O Senhor Ventura em película

May 26, 2017 | Autor: C. Capela Ferreira | Categoria: Literature and cinema, Miguel Torga
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O Senhor Ventura em película O apelo da transposição fílmica num texto torguiano

Literatura e Outras Artes

Cláudia Capela Ferreira 2012

José Fonseca e Costa, cineasta e andarilho1, enunciou, numa entrevista conduzida por Margarida Gil dos Reis, a obra torguiana O Senhor Ventura como um projeto de transposição cinematográfica inacabado devido a reveses da vida2. Ao ler estas palavras, quisemos recordar as andanças do Senhor Ventura e descortinar a razão pela qual um cineasta poderia imaginálas sob a forma de película. Porque será O Senhor Ventura apetecível à transposição fílmica? Assim, relendo o texto de contornos picarescos, buscámos evidências da sua possível feição cinematográfica e deparámo-nos, essencialmente, com temáticas absolutamente fílmicas. De facto, o espírito pícaro e aventureiro, as malfeitorias, o crime, os amores trágicos, a presença de uma femme fatale, o ambiente dúbio do film noir, bem como as semelhanças com os filmes de gangsters e com os westerns, tão acarinhados por Miguel Torga, remetemnos para o mundo do cinema. Ainda que tecidos discursivos diferentes, o cinema e a literatura mantêm, há muito, um diálogo polifónico harmonioso e surpreendente. De facto, as transposições cinematográficas de livros abordam e reescrevem a narração de acordo com as particularidades específicas do cinema, pelo que a luz, a ausência da mesma, a música, e os diversos ângulos da câmara oferecem a sinuosidade da frase e, entre outros, do simbolismo da seleção de palavras (Cf. A permanente desfocagem e as cenas breves e rápidas de total brancura que entremeiam, especialmente, o início do filme Blindness de Fernando Meirelles, a remeter para o “mar de leite” do narrador de Ensaio sobre a Cegueira). Filomena Antunes Sobral, na sua comunicação intitulada Diálogos entre literatura e cinema: Adaptação cinematográfica de narrativas queirosianas, em Avanca, cita Brian Mc Farlane, para explicar que existe um 1

Podemos ler: “São mais as viagens que fazemos do que os destinos. As viagens de José Fonseca e Costa são quase borgianas. Colecionam-se memórias, encontros, livros, imagens”. (Reis 2006). 2 Podemos ler na entrevista: “Para além da obra dos vários escritores que adaptou a cinema, como David Mourão-Ferreira ou José Cardoso Pires, existe alguma obra que ainda deseje adaptar a cinema? […] Tratava-se de “O Senhor Ventura” […] Alguns anos antes já tinha tido um contacto com o Torga a quem solicitara o recurso à utilização de uma página sobre Évora do seu “Diário” para utilizar como texto de fundo de uma curta-metragem […] Este facto deu lugar a um incidente próprio dos anos negros do fascismo e da repressão: depois de visto o filme, a Comissão de Censura obrigava-me a cortar algumas palavras do texto de Miguel Torga. Recusei o corte - o que implicava a proibição do filme - tendo entretanto relatado a ocorrência ao Miguel Torga que me escreveu uma carta concisa, curta e precisa como só ele sabia escrever, onde me aconselhava a fazer a vontade à Censura já que “ o que eu escrevi e publiquei já eles não conseguem cortar e será mais importante a saída do seu filme do que a sua proibição já que as imagens, que eles pelos vistos não cortam, falam pelas palavras que à força os esbirros da censura escamotearam.” A partir dessa altura fiquei-lhe sempre muito ligado. Ao surgir a hipótese de fazer “O Senhor Ventura”, cuja ação começava em Portugal e logo se espalhava pelo Mundo, convidei o Barney Simon para me ajudar na tarefa […] O filme está vertido num admirável “screenplay” do Barney Simon que […] escrevera vários filmes para o cineasta nova-iorquino Paul Mazursky. A sua produção - assegurada por financiamentos de uma produtora inglesa em associação com uma produtora portuguesa e outra de Macau - foi suspensa quando começou a Guerra do Golfo, numa altura em que já estavam bastante adiantados os trabalhos de preparação.” (Reis 2006).

