O SEGUNDO TRATADO SOBRE O GOVERNO CIVIL E A CONTRIBUIÇÃO LIBERAL

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COORDENADORES: GUSTAVO RABAY GUERRA LUDMILA ARAÚJO

ORGANIZADORES: LARYSSA ALMEIDA VINÍCIUS LEÃO

TEMAS SELECIONADOS DE

DIREITO PÚBLICO

TEMAS SELECIONADOS DE DIREITO PÚBLICO

CENTRO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E DIREITO LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA Diretor Presidente da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO Diretor - Adjunto da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito LUCIANO DO NASCIMENTO SILVA Coordenador Acadêmico da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito MARIA CEZILENE ARAÚJO DE MORAIS Coordenador Acadêmico - Adjunto da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito VALFREDO DE ANDRADE AGUIAR FILHO Coordenador de Política Editorial do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito NÁJILA MEDEIROS BEZERRA E YULGAN TENNO DE FARIAS CoordenadoresAdjuntos de Política Editorial do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito

ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA – AREPB CNPJ 12.955.187/0001-66 Acesse: www.abarriguda.org.br

CONSELHO CIENTÍFICO Adilson Rodrigues Pires Adolpho José Ribeiro Adriana Maria Aureliano da Silva Ana Carolina Gondim de Albuquerque Oliveira André Karam Trindade Alana Ramos Araújo Bruno Cézar Cadê Carina Barbosa Gouvêa Carlos Aranguéz Sanchéz Cláudio Simão de Lucena Neto Daniel Ferreira de Lira Elionora Nazaré Cardoso Ely Jorge Trindade Ezilda Cláudia de Melo Felix Araújo Neto Fernanda Isabela Oliveira Freitas Gisele Padilha Cadé Glauber Salomão Leite Gustavo Rabay Guerra Herry Charriery da Costa Santos

Hipolito de Sousa Lucena Ignacio Berdugo Gómes de la Torre Javier Valls Prieto Jeremias de Cássio Carneiro de Melo José Flôr de Medeiros Júnior Karina Teresa da Silva Maciel Laryssa Mayara Alves de Almeida Luciano do Nascimento Silva Ludmila Douettes Albuquerque de Aráujo Marcelo Alves Pereira Eufrásio Marcelo Weick Pogliese Maria Cezilene Araújo de Morais Raymundo Juliano Rego Feitosa Rodrigo Araújo Reül Rômulo Rhemo Palitot Braga Samara Cristina Oliveira Coelho Suênia Oliveira Vasconcelos Talden Queiroz Farias Thamara Duarte Cunha Medeiros Valfredo de Andrade Aguiar Filho

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GUSTAVO RABAY GUERRA E LUDMILA ARAÚJO COORDENADORES LARYSSA ALMEIDA E VINÍCIUS LEÃO ORGANIZADORES

1ª EDIÇÃO ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA - AREPB

2014 CENTRO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E DIREITO - REVISTA A BARRIGUDA ____________________________________________________________________________________________________________

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TEMAS SELECIONADOS DE DIREITO PÚBLICO

©Copyright 2014 by Editor-chefe LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA E LUCIANO NASCIMENTO SILVA Coordenação do Livro GUSTAVO RABAY GUERRA E LUDMILA ALBUQUERQUE DOUETTES ARAÚJO Organização do Livro LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA E VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO Arte FAZ IDEIA Capa YULGAN TENNO DE FARIAS Editoração LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO Diagramação LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO O conteúdo dos artigos é de inteira responsabilidade dos autores. Data de fechamento da edição: 10-11-2014

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELO BIBLIOTECÁRIO MARCOS PAULO FARIAS RODRIGUES CRB 15 Nº1601

T278

Temas relacionados de Direito Público. / Laryssa Almeida e Vinícius Leão (Org.) Gustavo Rabay e Ludmila Araújo (Coord.). – Campina Grande: Associação da Revista Eletrônica A Barriguda (AREPB), 2014. 188 p. ISBN 978-85-67494-07-4 1. Direito Público 2. Direito I. Título. CDU 342

Todos os direitos desta edição reservados à Associação da Revista Eletrônica A Barriguda – AREPB. Foi feito o depósito legal.

