do sertanejo, o que contrasta com outras obras sua sobre violência e a opressão das “oligarquias vagabundas”. O sentimento do povo é que os governantes não tinham (ou não tem) consideração pelos pobres, eram tratados como fardos. “Porque ao invés de afogar o povo, já afogado pelas cheias do rio, de queimá-los a pele já queimada das secas que torram as plantações, não lhes dão capital, não os protegem, não os ajudam nas lavouras e na criação, não aumenta os transportes?” 119 . “As lavouras entraram em absoluta crise, o comércio era uma mentira, enquanto que a politicagem era um fato” 120 . A esperança permanecia nos corações do sertanejo, que acreditava que um dia as melhorias chegariam à região são-franciscana. No mesmo conto mencionado, o personagem Everaldo, com “sentimentos de prosperidade crescente e de uma inteligência fértil” 121 , passa a incentivar seu Quincas a comprar uns caminhões, abrir umas estradas e aumentar a cultura do solo. Atraiu outros colonos, incentivando-os a fertilizar as terras para a lavoura se desenvolver. “Passou a trabalhar o dia inteiro, ardentemente, sem o menor interesse, dispensando mesmo boas somas de seu bolso”122. Assistiu na expansão do galinheiro, do curral, do jardim da casa e da horta. O Doutor conquistou a confiança de todos, pois sabia perfeitamente insinuar seus planos que sempre era executado pelos fazendeiros. Conquistou também a confiança de Florisbela, a quem o envolveu de uma grande paixão. Dedicou um pouco do seu tempo a lhe ensinar algumas técnicas de como manejar o jardim e a horta, seguindo um modelo moderno igual ao das grandes cidades. Passou a ser o seu professor dedicado, auxiliando-a na leitura e na escrita. “Como um narodnik russo que quer elevar o comunitarismo camponês através das vantagens tecnológicas do capitalismo, sem o inferno de luta social e corrupção que ele traz”123, o Doutor Everaldo decidiu então ir a capital e trazer para a fazenda Manga das Caiçaras um automóvel, um rádio, erguer um solar, 117

OLIVEIRA, Deocleciano Martins de. 1931. op. cit. p. 114. Idem, p. 114. 119 OLIVEIRA, D. Martins de. Os Romeiros. 1973. p. 14-15 120 OLIVEIRA, D. Martins de. No país das carnaúbas. Op. cit. p. 199. 121 Idem, p. 111. 122 Ibidem, p. 111. 123 MARTINS, Flavio Dantas. Op. cit. p. 11. 118

54

no intuito de proporcionar um pouco de progresso. Seu retorno a fazenda depois de cinco meses faz seu sonho se desmoronar, pois sua demora em retornar, deixou em Florisbela um sentimento de abandono e que a fez cair em profunda depressão. Assim, a sua felicidade e seus planos foram interrompidos pela morte da “brejeirinha” Florisbela. Fora da ficção, temos a publicação de Geraldo Rocha (empresário, engenheiro e jornalista) que também apresenta ideias e projetos acalentados de progresso para a região. Com duas tentativas de empreendimentos que deram em insucesso, Geraldo Rocha apela para o convencimento da “opinião pública” – da qual participava na medida em que era proprietário de um jornal diário – para que o Estado realizasse seu projeto – o único capaz de tal124. Falava em seu nome e por seus interesses: queria barragens para irrigação, redução de impostos, melhoria dos transportes e crédito em longo prazo. Com a falta de investimentos, Geraldo Rocha toma a iniciativa de escrever ao Presidente Getúlio Vargas e expor o seu sonho, cujo programa é executar um plano que pudesse aproveitar a bacia do São Francisco. Visando o progresso, seus investimentos foram a construção de uma usina hidrelétrica (em Barreiras-BA), a instalação de turbinas para a irrigação aproveitando as águas do rio de Ondas. Investir na construção de frigorífico para facilitar o matadouro e fabricar produtos derivadas da carne. Por ser uma região com cultivos de frutas, pretendia criar um espaço para a extração da polpa da fruta. A construção de uma barragem na região também estava em seus planos para encaminhar-se para o progresso. Ao utilizarem de um discurso que valoriza as vantagens de se realizar todos esses projetos modernos, mostra a todo o momento as desvantagens como atraso. Assim como Martins de Oliveira, Geraldo Rocha também fala das dificuldades que a região apresentava. Falava dos impostos que eram altíssimos, dos transportes que eram ruins, dos fretes que eram caros e reclamava até das pessoas, que de certa forma deixaram as coisas ficarem abandonadas. A região precisava de trabalhadores qualificados e dispunha de poucos e esses poucos seguiram em busca de novas oportunidades nas capitais. Surge o discurso da necessidade técnica como forma de aumentar a produtividade e a circulação na região. Aumentar a força de trabalho era um ponto central, uma vez que na região o despovoamento já era uma realidade constatada e era preciso trazer investimentos e atrair os moradores de volta a sua terra. O contexto político internacional de cerco do capitalismo liberal pelo fascismo, nazismo e comunismo favoreceu o crescimento de um Estado interventor. Era para 124