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aspeto comum ao cinema e à literatura que é a dimensão narrativa que existe nas respetivas linguagens, isto é, o potencial e propensão para a narrativa (Sobral 2010:17). Por outro lado, podemos, ainda, olhar o cinema sob a sua característica dialógica: “O cinema encarna, de um modo indiscutível, as equivalências estruturais intrínsecas ao inevitável dialogismo entre as artes” (Oliveira 2007:14). De facto, Anabela Branco de Oliveira, na sua obra Entre Vozes e Imagens, explica-nos com clareza a relação entre cinema e literatura, afirmando a relação de osmose entre os dois meios de expressão. Além disso, contrariamente às opiniões que põem em causa a relação entre literatura e cinema, Anabela Branco de Oliveira propõe não uma transgressão, pois as artes acima mencionadas “não existem numa ligação incestuosa porque não apresentam laços familiares” (Oliveira 2007:282), isto é, são discursos diferentes, ainda que partilhem a dimensão narrativa e o permanente convite ao sonho. Desta forma, ao ler O Senhor Ventura, procurámos compreender se a narrativa literária poderia, de facto, transformar-se na narrativa fílmica, respeitando as particularidades das artes em causa. A polifonia e o dialogismo das artes convidam-nos, por vezes, a olhar as obras sob esta perspetiva. O texto que se segue analisa, brevemente, a narrativa torguiana e apresenta temáticas apetecíveis à transposição cinematográfica. De acordo com Isabel Ponce de Leão, O Senhor Ventura apresenta vários reflexos do romance picaresco, ainda que não seja um. De facto, o nosso Quixote de la Mancha, assim apelidado pelo próprio narrador, tal como os protagonistas do género de romance surgido em Espanha no século XVI, é apresentado como “pobre vagabundo que deambula quase sem destino; o folgazão, alcoólico, trapaceiro que recorre a expedientes para sobreviver. Com uma atitude estóica face ao azar, desrespeita os bons costumes com a sua boémia e a sua marginalidade” (Leão 2000:38). A novela está organizada em três partes, cujo desenvolvimento parece dar lugar a géneros cinematográficos muito diferentes. Assim, no início da Primeira Parte, é-nos apresentado, de forma muito sintética, o Senhor Ventura, situando-o num dos imensos espaços geográficos da obra, em Penedono, no Alentejo, “onde nasceu e se criou a guardar gado” (Torga 2000:13). Ao longo do texto é evidente a linearidade da ação e a concisão de cada episódio, aspetos relevantes se, como é o caso, olharmos o texto sob o ponto de vista da objetiva. Aos vinte anos, este lavrador do Farrobo, faz a inspeção e é selecionado para fazer serviço militar. Ora, será assim que o Senhor Ventura dará início às suas aventuras pícaras, qual Dom Quixote lusitano: partindo para Lamares para tomar o comboio, despede-se da sua terra, sorvendo as searas demoradamente, em jeito de namoro, sentindo, contudo, a ânsia do outro lugar, da partida: 3

searas espessas de trigo a ondular, sobreirais pardos de tristeza e pousios de esteva florida, babada de mel e mormaço. E todo o caminho deixou vaguear os olhos enamoradamente por aquele panorama irreal, como um árabe que fosse chamado a Meca e antes de partir quisesse beber toda a frescura e toda a água do seu oásis […] ao mesmo tempo que tinha pena de não ficar, sentia pressa de partir (Torga 2000:14).

Estes momentos de despedida despertam de imediato uma possível visão fílmica: o comboio afastando-se lentamente da estação, a caminho do horizonte, deixando, atrás de si, as lágrimas dos pais saudosos e a poeira da secura alentejana. Enfim, um cliché cinematográfico que não deixa de nos oferecer belos enquadramentos: “e o último apito da máquina perdeu-se na planura” (Torga 2000:15). Será em Lisboa que o Senhor Ventura verá despertar em torno do seu carisma uma mitificação que bem soube explorar. Ao chegar à cidade, “parecia uma objetiva inquieta a recolher imagens” (Torga 2000:15). Eis um novo momento em que a objetiva se oferece ao leitor, em jeito de convite, prometendo uma cena descritiva dos diversos contornos da cidade; de facto, podemos até imaginar o Tejo, o Terreiro do Paço, com especial zoom da estátua equestre. No quartel, o 158, epíteto pelo qual se tornou conhecido, “comandava o regimento” (Torga 2000:16). De facto, cremos existir uma mistificação em torno do Senhor Ventura, completamente avesso à hierarquia, tendo, por isso, sucumbido involuntariamente à categoria de herói: De vez em quando o sargento Antunes, todo assomadiço, perdia a cabeça e participava. E na Ordem caía um castigo sobre as costas largas do 158. O Senhor Ventura nem pestanejava. A brancura da caderneta não era sua vocação. – Não sei ler… Por isso, tanto se me dá que escrevam nela bem como mal (Torga 2000:16).

