O sacerdote e o aprendiz: etnografia, experiência e ritual em um terreiro de Mina Nagô na Amazônia (Resumo de Dissertação, Rev. Amazônica)

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O SACERDOTE E O APRENDIZ: ETNOGRAFIA, EXPERIÊNCIA E  RITUAL EM UM TERREIRO DE MINA NAGÔ NA AMAZÔNIA Hermes de Sousa Veras Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Antropologia. Belém: Universidade Federal do Pará, 2015. A presente dissertação versa sobre o Terreiro de Mina Deus Esteja Contigo, fundado por Álvaro Pizarro em 1988, e comandado por ele desde então. Grande parte da análise do material etnográfico obtido foi construída na relação estabelecida com o sacerdote, pessoa central para o desenvolvimento do corpo descritivo do trabalho. Desse modo, muitas das questões tratadas foram abertas a partir dessa relação e todo um capítulo foi dedicado à sua trajetória, marcada por diversas especificidades: ser paulista, radicado no Pará desde final da década de 1980, ter passado por diversas religiosidades em São Paulo antes da iniciação na Mina Nagô e assim por diante. Sua trajetória foi, então, uma espécie de fio condutor da investigação das forças, intensidades e intencionalidades que atravessam o terreiro, bem como as religiões de matriz africana no Pará em geral — uma vez que o terreiro, é claro, é constituído por diversas redes que o relacionam com outros terreiros e instâncias da chamada sociedade abrangente. Na esteira dessa relação e dessa trajetória, outras questões se formaram,

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tais como a investigação dos rituais da “gira” e de sacrifícios realizados no terreiro, o funcionamento da casa e, principalmente, as diversas teorias do sacerdote a respeito da religião enquanto conhecimento e da prática de leitura como uma forma de captura de saber, tanto do leitor, que precisa saber para fazer, quanto das próprias entidades espirituais que também anseiam por conhecimento. Esse ponto, entretanto, não pôde ser bem desenvolvido na dissertação, cabendo a pesquisas posteriores o seu aprofundamento. O trabalho de campo aconteceu, de forma mais intensa, no período de 2013 a início de 2015. Embora o primeiro contato com o terreiro tenha acontecido em 2012. Portanto, a estrutura capitular foi desenhada a partir das interações estabelecidas com o terreiro pesquisado. Desse modo, o resultado final escrito, nos quais são dedicados capítulos para a iniciação do sacerdote e sua trajetória religiosa; a descrição do espaço físico da casa, seu calendário ritual e genealogia; uma análise dos rituais públicos realizados, sobremaneira da “gira” – que é estruturante em relação a todos os outros rituais, onde basicamente se tocam os tambores, os médiuns recebem as entidades espirituais e distribuem passes para a “assistência”, além da “mesa branca”, rito mais próximo do espiritismo Kardecista, e os ritos sacrificiais, chamados de “corte”. O último capítulo dedica-se a uma breve discussão a respeito da forma como o sacerdote apreende livros sobre as religiões de matriz africana, tanto obras acadêmicas, quanto de teólogos afro-religiosos.

Amazôn., Rev. Antropol. (Online) 7 (2): 544-555, 2015

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A dissertação não possui nenhuma espécie de amarra, onde cada um dos quatro capítulos estariam em harmonia com determinado objeto e objetivo de pesquisa. Entretanto, há um condutor etnográfico que atravessa todo o corpo escrito do trabalho. Trata-se da ideia nativa de uma instabilidade ontológica do mundo, as repetidas afirmações da imprevisibilidade das entidades na estrutura ritual e cosmológica dos terreiros, aspecto que se sobressai no Mina Deus Esteja Contigo. Essa instabilidade é revelada nas incessantes atividades das entidades espirituais, a produzir variados efeitos, tanto em trajetórias de pessoas, quanto em estruturas rituais. É difícil apontar qual aspecto foi percebido primeiramente, se essa tal ontologia, ou os rituais da “gira”, “mesa branca” e de “corte”, ou até mesmo a forma como Álvaro lia livros e os indicava para mim. A pesquisa desdobrou-se dessa maneira por conta das escolhas epistemológicas durante o trabalho de campo. Durante um período, espécie de estágio probatório, não realizei entrevistas e esqueci quase que por completo o projeto de pesquisa que obrigatoriamente deveria ser escrito antes da realização do procedimento etnográfico. Dito de outra forma, deixei que a investigação fosse modelada pela vivência em campo, e na medida do possível, as questões foram colocadas mais pelo sacerdote do que pelo antropólogo. Essa orientação do antropólogo pelo nativo, que é religioso, foi possível porque a religião enquanto campo de análise foi concebida mais como experiência vivida do que um construto ideológico. Essa questão

