O rosto nas ruas: anonimato e visibilidade na arte urbana

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ENCONTRO INTERNACIONAL DE ARTE E TECNOLOGIA INTERNATIONAL MEETING OF ART AND TECHNOLOGY

14º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia : #14.ART: arte e desenvolvimento humano 14th International Meeting of Art and Technology: #14.ART : art and human enhancement

Coordenação:

Professor Dr. Paulo Bernardino Bastos

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14º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia : #14.ART: arte e desenvolvimento humano

ÍNDICE KEYNOTE SPEAKER

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The designer evolution _________________________________________

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Cosmopolitical Futures - The Anthropocenic Human in the Stem Cell and Regenerative Medicine Space ___________________________________

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Processos Perceptivos e Multisensorialidade: entendendo arte multimodal sob conceitos neurocientíficos __________________________________

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1. ARTE EM PROCESSO/CONTEXTO E DESENVOLVIMENTO HUMANO

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O público na estrutura da obra Metacampo ________________________

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Sobre a construção da Casa Impossível – o projeto “Clothes” e a partilha e a intimidade como espaços para a experiência artística _______________

38

Sem noite: notas sobre efeitos da luminosidade contínua ______________

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O intervalo da Invenção: a duração como potência e singularidade nas artes enquanto Recombinantes Arquitetônicos ______________________

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Pedro L. Granja

Professor Kathleen Rogers - University for the Creative Arts (UK)

Rosangella Leote

Milton Sogabe

João Vilnei de Oliveira Filho Paulo Bernardino Bastos

Fabiana Feronha Wielewicki Paulo Bernardino Bastos

Sidney Tamai

Praxis e Poiesis: da prática à teoria artística -uma abordagem Humanizante. ________________________________________________ Paulo Bernardino Bastos (Ph.D.)

Pensamento Circular na Filosofia de Flusser e na Cosmovisão Africana __

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Marco Damaceno

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Este (in)útil fracasso - Tempo e Repetição em performance ____________

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Pedro Bessa David Figueiredoi Paulo Bernardino Bastos

O potencial da arte para o desenvolvimento humano: uma perspectiva histórico-cultural ____________________________________ Rosana de Castro

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O rosto nas ruas: anonimato e visibilidade na arte urbana _____________

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Invólucros corporais: deslocamentos perceptivos ____________________

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Márcia Eliana Rosa Tarcisio Torres Silva Luisa Paraguai Agda Carvalho Edilson Ferri

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O rosto nas ruas: anonimato e visibilidade na arte urbana Márcia Eliana Rosa 1 Tarcisio Torres Silva 2 Luisa Paraguai 3

Resumo Este artigo tem como proposta desenvolver uma leitura reflexiva sobre projetos artísticos que dão visibilidade a sujeitos anônimos na paisagem urbana brasileira, através da representação de rostos em grandes dimensões. Para tanto, aborda-se inicialmente os modos de ocupações urbanas em diversas poéticas, nas quais o corpo cria acontecimentos e performa enquanto se apresenta social e politicamente. Em seguida, serão apresentadas algumas obras de projetos de três artistas brasileiros que, com diferentes técnicas, utilizam o rosto anônimo na composição de suas poéticas urbanas: Raquel Brust, que dá visibilidade aos sujeitos que frequentam a área do viaduto Minhocão, em São Paulo, por meio da produção de painéis fotográficos; Éder Oliveira, artista que reproduz através do grafite e outras técnicas os rostos de sujeitos marginalizados que aparecem na sessão criminal dos jornais de Belém, no Pará; e Anaisa Franco, que projeta rostos dos transeuntes em prédios públicos por meio de painéis interativos de grande dimensão, também em São Paulo. Esses trabalhos conduzem o rosto e a identidade desses indivíduos para o centro das experiências sensíveis, transformando a paisagem urbana. As imagens produzidas, metarrepresentações de construções sociais e políticas contemporâneas, buscam situar os indivíduos dentro da cidade, evidenciando as lógicas de usos predominantes das mídias e tecnologias. Palavras-chave: visibilidade.