Contudo, uma noite, ao falhar ao recolher, apanhou alguns dias de prisão, de onde regressou como um herói: “se até ali valia cem, valia agora mil" (Torga 2000:16). De facto, a narração condensada e linear conta-nos como o soldado se tornara prestável e popular, apesar do seu carácter independente e transgressor. Contudo, numa noite de quartilhos, numa taberna da Madragoa, (relembramos filmes portugueses antigos, cujas intrigas são igualmente cantadas nos fados) uma rixa que envolveu uma facada e, consequentemente, um morto “por um fantasma” (Torga 2000:18), leva o Senhor Ventura a um contingente militar que se dirigia 4

para Macau. Sem provas claras e inequívocas, “o tribunal punha os olhos justiceiros no rosto sereno do Senhor Ventura e desanimava. O rapaz parecia a própria inocência”( Torga 2000:18). Assim, o crime sem punição parece antever a vida do nosso andarilho, agora em terras orientais. Será, então, em Macau, que o espírito aventureiro do nosso protagonista parece desenvolver-se, pois enquanto “os companheiros gatinhavam ainda pelos arredores do quartel,8 já ele se sumia nos becos mais recônditos, à procura de mistério” (Torga 2000:18). Um dos episódios mais espirituosos do texto em análise prende-se com os amores do Senhor Ventura e de Júlia, filha do secretário do Governador. De facto, a cena, se a imaginarmos, relembra instantaneamente, um filme de Charlie Chaplin, em que a noiva, depois de uma série de de subidas e descidas de uma escada, de entradas e saídas por uma porta, de correrias e tropelias, cai nos braços do nosso acarinhado Charlot, furtando-se, desse modo, à fotografia de grupo, ao casamento e ao noivo. De facto, a “rir-se das hierarquias e dos deuses […] pela calada da noite, quando o honrado pai dormia o sono dos justos, saltava-lhe o 158 os muros do jardim” (Torga 2000:20). O Senhor Ventura associa-se à típica personagem cómica que desrespeita o poder e a hierarquia, semeando a agitação, tomando, por vezes, a via da ridicularização pelo embaraço, evocando Charlie Chaplin3, pelo tom de farsa impresso, tendo, sempre, o objetivo de interpelar o leitor/espetador. De facto, como nos diz Luís Nogueira em Géneros Cinematográficos, uma pretensão existe sempre: a interpelação do espectador, invertendo as suas convicções, as suas expectativas e as suas crenças. Podemos então afirmar que uma longa relação de jogo e gozo entre filme e espectador atravessa o cinema desde as suas origens no contexto do burlesco, do vaudeville e das variedades, com nomes fundadores como Georges Méliès (assente na tradição do ilusionismo), Charlie Chaplin (mestre incontestado da mímica), Buster Keaton (portentoso no deadpan, ou seja, no humor pela inexpressividade) até ao ciclo de paródias que desde os anos 1970 vão acentuando cada vez mais o seu tom de farsa e refinando a sua ironia (Nogueira 2010:22).

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O próprio Chaplin, a par do teor picaresco de O Senhor Ventura, lançou o seu Charlot na observação crítica do seu meio, como, aliás, Isabel Ponce de Leão comenta na obra “O Eterno Retorno (a propósito do Senhor Ventura de Miguel Torga)”: Mais do que um género romanesco é […] uma atitude perante a vida que proporciona ao autor a oportunidade moral de dar uma nova ideia moral da sociedade. Entregue à própria sorte no ambiente das ruas, o pícaro tornou-se um mestre na observação de seu meio. […] objeto de escritores que lançaram as bases de um das principais vertentes modernas da prosa de ficção, tendo chegado à comédia cinematográfica através de Chaplin e do Carlitos da Vida de Cachorro. (Leão 2000: 38).

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Por outro lado, as malfeitorias mais inocentes do nosso Senhor Ventura podem fazernos lembrar ainda o tom do realizador Woody Allen e das peripécias constantes. Independentemente da semelhança com qualquer filme, ator ou realizador, o texto torguiano em questão, preconiza momentos de diversa índole - do mais cómico ao mais trágico ou dramático – e manifesta-se como potenciador de uma visão cinematográfica da história narrada. De facto, o cinema pretende, cremos, independentemente do género cinematográfico, pensar o Homem, e, como grande humanista que o poeta transmontano, e do universal, revela ser, a sua obra, especialmente O Senhor Ventura, em análise, seja contada segundo as coordenadas literárias ou segundo as características fílmicas/cinematográficas, permite a introspeção e reflexão sobre os contornos humanos, positivos ou negativos. A comédia, como um dos géneros, ao fazer-nos rir, faz-nos repensar o Homem: A Comédia procura suscitar necessariamente o riso, nas suas diversas manifestações (indo da gargalhada estridente e compulsiva ao sorriso mais cúmplice e recatado). Trata-se, por isso, da forma exemplar do hedonismo cinematográfico. Como referimos antes, a comédia tende a fazer ressaltar as fragilidades do ser humano: o vício, a negligência, a pompa, a presunção ou a insensatez, por exemplo. Daí, talvez, que seja um género frequentemente depreciado, quem sabe pela sua carência de seriedade, capaz de descobrir em qualquer tema ou personagens o pretexto para o riso e o escárnio (Nogueira 2010:20).