MARTINS, Flavio Dantas. op. cit. p. 03.

55

esse novo tipo de Estado que clamavam os autores: intervenham, construam, transformem, salvem a lavoura. Numa perspectiva que pode parecer exagerada, Geraldo Rocha, atento observador dos fenômenos mundiais, temia que a Segunda Guerra mundial deflagrada em 1939 pudesse reforçar o colonialismo e levar à uma ocupação do Brasil por uma potência militar estrangeira. Em nome do nacionalismo, pedia que o Estado assumisse sua tarefa de proteção nacional e transformasse a bacia do São Francisco na “nova Canaã”125.

Deocleciano apenas imaginou esses planos de progresso, enquanto que Geraldo Rocha fez utilizando sua própria “fazenda modelo”. Porém, não houve o sucesso esperado, pois não existiam condições sociais para a acumulação capitalista na escala pretendida. A falta dos meios de transportes levava a um problema bastante comum que é a perda de safras. O que os autores queriam era obter do Estado investimentos em máquinas para ampliação das produções. Não adiantava levar produção moderna para as cidades e fazendas do interior sem o sistema de transportes para distribuir, sem acordos nos pagamentos dos impostos e no prazo para entrega dos produtos, tudo se tornavam pouco lucrativo. A técnica era vista como neutra. Era preciso a intervenção da política. Por mais que falavam que o objetivo era o progresso, percebe-se no entanto, que o lucro é que prevalecia. Portanto, Geraldo Rocha mesmo tendo experiência e recursos não obteve sucesso em seus objetivos, pois precisava do contexto geral favorável. Uma experiência modelo não era o suficiente para que outros seguissem o exemplo. Apesar das dificuldades que a cidade ou a região apresentavam, havia a crença de que os benefícios sucedidos do progresso e da modernização compensariam os esforços. Associando a técnica e a ciência, as máquinas representariam o mundo novo. Com ela, todos os aspectos da vida seriam transformados, pois estariam presentes nas fábricas, nas cidades, no campo e até mesmo nas residências. Marx fala que o progresso capitalista é uma relação social que vai além da técnica, além da vontade do empreendedor. É preciso que as relações sociais de um determinado local estejam maduras suficientes para gerar uma produção capitalista. Nessa época, a região não tinha essa produção capitalista proposta por Marx. Não havia os transportes, as mercadorias e os produtos se excediam por não conseguirem vender, ou seja, não havia saída, pois os impostos não facilitavam.

125

MARTINS, Flavio Dantas. op. cit. p. 04.

56

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Citando um trecho da crítica de Abelardo Romero do jornal O Globo do Rio de Janeiro em 1973: Certos escritores são como cédulas que saem da circulação. Com a diferença, porém de que nunca perdem o valor. Por um motivo qualquer, quase nunca justificável, retraem-se, desaparecem, chegam mesmo a ser esquecidos, e lá um dia, graças principalmente, ao seu valor intrínseco, ei-los de novo a circular no mundo das letras, despertando interesse entre os leitores da nova geração 126.

