O Senhor do Bomjardim

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O Senhor do Bomjardim

O Senhor do Bomjardim

Título

Senhor do Bomjardim

Colecção

Documenta, testemunhos para História

Autores Duarte de Lancastre y Serrano Francisco Gorjão Empis João Pereira Coutinho Sanches de Baêna Jorge de Oliveira e Sousa Manuel Empis de Bragança Tiago Henriques Design Gráfico BLOOK Agency [email protected] Impressão Nova Lello [email protected] Editor Orfeu, livraria portuguesa e galega Rue du Taciturne, 43, Willem de Zwijgerstraat 1000 Bruxelles 1000 Brussel Belgique België www.orfeu.net [email protected] Editeur nr. 978-2-9600523 ISBN 978-2-87530-010-2 EAN 9782875300102 Tiragem 1.000 Exemplares 1ª Edição, Bruxelas, Outubro/Novembro, 2013 Contracapa

Ex-libris do Conde de Redondo colecção Manuel Empis de Bragança

Direitos reservados conforme legislação vigente

O Senhor do Bomjardim

A presente publicação é resultado do apoio, empenho e interesse de um vasto número das pessoas que aqui ficam recordadas:

Ana Alves Mendes Eng. António Brito Valentim Bruno Empis Braddell Pe. Duarte de Andrade e Sousa D. Duarte de Lancastre y Serrano Francisco Gorjão Empis Helena Empis Gray Pereira Hugo de Sousa Coutinho Empis D. João Pereira Coutinho Sanches de Bâena Dr. João Pedro Teixeira de Vasconcelos Dr. Joaquim Pinto da Silva, Orfeu livraria portuguesa e galega - Bruxelas Prof. Doutor Jorge de Oliveira e Sousa José Luís de Sousa Coutinho Empis Juliana Figueiredo, Managing Partner Blook Agency D. Luís da Costa de Sousa Macedo (Mesquitella) Luísa Fevereiro Empis Dr. Luís de Saldanha Lopes, Escrivão da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Freguesia de Santo André da Vila de Mafra Miguel Boim D. Manuel Empis de Bragança Madre Maria do Lado (Ir. Fernanda Ferreira, O. S. C.) Raúl de Sousa Coutinho Empis Dra. Sílvia Sequeira, Responsável da Área de Música da Biblioteca Nacional D. Tiago Henriques (Louriçal)

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INTRODUÇÃO  Cinco são os séculos em que o Bom Jesus é venerado na Capela da Quinta do Bomjardim, pelos descendentes de Diogo de Souza. Cinco séculos são também aqueles, que esta memória pretende em si mesma de leve forma guardar, dos laivos de tinta que se entrelaçando guardam a história da Capela do Bomjardim, dos laivos de voz que aqui em tinta se entrelaçando ficam gravados, e da qual nestas folhas resguardo se faz para olhos dos tempos porvir. Não tem esta memória elos que a liguem a pecúnia ou desejo outro, que não o comum sentimento com o qual todos para ela contribuíram; de um lado, a sua ascendência e seus marcos de esplendor, que por símbolos esses serem à história de Portugal ligados, em seu sangue se encontram com eles unidos; de outro lado, a proximidade daqueles que para com esses são significativos em cristão coração. Tudo isso resulta do vínculo que indo além das recordações, se é capaz de sentir nas palavras que se seguirão, estando nessas também a intenção de salvaguarda das memórias da Capela da Quinta do Bomjardim, para a qual contribuíram: Bruno Braddell, D. Duarte de Lancastre y Serrano, Pe. Duarte Andrade e Sousa, Francisco Gorjão Empis, Luísa Empis, D. João Sanches de Baêna, Professor Doutor Jorge de Oliveira e Sousa, D. Manuel Empis de Bragança e D. Tiago Henriques.   Nas páginas seguintes encontrar-se-á aquilo que se fez saber na recolha de informação no Arquivo Histórico e Biblioteca do Centro Cultural do Patriarcado de Lisboa, no fundo arquivístico legados pela 2ª Condessa de Sintra, D. Francisca Eugénia de Saldanha Oliveira e Daun; Arquivo da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Mafra; Arquivo Histórico Municipal de Sintra; no diário do 3º Marquês de Borba, D. Fernando de Souza Coutinho;1em algumas pequenas notas esparsas que se encontraram em publicações oitocentistas e novecentistas; necessário referir neste contexto é ainda, também, que no Arquivo da Casa de Louriçal se encontra um manuscrito do extinto Cartório Redondo/Borba, denominado Carta de partilha do Ex.mo Sr. Conde do Redondo Thomé de Souza Cout.o do q. lhe coube de sua Legítima Paterna,2 datado de 15 de Setembro de 1710, e que nos deu a relação de alguns detalhes da casa e Capela, detalhes esses sendo memórias vivas por ainda hoje os podermos observar.   Estas fontes - fontes que seus rumorejares se encontrarão nestas leves folhas - contrariam alguma informação daquilo que se poderá ler no já publicado por demais pessoas. Memória íntima, sendo de circulação familiar mas também para aqueles que a essa mais chegados lhe são, repõe assim verdade para a Capela do Bomjardim naqueles que por consanguinidade a guardam dentro de si. Para fora dos muros que circundam estas folhas, seguirá apenas um exemplar para a Biblioteca Nacional de Portugal.   Não se deterão as palavras presentes neste opúsculo, sobre a história da propriedade nem tampouco de seus proprietários, aqui apenas sendo apresentada uma súmula dessa, baseada em documentos autênticos e ligados à família de entre os quais se reproduz para a posteridade o mais antigo retrato que se conserva, do milagroso Bom Jesus. Quinta do Bomjardim, 1 de Fevereiro de 2013

O Caminheiro de Sintra 

1. Não foram consultados os diários na sua versão original, mas sim a transcrição feita por Carlos Henrique Andresen da Costa (1907-1978), que foi casado D. Maria Luísa Domingas de Souza Coutinho (1918-1989), filha de D. Simão das Rochas Luís de Souza Coutinho (1868-1937). 2. Cota no extinto Cartório Redondo – Gaveta 20 / Maço 4 / nº 44, actualmente: Arquivo da Casa de Louriçal – Incorporações: Maço RO25, nº 10.

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Fig. 1 - Genealogia que acompanha o auto de posse da Quinta do Bomjardim. Arquivo Histórico Municipal de Sintra.

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A QUINTA DO BOMJARDIM E A SUA HISTÓRIA A Quinta do Jardim foi comprada por D. Filipa de Abreu, casada com D. Jorge de Menezes (Alferes-mor do Reino) por escritura de 29 de Outubro de 1587, a D. Luísa de Gois, viúva de Francisco das Póvoas (Provedor das Alfândegas do Reino), a seu filho Diogo das Póvoas, e a parte pertencente ao Convento de Nossa Senhora da Esperança da Cidade de Lisboa, pela quantia de 12.250 cruzados. Na respectiva escritura refere: Sua Quinta e assento que se diz do Bomjardim que está junto a Belas termo desta cidade, que tem casas muito nobres, vinhas, pomares, hortas, rosais, laranjais, pinhal e outras árvores e miudezas. Por não ter havido descendência, a Quinta do Bomjardim ficou por herança a D. Francisca de Menezes, sobrinha de D. Jorge de Menezes, casada com o 5º Conde do Redondo D. João Coutinho 3. Deste modo a Quinta do Bomjardim passou a pertencer à Casa dos Condes do Redondo. Desconhece-se a data da construção da casa, e qual o seu arquitecto. Seguramente do séc. XVI, chegou-se a sugerir ser a sua concepção de Francisco de Holanda, que viveu nas imediações da Quinta do Bomjardim. O portal monumental com frontão ornado actualmente com uma pedra de armas dos Marqueses de Borba,4 e encimado por pináculos, prolonga-se para ambos os lados por muros onde se rasgam janelas rematadas por pilares e pontuados por vasos. Este conjunto, assim como o aparelho vermicular que o constitui, lembra os palácios florentinos da Renascença. É também italiana a maneira de tratar racionalmente os espaços, segundo a geometria então em moda. O grande pátio de entrada tem o dobro da dimensão da casa, que por sua vez lhe é totalmente simétrica, com outro pequeno pátio ao centro. Duas chaminés e os balaústres de algumas janelas, são nitidamente renascentistas. A fachada, cujo edifício principal se insere entre dois corpos salientes coroados por pináculos, e a ala das dependências à esquerda, dão uma grande dimensão ao pátio, sendo no entanto esta última mais tardia. Entra-se na casa por portas de grandes alizares arredondados, à maneira da época. No interior, estas robustas guarnições aliadas às proporções das salas e ao rigor dos azulejos, causam uma forte impressão de solidez. Na sala de jantar, os azulejos do século XVI formam um xadrez verde e branco. Nas outras salas, os azulejos de padrão azul e branco, típicos dos finais do século XVII, constituem um notável conjunto. A capela inserida na casa, é mencionada em 1712 na “Corografia Portuguesa” do Padre António Carvalho da Costa. Os azulejos que cobrem completamente as paredes foram encomendados cerca de 1720/30 e representam a Paixão de Cristo. Terão sido da autoria de Policarpo de Oliveira Bernardes, de quem se reconhece a delicadeza do desenho, a elegância das arquitecturas, e sobretudo a perspectiva que confere notável monumentalidade aos painéis, dando a noção de que a capela é maior do que a sua realidade. Nenhum local melhor que este podia convir às festas musicais dos Condes do Redondo. Grandes apreciadores da música, continuam no século XIX a fomentar em Lisboa a criação de música sacra, cuja qualidade, já no século anterior, era reconhecida em toda a Europa. Os testemunhos de Beckford ou do Marquês de Bombelles a este respeito são eloquentes. Já o 14.º Conde do Redondo e 2.º Marquês de Borba (1776-1834)5 encorajavam compositores e artistas. Mas é especialmente seu filho D. José Luís,6 quem após o exílio do Rei D. Miguel - de quem era ardente partidário7 - se retira definitivamente para a Quinta do Bomjardim para aí se dedicar à música. Compõe, canta, dirige uma orquestra e chega mesmo a organizar no Bomjardim, célebres festas musicais e religiosas, aí assim se formando um centro de amadores e profissionais da música dos mais categorizados. Os maiores músicos e compositores do seu tempo como Leal Moreira e Marcos Portugal foram seus familiares e hóspedes, tomando ao seu serviço o grande cantor José Maria Sabater, antigo cantor da Capela Real de Vila Viçosa e da Sé Patriarcal, que incumbe da educação musical de seus filhos e de alguns rapazes pobres que protegia. Frei José Marques, organista na Capela Real da Bemposta, perseguido em consequência das suas simpatias miguelistas, acaba igualmente por se refugiar no Bomjardim. Os Condes do Redondo são também apreciadores de pintura, sendo as suas colecções conhecidas. Nelas

