O SANEAMENTO BÁSICO COMO ELEMENTO ESSENCIAL NA PROMOÇÃO DO DIREITO À CIDADE

July 9, 2017 | Autor: L. Melo de Casimiro | Categoria: Direito à Cidade
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O SANEAMENTO BÁSICO COMO ELEMENTO ESSENCIAL NA PROMOÇÃO DO DIREITO À CIDADE

RESUMO: O saneamento básico é um dos componentes do plexo de serviços e bens à disposição dos cidadãos que podem lhes garantir o acesso ao direito à cidade. Está previsto como conjunto de serviços a ser prestado pelo Poder Público pela Lei n. 11.445/2007, no ensejo de uma obrigatória política pública de planejamento que deve prever investimentos de infraestrutura e mobiliário urbano a partir da definição de seu plano diretor. Os serviços de saneamento básico têm importância fundamental e essencial para a promoção da dignidade da pessoa humana, vinculado ao direito à cidade e às suas funções sociais designadas como habitar, circular, trabalhar e ter lazer. Na promoção de tal serviço público encontra-se a materialização do conceito de moradia adequada. Palavras chave: Direito à Cidade. Planejamento. Moradia Adequada. Saneamento Básico. Serviço Público.

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SUMMARY: Sanitation is one of the components of the plexus of goods and services to citizens that can guarantee them access to the right to the city. Is provided as a set of services to be provided by the Government by Law n. 11445/2007, in occasion of a public policy of mandatory planning that must include infrastructure investments and urban furniture from the definition of its master plan. The sanitation services are fundamental and essential to the promotion of human dignity, linked to the right to the city and its social functions designated as live, move, work and have leisure. Is the materialization of the concept of adequate housing in the promotion of such public service. Keywords: Right to the City. Planning. Adequate Housing. Sanitation. Public Service.

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1 Introdução O saneamento básico faz parte da infra-estrutura urbana como um elemento essencial a estar presente no território urbano, fazendo parte tanto da rede de serviços públicos que dão efetividade aos direitos fundamentais sociais quanto do setor industrial para a provisão de bens e interesse públicos na cidade. Embora não esteja expressamente descrito na Constituição de 1988 como um direito fundamental, o saneamento básico se compõe de um conjunto de serviços indispensáveis à concretização de direitos como a moradia adequada e à saúde pública, proteção ao meio ambiente, aos recursos hídricos, impactando na vida urbana de tal forma que o planejamento municipal, estadual e regional não pode abster-se de sua inclusão. Nessa perspectiva é que se analisa o saneamento básico como elemento essencial para o acesso ao Direito à Cidade.

2 Direito à cidade e planejamento urbano A cidade pode ser compreendida como um sistema de elementos com a finalidade de garantir subsistência, proteção e satisfação ao ser humano. Pode ser vista ainda como a configuração de uma associação de pessoas que se relacionam em função de seus interesses, na busca por viver bem. 1 Em sendo assim, as necessidades básicas dos grupos residentes em cidades foram se configurando naquilo que ficou definido como funções sociais da cidade, permitindo identificar sob tal prisma o direito à cidade. As funções sociais da cidade foram inicialmente listadas durante o IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna em 1933, em Atenas. Em tal encontro foi elaborado um texto conhecido como Carta de Atenas, onde em seu item 77 restavam indicadas as seguintes funções urbanas elementares: habitação, trabalho, recreação e circulação no espaço urbano.2

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A cidade reúne pessoas que necessitam estar em sociedade, agregando-se e humanizando-se, convivendo umas com as outras na busca segura pela tentativa da realização de seus anseios. ELIAS, Norbert. A Sociedade dos indivíduos. SCHROTER, Michael (org.); RIBEIRO, Vera (trad.); Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. p.72-75. 2

SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 29-30.