Assim foi Deocleciano Martins de Oliveira, um poeta e romancista barrense que ficou mais conhecido por ser desembargador e escultor da justiça e pouco conhecido como escritor. Apesar de ter sido premiado três vezes pela Academia Brasileira de Letras pelo seus livros de contos, No país das Carnaúbas (1931), Marujada (1936) e com o romance Os romeiros (1942), parece que, por algum motivo, suas obras não obtiveram muito interesse no campo literário. Talvez por ter surgido no momento em que só ascendia na literatura aqueles que passavam pelo crivo da crítica. No entanto, Martins de Oliveira voltou a ser lembrado e incentivado pela crítica literária quando teve a segunda edição do romance Os romeiros publicado em 1973. Percebe-se que Martins de Oliveira jamais deixou morrer em seu coração a voz de sua terra. O rio são Francisco e a cidade de Barra eram a sua obsessão. Dono de escritos marcados pela vivacidade buscava sempre desenvolver estudos e projetos que beneficiavam a região. Suas escritas são caracterizadas pelas descrições de paisagens e figuras humanas. São narrativas que se apresentam, de forma literais ou romanceadas, e que mostram o cotidiano do povo que vive às margens do rio São Francisco, seus costumes e tradições. Nas suas obras, a história da região e principalmente da cidade de Barra, terra natal do autor, ganha mais expressividade, pois como escritor regionalista, retrata os problemas econômicos, políticos, sociais e morais. Outra característica que destaca em sua obra, mais precisamente em Caboclo d’água é a sua presença na narrativa, ou melhor, ele escreveu praticamente aquilo que viveu. Caboclo d’água é uma produção com aspectos autobiográficos de Martins de Oliveira e que é vivida pelo personagem Emilio. Com vista ao desenvolvimento regional, Martins de Oliveira queria, mesmo na ficção, protestar aos governantes para que olhassem para o estado de abandono do sertão do São 126

OLIVEIRA, D. Martins de. Procuro o menino. Obra Póstuma. Rio de Janeiro: Cátedra, 1976. P. 283.

57

Francisco. Clamava por socorro. Queria combater a decadência regional, a estagnação econômica e sobretudo a migração para outros estados do país. Queria investimentos, melhoria nos transportes e empreendimentos modernos, na intensão de levar progresso e retirar a cidade ou a região do “atraso” que se encontrava. No decorrer do século XX e até mesmo no tempo atual, vários projetos recheados de intensões modernizadoras foram indicados por todo o país. Havia na região do Vale do São Francisco, desde o século XIX, projetos de aproveitamento econômico. Além das estradas de ferro, outros projetos voltados ao incremento das circulações entre o vale do São Francisco e o Oceano Atlântico também foram almejados e defendidos persistentemente por diversos grupos sociais127. Em vez da ligação entre pontos distintos com base em caminhos férreos, o fundamento desses empreendimentos hidráulicos era proporcionar vias de comunicação por meio do aproveitamento moderno das águas fluviais do país128. Todos esses planos que foram discutidos em décadas anteriores como a navegação a vapor (1866), as ferrovias em Juazeiro (1896) e Pirapora (1910), começaram a ser realizados no final do século XIX e início do século XX. Neste período alguns obstáculos foram removidos e o rio foi aberto na maior parte para a navegação a vapor, dando acesso aos frutos da modernidade. O acesso de ligação às cidades ribeirinhas a outros territórios já vinham sendo realizadas e o vapor tentaria ser o meio mais eficiente para o transporte, mas as tarifas eram caras e ele não era mais veloz que as pequenas embarcações. Na década de 1920 e 1930 esse interesse permaneceu e assim os políticos voltaram seus olhos para o rio e a projetar a modernização da região. Muitos fatores foram predominantes para que houvesse uma maior sensibilização dos governantes e demais administradores para a causa do São Francisco, como por exemplo, as secas de 1932 e 1939 que vitimaram os sertanejos baianos. Na região são-franciscana a modernidade dos cronistas não passou de projetos. Percebe-se nos ideais de progresso de Martins de Oliveira, certa ambiguidade, pois o clama como sendo a salvação econômica para toda a região. A ambiguidade na sua ficção está em romantizar o modo de vida rural do sertanejo como gerador de valores positivos como a inocência, a honestidade, a honra, ao mesmo tempo em que há relatos de violência, opressão e ignorância. O romantismo sobre o campo se contradiz com o desejo que o progresso chegue a esse lugar e o transforme. 127

OLIVEIRA, Gabriel Pereira de. O rio e o caminho natural: propostas de canis do São Francisco, aspectos físicos fluviais e dinâmicas políticas no Brasil Império (1846-1886). Dissertação de Mestrado, UFMG. 2015. 198 páginas. 128 Idem, p.79.

58

O interessante é que no intuito de chamar a atenção dos governantes para que olhassem para o sertão do São Francisco, para que o Estado intervisse tomando o seu papel de transformar, de construir e de levar o desenvolvimento às cidades interioranas, o cronista utiliza-se da literatura para retratar e debater os problemas. A ficção se estrutura em representações destacando alguns elementos fundamentais que é a paisagem e os tipos humanos. Martins de Oliveira descreve os vaqueiros, os remeiros, os políticos que comandam por anos uma cidade, os coronéis violentos e vingativos, as prostitutas, os seres místicos que se aproxima de uma literatura de folclore. Todas essas descrições tem seu lado histórico, seja como história local ou regional das primeiras décadas do século XX, mais precisamente no ano de 1930.