é contígua a outra: a ideia de que se as teorias de construção da pessoa nas religiões de matriz africana expressam um indivíduo que não é indivíduo, ou seja, indivisível. Tal afirmação pode ser explorada em uma análise de uma pessoa, no caso em tela, um sacerdote, justamente para desvelar que não há um grande divisor bem delimitado entre indivíduo e sociedade, para ficarmos aqui com apenas uma dicotomia. Portanto, o que se sobressai é toda uma rede constituída por unidades que não são elas, em si mesmas, unidades. Essa ideia, uma espécie de “pessoa dividida e distribuída” irradia-se para todo o terreiro, sendo ele mesmo um ponto a ser atravessado por diversas relações, seja com outros terreiros, outras religiões, seja com outros elementos da chamada sociedade abrangente. Concluindo, acredito que a dissertação foi sensível para a necessidade de estudos monográficos em terreiros, mostrando como cada religioso vivencia seus experimentos religiosos, e quais suas respostas em relação a tópicos básicos estudados pela antropologia das religiões afro-brasileiras, como a construção da pessoa, o chamado sincretismo, a possessão, o sacrifício e o consumo de livros sobre o próprio tema pelos afro-religiosos. Aposta-se que essas questões são passíveis de se rejuvenescerem caso em nossas análises não seja extraída a criatividade que esses sujeitos possuem para criarem espaços onde a vida acontece, e sobretudo, onde se vale resistir, pois não é novidade que esses sujeitos são historicamente perseguidos e alvos das mais variadas intolerâncias. A forma como

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esses objetos ainda são analisados expressa como a antropologia ainda tem muito a aprender com essas pessoas e suas entidades. COMIDA, MEMÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL: A CONSTRUÇÃO DA POMERANEIDADE NO EXTREMO SUL DO BRASIL Evander Eloi Krone Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Antropologia. Pelotas: Universidade Federal de Pelotas/ RS, 2014. No campo das políticas públicas de patrimonialização no Brasil, pode ser identificada, desde a década de 1990, a emergência de novos sujeitos de direito. Grupos sociais historicamente marginalizados têm se apropriado da categoria patrimônio, colocando seus saberes, fazeres, tradições e manifestações culturais como meios para obter conquistas sociais. Nesse quadro, tomando a observação da alimentação como abordagem, procura-se, neste trabalho, analisar de que forma ações de cunho patrimonial desenvolvidas no município gaúcho de São Lourenço do Sul têm sido apreendidas por atores sociais envolvidos em processos que buscam o reconhecimento e valorização da cultura e identidade de camponeses de origem pomerana. Os pomeranos, apesar de presentes no extremo sul gaúcho desde meados do século XIX, durante muito tempo permaneceram à margem da sociedade local.

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Mas, a partir dos anos 2000, o poder público municipal de São Lourenço do Sul passou a estabelecer políticas associadas à valorização do passado, da memória e do patrimônio cultural das famílias rurais de origem pomerana. Ao analisar algumas das ações de valorização do patrimônio cultural pomerano, este estudo destaca a rota turística rural Caminho Pomerano e a Südoktoberfest, maior festa germânica do sul do estado. Procura-se mostrar que as políticas locais de patrimonialização estão baseadas, em boa medida, na tentativa de recuperar formas tradicionais do “ser pomerano”, em que o modo de vida desses camponeses torna-se atrativo turístico, ao mesmo tempo em que saberes e práticas associadas a sua cultura alimentar são agenciados pelo turismo e manipulados pelo mercado como forma de promoção de uma espécie de turismo cultural, pautado pelo clima de nostalgia. No campo de produção da memória pomerana, observam-se ações e discursos que procuram afirmar a autenticidade das manifestações culturais, na medida em que as tradições e identidade pomeranas são comumente apresentadas como elementos invariáveis. O estudo mostra, ainda, que boa parte das ações e políticas de valorização do patrimônio cultural pomerano não encontra correspondência no modo de vida das comunidades rurais pomeranas contemporâneas, na medida em que estão baseadas em uma visão preservacionista do passado. A análise de festas locais de uma comunidade rural pomerana permite evidenciar que os modos como os colonos pomeranos vivem, celebram e comem

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