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No ano de 1998 uma nova Carta de Atenas foi apresentada a comunidade internacional e adotada pelo Conselho Europeu de Urbanistas, prospectando as cidades europeias para o século XXI, em que, como reforça Thiago Marrara3, o conceito central seria a ideia da cidade coerente. Ainda que sua definição esteja mais próxima da realidade europeia, no Brasil as diretrizes urbanísticas também indicam a mesma ideia de cidade. Antes de abordar as previsões legais sobre o direito à cidade e a sua função social no Brasil, retoma-se a ideia de cidade coerente da nova Carta de Atenas, destacando que é possível compreende-lo no formato da urbes sustentável que se pretende desenvolvida e acessível a todos, coerente com a previsão de direitos fundamentais do ser humano. Dentre os itens contidos na ideia de cidade coerente estão o planejamento, a ser encampado pelo poder público, atento aos recursos ambientais não renováveis, às questões que envolvem atividade econômica, mobilidade, à promoção do senso de comunidade pela ocupação dos espaços, dentre outros, bem como atentos à saúde e segurança da população.4 É possível dizer que as diretrizes da nova Carta de Atenas direcionam para um desdobramento do alcance das funções da cidade para garantir o bem-estar social, indicando que a cidade coerente deve enfrentar as questões que impedem o usufruto das várias dimensões de direitos fundamentais que devem estar acessíveis na urbe, como a superação de problemas ligados à saúde pública, de alcance coletivo e individual, e que acarretam fragilização da vida como a mortalidade infantil, por exemplo. 5 No ordenamento jurídico brasileiro é possível afirmar que o direito à cidade se firma com a incorporação das diretrizes indicadas pelas Cartas de Atenas, de 1933 e 1998, a partir de prescrições constitucionais e infraconstitucionais tais como o artigo 182, caput, o artigo 225 da Constituição Federal de 1988 e a Lei 10.257/2001, o Estatuto da Cidade. As cidades brasileiras estão balizadas por definições legais que direcionam juridicamente o uso e a ocupação de seu território, definindo a presença e a importância das funções sociais da

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MARRARA, Thiago. Bens Públicos: Domínio Urbano: Infra-estruturas. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 248.

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KANASHIRO, Milena. Da antiga à nova Carta de Atenas − em busca de um paradigma espacial de sustentabilidade. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 9, p. 33-37, jan./jun. Curitiba: Editora UFPR, 2004, p. 35. 5

KANASHIRO, Milena. Da antiga à nova Carta de Atenas − em busca de um paradigma espacial de sustentabilidade. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 9, p. 33-37, jan./jun. Curitiba: Editora UFPR, 2004, p. 36-37.

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cidade, bem como a oferta de bens e serviços que atendam aos interesses e necessidades da população para o alcance do bem-estar e sadia qualidade de vida. 6 A legislação brasileira impõe uma série de ações a serem executadas pelo Poder Público, envolvendo a presença de serviços públicos, infra-estruturas e mobiliários urbanos7, a partir de planos municipais, estaduais e até regionais, tendo o Plano Diretor como maior referência, dado a importância descrita pelo texto constitucional no artigo 182. A cidade está no centro dos debates sobre o direito ao desenvolvimento e o direito à autodeterminação, devido à sua importância econômica, social e cultural, seja em âmbito metropolitano, regional, nacional ou internacional. O espaço citadino deve oferecer ao cidadão condições e oportunidades equânimes independente de suas características sociais, econômicas, culturais e religiosas, o que envolve investimentos e intervenções que garantam o acesso a bens, recursos, serviços e oportunidades para todos.8 Trata-se do direito à cidade. Sendo assim, os ajustes para que a cidade funcione, promova acesso a direitos se dá, essencialmente, por meio da urbanização e (ou) urbanificação, 9 transformação ou readequação do território, tendo o planejamento como referencia. As ações interventivas, públicas e privadas, devem encarar a cidade como um organismo que não existe dissociado das necessidades de seus habitantes, pois representa para os indivíduos um conjunto de valores materiais e imateriais a compor e sedimentar a ideia de bem estar social propalada na Constituição Federal de 1988.

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SANT´ANNA, Mariana Senna. Planejamento urbano e qualidade de vida – Da Constituição Federal ao plano diretor. In: DALLARI, Adilson; DI SARNO, Daniela Campos Libório. Direito Urbanístico e ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 52. 7

MARRARA, Thiago. Bens Públicos: Domínio Urbano: Infra-estruturas. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 242.

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OSÓRIO, Letícia Marques. Direito à cidade como direito humano coletivo. In: FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia. Direito Urbanístico: estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 196-197. 9

Os termos urbanizar e urbanificar significam, na ideia de José Afonso da Silva, respectivamente: processo pelo qual a população urbana cresce em proporção superior à população rural; processo deliberado de correção da urbanização, consistente na renovação urbana. SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 26-27.