59

FONTES E REFERÊNCIAS Fontes: OLIVEIRA, D. Martins de. Caboclo d’água. Romance. Rio de Janeiro: Schmídt Editor, 1938. _____________________. Marujada. Rio de Janeiro: Record, 1936. _____________________. No país das carnaúbas. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1931. _____________________. Os Romeiros. 2ª edição. Rio de Janeiro. Ed. Conquista; Instituto Nacional do Livro, 1973. _____________________. Procuro o menino. Obra Póstuma. Rio de Janeiro: Cátedra, 1976.

Referências:

ALENCAR, Noila Ferreira. Eixos de desenvolvimento: as cidades, os vapores e as locomotivas no norte de Minas Gerais. Dissertação de Mestrado – UEMG. 2012. ARRUDA, Gilmar. Cidades e sertões: entre a história e a memória. Bauru, SP: EDUSC, 2000. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras escolhidas I. Ed, Brasiliense, 1987. Tese 13. BAROJA, Júlio Caro. El carnaval (Analisis histórico-cultural). Madri: Taurus, 1979. BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de M.; AMADO, Janaina; (org). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: ed. Fundação Getúlio Vargas, 1998. CANO, Wilson. Da década de 1920 à de 1930: Transição rumo a crise e à Industrialização no Brasil. Revista Economia. Artigo da sessão especial “80 anos de Revolução de 1930: seu significado para a economia brasileira”. 38º encontro anual da ANPEC. 2012. CARVALHO, Orlando M. O Rio da unidade nacional: o São Francisco. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1937. COSGROVE, Denis. A geografia está em toda parte: cultura e simbolismo nas paisagens humanas. In: ROZENDAHL, Zeny (org.). Paisagem, tempo e cultura. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1998.

60

CUNHA, Euclides. Os Sertões, Volume I. São Paulo, 1901. Texto proveniente do Ministério da Cultura – Fundação Biblioteca Nacional. Departamento Nacional do Livro. HOBSBAWM, Eric. J. A Era do Capital. 5ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. IBGE – Enciclopédia dos Municípios Brasileiros – Municípios do Estado da Bahia, XX volume. Rio de Janeiro, 1958. KLUCK, Erick Gabriel Jones. O trabalho vai para o brejo: mobilização, migração e colapso da modernização. Dissertação de Mestrado. USP - São Paulo, 2011. MARTINS, Flavio Dantas. Bom Jesus mande progresso ou paisagem sertaneja e modernidade no debate São Francisco. Inédito. 13 páginas digitadas. MIRANDA, Carmélia Aparecida Silva. Festas e Comemorações: versos, danças e memórias – a festa da marujada em Jacobina. Proj. História, São Paulo, (28), p. 451-458, jun. 2004. NEVES, Zanoni. Navegantes da integração: os remeiros do Rio São Francisco. Belo Horizonte. Ed. UFMG, 1998. ______________. Os remeiros do São Francisco na literatura. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2003, v. 46 nº 1. OLIVEIRA, Gabriel Pereira de. O rio e o caminho natural: propostas de canis do São Francisco, aspectos físicos fluviais e dinâmicas políticas no Brasil Império (1846-1886). Dissertação de Mestrado, UFMG. 2015. PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2014. RICOUER, Paul. Tempo e narrativa, tomo III. Campinas-SP: Papirus, 1997. ROCHA, Geraldo. O Rio São Francisco. Factor precípuo da existência do Brasil. 4ª Ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2004. RODRIGUES, Marcelo Santos. Guerra do Paraguai e festa em Barra do Rio Grande. Anais Eletrônicos do IV Encontro da ANPHLAC. Salvador, 2000. SANTOS, Clóvis Caribé Meneses dos. Oeste da Bahia: Modernização com (Des) articulação econômica e social de uma região. Tese de Doutorado. Salvador: UFBA, 2007. SOUSA, Ione C. (Org.); CRUZ. Antônio R. Seixas da (org.). Escolas Normais na Bahia; olhares e abordagens. 01 ed. Feira de Santana-Ba: Editora da UEFS, 2012. 170 p. ______________. Cultura Escolar e Literatura: Fontes em História da Educação. 2012. SOUZA, Laura Olivieri Carneiro de. O Social em Questão - Ano XIII - nº 24 - Jul-Dez 2010, p. 189-196.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.