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O Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito – CIPED, responsável pela Revista Jurídica e Cultural “A Barriguda”, foi criado na cidade de Campina Grande-PB, com o objetivo de ser um locus de propagação de uma nova maneira de se enxergar a Pesquisa, o Ensino e a Extensão na área do Direito.

A ideia de criar uma revista eletrônica surgiu a partir de intensos debates em torno da Ciência Jurídica, com o objetivo de resgatar o estudo do Direito enquanto Ciência, de maneira inter e transdisciplinar unido sempre à cultura. Resgatando, dessa maneira, posturas metodológicas que se voltem a postura ética dos futuros profissionais.

Os idealizadores deste projeto, revestidos de ousadia, espírito acadêmico e nutridos do objetivo de criar um novo paradigma de estudo do Direito se motivaram para construir um projeto que ultrapassou as fronteiras de um informativo e se estabeleceu como uma revista eletrônica, para incentivar o resgate do ensino jurídico como interdisciplinar e transversal, sem esquecer a nossa riqueza cultural.

Nosso sincero reconhecimento e agradecimento a todos que contribuíram para a consolidação da Revista A Barriguda no meio acadêmico de forma tão significativa.

Acesse a Biblioteca do site www.abarriguda.org.br e confira E-Books gratuitos.

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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ...................................................................................................................8 EL DERECHO FUNDAMENTAL A LA AUTODETERMINACIÓN INFORMATIVA 9 O SEGUNDO TRATADO SOBRE O GOVERNO CIVIL E A CONTRIBUIÇÃO LIBERAL ................................................................................................................................31 EXPANDIR OS HORIZONTES DAS CORTES É POSSÍVEL? ATIVISMO JUDICIAL TRANSNACIONAL E “JUDICIAL BORROWING” NA DISPUTA INTERPRETATIVA ENTRE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SOBRE A VALIDADE DA LEI DE ANISTIA .........................................................................................................................41 HERMENÊUTICA JURÍDICA E UTILIZAÇÃO DO MÉTODO SISTEMÁTICO NO DIREITO TRIBUTÁRIO ......................................................................................................59 O PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR: ORIGENS ECONÔMICAS E DESDOBRAMENTOS EUROBRASILEIROS ...................................................................77 O IMPEACHMENT DE FERNANDO LUGO NO PARAGUAI: QUESTIONAMENTOS À ÉTICA E À DEMOCRATICIDADE DA DECISÃO PARLAMENTAR .....................96 PARADIPLOMACIA, POR QUÊ? ....................................................................................107 A CONTRIBUIÇÃO DA EXTENSÃO UNIVERSIÁRIA PARA A INTEGRAÇÃO SOCIAL .................................................................................................................................130 DUMPING SOCIAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: UMA ANÁLISE DOS DANOS INTERSUBJETIVOS CAUSADOS E O PODER-DEVER DE COMBATE PELO JUDICIÁRIO ........................................................................................................................137 MONITORAMENTO ELETRÔNICO DO TEOR DE ÁLCOOL EM SERES HUMANOS: REALIDADE NO DIREITO COMPARADO E NECESSIDADE DE IMPLEMENTAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ....................163

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APRESENTAÇÃO A revista jurídica A Barriguda iniciou suas atividades em 2011 a partir dos esforços conjuntos de graduandos e professores do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Estadual da Paraíba. Desde o seu nascedouro, na Cidade de Campina Grande – Estado da Paraíba, vem reunindo em seu conselho científico pesquisadores de diferentes áreas e países comprometidos com o desenvolvimento do conhecimento humano em prol da Sociedade. Em 2014, com oito títulos registrados na Fundação Biblioteca Nacional, A Barriguda iniciou suas atividades como editora, disponibilizando aos seus leitores uma Biblioteca Virtual gratuita no site www.abarriguda.org.br/bibliotecavirtual que reúne as publicações de e-books e edições especiais, com abordagens temáticas específicas do periódico científico, com ISSN 2236-6695. A presente produção intitulada TEMAS SELECIONADOS DE DIREITO PÚBLICO surgiu a partir da percepção das muitas intersecções interdisciplinares propostas entre os diferentes ramos científicos que compõe o que se chama de Direito Público. Assim, reunimos estudiosos de várias instituições de ensino superior brasileiras, os quais assinam cada capítulo desta obra coletiva, para apresentar olhares e reflexões inovadoras no âmbito das Ciências Jurídicas. Novembro de 2014.