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Maria Garcia10 aduz que a cidade “é a casa, o País, o mundo: é o âmbito político de uma existência que se inicia, decorre e termina localmente; portanto, também em âmbito subjetivo, individual, pessoal”. Sua abordagem de cunho filosófico traduz o valor que o território urbano tem para o indivíduo. O Direito à Cidade, portanto, compreende o acesso universal aos serviços e equipamentos urbanos, à terra urbana, à moradia, ao meio ambiente sadio, ao lazer, transporte, saneamento, à participação no planejamento da cidade, à educação e saúde, garante o direito à cidadania.11 Para que a cidade consiga exercer suas funções, é preciso incorporar uma nova concepção de atuação pública baseada em planejamento, gestão democrática e promoção da justiça social, reconhecendo a presença de todos os habitantes incluindo-os como destinatários da justa distribuição de bens e serviços urbanos. O planejamento não é mais uma opção do administrador, que deve fazê-lo no exercício da sua função vinculada à execução de ações em prol do interesse público.12 O balizamento das ações a serem desenvolvidas na urbe necessita ser concebido e promovido pela atuação pública integrada e global, propiciando a realização do acesso à terra urbana estruturada, que garanta a sustentabilidade com o meio ambiente pelo saneamento, enfrentando as causas da insalubridade que tanto maltratam a população hipossuficiente, perpetuando a desigualdade social. O planejamento tornou-se um processo institucionalizado com fundamentos jurídicos na Constituição Federal de 1988, obrigatório aos que exercem a função pública executiva. Sem planejamento, o Município não consegue identificar e aplicar recursos públicos, bem como não elabora seu plano diretor, previsto no capítulo da Política Urbana, artigo 182, caput, como obrigatório para cidades com mais de 20.000 habitantes. O

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GARCIA, Maria. A Cidade e o Estado. Políticas públicas e o espaço urbano. In: GARCIA (org.). A Cidade e seu Estatuto. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005. p. 27-28. 11

SAULE JUNIOR, Nelson. A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2004. p. 212. 12

MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil – Política Urbana e acesso por meio da regularização fundiária. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.59.

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planejamento urbanístico, traduzido em normas técnicas, tem a função de transformar a realidade existente,13 ao definir os objetivos da atuação pública. O Plano Diretor é o instrumento básico de política de desenvolvimento e expansão urbana que definirá a função social da propriedade em cada localidade. Esse instrumento é parte de um processo de planejamento municipal que deve ocorrer com a máxima participação dos cidadãos, atrelando as diretrizes do Estatuto da Cidade à realidade do Município a que pertence.14 Para a concretização do direito à cidade, planejar as ações públicas que resultarão em planos de atuação interventiva substanciados por regras jurídicas é essencial, já que o poder público só pode agir com base em previsões legais. Segundo José Afonso da Silva, o planejamento urbanístico é, para além de um fenômeno técnico, um processo de criação de normas jurídicas. 15 Diante da previsão do direito à cidade na Constituição Federal e no artigo 2º do Estatuto da Cidade e sua interligação com direitos fundamentais, impõe-se necessário a atuação planejada para sua concretização. Tem-se que a falta de saneamento básico implicaria, diretamente, na violação do direito, por exemplo, à alimentação, dado o risco de contaminação dos alimentos, tendo em vista a inexistência de água tratada e de coleta de esgoto e de lixo. 16 Para que tais serviços estejam à disposição da população é preciso planejamento e a implementação de planos setoriais vinculados ao plano diretor municipal. Para que a provisão de serviços chegue ao cidadão é preciso que o planejamento avance em sua materialização, que os planos estejam verdadeiramente conectados a políticas públicas,17 como mediadores principais das escolhas para a realização dos objetivos previstos na Constituição de 1988. O planejamento é ferramenta fundamental na elaboração de políticas públicas voltadas a questão urbana.

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SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006. p.95.

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SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos constitucionais do Estatuto da Cidade. In: DALLARI; FERRAZ (Org.). Estatuto da Cidade: comentários à lei 10.257/01. São Paulo: Ed. Malheiros, 2005. p.52. 15

SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006. p.95.

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SAULE JÚNIOR, Nelson. A Proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2004. p.168. 17

LUFT, Rosangela Marina. Políticas Públicas Urbanas – premissas e condições para a efetivação do direito à cidade. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 153.

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Passando do planejamento à materialização do acesso aos direitos tem-se a fixação do plano, que estabelece objetivos e metas para modificação da realidade vigente, 18 atuação pública que deve envolver investimentos em infra-estrutura e mobiliário urbano para comportar e abrigar a gama de serviços que devem estar à disposição do cidadão configurando a cidade funcional. Para melhor abordar o assunto, Thiago Marrara19 entende que seria importante fazer a distinção entre aquilo que se cunhou chamar indistintamente de infra-estrutura e aquilo que pode ser identificado como mobiliário urbano, já que os equipamentos que se alocam para garantir o funcionamento de serviços públicos estão agrupados juridicamente sob o conceito de mobiliário urbano. O termo indicado se refere "ao conjunto de objetos agrupados pela relevância econômica que apresentam para a prestação de qualquer serviço ou atividade." 20 A importância em fazer tal distinção estaria exatamente em identificar aquilo que compete ao poder público ofertar à população e aquilo que se refere ao uso e ocupação privada do território urbano, para que o controle e a regulação sejam feitos de maneira a garantir desenvolvimento sustentável e melhoria do bem-estar social. O que compete ao poder público no tocante à urbanificação e urbanização trata-se de exercício da função pública,21 devendo observar critérios de planejamento, escolhas, organização e oferta aos destinatários citadinos. Para esse trabalho interessa apontar que os serviços de saneamento básico prescindem de mobiliário urbano condizente com as necessidades locais, vinculados efetivamente ao planejamento urbano e ao plano diretor municipal. No que toca a sua interface com a infra-estrutura, o saneamento básico recebe os reflexos do grau de intervenção privada, sua observância às normas urbanísticas e o controle efetuado pela gestão municipal.