A deserção seguiu-se pouco tempo depois e o Senhor Ventura torna-se marinheiro nos mares da China, remetendo-nos a lembrança para todos aqueles filmes de aventuras imensas e malfeitorias a bordo de um barco, piratas nas ondas da vida. As aventuras do Senhor Ventura continuam a espraiar-se geograficamente, tal como a ligação ao crime; desta feita, o contrabando de ópio, descrita por Torga nestes termos: “Havia ainda o contrabando de ópio, que era rendoso. E fácil, afinal de contas. O navio fundeava, e um barquinho inofensivo encostava-se-lhe como não quer a coisa. Pela vigia, um braço enigmático entregava a mercadoria” (Torga 2000:22) Este momento relembra-nos uma cena do prodigioso filme de Emir Kusturica, Gato Preto, Gato Branco, nomeadamente quando Matko Destanov no seu barquinho, se aproxima de uma embarcação no Danúbio, e negoceia, entre outros, uma máquina de lavar que acaba, ironicamente, no fundo do rio. De facto, nem sempre a vida corre bem, e independentemente da nacionalidade, do local onde nos encontramos, do tempo e das circunstâncias da vida, há algo que nos aproxima: a necessidade de vencer, de vingar, de sobreviver, seja por meios lícitos ou não. Assim, o Senhor Ventura de Penedono, zona rural iletrada e pouco promissora, e Matko, das margens do Danúbio, partilham essa característica 6

irreprimível, a ânsia de escapar a uma tragicidade e pobreza que, contudo, os cerca, e os acompanha, de forma cómica ou dramática, mas que os permite continuar a viver. Por outro lado, a evidente lacuna de moralidade, de espírito de trabalho e o vício são, também, no nosso entender, aspetos comuns. Destarte, o crime é uma constante na vida do andarilho português. Este ambiente é bastante pincelado pelo narrador ao longo do texto, que não deixa de nos fazer ver igualmente o lado bom do Senhor Ventura. De facto, como teremos ainda oportunidade de mencionar, alguns momentos narrativos assemelham-se a filmes de cowboys, tão do agrado de Miguel Torga. Leiamos a entrada do seu Diário a 10 de outubro de 1938:

Depois de um dia de tristezas, fui ao cinema. Um filme meu, de cowboys. A empresa, honradamente, guardou para melhores dias a literatura e escreveu no programa esta verdade singela: «Cavalos, muitos cavalos! Pancada, muita pancada!» […] E não digo mais nada, já que ninguém acredita que a única coisa bonita que há neste mundo (mais bonita que o próprio cinema e os aviões) são os cavaleiros andantes do Far-West (Torga 2000:49).

Os westerns ou até spaghetti westerns, como o Bom, o Mau e o Vilão de Sergio Leone parecem presentes, nomeadamente na caracterização da personagem principal, a relembrar Blondie, o pistoleiro honrado. Em Pequim, porque o mar já não o seduzia ao fim de cinco anos, conhece Pereira, um desertor. É assim que Dom Quixote conhece o seu Sancho, em terras orientais. Tornam-se amigos de imediato, pelo que as aventuras do Senhor Ventura ganhariam agora uma nova companhia. Aberto um restaurante português, do qual ambos eram sócios, Pereira cozinhava e o Senhor Ventura apenas estava presente à noite depois do serviço na garagem da Ford, e aos domingos. Ora, um dos momentos mais hilariantes da narrativa prende-se justamente com este espaço: um dia, uns americanos, depois de beberem fartamente, insultaram Pereira. Ora, sem saberem, os coitados, que o Pereira, além de bom cozinheiro, sabia jogar o pau […] o Pereira cerrou-lhes os lábios duma assentada. Salta para o meio deles, malha daqui, torce dali, parecia que estava a varrer a festa do S. Bento da Porta Aberta. Em menos dum fósforo tinha a casa limpa”(Torga 2000:28).

Este episódio relembra as comuns brigas e rixas nos bares dos filmes de cowboys e de aventuras, num tom jocoso e risível. Até a repetição do episódio se assemelha a um filme: Mas os do Tio Sam vinham com ela fisgada. Queriam vingar os camaradas. E tanto disseram, tanto provocaram, que em dado momento o Senhor Ventura perdeu a cabeça e

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gritou lá para dentro: - Ó Pereira, anda aqui dar uma ajuda! - Caiu o Carmo e a Trindade. Um da direita e o outro da esquerda, às cacetadas a eles, não deixaram cabeça sem sangue nem garrafa inteira (Torga 2000:28).

O Senhor Ventura irá evidenciar a sua coragem e o arrojo dos cowboys ao oferecerse para levar uma frota de camiões à Mongólia, enfrentando o desprezo do chefe americano: Sr. Hughes, o diretor da Ford, reunira a empregadagem toda, a fim de inquirir quem se oferecia para chefiar a temerária empresa. – Mal o homem fala em deserto, guerra e outras porcarias assim, pareciam caracóis na concha… Nunca vi tanta cobardia junta! […] Então, o da América olhou aquela gente toda com desprezo […] – Olhou-me bem, e parecia não acreditar. Mas insisti: Eu, já lhe disse! – All right! – respondeu-me ele então (Torga 2000.30).