arte

urbana;

paisagem;

anonimato;

Ainda vislumbrando como futuro este milênio que vivemos, CALVINO (1990, p. 111) lançava uma pergunta sobre o confronto daquilo que se pode construir na narrativa escrita contraposto ao que pode ser relevante na visibilidade da imagem: “A literatura fantástica será possível no ano 2000, submetido a uma crescente inflação de imagens préfabricadas?”. A indagação é contextualizada por um cenário contemporâneo caracterizado por falta de referências, perda de fronteiras, e que se esvai num excesso de informação, principalmente imagética. O autor lança uma possível resposta para a questão e sugere que um dos caminhos que seriam seguidos era de “reciclar as imagens usadas, inserindo-as num contexto novo que lhes mude o significado.” (Ibidem). É neste universo que este texto busca compreender as obras de três artistas brasileiros. Unificados pela questão da (re) ssignificação da imagem dos rostos em grande dimensão expostos em espaços urbanos, as obras observadas para este trabalho levantam questões pertinentes à relação da cidade com o sujeito que circula e ocupa os espaços. Sujeito esse que também se torna objeto da obra e parte da paisagem urbana, que hora rompe com o anonimato, hora reconstrói significados a partir da linguagem visual. 1 2 3

Ainda vislumbrando como futuro este milênio que vivemos, CALVINO (1990, p. 111) lançava uma pergunta sobre o confronto daquilo que se pode construir na narrativa escrita contraposto ao que pode ser relevante na visibilidade da imagem: “A literatura fantástica será possível no ano 2000, submetido a uma crescente inflação de imagens préfabricadas?”. A indagação é contextualizada por um cenário contemporâneo caracterizado por falta de referências, perda de fronteiras, e que se esvai num excesso de informação, principalmente imagética. O autor lança uma possível resposta para a questão e sugere que um dos caminhos “Não será isso a ambição de toda arte: tornar visível o invisível?” (MAFFESOLI, 2010, p. 95). Provoca o filósofo ao considerar que pode haver descobertas preciosas na realidade que nos cerca quando se permite investigar a poesia da vida cotidiana. Em meio ao universo midiático, caótico e padronizado das metrópoles contemporâneas, o pensamento do autor sugere uma inversão do olhar superficial para as coisas, buscando os vários sentidos que podem se estabelecer na própria natureza delas. A ação poiética consiste em fazer sobressair a verdade que está ali, que já está ali. [...] Fazer vir aquilo que se manifesta, mas que nossos preconceitos, nossos pensamentos conformistas tendem a negligenciar, a recuar, a negar. A não ação ativa é prestar atenção, contra nossas evidências, àquilo que é evidente (Ibid., p. 95-96). As obras dos artistas que serão apresentadas em seguida sugerem este resgate do olhar ao cotidiano, oferecendo novos sentidos a partir da imagem. Com suportes e técnicas diferentes para compor seus trabalhos, têm em comum o uso da paisagem urbana. A começar por Raquel Brust, que promove a intervenção urbana com fotografias hiperdimensionadas na área do viaduto Minhocão, em São Paulo; o segundo artista é Éder Oliveira, que reproduz, através do grafite e outras técnicas, os rostos de sujeitos marginalizados que aparecem na sessão criminal dos jornais de Belém, no Pará; e, por último, Anaisa Franco, que projeta em grande escala, na parede frontal do prédio da FIESP, em São Paulo, rostos dos transeuntes.

Raquel Brust e o projeto Giganto no Minhocão (iniciado em 1998) Giganto é um projeto da fotógrafa nascida no estado do Rio Grande do Sul, Raquel Brust. Trata-se de intervenções urbanas com fotografias hiper- dimensionadas de pessoas, moradoras do local. A proposta iniciou-se em 2008, no Elevado Costa e Silva, conhecido como Minhocão, na cidade de São Paulo. As imagens, de aproximadamente 6 metros de altura, são coladas nos pilares do viaduto (figura 1), pressupondo a interação com o espaço e os transeuntes.