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OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. O planejamento do Serviço Público de Saneamento Básico na Lei n. 11.445/2007 e no decreto n. 7.217/2010. In. OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Estudos sobre o marco regulatório de saneamento básico no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 240. 19

MARRARA, Thiago. Bens Públicos: Domínio Urbano: Infra-estruturas. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p.241243. 20

MARRARA, Thiago. Bens Públicos: Domínio Urbano: Infra-estruturas. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 242. 21

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos constitucionais do Estatuto da Cidade. In: DALLARI; FERRAZ (Org.). Estatuto da Cidade: comentários à lei 10.257/01. São Paulo: Ed. Malheiros, 2005.p.54.

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No ano de 2010 foi sancionado o decreto n. 7.217/2010 que regulamentou a Lei federal citada definindo as ações, atividades, atores e institutos presentes e necessários para a eficácia da Política de Saneamento Básico, apontando para a necessidade impositiva de planejamento, traçado pela Constituição como dever de planejar, que passa pelo planejamento orçamentário e financeiro, urbano, bem como pelo dever de elaboração de planos setoriais e globais que envolvem a prestação de serviços públicos. Na perspectiva do direito à cidade, o saneamento básico tem relação definitiva com as funções que a mesma exerce na vida do cidadão. Se cabe ao Poder Público a prestação e o acesso a determinados serviços, bem como o implemento de uma série de ações, planejar é parte desse processo. Antes, é o início de tal processo.22

3 A essencialidade do Saneamento Básico A Lei Nacional de Saneamento Básico – LNSB, Lei Federal n. 11.445/2007, com mais de seis anos de existência, solicita reflexões sobre sua (in) observância diante da grave desigualdade no acesso aos serviços de saneamento no Brasil. Tendo em vista a intrínseca ligação entre o saneamento e os direitos fundamentais, pensar em cidades em que nem todos os serviços, infra-estruturas e instalações operacionais estão disponíveis para promover vida sadia é reconhecer que a presença do poder público, ou de quem lhe faça as vezes, se dá de maneira injusta e desigual, descumprindo seu dever de agir na promoção da justiça material. A essencialidade das ações que dão conteúdo ao que se intitula saneamento básico decorre de seus reflexos na vida de cada cidadão. O direito à saúde, previsto no artigo 6º e 196 da Constituição Federal se apresenta como uma condição a ser alcançada por todos, envolvendo ações e serviços de prevenção e de atuação profilática. O que implica falar em

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OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. O planejamento do Serviço Público de Saneamento Básico na Lei n. 11.445/2007 e no decreto n. 7.217/2010. In. OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Estudos sobre o marco regulatório de saneamento básico no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 228.

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atuação positiva e (ou) ações de abstenção, negativas, que por acaso obstaculizem ou impeçam o acesso a tal condição.23 Para além de tais reflexos categorizados como aspectos sociais elementares, é preciso considerar que a norma jurídica definiu formal e materialmente sua importância haja vista prever como princípios fundamentais a universalização do acesso e sua integralidade nas ações de abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e manejo de águas pluviais urbanas, eficiência e sustentabilidade econômica, transparência das ações, controle social, segurança, qualidade e regularidade, integração das infraestruturas e serviços dos recursos hídricos. Sob tal perspectiva, os direitos fundamentais sociais compõem o conteúdo da qualidade intrínseca ao ser humano, a sua dignidade. 24 E ainda que a dignidade não seja algo a ser concedido ao ser humano, pois com ele já nasce, é necessário apontar que ela se concretiza e depende, em muitas das vezes, das ações positivas e negativas do Estado. A ausência de água potável, de limpeza urbana, esgotamento sanitário, impõe sofrimento e indignidade ao ser humano, excluindo do acesso à saúde, pois a fragiliza. Tais serviços incluem-se no núcleo do mínimo vital, nas palavras do Ingo Sarlet, 25 pois indispensáveis à sobrevivência do ser humano. A diferença com o vocábulo mínimo existencial, segundo o autor, é que aquele trata de sobrevivência, a esse trata-se de falar da garantia da sobrevida, dos aspectos que contribuem para que o ser humano avance em desenvolvimento. No texto constitucional, no artigo 21, inciso XX, encontra-se o comando que impõe à União o poder de definição de diretrizes para o desenvolvimento urbano, incluindo a habitação, o saneamento básico e os transportes urbanos. A vinculação com o direito à cidade encontra-se cada vez mais delineada, restando à materialização de tais previsões.