Laryssa Almeida, Ludmila Araújo e Vinícius Leão Campina Grande – PB Gustavo Rabay Guerra João Pessoa – PB

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O SEGUNDO TRATADO SOBRE O GOVERNO CIVIL E A CONTRIBUIÇÃO LIBERAL Luciano do Nascimento Silva Vinícius Leão de Castro

1 2

Sumário: 1 Introdução. 2 Análise histórica. 3 A propriedade lockiana como um conceito determinante. 4 O estado a partir do poder político e da liberdade. 5 Conclusão. Referências.

1

INTRODUÇÃO

O estudo da obra de John Locke, Segundo Tratado sobre o Governo Civil, ganha relevo por ter fornecido uma considerável contribuição ao liberalismo, enquanto pensamento político-teórico nascente, no século XVIII. Para isso, parte-se de uma abordagem histórica com a finalidade de desmistificar alguns aspectos obscuros na teoria lockiana, além de mostrar sua intersecção com a agenda política da época. Após esta discussão inicial, trata-se do conceito de propriedade, a partir de uma perspectiva central, na qual ele determina outros pontos importantes do pensamento do filósofo inglês. Especificamente, procura-se investigar sob quais circunstâncias o Estado é determinado pela propriedade e como se caracterizava a relação entre propriedade e indivíduo, dentro da estrutura de classes da Inglaterra, no século XVII. Nesse ponto, se torna possível esmiuçar o Estado por intermédio do exame do poder político e da liberdade, a fim de que houvesse uma reconstrução dos conceitos de poder e liberdade, dentro de um Estado que é sobremaneira influenciado pelo que Locke entendia por propriedade. _____________

1

Pós-Doutorando em Sociologia e Teoria do Direito no Centro di Studi sul Rischio dalla Facoltà di Giurisprudenza dell Universitá del Salento – CSR-FG-UNISALENTO (2013-2015); Doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra FDUC (2003-2007); Mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito do Largo do São Francisco da Universidade de São Paulo USP (2001 – 2003);. Editor-chefe da

Revista Científica “A Barriguda”, ISSN 2236-6695. E-mail: [email protected] 2 Acadêmico de Direito na Universidade Estadual da Paraíba. Editor e Membro Fundador da Revista Científica “A Barriguda”, ISSN 2236-6695. Pesquisador nas áreas de Teoria do Estado e Direito Constitucional. E-mail: [email protected]

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Por fim, a conclusão se ocupa de relacionar, de forma breve, este arcabouço teórico com a contribuição ao pensamento liberal, a partir de uma concatenação dos conceitos expostos aqui, comprovando, por conseguinte, a existência desta contribuição.

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ANÁLISE HISTÓRICA

Verificou-se a possibilidade de relacionar os acontecimentos históricos e os 3

desdobramentos em sua teoria. Para isso, é imprescindível o aporte trazido pela edição da obra do filósofo inglês organizada pelo historiador Peter Laslett citada por Noberto Bobbio (1998). Nessa análise, Laslett sustenta que os Tratados foram escritos dez anos antes de sua publicação em 1690, no período entre o retorno de Locke da França e a partida para a Holanda 4

(1679/1683) . Entre as razões pelas quais ele defende este ponto de vista estão que os Tratados foram uma refutação ao primeiro livro do Patriarca, de Robert Filmer, porque ele era um escrito 5

circunstancial , pelo fato de ter sido utilizado, na época da sua publicação, como manifesto dos grupos conservadores ligados à monarquia, dessa forma, na hipótese da produção acontecer apenas em 1690, a obra de Filmer teria perdido todo seu alcance; bem como por contestar a teoria 6

paternalista e despótica do governo , núcleo da teoria presente naquele livro.