Professora Doutora, Faculdade de Artes Visuais, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil. E-mail: [email protected] Professor Doutor, Faculdade de Artes Visuais, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil. E-mail: [email protected] Professora Doutora, Faculdade de Artes Visuais, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil. E-mail: [email protected]

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Figura 1: Pilares do viaduto do Minhocão, em São Paulo, com o projeto Giganto, da fotógrafa Raquel Brust. Fonte: http://projetogiganto.com

O projeto tem continuidade em várias cidades do país e também no exterior e as fotos expõem fragmentos do corpo das pessoas. No caso do viaduto, Raquel Brust optou por trabalhar apenas com os rostos. Durante o processo, a fotógrafa fez pesquisa de campo, observou, escolheu alguns perfis, e estabeleceu contato com as pessoas, com conversas e entrevistas que foram de curto e longo prazo. Durante este período, fez as fotos e finalmente escolheu os retratos no fim do processo. Todos os selecionados eram moradores do lugar. A região escolhida apresenta as características comuns de desigualdade social de uma grande cidade. Ao redor do Minhocão, sentido bairro, é possível ver prédios com construções de alto padrão, e ruas que aparentam tranquilidade e limpeza, mas andando duas quadras em direção ao centro, é possível encontrar outra realidade completamente oposta: comércios populares, prostitutas, moradores de ruas e muito trânsito. Ainda há a peculiaridade de diferenciar o lado dos que estão acima do Minhocão (nos prédios) e as pessoas que usam o minhocão como casa (moradores de rua, catadores de papelão), na parte de baixo. A extensão do viaduto ainda passa por transformações nos finais de semana, quando é fechado e se torna espaço de feiras, pequenos espetáculos, ciclovia: um lugar de lazer dos paulistanos. A experiência do espaço urbano tem sofrido alterações com muita rapidez em relação à dinâmica física nos grandes centros. A ocupação das ruas pelas artes, necessariamente dialoga com os códigos que são expostos. O trabalho da Raquel Brust traz (re)ssignificados através das imagens para o espaço/lugar e também para os moradores/sujeitos. O projeto Giganto, ao trazer superdimensionados os rostos dos moradores daquela região, podem lembrar a proposta de uma fotografia ativa, onde obra e espectador se confundem. Os retratados são pessoas comuns que são expostas num processo que parece valorizá-los como indivíduos, fortalecendo suas identidades e memórias, e ainda os faz pertencerem a um lugar. Mas de que lugar e de que sujeito tratamos nas metrópoles da atualidade? Marc Augé (2012) nos atenta para algo que nomeia de “não-lugar”. Ao contextualizar a contemporaneidade, a qual chama de supermodernidade, caracterizada pelo excesso de fatos, de espaços e de referências, Augé explica que esta “superabundância” nos transfere constantemente para outras instâncias, onde não se pode ter controle dos sentidos gerados. “Na realidade concreta do mundo de hoje, os lugares e os espaços, os lugares e os não lugares misturam-se, interpenetram-se” (AUGÉ, 2012, p. 98).

Lugares incertos, sujeitos incertos. Maffesoli (2010) afirma que em tempos atuais o sujeito perdeu a noção do individualismo para adotar a noção comunitária de sentir. Este sujeito se faz presente porque experimenta de forma conjunta. O seu lugar é aquele onde pode dividir experiências com outros. É o que o faz pertencente. “O lugar faz a ligação. A ligação, quer dizer o espaço, a natureza e os elementos primordiais que os compõem, tornam visível a força invisível da ligação que me une aos outros” (2010, p. 104). Assim, as intervenções no viaduto do Minhocão suscitam a interação do transeunte, a integração do morador, mas também ascendem à possibilidade do não estar, do não lugar, das inconstâncias do “nomadismo” (MAFESOLI, 2001) urbano. E, certamente, dão novos significados ao lugar e às pessoas.