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ALMEIDA, Luciana Dayoub Ranieri de. O Saneamento Básico como elemento essencial do Direito ao Desenvolvimento e a correlata orientação da Lei 11.445 de 2007. In. OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Estudos sobre o marco regulatório de saneamento básico no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 78. 24

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 83. 25

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 90.

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No que diz respeito à promoção da dignidade da pessoa humana a partir das ações que identificam o saneamento básico, reforça-se que a mesma não perde força diante do argumento da impossibilidade material da universalização de tais serviços, traduzida na defesa da dependência financeira de viabilização - o argumento da reserva do (financeiramente) possível -, bem como da impossibilidade de determinação de um conteúdo definitivo a partir de normas constitucionais por si só.26 A obrigação de provisão dos direitos vinculados ao saneamento recai sobre Estados e Municípios, estando vinculada a um custo dependente das condições financeiras e econômicas do Poder Público. A Lei 11.445/2007, no artigo 29, prevê que o saneamento básico se trata de um serviço público a ser prestado com sustentabilidade econômicofinanceira assegurada por remuneração, preferencialmente, na forma de tarifas e outros preços públicos.27 Tais serviços promovem o acesso a direitos que se encontram no rol de direitos econômicos e sociais, sendo possível a sua fungibilidade em prestação financeira, que não seja essa impeditiva do acesso aos direitos. O Estado brasileiro, para prestar serviços e promover acesso a direitos por meio de ações prestacionais deve planejar-se, tendo a Administração Pública o dever de agir nesse sentido. Falar de planejamento para a Administração Pública é falar em atuação política que resultará em políticas públicas de desenvolvimento, bem como em investimentos estruturantes para o aumento do espectro do atendimento às necessidades da população, um paralelo evidente entre planejamento, processo de formulação política e concretização do acesso a direitos.28 Com a determinação do dever de planejar imposta constitucionalmente,29 a falta de conexão entre a estrutura administrativa e a formulação de políticas públicas pode gerar uma

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NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Sociais: Teoria Jurídica dos Direitos Sociais enquanto direito fundamentais. Coimbra: Editora Coimbra S.A., 2010, p. 87. 27

PICININ, Juliana. A remuneração dos serviços públicos de saneamento básico. In.: PICININ, Juliana; FORTINI, Cristiana (Org.). Saneamento básico: estudos e pareceres à luz da Lei n. 11.445/2007. Belo Horizonte: Fórum,2009, p. 190-191. 28

BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 39. 29

O dever de planejar encontra seu fundamento na Constituição Federal de 1988, nos artigos 21, IX e XVIII; 30, VIII; 48, IV; 49, IX; 74, I; 84, XI; 165; 174, parágrafo 1º; 182, caput, dentre outros. Bem como em legislações infraconstitucionais, em especial a Lei 10.257 de 200, artigos 2º; 4º; 39 e 40.

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série de impeditivos para a concretização dos objetivos que devem ser alcançados pelo Estado. Como componente dessa construção pública que envolve pensar as ações, articular ideias idênticas e diferentes, interesses os mais diversos, fatores econômicos e financeiros, participação popular, é preciso lembrar que as decisões políticas são em sua essência manifestações de poder. Manifestações essas que solicitam uma estrutura estatal complexa e institucionalmente adequada ao que se pretende construir, tal seja oferta de serviços de saneamento básico. Para Eros Grau o planejamento, que necessita de compreensão sobre as funções distintas que exerce para o Estado, seria uma forma racional de previsão de comportamentos, econômicos e sociais futuros, pela formulação de objetivos e definição de meios de ação coordenados explicitamente. Reforça a ideia de que o planejamento citado pela Constituição, no artigo 174, parágrafo 1º, trata-se de planejamento do desenvolvimento econômico, considerado econômico e social. 30 Com a consagração dos direitos fundamentais sociais 31 e a concepção de um modelo jurídico de Estado atuante e transformador da realidade social, os bens e interesses considerados inerentes à condição humana passam de descrição meramente formal para um patamar de consagrada importância na atuação estatal. Tais direitos são, não só protegidos juridicamente, como também devem ser promovidos por um conjunto de ações materializadas pela atividade administrativa do Estado, dadas a sua essencialidade na realização do bem– estar social, portanto na concretização do direito à cidade. Com a entrada em vigor da Lei n. 11.445/2007 surge uma nova moldura jurídica sobre o assunto, fortalecendo a concepção material do direito à cidade. A política de saneamento não pode ocorrer dissociada de outras políticas tais como a de desenvolvimento urbano, de investimentos no setor industrial, o que envolve políticas nacionais, estaduais, regionais e locais de planejamento urbano, a serem articuladas em um sistema de cooperação,

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GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2010, p.309-310.