Outro valioso argumento exposto por Laslett é histórico e faz referência ao problema 7

da convocação e dissolução do Parlamento , bastante presente na Inglaterra, entre os anos de 1678 e 1681, mas desatualizado no reinado de Jaime II (1685-1688). Por consequência, poderá ser observado que a obra de Locke constituía uma justificação do projeto político Whig, defendendo os direitos do parlamento, subordinando o Executivo ao Legislativo e professando a liberdade religiosa. Assim, o filósofo atento as mudanças em sua sociedade contribuía com a construção de uma teoria política em apoio ao seu ideário. 8

Tem a mesma opinião Macpherson (1979) afirmando a utilidade da teoria de Locke para o estado Whig. Concorda, igualmente, com esta posição, Franz Neumann (2013) 3

John Locke - two treatises of government: a critical edition with an introduction and apparatus criticus. Cambridge: Cambridge University Press, 1960. 4 Adere a este ponto de vista Salazar (1999, p. 61). 5 Publicado, postumamente, em 1680. O autor faleceu em 1653. 6 LOCKE, 2009, p. 113-15. 7 Ibdem, p. 104-5; p. 111-12. 8

Imprescindível o apontamento do filósofo político Richard Ashcraft (1997, p. 226 apud SALAZAR, 1999, p.

83 tradução nossa) “o modelo político formulado por Locke teve um propósito político imediato: reivindicar em CENTRO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E DIREITO - REVISTA A BARRIGUDA ____________________________________________________________________________________________________________

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considerando que o sistema lockiano é tipicamente Whig e genuinamente burguês do Estado e do Direito. Este debate não desmerece em nenhum momento as obras de Locke, ao afastar a lenda de teórico da Revolução Gloriosa, mas traz uma contribuição significativa no concernente aos conceitos que serão abordados posteriormente, afinal entender a sua posição política e parte do seu entendimento sobre a sociedade em que vivia é esclarecer algumas obscuridades de sua teoria.

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A PROPRIEDADE LOCKIANA COMO UM CONCEITO DETERMINANTE

Iniciar a análise do Segundo Tratado a partir do conceito de propriedade tem uma justificativa lógica. A formação do Estado, a divisão da sociedade, o próprio indivíduo e, consequentemente, a divisão tríade do poder9 são definidos por sua concepção de propriedade. Dessa maneira, se torna imperativo colocar sob quais circunstâncias o Estado é determinado pela propriedade e como se caracterizava a relação entre propriedade e indivíduo, dentro da estrutura de classes da Inglaterra, no século XVII. O exame começará pelo significado de propriedade, em Locke, para em seguida mostrar-se a evolução da propriedade ao longo da história, segundo o pensamento lockiano, a qual pode ser dividida em três marcos fundamentais, a propriedade no estado de natureza, a invenção do dinheiro e a apropriação individual ilimitada. Finalmente, passa-se a resposta dos questionamentos levantados. No Segundo Tratado são apresentados dois conceitos de propriedade, um em sentido amplo10 que inclui a vida, a liberdade, os bens e, por consequência, o trabalho; outro em 11

sentido restrito , o qual abarca apenas os bens. A propriedade no estado de natureza era res communes12, com o passar do tempo e devido às necessidades do indivíduo se inicia um processo de apropriação fundado nestas e no

sua época e lugar os interesses, direitos de propriedade e reivindicações de primazia política de seu patrono, o Conde de Shaftesbury, e os outros membros da oligarquia Whig”. 9 LOCKE, 2009, p. 115. 10

11 12

LOCKE, 2009, p. 61; 84; 86; 93.

Ibdem, p. 94-6; 115; 124. Ibdem, p. 29. CENTRO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E DIREITO - REVISTA A BARRIGUDA ____________________________________________________________________________________________________________