Éder Oliveira e a obra Sem Título (2014) Éder de Oliveira é um artista paraense que produz arte de rua em Belém. Seus trabalhos estão voltados para a representação do indivíduo marginalizado na cidade. Para tanto, faz uso de fotografias de suspeitos de crimes que foram veiculadas nas páginas policiais dos jornais locais. Delas, faz releituras estilizadas e redimensionadas em forma de grafite nos muros da cidade. Os rostos que Éder seleciona são marcados pelo ambiente em que as fotografias originais são produzidas e pela questão étnica. Como comenta MAIA (2014, p. 53), “a maior parte desses retratos são caboclos, com traços de índios e negros”. Esse é o primeiro estranhamento que temos ao entrar em contato com a obra. São rostos que raramente recebem destaque dos meios de comunicação em lugares nobres (como os muros públicos ou as paredes de uma galeria), mas que ainda assim nos são muito familiares. Para a 31a Bienal de São Paulo, Éder produziu a obra Sem Título (2014). Trata-se de um painel nos moldes dos trabalhos que realiza nas ruas de Belém, mas adaptado para o ambiente de uma exposição de arte, ainda que mantendo as amplas dimensões costumeiras e a problemática central. Nesta obra (figura 2), Éder traz rostos também de caboclos, em suas feições pouco naturais, próprias da situação em que foram fotografados.

Figura 2: obra “Sem título”, de Éder Oliveria, na 31a Bienal de São Paulo. Fonte: http://esferapublica.org/nfblog/wp-content/ uploads/2014/10/10.-Eder-Oliveira.jpg

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Em função dos mecanismos utilizados na produção poética desses trabalhos, seus efeitos são bastante similares ao que foi proposto pelo artista pop Andy Warhol. Fez parte dos experimentos desse artista reproduzir em telas fatos divulgados inicialmente pela mídia impressa. Interessava a ele temas como desastres de avião (e.g. 129 mortos – catástrofe aérea, 1962) e a violência policial (e.g. Daily News, 1962). Suas técnicas variavam entre pintura (a partir da projeção em tela das notícias e fotografias) e serigrafia. Ao assim fazer, o artista inseria uma nova mediação entre acontecimento e espectador, o que contribuía para o distanciamento contemplativo da temática. Como coloca HONNEF (2005): Ao isolar e ampliar os elementos sintomáticos dos mass media, Warhol aguça a consciência do observador para o caráter de segunda mão de qualquer realidade. A realidade, produzida em massa e preparada para ser assimilada, perde aí os seus aspectos horríveis e pode, assim, ser consumida em grande quantidade (HONNEF, 2005, p. 46). Como Warhol, Éder também está interessado nos efeitos provocados pelos meios de comunicação na sociedade. O paraense aborda a forma como a mídia determina a figura do criminoso e a maneira como colabora para manter a discriminação das raças no país (MAIA, 2014). Nas ruas, o elemento midiático se perde, pois falta a informação da origem daquela imagem ao transeunte. Por outro lado, este pode ser tomado por sensações díspares. Em primeiro lugar, o estranhamento com relação àquele rosto. Há algo que o leva para o universo da fotografia, da pose, mas não uma pose de entrega ao fotógrafo, mas de acuamento. São poses também padronizadas, o que remete a alguma lógica sistemática de produção de imagens. Em seguida, paira a dúvida da razão pela qual um rosto marginalizado como aquele ganha um lugar de destaque nas ruas.

HONNEF (2014) mostra que o interesse de Warhol no retrato estava relacionado à evidência de determinado personagem naquele momento. Assim como as demais celebridades, o criminoso também poderia gozar de algum prestígio midiático. O mesmo acontecia com os suspeitos representados pelo artista. De forma similar, ao colocar seus rostos num patamar próximo ao de uma “celebridade”, Éder Oliveira também deixa em evidência os modos de produção das imagens originais e revela com eles os significados latentes que são pela obra de arte desconstruídos.