Assim, o Senhor Ventura e Pereira partem numa nova aventura, vencendo “pontes improvisadas sobre abismos, combates à carabina com salteadores de estrada” (Torga 2000:30), fazendo o leitor evocar grandes filmes de aventura, como Em Busca da Esmeralda Perdida e Indiana Jones, das tardes da nossa infância e juventude. A aventura que se segue prende-se com o rapto do velho Chung Lin, pois “aquele ambiente de tiros e de risco embriagara o alentejano” (Torga 2000:32). O assalto correu bem, mas dias depois o Senhor Ventura adoeceu; “estavam então numa das bordas do deserto, como lobos que eram, com um pé nas pastagens do rebanho e outro nas funduras do covil” (Torga 2000:33). O Pereira, qual Sancho, “fazia milagres […] e não só transfigurou o buraco em que viviam num palácio de conforto, como desentranhava canjas de galinha não se sabia de que panela mágica” (Torga 2000:34). Graças a Pereira, o Senhor Ventura melhorou e agradeceu ao minhoto, prometendo-lhe o regresso a casa, à pátria. Esta amizade, que se cimenta especialmente com este episódio de superação, evidencia o companheirismo típico dos cowboys dos filmes do faroeste. De facto, revemos Munny e Ned Logan, Clint Eastwood e Morgan Freeman, em Imperdoável, bem como a sua amizade e proximidade, na relação de amizade entre os nossos andarilhos. Além disso, até Samwise Gamgee, bom cozinheiro e fiel amigo, parece assemelhar-se à figura de Pereira, que, tal como o hobbit, zelou pelo companheiro, o valoroso Frodo Baggins, e o acompanhou no seu destino, até ao Mount Doom. Apesar de os motivos serem radicalmente diferentes, e apesar de a moral vigente ser, igualmente, divergente, esta dupla torguiana celebra outras duplas que se tornaram

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inesquecíveis, quer na literatura, quer também no cinema, como tivemos já oportunidade de lembrar. 4 Mas, como o “alentejano não era homem que passasse à beira dum abismo sem olhar” (Torga 2000:35), preconizando esse espírito aventureiro, resolveram, antes da derradeira partida, dedicar-se ao contrabando de armas. Contudo, e como antecipara Pereira, a empresa não encontrou bom fim, e os soldados do exército rebelde chinês “entrara, mataram, saquearam, incendiaram, e só por milagre o Senhor Ventura conseguiu salvar-se na escuridão, como o corpo do Pereira às costas, a gemer, ferido de morte por uma bala que lhe atravessara o peito” (Torga 2000:38). Seria o fim de Pereira. Num momento introspetivo, o Senhor Ventura desmascara a sua sensibilidade, e “pela primeira vez a sua humanidade teve consciência do mistério da vida e da morte, e das forças cósmicas que aproximam os homens e os fazem amar-se uns aos outros” (Torga 2000:38). Na parte final do capítulo XX, a narração dá a Senhor Ventura contornos que nos fazem relembrar o honrado pistoleiro Blondie de O Bom, o Mau e o Vilão, de Sergio Leone, do spaghetti western italiano, de forte componente psicológica. De facto, a certa altura, diznos o narrador: “o alentejano era [...] aquele meridional aventureiro, capaz de crimes, mas honrado à sua maneira” (Torga 2000:64), evidenciando, destarte, alguma simpatia pelo antiherói, bem como a sua honradez. Não será a primeira vez que Torga olha desta forma para os anti-heróis; de facto, já no seu Diário, na entrada de 12 de setembro de 1939: “François Villon no cinema. O filme é bastante mau, mas que maravilhosa coisa é ter sido um Poeta assim! Eu cá, pelo menos, sou por ele. A roubar, a matar, a jogar às escondidas com a forca, a amar perdidas e honestas – sou por ele” (Torga 2000:64). Ainda que o contexto e o objeto sejam diferentes, parece haver no universo torguiano uma tendência a sublinhar os anti-heróis, mote que deu origem ao trabalho Nas margens dos códigos legais: a Tradição dos bons criminosos na ficção de Miguel Torga, de Maria de Lurdes Morgado Sampaio. Terá início, então, a Segunda Parte, cuja apresentação refere o casamento do Dom Quixote português com a sua Dulcineia. O ambiente é, de todo, diferente: em Pequim, os salões do Grande Hotel parecem-nos a configuração do ambiente dos filmes noir, onde surge uma femme fatale, bem como o universo desapiedado, o crime, o ciúme, a fraqueza moral e personagens arquétipas como o marido ciumento, a já mencionada femme fatale, o gangster, e ainda temáticas recorrentes: o assalto, o contrabando, as malfeitorias, o ambiente de bordel. Diríamos, até, que o ambiente relembra, por vezes, Sin City, em banda desenhada ou em 4

Outras se poderiam sublinhar: Bucha e Estica, por exemplo, nomeadamente nos episódios hilariantes do restaurante Cozinha Portuguesa, em que o Senhor Ventura e Pereira sovam os americanos.