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trabalho, de modo que “o trabalho de seus braços e a obra das suas mãos, pode-se afirmar, são propriamente dele” (LOCKE, 2009, p. 30). Nesse contexto, Locke estabelece três limitações naturais a essa apropriação individual inicial, que funcionam para manter a boa convivência entre as pessoas, na ausência de um governo. A limitação da suficiência, pela qual “nenhum outro homem tem direito ao que foi agregado [através do trabalho], pelo menos quando houver bastante e de boa qualidade em comum para os demais” (LOCKE, 2009, p. 30), do desperdício, “podemos fixar o tamanho da propriedade obtida pelo trabalho (. . .) evitando que a dádiva se perca” (LOCKE, 2009, p. 32) e pelo trabalho, “a extensão de terra que um homem lavra, planta, melhora, cultiva e de cujos produtos desfruta, constitui a sua propriedade. Pelo trabalho, digamos, destaca-a do que é comum” (LOCKE, 2009, p. 32). A invenção do dinheiro é a divisão entre a apropriação limitada e ilimitada da propriedade, pois de acordo com Locke (2009, p. 41) ela extingue essas limitações, “foi esta a origem do uso do dinheiro – algo de duradouro que os homens pudessem guardar, não perecível, e que por convenção aceita pudesse receber em troca os sustentáculos da vida verdadeiramente

úteis, mas perecíveis”. As limitações foram superadas porque o dinheiro não se desperdiça; o excedente produzido não se perde, mas se comercializa; e aqueles que não possuíssem propriedade alcançariam a subsistência através da alienação do próprio trabalho13. Macpherson (1979, p. 224) esclarece essa questão:

Sem dúvida, a uma certa altura, já não sobra mais tanta terra a ser deixada para os outros. Mas, se então não sobrar terra bastante nem tão boa, para os outros, sobrará vida bastante e tão boa (até melhor) para os outros. E o direito de todos os homens à vida era o direito fundamental do qual Locke havia deduzido inicialmente seu direito de apropriação da terra: é pela apropriação de toda terra que é criada uma vida melhor para os outros.

Dessa maneira, surgem as condições favoráveis a apropriação individual ilimitada:

Tendo [o homem] descoberto, pela aceitação tácita e espontânea, a maneira de alguém possuir licitamente mais terra do que aquela cujo produto pode utilizar, recebendo em troca, pelo excesso do produto, ouro e prata que pode guardar sem causar dano aos 13

Vale destacar o comentário de Peter Laslett a esse respeito. Para ele, a alienação se referia não a propensão ao trabalho, mas a capacidade para realizá-lo. Portanto, segundo Machpherson (1979) há uma clara diferenciação feita por Locke entre vida e trabalho, pois a alienação do próprio trabalho distingui-se da concessão do poder arbitrário sobre a própria vida. Cf. LOCKE, 2009, p. 60. CENTRO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E DIREITO - REVISTA A BARRIGUDA ____________________________________________________________________________________________________________

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outros (. . .). Os homens viabilizaram tal divisão desigual de posses à margem da sociedade sem precisar de acordos especiais, atribuindo valor ao ouro e à prata, e concordando tacitamente sobre o uso do dinheiro (LOCKE, 2009, p. 42).

Sob quais circunstâncias o Estado é determinado pela propriedade? Uma das razões para o surgimento do contrato social que dará origem ao Estado é a proteção da propriedade, afinal quando “Deus deu o mundo em comum a todos os homens (. . .) não é viável supor que fosse sua intenção que devesse ficar sempre em comum” (LOCKE, 2009, p. 33). 14

O objetivo único do Estado á a regulação , fruição

15

e, sobretudo, preservação

16

da

propriedade. No estado de natureza, a fruição da propriedade é posta à prova pela ausência de uma lei, aceita por todos, que regule esta situação, na sociedade civil a ameaça a segurança da propriedade é causa de grande instabilidade que só pode ser afastada por um legislativo forte. Dessa forma, percebe-se um vínculo entre a presença de um legislativo supremo e a defesa da propriedade de modo que “a finalidade para a qual [os homens] elegem e dão autoridade a um poder legislativo é possibilitar a existência de leis e regras definidas que sejam guardiãs e protetoras da propriedade dos membros da sociedade” (LOCKE, 2009, p. 140).

Ainda cabe trazer a interpretação deste conceito de Estado feita pelo filósofo político Harold Laski (apud. SALAZAR, 1999, p. 61 tradução nossa), “o Estado de Locke nada mais é do que um contrato entre um grupo de empresários que formaram uma pequena empresa de responsabilidade limitada, cujo ato constitutivo proíbe ao diretor todas as práticas que os reis haviam utilizado durante a dinastia Stuart”.