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encontramos obras muito diversas, como as de Pedro Alexandrino, Francisco Vieira Lusitano, Joaquim Manuel da Rocha e outros. O 15.º Conde chega mesmo a proteger Domingos António Sequeira, de quem colecciona os desenhos. Seu filho, D. Fernando,8 continua atradição como fundador da Real Academia de Amadores de Música e coleccionador de partituras musicais. Tocador de flauta, participa nas festas do Conde de Farrobo no seu Teatro das Laranjeiras. Já no fim da vida, retira-se do Palácio de Santa Marta em Lisboa para o Bomjardim, onde também ele passa a dedicar-se apaixonadamente à música. Seu filho D. Francisco, que ficou conhecido por “Chico Redondo”, cujo retrato pintado por Carlos Reis vemos na casa de entrada, foi um barítono bem conhecido no seu tempo. O pátio da Quinta do Bomjardim foi palco de rijas touradas com participantes ilustres e onde o Rei D. Miguel se deslocava com frequência, apaixonado como era pela festa brava. Conta-se que um dia terá sido avisado que lhe montavam uma emboscada no caminho, pelo que seguiu por outro, não deixando de participar na tourada no Bomjardim. No fim do século XIX não é a música nem as touradas que ficam nos anais do Bomjardim, mas uma grande estreia desportiva. Um dos filhos do Conde do Redondo, juntamente com os Pinto Basto, da vizinha Quinta da Fonteireira, contribuem para a introdução em Portugal do futebol, jogo que haviam descoberto com paixão em Inglaterra. Formam uma equipa e, em Setembro de 1888, organizam pela primeira vez um desafio no País, que jogam no pátio da entrada, algum tempo antes de o fazerem na presença do Rei D. Carlos. A Quinta do Bomjardim, verdadeiro jardim dos Souza Coutinho, Condes do Redondo e Marqueses de Borba, permanece nos seus descendentes no ramo Souza Coutinho Empis.

D. João Pereira Coutinho Sanches de Baêna

Fig. 2 - Fachada da Quinta do Bomjardim tirada do lado portão.

3. Acompanhou D. Sebastião a Alcácer-Quibir onde ficou prisioneiro dos mouros sendo mais tarde resgatado. Foi o 21º Vice-Rei da Índia e morreu em Goa, onde está sepultado. 4. Esta pedra, com as armas dos Souza do Prado em pleno e com coronel de Marquês, veio do Palácio de Santa Marta. Ainda se notam no frontão do portal do Bomjardim as correias de suspensão do escudo das anteriores armas, que muito provavelmente seriam Coutinho plenas, ou Menezes e Coutinho. 5. Fernando Maria de Souza Coutinho Castelo Branco e Menezes (1776-1834) Tenente-Coronel de Cavalaria, Presidente do Real Erário e um dos Governadores do Reino. Casou com Dona Eugénia Manuel, primeira filha dos 3ºs Marqueses de Tancos.  6. D. José Luís Gonzaga de Souza Coutinho Castelo Branco e Menezes (1797-1863), foi ajudante-de-ordens de D. Miguel, 15º Conde do Redondo, nunca se tendo encartado no título de Marquês de Borba por não desejar receber mercês de soberanos constitucionais. Por casamento com a Condessa de Soure, D. Maria Luísa (1800-1874), juntam-se as casas de Redondo e Borba à de Soure.  7. Existe na Sala dos Painéis do Bomjardim um retrato a óleo de grandes dimensões, do Rei D. Miguel de corpo inteiro com todos os atributos reais. 8. D. Fernando Luís de Souza Coutinho Castelo Branco e Menezes (1835- 1928) 16º Conde do Redondo e 3º Marquês de Borba, casou com a Marquesa de Valença e Condessa de Vimioso, D. Maria José (1842-1921), juntando-se as casas de Redondo, Borba e Soure, às de Valença e Vimioso.

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Fig. 3 - A mais antiga fotografia que representa o altar da capela do Bomjardim, circa 1880. Arquivo da Casa de Louriçal.

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A capela da Quinta do Bomjardim “... a nobre quinta do Bom Jardim com uma Ermida do Bom Jesus, imagem milagrosa, e de muita romagem; de que hoje é senhor Tomé de Souza, Conde de Redondo: tem bom palácio com um largo terreiro, e consta de pomares de fruta de espinha, vinhas, horta, com muitas árvores de fruta de toda a casta, que regam dezassete fontes de cristalinas águas …“ Foi deste modo que o padre António Carvalho da Costa descreveu a Quinta do Bomjardim9 na sua Corografia Portuguesa publicada em 1712, local de retiro e veraneio em posse da família desde 158710, conforme testemunha a escritura de compra11 de D. Jorge de Menezes e sua mulher D. Filipa de Abreu (ou Mello),12 que ainda podemos encontrar na sala dita dos painéis, numa caixa que a conserva13. “… Por quatrocentos e sessenta e seis mil e quinhentos e sessenta réis que haverá por tantos em que se avaliou a pedra e cal das paredes  da quinta do Bomjardim, e os calcos e muros que avaliaram os Mestres do Ofício de pedreiros na dita quantia. Por trinta e sete mil réis que haverá por tantos em que foram (...) os telhados mouriscos das ditas casas na dita quantia. Por cento e dez mil e duzentos e cinquenta réis por tantos em que foram avaliados os telhados novos de telha nova mourisca e neles houvera a dita quantia...”14 Mas já antes do padre António Carvalho da Costa ter sobre ela escrito, existiram outras palavras que fortemente ficaram gravadas no tempo, pois no dia 8 de Julho de 1665 pelas nove horas da manhã “...por virtude de uma procuração do Senhor D. Francisco de Castelo Branco Coutinho e Menezes a qual vinha assinada pelo dito Senhor e reconhecido o seu sinal fui eu tabelião ao diante nomeado com o dito seu procurador e escudeiro de sua casa António Rodrigues pelas nove horas do dia à Quinta do Bomjardim termo desta Vila de Belas na qual entrou o dito António Rodrigues de Oliveira procurador comigo tabelião e testemunhas ao diante nomeadas, abrindo e fechando as portas de todas as casas, ferrolhando-as e desferrolhando-as tomando telhas dos telhados e tornando-as a pôr e logo fomos à dita quinta na qual pisou e correu toda com seus pés e cortou ramos das árvores de fruto e tomou a sua terra em suas mãos e a botou para o ar, tirando pedras dos muros da dita quinta e tornando-as a pôr...”15 Foram estas, aquelas que descreveram a tomada de posse da Quinta do Bomjardim pelo 8º Conde de Redondo. Primeiramente, esclareceremos alguns detalhes que vêm relatados no livro Quintas e Palácios nos Arredores de Lisboa, que dedica algumas páginas à propriedade, e onde detectámos algumas imprecisões, que tentaremos pelos meios possíveis aclarar. Na obra citada encontrámos referência ao facto da imagem de Nosso Senhor ter sido trazida da capela do Monte Agudo, em Lisboa, que foi propriedade dos Condes de Soure. Esta afirmação é sustentada numa nota retirada de uma obra de Castilho, Lisboa Antiga. No entanto deparámo-nos com uma notícia publicada no Diário de Notícias a 9 de Março de 1896 que diz: “A ermida do Monte-agudo, que em tempo foi propriedade da casa dos Condes de Soure e de Redondo, estava completamente abandonada; e hoje acha-se restaurada com muito gosto, devido ao seu actual proprietário, o sr. Andrada, que muito tem concorrido para se lhe dar o devido culto; a imagem do seu orago acha-se actualmente em Belas, na quinta do Bom Jardim. Ontem foi recebido pela primeira vez o Lausperene a expensas dos romeiros do círio da Atalaia, que estão dando o culto à capela.”

9. Na escritura de compra é denominada “Quintã do Jardim”. 10. STOOP, Anne de; ABREU, Maurício de. Quintas e Palácios nos Arredores de Lisboa. Barcelos: Civilização, 1986 - página 191. 11. Foi utilizada a transcrição feita por Hugo Ernesto de Souza Coutinho Empis e não a leitura do manuscrito original.  12. D. Jorge de Menezes que foi Alferes-Mor de Portugal, terá nascido em 1540, era filho de D. João de Menezes (Tarouca) e D. Maria de Mendonça. A posse do Bomjardim passou à casa dos Condes de Redondo por via de um irmão de D. Jorge, D. Luís de Menezes que veio a casar com D. Cecília de Noronha, em virtude deste casamento nasceu como única herdeira, D. Francisca de Menezes (ou da Silveira), que veio a casar com D. João Coutinho, 5º Conde de Redondo. 13. A escritura de compra regressou ao Bomjardim a expensas da família já nos anos 70 do século XX, tendo sido adquirida em Londres por D. José António Gonçalo de Souza Telles da Sylva (Zeca Tarouca). 14. Cota no extinto Cartório Redondo – Gaveta 20 / Maço 4 / nº 44, actualmente: Arquivo da Casa de Louriçal – Incorporações: Maço RO25, nº 10. 15. Devemos esta informação à Dra. Ana Pereira, Chefe da Divisão de Arquivos da Câmara Municipal de Sintra. Fundo Lafetá, Arquivo Histórico Municipal de Sintra (Palácio Valenças).

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Sucede que os bens dos Condes de Soure só foram incorporados nos bens da casa dos Condes de Redondo/Marqueses de Borba, por morte de D. Henrique José da Costa (1798-1838), 7º Conde de Soure. Se em 1712 o orago da capela já era o Bom Jesus – tal como em 1816 foi oferecido o ex-voto pela cura milagrosa de Bernarda Luísa, a rogos de sua irmã Maria da Conceição, ao Senhor do Bomjardim como o testemunha a placa que ainda se encontra na capela – podemos afirmar em definitivo que o Bom Jesus foi uma encomenda especial para o altar da capela, como aliás é testemunhado por todo o programa decorativo. Sugerimos, sem documento ou tradição oral que o sustente, que a imagem que terá vindo da ermida do Monte Agudo tenha sido a imagem de vestir de Nossa Senhora das Dores, que actualmente se encontra do lado direito da capela.

Fig. 4 - Ex-voto de Bernarda Luíza que se conserva na capela do Bomjardim, datado de 1816.