TORRES, Ricardo Lobo. A metamorfose dos Direitos Sociais em Mínimo Existencial. In: Direitos Fundamentais Sociais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado. Ingo W. Sarlet (org.). Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 3-5.

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envolvendo tanto a prestação de serviços públicos quanto a potencial atividade econômica a ser explorada pela iniciativa privada e regulada pelo Poder Público. 32 Para a concretização dos direitos fundamentais, verifica-se a necessária associação de elementos normativos e diretrizes políticas descritas nos comandos constitucionais, entrelaçando a atuação institucional às políticas públicas.33 Dessa forma, o agir administrativo, quando da prestação de serviços de saneamento está vinculado à significativa complexidade, não só pelo seu peso econômico, mas também pela sua essencialidade. 34 Dando sequência a tal ideia é que se faz a associação em que a atuação prestacional do Estado é um mecanismo para a realização do direito à cidade, que traz em seu rol a moradia adequada. O dever de agir para ofertar o acesso ao direito à cidade está definido nas competências formais que cabem a cada ente federativo, com contornos mais nítidos a partir das diretrizes legais sobre as várias tarefas que envolvem a gestão urbana, dentre elas o saneamento básico. O dever de prestar o serviço público de saneamento básico sabe-se, tem ligação com a sua titularidade, podendo ser prestado pela Administração Pública direta ou indiretamente, por meio de consórcios públicos ou por meio de concessão. Cabendo, portanto, ao titular, por dever de ofício a definição da forma de prestação do serviço, seja direta ou indireta, a ser regulada, fiscalizada e controlada na medida do que a norma impõe, garantindo gradativamente o acesso aos bens e serviços que lhe compete fornecer à sociedade dada a sua indispensabilidade. 35 4 Aspectos que envolvem o saneamento básico e o direito à cidade O Estado traçado pela Constituição de 1988 recebeu a incumbência de diminuir a injustiça social, sob a indicação da necessária intervenção na sociedade e do dever de 32

DEMOLINER, Karine Silva. Água e Saneamento Básico: regimes jurídicos e marcos regulatórios no ordenamento brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p.148. 33

MARRARA, Thiago. Bens Públicos: Domínio Urbano: Infra-estruturas. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p.262.

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GABARDO, Emerson; RAZUC, Nahima Peron Coelho. As diretrizes de reversão e transição no caso de extinção das delegações de serviços públicos de saneamento básico. In: PICININ, Juliana; FORTINI, Cristiana (org.). Saneamento básico: estudos e pareceres à luz da Lei n. 11.445/2007. Belo Horizonte: Fórum,2009, p.219.

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GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. A Evolução Jurídica do Serviço Público de Saneamento Básico. In. OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Estudos sobre o marco regulatório de saneamento básico no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p36.

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promoção do acesso aos direitos fundamentais. O que se extrai da leitura do artigo 3º do texto constitucional é a relação entre a existência do Estado, seus fins e a proposta de eliminação das desigualdades sociais com o objetivo de promover uma transformação social. 36 Dentre as funções da cidade está o acesso à moradia adequada. Segundo o Comentário Geral nº 4, do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas37 sobre as condições que identificam o que deve ser a moradia adequada está previsto uma composição de serviços que garantam vida saudável, disponibilidade de serviços materiais, benefícios e infraestrutura tais como acesso à água potável, energia, iluminação, instalações sanitárias, serviços de emergência; gastos suportáveis que incluem a possibilidade de satisfação das necessidades básicas acessíveis ao seu proporcional nível de renda; habitabilidade, o que inclui proteção contra fatores que possam prejudicar a saúde e fazer proliferar doenças. Observa-se no texto apresentado pela ONU, aspectos componentes da concepção da habitabilidade relacionados com as condições de existência e sobrevivência do ser humano, as quais, em parte, dependem de um conjunto básico de serviços públicos. Aqui cabe destacar a compreensão sobre a noção jurídica dos intitulados serviços de saneamento básico. Para Dinorá Musetti Grotti, os serviços de saneamento básico são serviços públicos, cabendo compreensão diversa, apenas, em situações previstas por lei própria. Para a autora a concepção dada pela Lei 11.445/2007 expressa substratos orgânicos e objetivos,38 bem como a Constituição de 1988, ainda que não tenha elegido um conceito para tal nomenclatura, acolhe o saneamento como uma atividade de titularidade do Poder Público, o que reforça seu entendimento. 39

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BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003. p.294. 37

SAULE JÚNIOR, Nelson. A Proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2004, p.103.