17

Como se caracterizava a relação entre propriedade e indivíduo, dentro da estrutura de classes da Inglaterra, do século XVII? O objetivo aqui é simplesmente mostrar como o conceito de propriedade se encontrava presente na classificação econômica dos indivíduos ingleses daquele século, ou em outras palavras, como Locke ao desenvolver seu conceito de propriedade trouxe a observação da sociedade que lhe foi contemporânea. A sociedade inglesa daquela época estava dividida entre proprietários, comerciantes e assalariados. Os proprietários eram aproximadamente 33% 14

18

da população e nesta classe

LOCKE, 2009, p. 14.

15 Ibdem, p. 90. 16

17

Ibdem, p. 66; 84; 94; 140.

Em uma tradução livre: “El estado de Locke no es outra cosa que un contrato entre un grupo de hombres de negocios que forman uma pequeña sociedad de responsabilidad limitada, cuyo acto constitutivo prohíbe al director todas lãs prácticas que habían utilizado en su tiempo los reys Estuardo.” 18 Os percentuais tomaram por base a população de homens adultos, 1.170.400 (100%), de acordo com as pesquisas realizadas por Gregory King (1696, apud MACPHERSON, 1979, p. 289-308). CENTRO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E DIREITO - REVISTA A BARRIGUDA ____________________________________________________________________________________________________________

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incluíam-se os latifundiários, comerciantes terrestres, profissionais liberais, lojistas, artesãos, oficiais do Exército e da Marinha e os inquilinos rurais que fossem arrendatários anuais ou vitalícios. Os comerciantes representavam apenas 1% da população, pois dos lojistas e artesãos retirava-se apenas aqueles que fossem produtores independentes. Os assalariados eram formados pelos trabalhadores que recebiam um salário por intermédio de um contrato com um empregador e pelos pedintes e mendigos, os quais constituíam a maioria da população (66%).

Resta caracterizado, portanto, que a divisão inglesa de classes baseava-se estritamente no critério da posse. Nesse sentido é que Macpherson (1979, p. 243) afirma que “Locke transforma a massa dos indivíduos iguais (licitamente) em duas classes com direitos muito diferentes, os que têm propriedade e os que não têm”.

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O ESTADO A PARTIR DO PODER POLÍTICO E DA LIBERDADE

O cerne do conceito de Estado para Locke está em sua exposição sobre as formas de poder que um homem pode exercer sobre outro e, principalmente, na distinção que firma entre o poder político (civil), de um lado, e os poderes paterno e despótico, de outro. Assim, partese deste ponto para reconstruir a sua definição de Estado e, posteriormente se fazer uma breve análise quanto ao seu conceito de liberdade. O poder paterno “é tão somente aquele que os progenitores têm sobre os filhos para o governo destes, visando ao bem deles até que atinjam o uso da razão, [no entanto, este não se confunde com o poder político, pois não] se estende às finalidades e jurisdições [deste]. O poder do pai não alcança de modo algum a propriedade do filho maior” (LOCKE, 2009, p. 113).

Bobbio (1998, p. 212) se afastando da doutrina tradicional que adotava como fundamento deste poder a geração, estabelece-o como um direito dos filhos a partir do 19

pressuposto de que este é um poder-dever, retirado da obra de Locke , de maneira que “o prius autêntico nessa questão de pais e filhos é o direito à vida. Assim como não pode haver um direito sem um dever, ao direito à vida corresponde um dever por parte de quem gerou ou recolheu a criança: o de alimentá-la e criá-la”. O poder despótico “é o poder absoluto que um homem tem sobre outro até para tirarlhe a vida, se assim o quiser. Um tal poder a natureza não concede (...) nem pode ser atribuído por qualquer pacto (...), mas é tão só devido ao confisco da própria vida por parte do agressor, 19

LOCKE, 2009, p. 45; 51. CENTRO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E DIREITO - REVISTA A BARRIGUDA ____________________________________________________________________________________________________________