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Afirma-se ainda na mesma obra que os azulejos terão sido encomenda dos Condes de Redondo, D. Fernando de Souza Coutinho Castelo-Branco e Menezes (1716-1791) e D. Maria Antónia da Conceição Breyner de Menezes (1719-1780), pelos anos de 1720-1730. Tomaremos esta informação como correcta, atendendo a que não encontramos qualquer outra fonte que possa sustentar melhor a questão da encomenda. No entanto importa verificar que em 1720, D. Fernando de Souza Coutinho teria apenas 4 anos, pelo que a encomenda pode ter sido feita ainda em vida de seu pai, o 11º Conde de Redondo, D. Fernão de Souza Castelo-Branco Coutinho e Menezes (1677-1717). O pintor dos azulejos terá sido, segundo José Meco, Policarpo de Oliveira Bernardes (1695-1778).

Os painéis historiados que revestem as paredes da capela representam algumas das passagens da Paixão de Cristo: Cristo no Jardim das Oliveiras; Beijo de Judas; Cristo Flagelado apresentado ao povo; Cristo diante de Pilatos; Subida ao Calvário.

Fig. 5 - Fotografia do fundo da capela tirada por D. José Luís de Sousa Coutinho (Tio Pepe), circa 1920, onde se pode ver o piso original da capela.

Na carta de partilha já citada, detectamos referências aos azulejos da casa. Não foi encontrada qualquer referência expressa aos painéis historiados; no entanto não deixa de ter o seu interesse referir a entrada dos azulejos no respectivo inventário para memória futura.

“Por oitenta e quatro mil réis que haverá pelo azulejo ordinário nas casas principais avaliado na dita quantia. Por três mil e setecentos e oitenta réis que haverá pelos alizares de azulejo avaliado na dita quantia. Por três mil e setecentos e oitenta réis que haverá pelos alizares de azulejos avaliados na dita quantia.”16 Na documentação do fundo proveniente da Casa-Museu Saldanha que pudemos consultar17, foram detectados dois documentos que possivelmente dizem respeito à obrigação da instituição de missas diárias no Bomjardim, obrigação esta que, segundo nos parece, não terá sido cumprida até 1781. O primeiro documento, datado de 1632, apresenta um incumprimento de missas por período de 20 anos: “...Pertence ao Morgado do Bomjardim – Não encontro vestígios de que por esta administradora impetrante, tal coisa se fizesse, como suplica. Traslado de umas letras apostólicas pedido à instância de Senhora Dona Violante Eugénia de Menezes, para que por meio da autoridade apostólica, pelos notários públicos se dê tanta fé ao traslado, como às mesmas originais passado em 1632 por António Barros Notário Aprovado, em que fala de umas missas...”18 No ano de 1722 foi concedida, em Santa Maria Maior, sob o anel do Pescador do Papa Inocêncio XIII, uma bula de Indulgências19 ao oratório do Bomjardim. O termo oratório aplica-se à capela da casa e não à capela normalmente denominadado poço. Estas indulgências seriam válidas para todos os que confessados, fizessem a via sacra e orassem diante do Senhor do Bomjardim. 16. Cota no extinto Cartório Redondo – Gaveta 20 / Maço 4 / nº 44, actualmente: Arquivo da Casa de Louriçal – Incorporações: Maço RO25, nº 10. 17. Não negamos que possa existir mais documentação relacionada com o Bomjardim neste fundo, no entanto o Arquivo Histórico e Biblioteca do Centro Cultural do Patriarcado de Lisboa não tem toda a documentação devidamente inventariada. Só nos foi possível aceder a esta documentação graças ao especial favor do Dr. Ricardo Aniceto que nos deu parte da sua existência. 18. Arquivo Histórico e Biblioteca do Centro Cultural do Patriarcado de Lisboa, proveniente da Casa-Museu Saldanha, cota: P.32/2.2441.  19. Arquivo Histórico e Biblioteca do Centro Cultural do Patriarcado de Lisboa, proveniente da Casa-Museu Saldanha, cota: P.32/2458.

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A pedido de D. Henrique de Menezes, 3º Marquês de Louriçal, enquanto serviu como Embaixador de Sua Majestade Fidelíssima a Rainha D. Maria I junto da corte do Papa Pio VI, foi remetido para Lisboa, a 19 de Novembro, o Breve Apostólico em nome do banqueiro Francisco Cândido em que dava conta da nova graça concedida ao Bomjardim: “...Remeto a Vossa Excelência a Graça da mutação da última vontade, a qual se restringe a que Vossa Excelência poderá mandar celebrar uma só Missa na capela de Nossa Senhora do Incenso, e outra na sua capela privada da Quinta do Bomjardim. Estimarei que Vossa Excelência se dê por satisfeito de tudo o que tenho obrado a este respeito...”20 No dia seguinte à entrega do Breve, D. Tomé Xavier de Souza Coutinho de Castelo-Branco e Menezes, 13º Conde de Redondo, que viria a ser 1º Marquês de Borba, fez petição à Rainha para que se desse execução do dito breve: “...Diz o Conde de Redondo Administrador de um Vínculo, que instituíram os Antepassados José de Menezes Conde do Redondo, e sua mulher D. Felipa, no qual deixaram, que se mandasse celebrar duas missas quotidianas na capela rural de Maria Santíssima do Incenso perto da Vila de Penamacor, Bispado da Guarda, e tendo representado à Sé Apostólica a dificuldade que havia em mandar celebrar as ditas duas Missas na referida capela alcançou o breve junto para poder mandar celebrar as ditas Missas, uma na mesma capela de Maria Santíssima do Incenso, e outra na ermida da sua Quinta do Bomjardim no distrito de Lisboa, cuja Graça deve executar o Bispo da Guarda, o que não pode fazer sem licença de Vossa Majestade...”21 E no próprio dia foi dada a licença: “...A Rainha Nossa Senhora há por bem acordar o seu Real Beneplácito ao Breve junto para o Suplicante mandar dizer na ermida da sua Quinta Senhora - do Bomjardim uma das duas Missas, que é obrigado fazer celebrar na capela de Nossa Senhora do Incenso, junto à Vila de Penamacor, e não tem dúvida a que se possa executar. Palácio de Nossa Senhora da Ajuda em 10 de Novembro de 1781. Visconde de Vila Nova da Cerveira...”22 A 16 de Setembro de 1791, foi concedida a autorização para que se celebrassem três missas no oratório, no dia do orago. No pedido feito ao Papa Pio VI, lemos que o Conde de Redondo, sua mulher e filhos: “...devotamente supplicano, perché si degni benignamente concedergli la facoltá di poter far celebrare trè Messe nel giorno, che ricorre la festa del Titolo del loro privato Oratorio...”23 Por ocasião da visita do Eminentíssimo Senhor Cardeal Patriarca D. António I24, a 26 de Julho de 1916, ao Marquês de Borba, tendo Sua Eminência encontrado a capela com a dignidade necessária para o culto concedeu nova indulgência: “A visita, que acabámos de fazer à capela existente no Palácio do Bomjardim, em Belas, pertencente aos Exmos. Senhores Marqueses de Borba, deixou-nos gratamente impressionados observando, a par do seu asseio e sumptuosidade, a abundância e riqueza das alfaias e paramentos destinados ao culto religioso, o que tudo demonstra bem claramente o vigor das crenças Católicas não só dos actuais possuidores da mesma capela, mas também dos seus ilustres Antecessores. Concedemos 100 dias de indulgência aos fiéis que, ante a sagrada imagem de Nossa Senhora das Dores que na capela se venera, rezarem devotamente cinco Ave Marias pela conversão dos pecadores.” Lisboa 26 de Julho de 1916

António, Cardeal Patriarca” 25

20. Arquivo Histórico e Biblioteca do Centro Cultural do Patriarcado de Lisboa, proveniente da Casa-Museu Saldanha, cota: P.32/2461. 21. Idem. 22. Idem. Sobre esta questão encontram-se mais documentos no fundo Lafetá no Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Sintra.  23. Arquivo Histórico e Biblioteca do Centro Cultural do Patriarcado de Lisboa, proveniente da Casa-Museu Saldanha, cota: P.32/2465. 24. D. António Mendes Bello (1842-1929), 13º Cardeal Patriarca de Lisboa.  25. O original desta indulgência está enquadrado na sacristia da Capela do Bom Jesus do Bomjardim.

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Ainda se encontram na capela todas as alfaias e objectos de culto que a caracterizam, não havendo conhecimento de que tenham sido retiradas imagens sagradas ou qualquer outro ornato, exceptuando a degradação natural que os anos lhes possam ter imposto, e como exemplo disto salientamos a ausência do órgão que sabemos que existiu no coro da capela26. Salientamos a existência da sagrada relíquia do Santo Lenho que se venera num relicário em talha dourada do século XVIII, que ainda conserva os selos autênticos intactos. Não podemos esquecer a Última Ceia, obra atribuída ao escultor português Machado de Castro, que teve a honra de ser uma das poucas peças de arte expostas no pavilhão da Santa Sé na Expo 98, tendo por essa ocasião sido sujeita a um profundo restauro. Sobre este importante trabalho escultórico não nos deteremos por não ter sido possível encontrar fontes que nos dêem dados sobre o percurso do conjunto escultórico, que deduzimos, sem fonte que o sustente, que tenha sido recolhido ao Bomjardim depois da venda de Santa Marta. Verificámos no entanto que em meados de 1920 o conjunto ainda não estava no local onde hoje o conhecemos.

Fig. 6 - Última Ceia que se conserva na lateral esquerda da capela. Créditos fotográficos do Pe. Duarte de Andrade e Sousa

No fundo da capela, junto à escada que dá acesso ao coro, encontra-se a caixa das almas. Esta caixa conserva os nomes dos familiares, amigos, e criados, defuntos; os nomes estão inscritos em pequenas tiras de papel e manda o hábito a cada um que entre na capela para fazer as suas orações, que retire um dos nomes e que por essa alma se reze um Pai Nosso e uma Ave Maria. Supomos que este piedoso hábito tenha sido instituído na segunda metade do século XIX, atendendo a que na caixa não se conservam nomes de defuntos anteriores a 1880. A caixa encerra cerca de cinco centenas de almas. Dada a ausência de uma relação detalhada de todas as peças com interesse artístico que a capela conserva, e não tendo nós as competências necessárias, apenas transcreveremos a relação de bens descrita na carta de partilha27; no entanto não podemos deixar de notar a ausência de alguns outros: “...Por três mil e quinhentos réis que haverá por uma lâmina com a pintura de Nossa Senhora com a moldura e costas de madeira guarnecida com doze sobrepostos de ouro esmaltados de branco...” “...Por mil e setecentos réis que haverá por uma insígnia de Santíssimo Sacramento sobre uma nuvem esmaltada, tudo pesa de ouro uma oitava e vinte e quatro grãos avaliada da sorte em que está na dita quantia...”