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Para a autora a noção objetiva do serviço público é definida pela índole da necessidade, não importando se o serviço foi prestado pelo Estado ou pelos particulares. Quanto ao critério orgânico, o classifica de forma ampla, como toda atividade desempenhada pelo Poder Público, caracterizando o serviço público de acordo com o ente que o realiza. GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 43-47. 39

GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. A Evolução Jurídica do Serviço Público de Saneamento Básico. In. OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Estudos sobre o marco regulatório de saneamento básico no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 32-34.

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Celso Antônio Bandeira de Mello sustenta que o serviço público consiste em atividades do Estado que têm por objetivo atender a coletividade em geral.

40

Analisa o

serviço público como atividade a ser exercida pelo Estado ou por quem com ele contratou para tal, incluindo utilidade e comodidade como referências que se encaixam na compreensão do que representa os serviços de saneamento. No mesmo sentido Marçal Justen Filho entende o serviço público como “uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, destinada a pessoas indeterminadas e executada sob regime de direito público”.41 O jurista destaca em suas ideias o caráter de essencialidade dado à noção de serviço público, quando aborda a vinculação a direitos fundamentais e corrobora o pensamento dos autores anteriormente citados quanto à submissão ao regime de direito público. Destaca-se ainda a compreensão de Alexandre Santos Aragão sobre o tema, o qual entende ser o serviço público "uma atividade econômica lato senso, titularizada pelo Estado em decorrência de seu intenso interesse público, podendo ser explorada por particulares mediante delegação do Poder Público".·. Por outro viés, Emerson Gabardo entende o serviço público como atividade econômica em sentido estrito. Ainda, defende que é no processo de reforma administrativa gerencial, na década de 1990, que há um rompimento dos limites entre os regimes público e privado, permitindo juridicamente que os serviços públicos possam ser regidos por um Regime de Direito Privado.42 O autor, ao defender tal ideia, propõe que a análise sobre a definição de um regime jurídico para a o serviço público, ainda tão polêmica, se afaste da afirmação de um regime geral para a possibilidade de vê-lo de forma setorial adotando, pois, o critério material como referência.

40

Conceituando o serviço público como toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais –, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 671. 41

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva 2005, p. 478.

42

GABARDO, Emerson. Interesse Público e Subsidiariedade. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p.130-131.

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As provocações feitas pelo autor são instigantes não, especificamente, pela adoção do entendimento de que o serviço público é atividade econômica em sentido estrito, mas por sugerir uma reflexão necessária sobre o tema do serviço público, incluindo a possibilidade de identificar-se o serviço público a partir da noção de finalidade pública administrativa, mesmo compreendendo tratar-se de ideia "inapropriada para a realidade brasileira". 43 No que toca aos aspectos envolvendo o saneamento básico o resgate da noção de serviço público e seu tratamento pela doutrina mais abalizada faz-se necessária tendo em vista a própria denominação dada pela Lei 11.445/2007. Diante das concepções doutrinárias sobre o conceito ou a noção de serviço público para dai abarcar o saneamento, categorizá-lo e inclui-lo como elemento fundamental no acesso ao direito à cidade, o que se afere é que ambas as concepções podem reconhecer ao saneamento básico o caráter da essencialidade. O entendimento baseia-se na definição constitucional do modelo de Estado brasileiro, social e democrático, de postura ativa e interventiva, em que as ações e mobiliário investido para a concepção dos serviços de saneamento têm caráter de indispensabilidade a fim de atender necessidades sociais, econômicas, humanas, para o desenvolvimento do país. Tal desenvolvimento passa pela ordenação das cidades, território onde vivem, trabalham, circulam todos os indivíduos, de todos os segmentos sociais.

5 Considerações finais As previsões normativas sobre o serviço de saneamento impõem dever de universalização do acesso e ampliação progressiva, integralidade e segurança, regionalização, transparência nas ações, eficiência, regularidade, continuidade, controle social, integração às políticas públicas que envolvem as de desenvolvimento urbano, de habitação, de combate à pobreza, proteção ambiental, promoção da saúde, dentre outros.44 Para tanto, o plano diretor, instrumento básico de política de desenvolvimento e expansão urbana,45 deve conter previsões de intervenção e concepções relativas ao 43

GABARDO, Emerson. Interesse Público e Subsidiariedade. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 134-135.

44

GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. A Evolução Jurídica do Serviço Público de Saneamento Básico. In. OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Estudos sobre o marco regulatório de saneamento básico no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p.36-37. 45

SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 132.