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filme, embora no texto de Miguel Torga a fraqueza moral não seja tão extremada, ou pelo menos não seja narrativamente detalhada, mas sugerida (assassínio, venda de armas, o facto de Tatiana se aproximar do Senhor ventura por interesse material). O casamento com Tatiana é um mar de desavenças, inserido num ambiente de bordel, tipicamente noir: “Gostava daquela mulher, que era, de facto, o grande amor da sua vida. Encontrara-a no lodo, onde ele próprio andava enterrado há muito.” (Torga 2000:53). Os dois amantes, intempestivos, “Eram como dois demónios, um de pedra e outro de fogo, a lutar” (Torga 2000:54). De facto, “Tatiana era mais do cabaré do que o Senhor Ventura imaginava” (Torga 2000:52) mas, independentemente, disso, nasce Sérgio, o seu filho. Por ele, resolve, momentaneamente, dedicar-se a negócios lícitos e legais, mantendo o negócio das máquinas de jogo e montando uma garagem de táxis. Decide, igualmente, aprender a ler. Mas o seu temperamento não o permitiu viver durante muito tempo sem o recurso à criminalidade e ao espírito de aventura. Tal como Munny, em Imperdoável, sente o apelo irreversível da vida de pistoleiro, o Senhor Ventura sente o chamamento constante do sarilho e das ilegalidades. Ladino, “vendeu os carros, lançou fogo à garagem, recebeu o seguro, e foi montar num bairro discreto da cidade uma fábrica de heroína” (Torga 2000:65). Tais atitudes revelam-se típicas de uma qualquer família Corleone. Assim, os filmes de gangsters estão presentes nos constantes tiroteios, nas mortes, nas rixas, na riqueza ilícita e na convivência com ambientes dúbios. O negócio, contudo, corre-lhe mal. O Senhor Ventura foi apanhado pela polícia e pelo governo, pelo que foi repatriado. Assim, não foi o Senhor Ventura que verdadeiramente decidiu voltar, mas outros que decidiram por ele. No regresso, opta, em vez de regressar pelo mar, seu conhecido, “pelo transiberiano, sete dias e sete noites a correr estepes, gelos e regiões inóspitas até à europa, e, dentro dela, por terras onde a sua imaginação voava, embriagada” (Torga 2000:70). Assim, deixa Pequim, Tatiana e Sérgio e parte para Portugal, para Penedono, ao encontro de si, dos seus e do que deixara para trás, quando partira para Lisboa. Mais uma vez, sozinho, como aquando da morte de Pereira, “o coração do Senhor Ventura abriu-se para a compreensão duma parte mais profunda e mais eterna da vida” (Torga 2000: 72). Destarte, o silêncio e a solidão, tal como para o Poeta, parecem facilitar e induzir a introspeção, a reflexão sobre a vida. Nesta viagem, física e simbólica, o nosso protagonista evidencia algum arrependimento: “Que estupidez, tudo o que eu fiz!” (Torga 2000:72). “Entra no lar, não digo repeso de ter partido […] mas instintivamente disposto a pagar o que deve à condição nativa” (Torga 2000:78). Assim, resolve cumprir-se também ali, 10