26. Na Biblioteca Nacional de Portugal encontram-se várias composições musicais datadas do Bomjardim, sendo muitas delas para órgão. 27. Cota no extinto Cartório Redondo – Gaveta 20 / Maço 4 / nº 44, actualmente: Arquivo da Casa de Louriçal – Incorporações: Maço RO25, nº 10.

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É interessante verificar que ao longo dos séculos se verificou que vários Condes de Redondo – como aliás era frequente – pertenciam a diversas Irmandades do Santíssimo Sacramento. De entre estas destacamos as Irmandades do Santíssimo Sacramento de Santa Marta28 e a de Santa Engrácia29. Ainda conhecemos a existência de dois diplomas de Irmãos do Santíssimo Sacramento, um estando emoldurado na sacristia do Bomjardim30, e outro conservando-se no Arquivo da Casa de Louriçal31, tendo este último uma particularidade curiosa: D. Fernando de Souza Coutinho, que vem a ser o 3º Marquês de Borba, foi nomeado Irmão do Santíssimo Sacramento em Santa Marta com apenas 7 anos, pelo próprio pai, D. José Luís Gonzaga de Souza Coutinho Castelo-Branco e Menezes, 15º Conde de Redondo, que seria o Juiz da Irmandade. “...Por três mil réis que haverá por um relicário de cristal guarnecido com vidros a quatro cores em a volta de filigrana e argola, tudo de ouro...” “...Por mil réis que haverá por uma cruz que serve para relíquias e quatro verónicas várias, tudo pesa de prata onze oitavas e meia...” “...Por três mil réis que haverá por uma cruz de cristal quebrada com engaste de filigrana de prata e um relicário de filigrana dourada com seu cristal, uma lâmina com a pintura de Cristo por uma parte e pela outra Nossa Senhora cercada de filigrana de prata com seus talcos. Por fora outro relicário com dois cristais cercados de filigrana. Outro relicário com relíquias por uma parte e registo de uma santa pela outra cercado de filigrana dourada, outro relicário ovado com suas relíquias com vidros por fora tudo com asas em cima...” “...Por cinco mil e quatrocentos e sessenta réis que haverá por uma salvinha de Comunhão e uma pucarinha com tapadura tudo pesa sete onças e seis oitavas e meia de prata...” “...Por quatro mil e quinhentos réis que haverá por uma caldeirinha de água benta da cabeceira da cama, com armas, pesa seis onças e três oitavas e meia de prata...” “...Por setenta mil réis que haverá por sete imagens, uma de S. Felipe de Nery e outra do Menino Jesus de vestir e outra da Nossa Senhora da Pedra jaspe, e outra de Santo António, e outra de Nossa Senhora da Conceição, e outra de Santa Teresa de Jesus, e outra de Nossa Senhora, e cinco delas com seus resplendores e coroas de prata em cima dos feitios...” “...Por três mil réis que haverá por um Missal Romano avaliado na dita quantia...” “...Por cinco mil réis que haverá por um vestuário da Sacristia que mostra três gavetas de madeira de pinho com sua ferragem e uma caixa de pau de (...) pequena em a mesma Sacristia...” – este móvel, pelas características mencionadas será o mesmo que ainda se conserva na sacristia.

“...Por oito mil réis que haverá por quatro breviários de três meses cada um de quatro, encadernados em pasta de (...) avaliados na dita quantia...” “...Por três mil réis que haverá por outro Breviário de folha de todo o ano, estimado na dita quantia...“ “...Por doze mil réis que haverá por vinte e cinco livros espirituais alguns de folha que são seis, e os mais de quarto com várias encadernações de pergaminho e pasta...” “...Por trinta mil réis que haverá por um ornamento de tela branca com rosas de ouro que consta de frontal, casula, estola e manípulo, bolsa guarnecida de passamanaria de ouro e prata e véu de cálix avaliado tudo na dita quantia. Por vinte mil réis que haverá por outro ornamento com as mesmas peças de damasco e veludo carmesim avaliado na dita quantia. Por quinze mil réis que haverá por outro ornamento de brocatel e pano avaliado na dita quantia. Por dez mil réis que haverá por outro ornamento roxo e encarnado de chamalote e o frontal de (...) avaliada na dita quantia. Por doze mil réis que haverá por uma vestimenta de Damasco verde, digo negro e três ligas do Senhor Jesus, uma de chamalote carmesim com rendas de ouro e prata, outro de chamalote branco com rendas de ouro e outra roxa com rendas de prata e ouro, estimado 28. Entre 1780-1790, a Irmandade do Santíssimo Sacramento de Santa Marta pagou a edificação da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, na Rua Camilo Castelo-Branco, por determinação do 12º Conde de Redondo para substituir a igreja do mesmo orago que era demasiado pequena para a assistência de fiéis que se juntavam na Rua de Santa Marta. 29. ARAÚJO, Norberto de; LIMA, Durval Pires de. Inventário de Lisboa. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1944-1956. vol. 12. 30. Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia dos Mártires, ao Chiado. 31. Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia de Santa Marta.

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tudo na dita quantia. Por seis mil réis que haverá por duas cortinas de tafetá carmesim com rendinhas de ouro e prata e um tafetá carmesim com rendinhas de ouro e prata e um tafetá de cobrir o altar da mesma cor sem guarnição avaliado tudo na dita quantia. Por oito mil réis que haverá por outras cortinas de damasco carmesim com sanefas de chamalote de ouro já usada com guarnição de renda de ouro avaliada tudo na dita quantia...”32 – alguns destes paramentos ainda se conservam no Bomjardim33. “...Por nove mil réis que haverá por um cálice de prata lisa com sua patena que declarou valeria a dita quantia...” “...Por dois mil e quinhentos réis que haverá por um frontal de chamalote encarnado debotado e usado, avaliado na dita quantia. Por oitocentos réis que haverá por umas cortinas de garra, encarnadas, avaliadas na dita quantia. Por oitocentos réis que haverá por uma toalha de altar de pano de linho com sua rendinha avaliada na dita quantia...” “...Por dez mil réis que haverá por um resplendor de prata do Senhor Jesus, declarou valeria a dita quantia...” Não nos foi possível encontrar qualquer referência ao Bom Jesus no inventário da carta de partilha; embora isso, encontrámos a avaliação de um resplendor de prata, que estamos certos se tratar do original. O que actualmente coroa a imagem, parece tratar-se de um trabalho da segunda metade do século XIX. Sustentamos esta afirmação nas consultas que foram feitas a especialistas; no entanto, esta informação não foi confirmada com as marcas de ensaiadores e ourives de prata. A escultura será dos finais do século XVI, não obstante o programa decorativo em estuque vir sustentar a ideia de que na segunda metade do século XIX a capela recebeu consideráveis beneficiações, com forte probabilidade de todas estes trabalhos de engrandecimento serem posteriores a 1880. Aproveitamos a ocasião para respigar as palavras da Reverendíssima Abadessa do Mosteiro de Nossa Senhora da Esperança de Montalvo, Ir. Maria do Lado34, a propósito da expressão do Bom Jesus do Bomjardim: “...Quando os Cristos são representados com o olhar voltado para o Céu o artista quis encenar as seguintes palavras do Evangelho: ‘Eloí, Eloí, lemá sabachtáni?’ que quer dizer: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?” (São Marcos 15, 34) ...”35 Chegou ao nosso conhecimento a existência de um retrato devocional atribuído a Vieira Lusitano, da Venerável Madre Maria do Lado,36 o qual terá estado na sacristia da capela, que pertenceu à colecção Borba, e posteriormente à colecção do historiador/coleccionador Ângelo Pereira. Conserva-se actualmente na colecção de Pedro Teixeira da Mota. É oportuno fazer referência às duas cartas37 que estão enquadradas do lado direito da casa de entrada, junto do retrato da escrava Florinda, onde nos é dado a conhecer pelo 1º Marquês de Borba em carta ao filho, o Conde de Redondo38, que desejava “...ter pessoa capaz para lhe remeter a minha preta Florinda que é somente para sua escrava de você é um tesouro de qualidades as melhores, ela me está bordando uma alva para o Bomjardim coisa preciosa está há 4 anos em casa de D. Antónia Viana borda, corta, engoma, ensaboa e lava e também esfrega casas e não é preta fidalga faz doces e é insigne em fazer quitutes, que são guisados, o génio é de um Anjo, e sobretudo a seriedade...”39 e acrescenta alguns dias depois que “...entre outras coisas vai uma toalha para você que foi a primeira coisa que bordou a minha preta,

32. A respeito dos paramentos da capela, detectámos uma entrada no diário do 3º Marquês de Borba, datada de 26 de Julho de 1916 em que nos diz: “...Recebi o recado de que vinha hoje o Senhor Patriarca às Irmãs da Idanha; fui para lá ao meio-dia esperá-lo; acompanhei-o e como me disse que vinha também ao Bomjardim vim para casa esperá-lo. Veio pouco depois com o Dr. Cruz, Padre Moreira e outro Padre; gostou muito da casa, da capela, oferecemos-lhe para tomar alguma coisa mas não aceitou; gostou também muito dos paramentos. Não se demorou porque ainda ia ao Telhal...”. 33. Foram devidamente acondicionados por Raul Ernesto de Souza Coutinho Empis num baú do lado direito da casa de entrada do Bomjardim. 34. Ir. Fernanda Ferreira, O. S. C., natural da vila do Louriçal, professou no Real Mosteiro do Desagravo do Santíssimo Sacramento do Louriçal. 35. Em carta datada de 2 de Fevereiro de 2013. 36. Fundadora do Recolhimento que veio a dar origem ao Real Mosteiro do Desagravo do Santíssimo Sacramento do Louriçal. 37. Devemos o reparo destas cartas a Manuel Empis de Bragança, que gentilmente nos cedeu a transcrição das mesmas, levada a cabo por Carlos Andresen da Costa. Esclareceu que possivelmente foram redigidas em 1812, sustentando esta afirmação na referência à atribuição do título de 1º Marquês de Borba. 38. D. Fernando Maria de Souza Coutinho (1776-1834), 14º Conde de Redondo, 2º Marquês de Borba, que foi um dos Governadores do Reino na ausência da Corte aquando da retirada para o Brasil. 39. Datada de 22 de Junho de 1812 (?).