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quando se coloca em estado de guerra contra outro indivíduo” (LOCKE, 2009, p. 114). Dessa maneira, Locke (2009, p. 115) estabelece como fundamento deste poder o delito, pois apenas “os prisioneiros, capturados em guerra justa e legítima, e somente estes, estão sujeitos ao poder despótico”. Bobbio (1998) parte da exclusão do governo despótico e, por consequência, da 20

monarquia absoluta como formas de governo feita por Locke ·, para apontar dois motivos que distinguem poder despótico e político. O primeiro diz respeito à saída do estado de natureza que é incompleta, pois os súditos no relacionamento entre eles são regulados por leis, por isso não permanecem naquele estado, porém permanece o soberano, na sua relação com aqueles, pelo fato de se submeter a leis diversas. O segundo questiona a proteção da propriedade que em um governo despótico não existe, afinal os bens dos indivíduos ficam à mercê do soberano. O poder político “é aquele inerente ao estado de natureza que cada homem passou as mãos da sociedade, e através dela aos governantes que ela adotou para si, com o encargo tácito ou explícito de empregá-lo para o bem e preservação dela própria” (LOCKE, 2009, p. 114).

Mais adiante Locke (2009, p. 114) define o consentimento

21

como fundamento deste poder,

“a origem desse poder está, pois, somente no pacto e assentimento, e consentimento mútuo dos que compõem a comunidade”. O Estado, em Locke, essencialmente, é marcado por uma renúncia parcial aos direitos naturais, uma função fiscalizatória das atividades humanas, uma mediação imparcial das controvérsias que surgem entre as pessoas no cotidiano, com poderes bem definidos e limitados.

Quanto a limitação do poder do Estado, se torna válida uma análise mais detalhada, porque esta passará a história como alicerce do Estado liberal. Ela é formada pelo princípio da 22

legalidade , reforço as obrigações impostas pelo direito natural estatal, quais sejam, o consentimento

24

23

e restrições a soberania

e a impossibilidade de transferência de poderes ao

25

Estado que são estranhos ao indivíduo . Nesse ínterim, se faz oportuno o pensamento de Franz Neumann (2013, p. 210-11), segundo o qual “esta limitação é alcançada segundo dois fatores, um material e um institucional;

20

Ibdem, p. 27-8; 63.

21 Ibdem, p. 68. 22 LOCKE, 2009, p. 86. 23 Ibdem, p. 92. 24 Ibdem, p. 90. 25

Ibdem, p. 91.

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ou seja, pela introdução do Império do Direito material

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de um lado, e pela separação de

poderes do outro”. Sobre o conceito de liberdade lockiano, deve-se partir de sua posição no estado de natureza, a transição para o governo civil e como ele afirma esta definição neste outro espaço. Primeiramente “a liberdade natural do homem nada mais é que não estar sujeito a qualquer poder terreno, e não submetido à vontade ou à autoridade legislativa do homem, tendo como única regra apenas a lei da natureza” (LOCKE, 2009, p. 27). No entanto, essa liberdade sem freios, propicia a criação de várias dificuldades, em um cenário de parcialidade e violência, no qual os homens são os seus próprios juízes. Como solução Locke propõe a transição para o governo civil, a qual consiste na perda de liberdade (o direito de ser juiz da própria causa) compensada pelas limitações do poder político. Nesse sentido, o autor inglês faz a seguinte advertência, “o objetivo da lei não consiste em abolir ou restringir, mas em preservar e ampliar a liberdade” (LOCKE, 2009, p. 45) para logo em seguida apresentar o conceito de liberdade tendo por esteio a autoridade de leis estabelecidas “[a] liberdade de dispor e ordenar, a seu talante, as ações, as posses e toda a sua propriedade, dentro da prescrição das leis sob as quais [se] vive, não sujeito à vontade 27

arbitrária de outrem, mas seguindo livremente a própria vontade” (LOCKE, 2009, p. 45) . Para que se concretize esta visão de liberdade é necessário um ambiente específico, isto é, um Estado de Direito

28

com leis estabelecidas e promulgadas, que tratem a todos com

igualdade, com a única finalidade de alcançar o bem comum

29

que para Locke era a

preservação pessoal, da liberdade e da propriedade.