Artista Anaisa Franco e a obra Onirical Reflections Facade (2013) O projeto Onirical Reflections Facade (2013) [1], da artista brasileira Anaisa Franco, em parceria com o arquiteto espanhol Jordi Puig, é uma instalação interativa pública que pressupõe a presença do usuário para constituir-se enquanto composição imagética. Ao se aproximarem do dispositivo–um frame retangular embedado com sensores– disposto na Avenida Paulista da cidade de São Paulo, os indivíduos disparam uma projeção que se constrói por uma série de interferências gráficas sobre a captura simultânea do próprio rosto (Figura 3), via webcam.

Quando levada à galeria de arte, a obra Sem Título deixa ainda mais claro esse estranhamento. Ali o visitante pode notar mais facilmente que aquele não é, a princípio, um lugar ao qual pertençam aqueles rostos. Além de serem marginalizados, quando transportados para o ambiente paulista de uma galeria, aqueles rostos falam de uma brasilidade exótica, quase próxima daquela que quer contar as origens do povo brasileiro. Na galeria, porém, o visitante é informado sobre a origem daquelas imagens (fotografias de sessões policiais de jornais paraenses). Então, o exotismo se esvai, ficando mais clara a ideia de exclusão e segregação racial existente no Brasil. Warhol também trouxe para os salões de arte fotos de indivíduos procurados pela polícia. Na série Thirteen Most Wanted Men (1964), produzida para ficar na frente do New York State Pavillon, na Exposição Universal daquele ano, Warhol recolheu cartazes espalhados pela cidade de homens procurados pela polícia e os reproduziu em forma de quadros. No conjunto, 13 quadros formaram um painel que foi colocado em frente ao pavilhão. A exibição dos rostos causou polêmica pois vários daqueles homens tinham descendência italiana (o que causou questionamentos com relação ao caráter discriminatório da obra). Além disso, muitos deles não estavam mais sendo perseguidos.

Figura 3: Projeção do rosto do usuário na fachada do prédio da FIESP. Fonte: http://www.anaisafranco.com/oniricalreflectionsfacade

Um software de rastreamento de rosto reconhece a imagem capturada e define elementos visuais, como linhas e planos de cor, figuras, movimentos, enquanto camadas de texturas sobrepostas, para, em seguida, expor a construção visual, em grande escala, na parede frontal do prédio da FIESP. Importa-nos a partir desta obra pensar sobre os processos da cultura, movimentos interativos de codificação e decodificação, que atualizam a nossa rotina diária e permitem exercícios de visualidades não previsíveis através de um algoritmo. Estas configurações dinâmicas dos rostos, anônimos que se formam na cidade de São Paulo, materializam estes diálogos em distintas redes, percursos na malha urbana e trocas nas redes sociais.