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que tomara já ter ocasião para lha mandar, é excelente, borda, e cose e engoma excelentemente faz todos os doces e coisas de comer à moda do país que lhe chamam aqui quitutes, ensaboa e faz todo o serviço e o melhor de tudo é o génio e seriedade e tem sido ensinada em casa de D. Antónia e de lá só a tiro para lha mandar com pessoa muito capaz, diz a Senhora Infanta D. Mariana40 que em género de preta é a Marquesa de Távora, anda descalça e nada de fidalguias...”41 Não poderíamos também, deixar de fazer referência à entrada de um dos criados do Bomjardim na Venerável Ordem Terceira de S. Francisco de Mafra no ano de 1760, da qual se pode ler o seguinte: “...Aos 30 dias do mês de Janeiro de 1760 por ordem desta Mesa tomou o hábito da Venerável Ordem Terceira da Penitência de Nosso Seráfico Padre S. Francisco Matias Pereira casado com Luíza da Conceição, filho de Balthezar Francisco e de Catarina Lopes, baptizado na Freguesia de São Salvador de Pedregais, Arcebispado de Braga, e assistente na  Quinta do Bomjardim, Freguesia de Belas, em fé do que fiz este termo que assinei. Manoel da Silva Secretário (...) E acabado o seu ano de noviciado fez Profissão nas mãos do Comissário Frei José da Estrela Religioso neste Real Convento de Mafra aos 2 do mês de Março do ano de 1761 em fé do que fiz este termo que assinei. Manoel da Silva Secretário...”42

Quão notáveis terão sido as festas religiosas organizadas por D. José Luís Gonzaga de Souza Coutinho Castelo-Branco e Menezes, 15º conde de Redondo (1797-1863), que foi um dos mais dedicados amadores de música que existiram em Lisboa naqueles anos! Conta-se que desde muito novo se aplicou na arte do canto, o qual lhe veio a suavizar o espírito nas complexas relações e interesses políticos em que se viu envolvido no período das guerras liberais, quando foi forçado a abandonar a residência de Santa Marta43 com a família, e com ele muitos dos seguidores da causa de D. Miguel. Pelos anos de 1835-1836, as celebrações religiosas tiveram tal magnitude que a capela do Bomjardim mereceu ser apelidada de Catedral da Serra44! Nesta época de instabilidade, o Bomjardim terá vivido um dos seus períodos áureos, muito especialmente a capela da casa, que nessa época albergou os melhores músicos do reino. As festas religiosas foram esplêndidas – de acordo com os relatos – contribuindo para este facto a guarida oferecida aos melhores músicos e cantores do reino, na sua maioria dedicados partidários do Infante D. Miguel. De entre os que contribuíram de forma destacada para o engrandecimento e brilho das festas religiosas que por esta ocasião ocorreram no oratório da casa, destacam-se alguns nomes: Manuel António Correia, Mestre de música militar e compositor.  Nasceu em Lisboa em 1808 e faleceu a 7 de Janeiro de 1887. Encontrámos referência a uma missa a 3 vozes e diversos instrumentos, dedicada ao Marquês de Borba, D. Fernando de Souza Coutinho, escrita no Bomjardim.   Frei José de Santa Rita Marques e Silva, professor e compositor de música sacra muito distinto. Nasceu em Vila Viçosa em 1780 e faleceu em Lisboa a 5 de Fevereiro de 1837. Foi discípulo de João José Baldi. Terá vindo para o Bomjardim no ano de 1834 com a família do Conde de Redondo, que deixou Santa Marta com receio das represálias que o novo regime constitucional pudesse usar contra os partidários do Senhor D. Miguel. Foi um brilhante compositor, tendo grande parte das suas obras sido compostas no Bomjardim entre 1834 e 1835; muitas dessas composições foram criadas especificamente para a Real Basílica de Mafra e para a capela do Paço da Bemposta. Grande parte das composições 40. D. Maria Ana Francisca Josefa Antónia Gertrudes Rita Joana de Bragança (1736-1813), filha do Rei D. José I. 41. Datada de 30 de Junho de 1812 (?). 42. Devemos esta informação ao nosso amigo Dr. Luiz de Saldanha Lopes. O original encontra-se no 2.ª Livro das Recepções da Venerável Ordem Terceira de S. Francisco, em posse da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Mafra. 43. O Palácio e quinta de Santa Marta foram a residência dos Condes de Redondo, tendo sido seu possível primeiro inquilino D. Vasco Coutinho, 1º Conde de Redondo (1450-1522). Esta residência não sofreu danos significativos com o terramoto de 1755, tendo conhecido diversos proprietários desde que foi vendido em 1880, último dos quais a UAL. A venda de Santa Marta foi feita por escritura datada de 5 de Março de 1880, encontrando-se este documento (cópia autêntica) em posse de Francisco Gorjão Empis. No diário do Conde de Mafra lê-se a propósito desta questão que “...Palácio e Quinta foram em 1880, comprados pelo 1.Conde de Burnay a D. Fernando de Souza Coutinho, depois Marquês de Borba...” - Memórias do Professor Thomaz de MelloBreyner, vol. I, página 244. 44. VIEIRA, Ernesto. Diccionario Biographico de Musicos Portuguezes: Historia E Bibliographia da Musica em Portugal. Lisboa: Lambertini, 1900 (Typographia Mattos Moreira & Pinheiro).

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deste religioso esteve na denominada casa da música, no Bomjardim, todas autógrafas e muitas delas datadas na própria casa. Uma das suas mais importantes missas foi dedicada à Marquesa de Borba em 1821, tendo também produzido uma outra dedicada ao Conde de Redondo. Das várias composições que foram expressamente criadas para Mafra, possui uma delas a particularidade de ser para 5 coros de homens e 5 órgãos, e uma outra para 3 coros e 6 órgãos. Padre José Manuel de Abreu e Lima, presbítero secular, pregador régio e bibliotecário da régia biblioteca da Ajuda, escritor dramático, etc. Supomos que terá nascido por volta de 1764, visto que já estava investido com ordens sacras em 1788. Foi inibido pela autoridade eclesiástica do exercício das ordens, exceptuando-se o ministério do púlpito, que desempenhou com aplauso e satisfação dos fiéis, por se dedicar à arte dramática, tendo estado associado a várias empresas teatrais. Tal como Fr. José Marques e Silva, era um dedicado partidário do Senhor D. Miguel, dedicação que lhe valeu receios semelhantes aos da família Redondo, que também conservou os manuscritos autógrafos deste protegido. Encontrando-se em Agosto de 1835 no Bomjardim, onde estaria a pregar numa festividade religiosa, faleceu na capela da quinta com uma apoplexia fulminante, para espanto de todos os que assistiram a este funesto acontecimento. Não podemos esquecer os nomes de Marcos Portugal, António Leal Moreira, e João José Baldi, que também contribuíram para as festas religiosas que se fizeram no Bomjardim, e deixaram partituras criadas especialmente para serem tocadas e cantadas nos ofícios que se faziam na capela da casa. Não deixaremos notas biográficas sobre os três últimos por serem sobejamente conhecidos. No final desta súmula histórica seguirá a relação de todas as partituras propositadamente compostas para o Bomjardim. Esta que é considerada uma das mais importantes colecções de música manuscrita e impressa existente em Portugal, pertenceu em tempos à denominada casa da música, do antigo cartório Redondo/Borba, e que está à guarda da Biblioteca Nacional no Fundo Conde de Redondo da Área da Música45. Segundo o diário46 do 3º Marquês de Borba, D. Fernando Luís de Souza Coutinho Castelo-Branco e Menezes (18351928), verificámos que em alguns anos subsequentes à venda de Santa Marta o, dia 21 de Setembro era dedicado a comemorar o Senhor do Bomjardim e o aniversário do casamento do 3º Marquês de Borba com D. Maria José de Portugal e Castro (Vimioso). Dos tempos mais recuados não conseguimos encontrar referências a uma data evocativa desta comemoração, tendo no entanto sido possível encontrar no diário várias entradas com interesse para a questão: “...Segunda-feira 21 – Fiquei no Bomjardim, arranjo pª a Festa d´amanhã...”47 “...Terça-feira 22 – 50º aniversário do nosso casamento. De manhã, missa rezada do Pe. Bonifácio; em seguida missa cantada, sermão do Dr. Farinha, por oferecimento dele; depois Te Deum; por vozes e orquestra, assim como a missa, por iniciativa da Maria Domingas e Jorge, pois eu tencionava que fosse tudo de cantochão. Depois da festa tocaram os meus arranjos dos ofícios do Casimiro Carneiro, Joyce, Lamas, Luís da Cunha e Pe. Borba. Vieram jantar os da Fonteireira48, e perto de 60 pessoas, sem eu ter feito convites, por estar a Mª José ainda com os pequenos acréscimos; só convidei o Dr. Cardoso. O Guilherme trouxe um fotógrafo; tirou grupos49. À noite veio a colónia de Belas, com o Lamas, Joyce, o cunhado dele, Oliveira Lopes etc. cantaram coros dançaram etc. Vieram de Cascais o Fernando Pombeiro50 e família, Pedro Berquó51 com as pequenas do Dom.os52, Anica Loulé53, mana54 e filha55 etc...”56

45. Este fundo foi adquirido pelo Estado em 1983, por venda efectuada por D. Maria Domingas de Souza Coutinho da Costa (1918-1989), filha de D. Simão das Rochas Luís de Souza Coutinho (1868-1937) e Judite Marques. 46. Na Biblioteca Nacional conserva-se um dos volumes dos diários do 3º Marquês de Borba respeitante ao ano 1876/1877 com a cota MSS. 258/54. 47. Transcrição do diário do 3º Marquês de Borba, página 323, ano 1908. 48. Os Ferreira Pinto Basto. 49. Um dos retratos feitos nesta ocasião é o que aqui se encontra reproduzido. 50. D. Fernando de Castelo-Branco (1852-1920), casado com Maria de Saldanha Ferreira Pinto Basto (1854-1930). 51. Pedro Maria da Câmara Berquó (1856-1933). 52. Domingos Vasco Maria da Câmara Berquó (1850-1920). 53. D. Ana de Jesus Maria de Mendóça Rolim de Moura Barreto (1854-1922), casada com João Maria dos Enfermos da Câmara Berquó (1859-1934). 54. 3ª Duquesa de Loulé, D. Maria Domingas José de Mendóça Rolim de Moura Barreto (1853-1928). 55. 4ª Duquesa de Loulé, D. Constança Maria da Conceição Berquó de Mendóça Rolim de Moura Barreto (1889-1967). 56. Transcrição do diário do 3º Marquês de Borba, página 324, ano 1908.