arrendando uma herdade, e permitindo aos jornaleiros retirar os lucros da mesma, para além do seu salário. Contudo, durante a maior parte do tempo, trabalha sem lucro. No quinto ano, finalmente, a vitória sobre a seara, com abundância. Será, nesta altura, que toma conhecimento do desaparecimento de Tatiana. Recebe Sérgio, envia-o para um colégio na capital e entrega-lhe, simbolicamente, a chave de casa de Penedono, depositando nele o futuro do seu nome. Parte para Macau numa procura incessante por Tatiana. A senhora Lian, ao vê-lo, aconselha-o, de forma expressiva, a voltar: “Você parece uma borboleta: tinha na sua terra o sol inteiro para se aquecer, e vem queimar-se numa labareda” (Torga 2000:106). O Senhor Ventura ia, contudo, para se vingar. Notamos, assim, a vingança e o ódio típicos do film noir; A femme fatale destrói efetivamente o seu amante, abandonando o filho à sua sorte, e partindo, ela também, em mais uma aventura com outro homem. Depois de, aparentemente, ter vivido em Penedono envolto numa paz aparente, mas em brasa, com o seu temperamento esquivo latente, o Senhor Ventura percorre agora Pequim, de chama reanimada, e a China inteira, como em outros tempos, esvaziado, porém, do espírito de aventura. O que o acompanha é, sobretudo, a raiva, embora acreditemos que, depois de palmilhados os mais recônditos locais da China, já não se tratava simplesmente de raiva pelo adultério e pelo roubo perpetrados por Tatiana, mas sim de desespero, totalmente humanista, como podemos verificar: “Falava simplesmente dela, duma traição humana para lá de tudo quanto uma alma sema amor podia entender” (Torga 2010:110). Tatiana, a femme fatale preconiza a beleza maligna, perigosa, interesseira, mas, sobretudo, a mulher desprovida do sentimento mais puro (e da capacidade de o gerar) que une os homens e os engrandece: o amor. Por isso, chegado ao cais da partida, o Senhor Ventura consciencializa-se dessa realidade, pois sozinho que está, como se encontrava, igualmente, aquando da morte do seu caro Pereira e da viagem de regresso a Penedono, às raízes, reflete e entende o mal que Tatiana lhe fizera realmente. Assim, meio ano volvido, o Senhor Ventura dos westerns, das comédias, do film noir e de gangsters, prostrado contra a grandeza atroz da finitude humana, encontra-se agora a experimentar o drama5, pois enfrenta a morte. Numa cama de hospital, Tatiana vê o Senhor

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Cremos que será importante perceber o que se entende por Drama enquanto género cinematográfico: “Se existe uma qualidade emotiva que o drama procura sublinhar ela é, sem dúvida, a seriedade dos factos. Poderemos, então, afirmar que o seu objeto é o ser humano comum, normal, em situações quotidianas mais ou menos complexas, mas sempre com grandes implicações afetivas ou causadoras de inescapável polémica social. Ao contrário da comédia, que sublinha as fragilidades ou vícios do ser humano, e da tragédia, que sublinha a sua elevação e as suas virtudes, o drama aborda, portanto, a vivência mais prosaica do sujeito vulgar, mas explorando as suas consequências emocionais mais inusitadas e profundas.” (Nogueira 2010: 23).

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Ventura pela última vez; ao saber da busca encetada pelo seu marido e do internamento no hospital, Tatiana honra a sua história com o português e vai ao seu encontro. As palavras, dilacerantes, dão um final trágico ao alegre Senhor Ventura dos tempos da Cozinha Portuguesa e das aventuras com Pereira. Tatiana apenas ouve o moribundo, numa expiação muda, como lhe chama o narrador. Finalmente, encontram a paz perpétua; os amantes despedem-se, são livres, “eram na verdade aquilo que a natureza sempre lhes pedira: dois” (Torga 200:110). A despedida pesada, dolorosa, sempre foi uma temática apetecível ao cinema, tal como os amores trágicos e problemáticos, a femme fatale, o bom criminoso, a aventura, o crime e o reconhecimento/anagnórise da peripécia da vida como uma série de escolhas erradas ou, pelo menos, precipitadas. Assim, ao longo desta obra torguiana revemos motivos ou temas normalmente associados ao cinema, herança provável de um fiel seguidor da arte cinematográfica. Entretanto, Sérgio segue para Penedono como guardador de cabras, sugerindo, assim, o narrador, um retorno às origens na figura do filho, mas, igualmente, a possibilidade de, como o pai, o pequeno Sérgio, se tornar um andarilho: “Pastor, que foi por onde o Senhor Ventura começou” (Torga 2000:111). O cinema, a par de outras artes, era uma ponte de conhecimento muito querida a Miguel Torga. São várias as manifestações de carinho ao longo dos Diários dedicadas à Sétima Arte e aos bons momentos de escape de uma realidade dura:” Estoirei-me hoje dum carro elétrico abaixo por causa de um filme de Charlot. Ia morrendo, ou pelo menos ficando sem um braço. Mas o filme mereceu o fato inutilizado e merecia também o braço a menos” (Torga 2000:18) O cinema, como lugar que privilegia a comunicação, a cultura e o sonho ilimitado, merece-lhe longas reflexões, como podemos ver na entrada de 2 de fevereiro de 1966: “Morreu Buster Keaton. E com a sua morte apagou-se dentro de mim mais uma luz exemplar. O cinema foi o grande educador da minha adolescência. Por um preço acessível […] o pobre poeta que não sabia que viria a ser […] sentava-se, e tinha o universo possível e impossível diante dos olhos ávidos e deslumbrados. […] Punha-lhe,

sobretudo, ao

alcance da compreensão e da sensibilidade o amor, o ódio, a desgraça, o heroísmo, a santidade, a perfídia, a abnegação, a pertinácia e a esperança6 […] Buster Keaton foi um desses heróis liberais, pungentes e abnegados. Aparecia na tela sério e solene, lutava árdua e desastradamente contra os moinhos do destino, e partia vencido, com o triunfo adiado na

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Será pertinente referir que os sentimentos listados nesta entrada, associados ao cinema, se podem facilmente encontrar com grande ênfase nas obras torguianas.