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Inicialmente, aponta-se o software como “técnicas contemporâneas de controle, comunicação, representação, simulação, análise, tomadas de decisão, memória, visualidade, escrita e interação” (MANOVICH, 2008, p. 8, tradução nossa), que se constituem enquanto camadas significativas na sociedade contemporânea, e, portanto, potencialmente, são capazes de evocar transformações perceptivas e comportamentais. Assim, de objetos diversos (cartões de crédito, celulares, carros) às redes de transporte coletivo (metro, ônibus, avião, trem), de segurança (câmeras de vigilância), de entretenimento (sistema televisivo e de rádio), financeiras (intranets de bancos), de comunicação (e-mails, redes sociais), percebem-se outros modos de agenciamento do cotidiano, que são operados por scripts, aplicações, e/ou linguagens de programação. A obra revela o código computacional como inscrição tecnológica (HAYLES, 2002), pois aponta uma ordenação formal entre um conjunto de dados e visualidades, e busca enfatizar o caráter social destas mediações tecnológicas, conforme a artista afirma “o rosto como um recurso de projeção de imagens e re-projeção da realidade” (SP_ URBAN, 2013). Percebe-se uma investigação estética da linguagem visual, em processos de mediação, articulando o texto computacional. Um artefato poético, que, conforme LEFEBVRE (1960) afirma, opera com momentos experienciados a serem repetidos enquanto se constitui. Assim, estes modelos de construção e produção formal podem evocar outras atitudes, práticas e metodologias quando passam a estruturar processos de criação. Importa pontuar que não há como prever alguns comportamentos dos softwares, a não ser quando os mesmos começam a executar as rotinas. Assim, suas características não determinísticas podem produzir resultados menos previsíveis, e desta forma o fazer valida a poética tomando certa incerteza como um processo a ser experienciado. No contexto simbólico, a poética discute o tema ‘Cidadão Digital’ proposto no festival, reforçando o questionamento de AUGÉ (2010, p. 8) sobre a “ideologia do presente”, com suas imagens e mensagens instantâneas, que norteiam o nosso consumo por uma condição de existência sempre do atual. Esta situação espaço-tempo organizada por sistemas sincrônicos (como Twitter, MSM, Instagram, entre outros) permite uma circulação simultânea e frenética de conteúdos, que também opera sobre a paisagem urbana; esta compreendida como um tecido social organizado por práticas culturais ideológicas “da aparência, da evidência e do presente”(Ibid., p. 16). Os artistas desta obra recriam a paisagem cosmopolita da cidade de São Paulo expandida pela manipulação de escalas dos rostos de transeuntes, não mais conformados pela percepção do contato físico, mas projetados e ampliados como nos ambientes das redes sociais digitais. Neste sentido, a cidade transforma-se ao assegurar a circulação da imagem do visitante, que ocupa a fachada dos prédios e redefine as relações de compartilhamento no espaço urbano, pautando estas nas redes distribuídas de comunicação. Faz- se necessário compreender o urbanismo como fenômeno da mobilidade contemporânea, na qual a condição periférica não significa somente a distância geográfica, mas também não estar integrado ou conectado ao fluxo da informação.

Convive-se com uma produção imagética que reforça a condição anunciada por CALVINO (1990, p. 107) quando escreveu “hoje somos bombardeados por uma tal quantidade de imagens a ponto de não podermos distinguir mais a experiência direta daquilo que vimos há poucos segundos na televisão”. Os indivíduos organizam-se socialmente também pelas interfaces tecnológicas – performam encontros profissionais e conversas pessoais – promovendo outras fronteiras dependentes da dimensão temporal, das condições de acesso, que necessitam serem compreendidas, exploradas, para serem, então, ultrapassadas. A utilização de rostos em grandes dimensões na paisagem urbana provoca reflexões sobre o viver em conjunto, deixa em evidência as disparidades do convívio nas grandes cidades e a influência dos fluxos de comunicação sobre a nossa percepção de mundo. Notas Obra apresentada no ‘SpUrban Digital Festival’ durante o período de 4 a 28 de novembro de 2013. Mais informações podem ser encontradas em http://www.anaisafranco.com/oniricalreflectionsfacade [1]

Referências AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade . Campinas: Papirus, 2012. ___________. Por uma antropologia da mobilidade. . Maceió: EDUFAL, UNESP, 2010. CALVINO, Italo.Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. HAYLES, N. Katherine. Writing machines. Cambridge, MA; London, UK: The MIT Press, 2002. HONNEF, Klaus. Andy Warhol (1928-1987): a comercialização da arte. Taschen, 2005. LEFEBVRE, Henri. The theory of moments and the construction of situations. Internationale Situationniste #4. 1960. Disponível em . Acesso em 21 julho 2015. MAFFESOLI, Michel. Sobre o nomadismo. Rio de Janeiro: Record, 2001. _______________. Saturação. São Paulo: Iluminuras / Itaú Cultural, 2010. MAIA, Ana Maria. Sem Título (Éder Oliveira). 31a Bienal de São Paulo. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2014. Catálogo de exposição. MANOVICH, Lev. Software takes command. 2013. Bloomssbury Academic. Disponível em . Acesso em 21 julho 2015. SP_URBAN. Obras interativas. Disponível em . Acesso em 21 julho 2015.

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