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saneamento. O Plano Diretor, que deverá refletir as reais condições e necessidades do Município, incluindo zona urbana e rural, tem que prever ações interventivas cabíveis por meio dos instrumentos jurídicos e urbanísticos correspondentes, para que a política pública de saneamento se materialize, promovendo avanços na disposição dos serviços. No Estado Democrático e Social de Direito, Poder Legislativo, políticas públicas e função administrativa se relacionam de maneira íntima e constante, conectando a sociedade às ações estatais. O planejamento, traço característico da atuação administrativa eficiente, impessoal, proba, tem papel preponderante na promoção e proteção dos direitos. 46 Trata-se também de técnica47 pela qual a ação administrativa do Estado de desenvolve cumprindo um desenho em que estão estabelecidas as diretrizes espaciais, temporais e de conteúdo, habilitando a Administração a cumprir o previsto no texto normativo constitucional e infraconstitucional, obedecendo ao devido processo legal. O decreto n. 7.217/2010, em seu artigo 39, inciso I, eleva o planejamento à condição de essencialidade, em que os projetos para a operacionalização dos serviços de saneamento básico constituem termo de validade dos contratos declarando, ainda, no artigo 26, parágrafo 2º, que a partir de 2014 a existência de plano de saneamento básico, elaborado pelo titular dos serviços será condição de acesso a recursos orçamentários da União. Sem o planejamento adequado a cidade coerente, funcional fragiliza-se, se torna injusta, desigual, marcadamente informal, a negar aos seus moradores o acesso a uma vida sadia e segura. Sendo assim, a eleição de prioridades de acordo com as demandas locais e regionais deve estar articulada e interligada com a promoção e acesso à moradia adequada, o que envolve abastecimento de água, o esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos, drenagem urbana, proteção ambiental. A promoção de tal serviço, portanto, promove à igualdade, o acesso à cidadania, fortalece a democracia, é elementar para o desenvolvimento humano, pois oferta bens que materializam o bem estar dos indivíduos e a manutenção e equilíbrio social. O rol de 46

OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. O planejamento do Serviço Público de Saneamento Básico na Lei n. 11.445/2007 e no decreto n. 7.217/2010. In. OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Estudos sobre o marco regulatório de saneamento básico no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 228-229. 47

OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. O planejamento do Serviço Público de Saneamento Básico na Lei n. 11.445/2007 e no decreto n. 7.217/2010. In. OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Estudos sobre o marco regulatório de saneamento básico no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p.224.

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atividades que identificam o saneamento básico identifica, também, o acesso à cidade sustentável. O Estatuto da Cidade, Lei n. 10.257/2001, desdobra os comandos constitucionais para o desenvolvimento urbano pleno, fortalecendo a concepção do planejamento e de que a cidade se configura nas funções que exerce na vida do cidadão urbano. A busca pela vida na cidade é a busca por mais e melhor qualidade de vida, a ser usufruída de maneira legítima e igualitária por todos, ainda que a realidade seja mais dura e diversa do que o que se deseja encontrar. Para Daniela Libório, a ideia de função social da cidade que tanto insistimos em ressaltar, estaria ligada à concepção da urbe dada pela população local, ou seja, pelos indivíduos que nela habitam e se reúnem, devendo-se respeitar as suas necessidades, sua vocação, questões que determinam o seu desenvolvimento, comumente, em razão da moradia.48 É nessa perspectiva que se enquadra o saneamento básico, dentre os quesitos essenciais e elementares que compõem a materialização do direito à cidade pela moradia adequada, demonstrando que a sua ausência representa o impedimento da fruição de vários direitos constitucionalmente conquistados. O direito de morar adequadamente, direito humano reconhecido pela Constituição de 1988 como um direito fundamental social, está descrito como primeira função social a ser exercida na cidade. A falta de moradia adequada impede a saúde e o bem-estar de todos os membros de um grupo social, esteja ele representado por uma família ou por pessoas individualmente, gerando uma série de prejuízos vitais. 49 Se a prestação do serviço público de saneamento é um dever dada a determinação legal sobre sua existência,50 as previsões sobre aquilo que promove (aspectos sociais) e como deve ser prestado (aspectos jurídicos), bem como o seu significado no rol de funções da cidade (aspectos sócio jurídicos), definem que sua ausência não pode ser compreendida senão como descumprimento do dever de agir administrativo. 48

DI SARNO, Daniela Campos Libório. Elementos de Direito Urbanístico. Barueri: Manole, 2004. p. 16.

49

MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil – Política Urbana e acesso por meio da regularização fundiária. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 30. 50

OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. O planejamento do Serviço Público de Saneamento Básico na Lei n. 11.445/2007 e no decreto n. 7.217/2010. In. OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Estudos sobre o marco regulatório de saneamento básico no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p.244.

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