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“...Quinta-feira 21 – Fizemos a nossa Festa ao Senhor do Bomjardim, com cantochão; vieram padres de Lisboa, e o Prior e Pe. Moreira; depois da missa houve Te Deum e Bênção do Ssmo. - À tarde veio o Pe. Augusto, que estava na Idanha; fizemos as profissões de terceiros franciscanos, eu, a Mª José e Mª Domingas e Mª do Carmo...”57 No mesmo ano, encontrámos no mês de Novembro nova entrada relativa ao Senhor do Bomjardim: “...Domingo 19 – Festa ao Senhor do Bomjardim em acção de graças do Bebé não ter morrido da queda que deu na Figueira; promessa dele; houve missa cantada, Te Deum e sermão pelo Prior do Vale, que veio cá estes dias convidado pela Maria Domingas58 e cantou a missa – Vieram jantar os parentes do Bebé e mais pessoas. O Francisco59 cantou um motete ao Ofertório...”60 Estas foram as únicas entradas onde encontrámos referência expressa a festas feitas propositadamente ao Senhor do Bomjardim; no entanto, nos diários são descritas missas diárias, o que nos leva a crer que existiria capelão residente na segunda metade do século XVIII. Encontrámos alguma correspondência remetida ao 13º Conde de Redondo por volta do ano 1797, sendo remetente o capelão do Bomjardim, que nos sugere pelos assuntos abordados na correspondência, que também seria uma espécie de administrador da quinta: “...queira por honra sua mandar encadernar esse Missal, e meter-lhe alguns Santos novos que lhe faltam, se o livreiro o achar capaz ou mande-me outro; porque a mim parece-me indecência pôr na estante um Missal com as folhas umas para baixo, e outras para cima, e todo ele fora da decência devida...”61 “Senhor na última vez que tive a honra de estar na casa de V. Exa. nessa Corte deixei na câmara do Senhor Leonardo António de Bastos uma certidão de Missas em que se continham as do mês de Outubro; no caso de contar, ou ter contado com ela advirto a V. Exa. que estou por satisfazer; porém não faço esta advertência por temer a satisfação dela; mas porque não haja equivocação. Vai Eugénio Marques leva a folha de duas semanas, e o importe da azeitona que se tem apanhado tanto do chão como da vareja, e para trazer o machado de partir a lenha que é traste que não há nesta Quinta de V. Exa. e para dizer a V. Exa. cuide em mandar sal para salgar as azeitonas, e que se mandar matar o novilho que está no curral quero a pele.”62 Não conseguimos apurar com certeza a data em que se faria a festa anual ao Senhor do Bomjardim; no entanto suspeitamos que poderia ser a festa denominada pelo Marquês de Borba por festa dos saloios, que ocorria todos os anos no dia 11 de Agosto. Finalmente dedicamos algumas palavras à capela do poço, sobre a qual não existia intenção inicial de nos debruçarmos, mas no entanto deparámo-nos com dados que consideramos que deviam ser salvaguardados pois estão dispersos e, para memória futura, entendemos que os deveríamos coligir e deixar registados juntamente com os da capela da casa. Verificámos que a capela do poço, nos tempos mais recuados, era conhecida como ermida de S. José, e justificamos a afirmação com as seguintes entradas que encontrámos na carta de partilha já citada anteriormente: “Por três mil e quinhentos réis que haverá por em tantos avaliada uma arca de água que está debaixo da Ermida de São José, avaliada na dita quantia.” “Por nove mil e trezentos e trinta e três réis e meio que haverá por tantos em que foi estimada a guarnição de estuque da ermida63, avaliada na dita quantia.” “Por quatro mil e quinhentos réis que haverá por em tantos ser avaliada a banqueta velha da ermida avaliada na dita quantia.” “Por treze mil e trezentos réis que haverá por uma porta e janela da ermida de S. José que são de angelim de almofadas com seus caixilhos e ferragens necessárias, avaliadas na dita quantia.”

57. Transcrição do diário do 3º Marquês de Borba, página 375, ano 1916. 58. D. Maria Domingas Luísa de Souza Coutinho (1862 - ? ). 59. D. Francisco de Paula Luís de Souza Coutinho, Chico Redondo ( 1866-1924). 60. Transcrição do diário do 3º Marquês de Borba, página 377, ano 1916. 61. Cota no extinto Cartório Redondo – não tem. Actualmente: Arquivo da Casa de Louriçal – Incorporações: Sem número de inventário. 62. Cota no extinto Cartório Redondo – não tem. Actualmente: Arquivo da Casa de Louriçal – Incorporações: Sem número de inventário. 63. Esta decoração já não existe.

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Fig. 7 - Óleo que representa a capela dita “do poço” da autoria de Leopoldina (Pô) Sanz, que foi governanta da casa. Primeira metade do século XX. Colecção de Helena Empis Gray Pereira.

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A capela da casa não terá sido utilizada nos tempos mais recuados para culto público, mas apenas como oratório particular, como já ficou dito. Só encontrámos o termo capela posteriormente. Na grande maioria dos manuscritos consultados encontrámos sempre referência à ermida de S. José, que estaria aberta ao culto público, e a capela da casa é geralmente denominada por oratório, perdendo esta denominação já na segunda metade do século XIX. Suspeitamos inclusive, sem fonte que o sustente, que a ermida será anterior à própria casa. A ruína que até há pouco tempo ameaçava a ermida muito antiga, já no ano de 1799 assombrava aquela veneranda relíquia que se conserva no jardim da casa: “...Diz o Conde de Redondo, que na sua quinta junto às casas da mesma chamada do Bom Jardim freguesia de Belas, havia uma ermida muito antiga em que se celebrava o Santo Sacrifício da Missa, a qual se arruinou há anos, e agora se renovou toda decentemente, na qual se há-de colocar a Devotíssima Imagem do Senhor preso à coluna64, e carece a dita ermida de ser benta segundo o ritual. Para Vossa Eminentíssima Seja servido conceder a licença para a continuação de se poder dizer Missa, como também a faculdade para o pároco da dita freguesia a poder benzer segundo os Sagrados Ritos, e conceder aos Fiéis, que nas Sextas-feiras visitarem a dita ermida as graças, e indulgências, que Vossa Eminentíssima lhe parecer.”65 Apenso ao documento transcrito encontra-se um outro que diz: “Damos comissão ao Reverendo Prior de S. João da Praça para benzer a ermida no ritual Romano, e concedemos Licença para celebrar-se nela o Divino Sacrifício da Missa sem prejuízo dos Direitos Paroquiais. Lisboa 20 de Julho de 1799.”

Fig. 8 - Coro da capela, e no canto inferior esquerdo a “Caixa das Almas.”

Tiago de Louriçal

64. Não nos resta dúvida de que se trata do Cristo preso à coluna que está no fundo da capela da casa. 65. Arquivo Histórico e Biblioteca do Centro Cultural do Patriarcado, proveniente da Casa-Museu Saldanha, com a cota 8.32/2.2466.

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Fig. 9 - O Senhor atado à coluna que foi orago da capela dita “do poço”, que se conserva no coro baixo da capela da casa.

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Relação das músicas que se compuseram no Bomjardim e que se conservam na Biblioteca Nacional de Portugal66:

Fig. 10 - Grupo tirado junto ao tanque do jardim, a 1 de Agosto de 1897. D. Maria Domingas de Souza Coutinho (harpa), D. Fernando de Sousa Coutinho (flauta), José da Costa Carneiro e António Lamas (violinos), Nicolai Odeardo (violete), D. Luíz da Cunha e Menezes (violoncelo), José Ferreira Braga (contrabaixo), D. António de Portugal / Francisco Araújo / Michel´Angelo Lambertini (vozes). Colecção do Eng. António Brito Valentim.

Catálogo das músicas que possui o Excelentíssimo Senhor Dom Fernando de Souza Coutinho na sua casa do Bomjardim em Belas Manuscrito de Ernesto Vieira Bomjardim, cerca de 1900 Cota: M.N.4988 - reservado, sob autorização especial Novena: do Excelentíssimo Senhor Conde do Redondo para a festa da Senhora Santa Ana no Bomjardim António Puzzi Sem data Cota: F. C. R. 172//1 Missa italiana: para três vozes e instrumental Giovanni Quirici Cerca de 1897 Nota: cantada na capela do Bomjardim em 1 de Agosto de 1897, seguida do nome e assinatura de todos os executantes. Cota: F. C. R. 543

65. Muito agradecemos as atenções que nos dedicou a Dra. Sílvia Sequeira, responsável pela Colecção de Música da Biblioteca Nacional de Portugal que nos forneceu grande parte da informação relativa ao Fundo Conde de Redondo que se conserva naquela biblioteca.

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O salutaris hostia: motete para ser executado na capela do Bomjardim - dedica e oferece Ernesto Vieira 1904 Nota: ao meu bondoso amigo e excelentíssimo senhor Marquês de Borba... Dedica e oferece Ernesto Vieira Cota: F. C. R. 221 Credo, sanctus, benedictus, e agnusdei / postos em música pelo Pe. Joaquim Ribeiro da Costa Bomjardim, 1835 Cota: F. C. R. 60//2 Salmo beati omnes qui timent dominum: a quatro vozes Pe. Joaquim Ribeiro da costa Bomjardim, 1835 Cota: F. C. R. 60//5 Matinas da ressurreição: matinas de Páscoa Pe. Joaquim Ribeiro da costa Bomjardim, 1835 Cota: F. C. R. 60//3 Kyrios e gloria Pe. Joaquim Ribeiro da costa Bomjardim, 1835 Cota: F. C. R. 60//1 18 de Maio: Valtz Manuel António Correia Bomjardim, 1872 Nota: oferecida e dedicada ao aniversário natalício da Marquesa de Alvito, autografo Cota: F. C. R. 55//13 A quinta feira de ascensão no Bomjardim: polka para flauta e cornetim Manuel António Correia Bomjardim, 1872 Nota: dedicada a D. Fernando de Souza Coutinho Cota: F. C. R. 55//11

O mês de Maria: Mazurca Manuel António Correia Bomjardim, 1872 Nota: oferecida a D. Maria José de Souza Coutinho, autografo Cota: F. C. R. 55//8 Pentecostes: Mazurca Manuel António Correia Bomjardim, 1872 Nota: oferecida a D. Maria Domingas de Souza Coutinho Cota: F. C. R. 55//9

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Bomjardim: galope dedicado ao Excelentíssimo Senhor D. José Luiz de Souza Coutinho Bomjardim, ? Nota: dedicado a D. José Luiz de Souza Coutinho Cota: F. C. R. 55//2 Muttetto in festo inventionis sancto crucis: a quatro vozes e órgão; para se cantar na capela do Bomjardim António Leal Moreira 1818 Nota: composto e dedicado ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Marquês de Borba, partitura autógrafa Cota: F. C. R. 138//7

 

Fig. 11 - Capa da partitura com a cota F. C. R. 138/7.