5

CONCLUSÃO

Finalmente, são necessárias considerações acerca da contribuição de Locke ao pensamento liberal. O aviso do economista colombiano Mauricio Pérez Salazar (1999, p. 83, tradução nossa) é adequado ao passo que se deve lembrar que uma associação desse tipo poderia

26

Expectativa de que o direito material se realize no sistema jurídico positivo, ou que se o direito positivo entrar em contradição com o direito material, o direito positivo não será implementado (NEUMANN, 2013, p. 99). Presente no texto de Locke (2009, p. 90), quando ao concordar com Hooker assume que a preservação da sociedade é a lei natural que guiará o legislativo, o qual será instituído pela lei positiva. 27 Cf. LOCKE, 2009, p. 27. 28 LOCKE, 2009, p. 96-7. 29

Ibdem, p. 86. CENTRO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E DIREITO - REVISTA A BARRIGUDA ____________________________________________________________________________________________________________

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soar anacrônica, tendo em vista que as referências conceituais contemporâneas do liberalismo não existiam àquela época

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ou reducionista, de acordo com Macpherson (1979, p. 205).

Porém, pode-se trazer associações que demonstram uma influência desse tipo. A liberdade, por exemplo, enquanto objeto último da sociedade está presente na identificação da preservação da liberdade, ao lado da propriedade e do indivíduo, ou seja, o próprio bem comum. A defesa de um governo representativo também é uma característica do Estado Liberal que foi inaugurada por Locke (2009, p. 91) ao descrever o poder legislativo como “o poder do conjunto de todos os membros da sociedade, confiado à pessoa ou grupo de pessoas como legislador”. Além disso, a limitação do poder, onde a função do Estado em relação à sociedade se reduz à fiscalização e mediação de conflitos é uma clara representação do Estado mínimo.

Mas, o intuito aqui não é provar uma relação de determinação ou vinculação, mas mostrar, com o que foi exposto, que há sim uma influência evidente da teoria lockiana como alicerce da moderna teoria liberal, conforme mostra Bobbio (1998, p. 224) “esta configuração do Estado é que deu corpo à tradição do Estado liberal, entendido como Estado negativo, custódio, limitado, etc.; à concepção das relações entre indivíduo e Estado definida pela fórmula da liberdade do Estado”.

REFERÊNCIAS ASHCRAFT, Richard. Locke’s political philosophy. 1997. In: SALAZAR, Mauricio Pérez. La genealogia del liberalismo, uma lectura econômica del “segundo tratado sobre el gobierno civil” de John Locke. Revista de Economia Institucional. 1999, n.1, p. 59-88. BOBBIO, Noberto. Locke e o Direito Natural. Tradução por Sérgio Bath. Brasília: EdUnB, 1998. KING, Gregory. Natural and political observations and conclusions upon the state and condition of England. 1696. In: MACPHERSON, C. B. A teoria política do individualismo

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Em uma tradução livre: “La pergunta por el liberalismo de Locke es engañosa. Es anacrónica porque muchos de los referentes conceptuales contemporáneos del liberalismo no existían em su época”. CENTRO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E DIREITO - REVISTA A BARRIGUDA ____________________________________________________________________________________________________________

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TEMAS SELECIONADOS DE DIREITO PÚBLICO

possessivo: de Hobbes até Locke. Tradução por Nelson Dantas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. LASLETT, Peter. John Locke - two treatises of government: a critical edition with an introduction and apparatus criticus. 1960. In: BOBBIO, Noberto. Estado, governo, sociedade: por uma teoria geral da política. Tradução por Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010. p. 53-104. LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. Tradução por Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2009. MACPHERSON, C. B. A teoria política do individualismo possessivo: de Hobbes até Locke. Tradução por Nelson Dantas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. NEUMANN, Franz. O império do Direito: teoria política e sistema jurídico na sociedade moderna. Tradução por Rúrion Melo. São Paulo: Quartier Latin, 2013. SALAZAR, Mauricio Pérez. La genealogia del liberalismo, uma lectura econômica del “segundo tratado sobre el gobierno civil” de John Locke. Revista de Economia Institucional. 1999, n.1, pp. 59-88.

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