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Pela sua excepcional raridade optou-se por se juntar a relação das músicas compostas para serem tocadas a seis órgãos na Real Basílica de Nossa Senhora e Santo António em Mafra, que foram conservadas na casa da música do Bomjardim: Matinas de S. Francisco Marcos António Portugal Mafra 1812 14 partes 2 coros masculinos e 6 órgãos Cota: F. C. R. 168//83 Laudamus te, e gratias: solo de contralto, com coros obrigados de tenores e bassos e quatro órgãos Frei José de santa Rita Marques e Silva - Francisco Maria Angelelli Mafra entre 1800 e 1837 Partitura autógrafa com a seguinte notação “feito para a real basílica de Mafra para cantar o senhor Francisco Maria Angelelli” Cota: F. C. R. 198//21 Matinas de S. Francisco do senhor Marcos António Portugal; Acomodadas para dois órgãos pelo senhor frei João da Soledade Mafra 1812 Nota: “para se cantarem na real basílica de Mafra por mandado de El Rei Nosso Senhor” Autógrafo de Frei João da Soledade Cota: F. C. R. 207//3 Matinas de Santo António Marcos António Portugal Sem data Cinco órgãos Cota: F. C. R. 168//106 Messa a quattro organi: Credo Marcos António Portugal Mafra, cerca de 1810 Missas credo sanctus agnus dei Cota: F. C. R. 168//34B Messa del Signore Marco Portugallo Mafra, cerca de 1810 Missas kyrie e glória Cota: F. C. R. 168//34a

Hinos da festa de São Francisco: para tenores e bassos e quatro órgãos obrigados: alternados com o coro/ original de frei João da soledade da província de Santa Maria da Arrábida Frei João da Soledade, O.F.M. e Joaquim Casimiro da Silva, escriba Lisboa, 1821 Notas: “partes copiadas por Joaquim Casimiro da Silva para se cantarem na real basílica de Mafra por mandado de El Rei Nosso Senhor” Hino de primeiras vésperas e hino de segundas vésperas Quatro órgãos Cota: F. C. R. 207//2

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Missa concertada de tenores, e baixos, coros obrigados e cinco órgãos: composta para a Real Basílica de Mafra por frei José Santa Rita Marques religioso da Ordem de São Paulo, da congregação da Serra d’Ossa Lisboa, 1825 Nota: “por ordem expressa de sua Majestade Imperial e Real, o Senhor D. João VI Autógrafo Cota: F. C. R. 198//26 Vésperas alternadas: para a Real Basílica de Mafra do Senhor Marcos António Portugal Marcos António Portugal Sem data Partitura para cinco baixos e quatro órgãos Cota: F. C. R. 168//96 Psalmo lauda Jerusalém dominum/ música do reverendíssimo senhor Frei José Marques e Silva Entre 1800 e 1840 Nota: salmo 147 Dois órgãos Cota: F. C. R.198//72 In Epiphania: Bemposta Marcos António Portugal Partitura para tenor, três baixos e cinco órgãos Cota: F. C. R.168//82 Kyrie – Gloria - cum Sancto e Credo Frei José de Santa Rita marques e Silva Sem data Seis órgãos Cota: F. C. R. 198//32 Matinas de Santo António Marcos António Portugal, escriba José Maria Sabater Sem data Cinco órgãos Cota: F. C. R. 168//106 Sinfonia 1A António José Soares Sem data Versão para quatro órgãos Cota: F. C. R. 205//2 Missa a quatro vozes António José Soares Sem data Dois órgãos Cota: F. C. R. 205//5 Sinfonia da Cenerentola: arranjada para quatro órgãos para a Real Basílica de Mafra António José Soares Abertura a quatro órgãos Sem data Cota: F. C. R. 205//1

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CAPELA DO BOMJARDIM No Oriente diz-se que não há nada tão distante como o minuto que acabou de passar. Por maioria de razão, os acontecimentos vividos há muito tempo – sucedidos antes de quem leia esta página haja sequer nascido – prestam-se a distorções e desmentidos, umas e outros perfeitamente prováveis e por isso mesmo devendo ser encarados com naturalidade. O que sei sobre remotos factos, pessoas ou datas, foi-me contado pela geração anterior, que o ouvira da outra sua precedente, e assim sucessivamente. Ao relato desses episódios pode bem aplicar-se o equivalente do epigrama “traduttore, traditore”, de tal modo a tradição se presta a traição, porque a nossa memória é efémera e imprecisa. E se a tradição oral é tudo isso, um caso bem diferente se nos depara quando pretendemos passá-la à escrita. Com uma sólida sensatez que atravessa quase 25 séculos, Platão prevenia que nenhum homem razoável se arriscará a confiar as suas reflexões às palavras, sobretudo se forem imóveis, como é o caso dos caracteres escritos.

Fig. 12 - Grupo tirado junto ao tanque a 22 de Setembro de 1908, por ocasião dos 50 anos do casamento dos terceiros Marqueses de Borba, estando presentes, da esquerda para a direita: D. Simão das Rochas Luis de Sousa Coutinho e Maria Henriqueta de Vasconcelos D. José Luis Burnay de Sousa Coutinho (Tio Pepe) D. José Luis de Sousa Coutinho Castelo-Branco e Menezes, 17º conde de Redondo e mulher Eugénia Cecília Burnay D. Fernando José Luis Burnay de Sousa Coutinho, 6º marquês de Valença D. Francisco de Paula Luís de Sousa Coutinho (Maria das Dores Centeno e a filha Consuelo) D. Luisa Burnay de Sousa Coutinho Eduardo Luis de Sousa Coutinho Ferreira Pinto Basto D. Fernando Luis de Sousa Coutinho Castelo-Branco e Menezes, 3º marquês de Borba e mulher D. Maria José de Portugal e Castro (filha herdeira, que trouxe à Casa dos Conde do Redondo a dos Vimoso/Valença) Guilherme Ferreira Pinto Basto Fernando Luis de Sousa Coutinho Ferreira Pinto Basto D. Maria Domingas Luisa de Sousa Coutinho e marido Jorge Artur Rebelo da Silva na mesa está a fotografia de D. Maria Luisa de Portugal de Sousa Coutinho, que morreu de parto do filho Fernando.

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No que à nossa família sobre o Bomjardim diz respeito, a capela é seguramente o local dessa casa onde se deram os acontecimentos mais determinantes neste “susto entre o berço e o caixão” que é a vida. Foi junto aos degraus daquele altar, durante mais de 300 anos, que muitos receberam o baptismo, outros fizeram a sua primeira comunhão, ainda outros casaram, e finalmente alguns foram vistos pela última vez, antes de baixar à terra. Foi ali que, unidos entre nós pelo sangue, nos ligámos espiritualmente a Deus, numa sobrenatural eternidade. Sinto naquele lugar, como talvez em nenhum outro na Terra, uma serena mas irresistível chamada ao Infinito, que me chega à alma através dos sentidos. O silêncio átono que ali se ouve é mais eloquente que qualquer salmo, a luz coada pelas janelas altas eleva o olhar a uma oração trazida do mais profundo do meu ser, o fresco ar suavemente perfumado guarda transcendentes ecos de outras eras, de homilias perdidas no tempo e antigos acordes de música sacra de que apenas nos chegou esse mesmo intangível silêncio. Só em adulto soube que se supõe habitar ali um fantasma, num relato feito pelo saudoso Tio Nuno Santa (D. Nuno de Santa Maria de Castelo-Branco, descendente da Condessa de Pombeiro, filha mais nova do 2º Marquez de Borba). Conta-se que durante a sangrenta Guerra Civil entre constitucionais e miguelistas, um criado de nome Roque saiu do palácio de Santa Marta com a incumbência de levar um recado, e foi abatido sem que o tivesse conseguido entregar. Porque o Conde do Redondo, mercê do seu cargo de ajudante-de-ordens do Rei D. Miguel se viu obrigado a retirar de Lisboa para o Bomjardim, onde se manteve exilado por cerca de dois anos, o Roque acompanhou o seu amo, com a mesma fidelidade que o servira em vida, e por lá ficou. Nunca antes ouvira qualquer menção ao assunto mas os meus Tios contavam que sempre que a Avó rezava sózinha o terço na capela, depois do jantar, pedia ao Avô que ficasse por perto, sentado numa cadeira na casa da entrada. Na geração seguinte, depois da venda de Santa Marta, em 1880, o 3º Marquez de Borba começou a fazer mais prolongadas estadias na quinta. Quando regressava a Lisboa, vivendo numa modesta casa onde não existia sequer um oratório, quis junto de si algo que lhe recordasse o Senhor do Bomjardim. Recaiu a escolha no cravo que trespassa os pés da imagem de Cristo. Quando retornava à capela, durante as férias de Verão, voltava a colocá-lo no devido lugar. Morreu em Lisboa, em 1930. Esse prego, sinal do martírio de Jesus – que foi para ele como o arrimo de uma longa e angustiada vida que soube suportar com cristã longanimidade – ficou perdido pela sua casa. Passaram 40 anos e foi a sua neta D. Maria Domingas de Sousa Coutinho que a devolveu à cruz onde hoje se encontra. Estas são histórias do Passado. E sobre ele a locução de Fulton Oursler não pode ser mais certeira: muitos são os que se deixam crucificar – numa desvirtuada imitação de Cristo – entre dois ladrões: o lamento do passado e o temor do futuro. No entanto, a forma de viver com verdade os Seus ensinamentos é tão simples que cabe numa única palavra: perdoar. Perdoando aos outros e a nós mesmos, poderemos a todo o tempo modificar aquele que já foi e muito certamente o que virá. E isso faz com que o tal minuto acabado de passar esteja afinal bem próximo e sempre ao nosso alcance.



Manuel Empis de Bragança

Fig. 13 - Os pés do Senhor do Bomjardim com e sem o cravo que o Marquês de Borba transportava consigo.

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Fig. 14 - Desenho de Domingos António Sequeira, por volta de 1817. Colecção de Luís da Costa de Sousa Macedo (Mesquitella). Da direita para a esquerda:

- Margarida Delfina Teles da Silva, marquesa de Borba pelo casamento, que segura nas mãos um medalhão com o retrato do marido (Tomé Xavier de Sousa Coutinho de Castelo-Branco e Menezes 1º marquês, que morrera 4 anos antes) Fernando Maria de Sousa Coutinho, 2º marquês de Borba - D. Eugénia Manoel de Noronha - José Luís Gonzaga de Sousa Coutinho Castelo-Branco e Menezes, 15º conde do Redondo - António Luís de Sousa Coutinho Castelo-Branco e Menezes, que veio a ser barão do Alvito - João Luís de Sousa Coutinho - Margarida Luísa de Sousa Coutinho, que veio a ser condessa da Atalaia - Duarte Maria de Sousa Coutinho - Manuel Luís de Sousa Coutinho - Francisca de Paula Luísa de Sousa Coutinho, que veio a ser condessa da Lapa - Maria Francisca Luísa de Sousa Coutinho, que veio a ser condessa de Pombeiro - Falta a filha mais nova, Maria de Jesus, que nasceu 3 anos depois. - Pairando no ar: Maria Ana de Sousa Coutinho, irmã do 2º marquês - D. Maria Luísa da Costa Carvalho Patalim Sousa e DO Lafetá, ainda noiva do conde SENHOR BOMJARDIM | 35 do Redondo.

«BOMJARDIM» OU AUTO DAS ALMAS «Bomjardim»! O nome evoca a frescura de sombras amenas e de águas cantantes dardejadas por um sol de Agosto. O caminho que leva à quinta é tortuoso, estrangulado entre silvados e matagais. Um latido de cães ecoa para além de árvores centenárias. Então a estrada desemboca numa pequena rotunda, sombria e misteriosa. Um pórtico de granito eleva-se à altura dos plátanos e castanheiros, encimado pelos escudetes, besantes e leões das Armas dos Souza do Prado, num desmaio de musgos. Franqueado o portão gradeado é, contudo, em vão que se busca do olhar a promessa de oásis que o nome de «Bomjardim» evoca. Um simples terreiro de erva brava estende-se até ao limite de uma fachada branca de dois pisos entrecortada de janelas de sacada. Não nos espantaria de ver aí ladear um alazão lusitano ou assistir a uma manifestação desportiva. Os meus dois jovens e nobres anfitriões asseguram-me que nesse relvado se tinha desenrolado o primeiro jogo de futebol de um conhecido clube lisboeta. Para, enfim, descobrir o encanto natural que dá o nome à casa é preciso debruçar-se sobre uma balaustrada de granito que corre ao longo do terreiro. E é em contra-baixo, como uma esmeralda encastrada, que o jardim se revela. Um jardim «à francesa» no alinhamento simétrico das suas áleas de buxo, nos seus alegretes bem cuidados. Desprende-se dele um perfume delicado e indefinido de oásis perdido entre matagais. Pode evocar-se o horto dei Steline em Milão onde Leonardo da Vinci vinha meditar enquanto pintava a «Última Ceia» no refeitório do convento de Santa Maria delle Grazie. Uma sombra divina parece atravessar o crepúsculo e não seria impensável situar aí o “Suave Milagre” do Eça. Pode também imaginar-se em seu redor a representação do “Auto da Alma” de Gil Vicente quando o anjo proclama: «Alma humana (…) planta neste vale posta / pera dar celestes flores / olorosas / e para serdes tresposta / em alta costa / onde se criam primores / mais que rosas; / planta sois e caminheira…» Quando se penetra na vasta entrada da casa, ornada de velhos retratos de família escurecendo em antigas molduras, o visitante é acolhido pelo odor inconfundível das «casas que têm história», «cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória / de antigas gentes e traças» (Régio). Casa povoada da sua ausência, «memória obsidiante» de tantas sombras peregrinas. Na «Sala dos Painéis», ramos de uma árvore interminável cujas raízes se afundam nos abismos da história, fitam-nos de dentro das suas molduras de ouro velho. Um soberbo retrato a óleo do Senhor Dom Miguel sobressai dos demais pela sua dimensão e qualidade pictórica. Erecto, de corpo inteiro, este rei que o foi tão pouco, parece buscar de um olhar brilhante e intenso, um reinado perdido... Numa saleta adjacente surpreende-se o rasto de um outro monarca exilado. Trata-se de um retrato de Leopoldo III de Saxe-Coburg-Gotha autografado e datado de 1951, três anos apenas após ter abdicado do trono da Bélgica em favor do seu filho Balduíno. Ao seu lado no retrato dedicada aos Condes d´Aspremont-Lynden, reconhece-se a princesa de Rethy que o rei desposara em segundas núpcias durante a guerra. Se as paredes desta casa falassem teriam muito para contar. Hoje, num silêncio de raízes, só murmuram na sombra objectos dispersos e mobílias inúteis. De sala em quarto, de cozinha em capela, o labirinto dos nossos passos parece convergir inexoravelmente para um sacrário de pinho, conhecido na família como sendo a «Caixa das Almas». Trata-se de um singelo cofre dentro do qual a devoção dos familiares vai encerrando, ao longo do tempo, o nome dos seus mortos. Escritos numa fitinha de papel vão repousando no relicário dos manes as almas caminheiras na sua longa peregrinação pela eternidade. «Ó mortais que passais tão cerca do que será também o vosso destino, suspendei o passo lesto e elevai uma prece por nós ao Senhor do Bomjardim». Assim parecem soar as vozes do silêncio cada vez que mão piedosa entreabre a tampa, retira um nome e murmura uma oração. Na sua simplicidade a «Caixa das Almas» faz lembrar um saleiro antigo e o sermão do Padre António Vieira que começa por estas palavras: «Vos estis sal terrae». Vós sois o sal da terra, a semente de tantas cearas a haver. Vós sois também o sol dos céus. Finda a visita, extintas as luzes e cerradas as sacadas, a velha casa recolhe ao seu nobre silêncio. Lá fora, o terreiro já se retirara para uma sombra crepuscular e os cães deixaram de latir. O pórtico e o seu brasão confundem-se com a noite precoce de Fevereiro. O jardim francês, para além da balaustrada, adormece num sono de buxos e de rosas. Dir-se-ia que o Senhor do Bomjardim, divindade tutelar e anfitrião da Casa, vela pelos mortais adormecidos. As Almas, essas não dormem nunca!



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Jorge de Oliveira e Sousa

Fig. 15 - Fachada do Bomjardim virada para o jardim. Créditos fotográficos de José Luís de Sousa Coutinho Empis.

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Fig. 16 - O Pe. Duarte Empis de Andrade e Sousa celebrando o santo sacríficio da missa no altar do Bomjardim, com a casula denominada “do Bomjardim”. Créditos fotográficos de Luísa Empis.

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O Senhor do Bomjardim Senhor do Bomjardim, E Nossa Senhora do Cabo, Seus corações não têm fim, Para sempre imaculados. Sob os Condes de Redondo, Belos hinos foram cantados, Até mesmo os hediondos, Aqui soavam encantados. Dizia o Marquês de Valença, Mais bela capela não há! Porque esta minha crença, Mais tarde se realizará. Muitas peregrinações houveram, A este milagroso Senhor, Grandes alegrias tiveram, Os que a Ele oraram com fulgor! Disse o Marquês de Borba, Com seu ar preocupado, Olhai que o Prego está de fora, Desse pé imaculado!

Francisco Redondo

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O Cristo do Bomjardim Muitos há que ditosos do seu bom nome e honra, Jactam a história de uma família, Mormente quando no-la não têm, Fazem do ofício seu escravo, Donos do rebanho, Negreiros das nações, Gentio do desagravo que vindes a minha casa! Quem disse que vos recebo? Dizem que vos abandonei, Que que sou incólume às agruras mundanas, Terei sido pouco de homem? Não permaneci o suficiente dentre vós? E Eu aqui pregado olhando, As vestes com que se cobrem, Dito por não dito de quadras assassinas, Vejo os Meus filhos gabarem os medíocres, Enquanto cunham os heróis de almas salinas! Recolhi-me, ao meu exílio auto-imposto, Pois, da humanidade sou tão desgostoso, Que terra é essa onde o mal está há espreita? Onde o lobo já não uiva mas a medo, Tudo menos desafinar da alcateia… E toca o hino da alegria ribombante ao extremo, Ante o ente supremo a vida do sacrílego, É como o retumbar de um grilo!

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A humanidade perdeu a integralidade, Vendeu a dignidade, Penhorou os seus rebanhos, Tanta é a história que vos corre nas veias, Esquecidos que foi feita como foi a dos Póvoas! Célere é o momento dessa forte sensação, Foi-se o Império, restou a Mensagem, uma perfeita ilusão, De quantas partes foi feito? Será de ouro, osso ou gesso? Brinquedo de plástico em forma de animal fantástico, Partido por uma criança ao brincar, Assim será como os mais novos se irão lembrar! De tantas utopias que conheço, Resta a ignominia que todos os dias vejo, E só posso afirmar que o ser humano não foi feito para mandar, Manda quem deve e só obedece quem quer, Foi a isto que me cingi, Um enclave entre a Espanha e o mar, Quão terna é a culpa da geografia, Vós ireis malograr, pois, não é pertinaz, Afrontais o Senhor do antigo testamento, Vereis como sou violento ! Estreito já é o futuro, Por onde a virgem raptada pode vir a escapar, Só resta o hino dos alegres, Esses que não sabem que a vida é eterno lutar, Exilai-vos como o conde de Redondo, Glorificai-me até ao fim, Tendes medo de viver, De viver como eu vivi!

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Irrequieta estava a noite enevoada, Que a serra deixou transparecer, Vi uma ponte suspensa, Onde paira uma alma penada, Imaculada rainha da morte, Filha de Zeus, Até para quem não acredita em Deus, Obra de um rei consorte, E quando o nevoeiro amaina, Vinde a mim a luz que deixa a serra raiar, Princesa sacerdotisa do poeta, A serra tem vida a transbordar, Fruto do divino ou obra do pecado, Para uns é martírio para outros um legado, Ao longe o castelo parece ter algo a vociferar. A sorrateira visão de uma Atlântida sobranceira ao mar, Só com dor se versa sobre a sorte, Só onde há vida se pode contemplar a morte, Sob o deserto de imagens a alma faz transpirar, O último reduto etéreo a vislumbrar, Ainda não o vejo, Ainda não o sinto, É como se pelos dedos me escapasse, Como se a nenhum amo a pudesse reclamar, Panaceia para todas a enfermidades, Luz do meu intelecto, Dilecto espelho harmonioso que do Éden nos deu o reflexo, Invertido por certo, A serra nas suas ruinas está dizendo, Quem no futuro Cristo vai enfrentar! Ouvi ó mortais de lá longe que sois o que restas de mim, Eu, o Cristo do Bomjardim.



Duarte de Lancastre y Serrano SENHOR DO BOMJARDIM | 43

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