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fundura dos olhos. Charlot revezava-se com ele nos programas e nas aventuras. Mas o boneco de coco e bengala tinha um literato por detrás da cortina a puxar-lhe os cordelinhos. Títere nas mãos de um génio oculto e ambíguo, muito embora comovesse ou divertisse mais, comovia menos. Pamplinas, esse, era um homem de carne e osso, que atuava de rosto descoberto e assumia a inteira responsabilidade da sua fisionomia. Que se recusava a ser mito de si próprio. Um homem que nunca se demitiu da condição de mortal, a tal ponto agora que morreu agora dum cancro, humanamente, velho, enrugado e transitório” (Torga 2000:129).

O cinema, sempre ligado à literatura, parece ter tido uma influência profunda na vida de Miguel Torga enquanto homem, uma vez que o poeta afirma essa importância na sua educação, mas, cremos que a terá, igualmente, enquanto poeta, no tratamento de alguns sentimentos, de alguns conceitos, que, parece-nos, terão resultado na abordagem de temáticas tão próprias da sétima arte. Destarte, lembremos novamente a vida, o sonho, a inspiração e criação, a liberdade e o humanismo de Miguel Torga, de Charlie Chaplin e Buster Keaton, cujas obras nos permitem continuar a aprender e a saborear a arte e a vida diariamente.

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Bibliografia

Ativa

Torga, Miguel (2000): O Senhor Ventura. Lisboa: Publicações Dom Quixote e Planeta de Agostini. Torga, Miguel (2010): Diário - Vols. I a IV. 5.ª Edição conjunta. Lisboa: Dom Quixote. ______ (2010): Diário - Vols. V a VIII. 5.ª Edição conjunta. Lisboa: Dom Quixote. ______ (2010): Diário - Vols. IX a XII. 5.ª Edição conjunta. Lisboa: Dom Quixote. ______ (2010): Diário - Vols. XIII a XVI. 5.ª Edição conjunta. Lisboa: Dom Quixote.

Passiva

Nogueira, Luís (2010): Géneros Cinematográficos, Manuais de Cinema II. Covilhã: Livros LabCom.

Oliveira, Anabela Dinis Branco (2007): Entre Vozes e Imagens, A presença das imagens cinematográficas nas múltiplas vozes do romance português (anos 70-90). Publicações Pena-Perfeita.

Sobral, Filomena Antunes (2010): “Diálogos entre literatura e cinema: Adaptação cinematográfica de narrativas queirosianas”. In Avanca Cinema 2010 - Tomo II.

Teatro D. Maria II. Página web consultada a 22 de junho de 2012 em http://www.teatro-dmaria.pt/Temporada/detalhe.aspx?idc=944

Filmografia

Blindness (2008): Screenplay by Don Mackeller. Dir. Fernando Meirelles. Perf. Julianne Moore, Mark Ruffalo and Gael García Bernal.

Gato Preto, Gato Branco (1998). Screenplay by Emir Kusturica and Gorgan Mihic. Dir. Emir Kusturica. Perf. Bajram Severdzan, Srdjan Todorovic and Branka Katic. 14

Indiana Jones and the Raiders of the Lost Ark (1981). Screenplay by Lawrence Kasdan and George Lucas. Dir. Steven Spielberg. Perf. Harrison Ford, Karen Allen and Paul Freeman.

Indiana Jones and the Last Crusade (1989). Screenplay by Jeffrey Boam and George Lucas. Dir. Steven Spielberg. Perf. Harrison Ford, Sean Connery and Alison Doody.

The Curse of the Jade Scorpion (2001): Screenplay by Woody Allen. Dir. Woody Allen. Perf. Woody Allen, John Tormey and John Schuck.

The Good, the Bad and the Ugly (1966). Screenplay by Luciano Vicenzone and Sergio Leone. Dir. Sergio Leone. Perf. Clint Eastwood, Eli Wallach and Lee Van Cleef.

The Godfather (1972): Screenplay by: Mario Puzo and Francis Ford Copolla. Dir. Francis Ford Copolla. Perf. Marlon Brando, Al Pacino and James Caan.

The Godfather II (1974): Screenplay by: Mario Puzo and Francis Ford Copolla. Dir. Francis Ford Copolla. Perf. Al Pacino, Robert De Niro and Robert Duvall.

The Godfather III (1991): Screenplay by: Mario Puzo and Francis Ford Copolla. Dir. Francis Ford Copolla. Perf. Al Pacino, Diane Keaton and Andy Garcia.

The Lord of the Rings and the Fellowship of the Ring (2001). Screenplay by Fran Walsh.

Dir.

Peter

Jackson.

Perf.

Elijah

Wood, Ian

McKellen,

Viggo

Mortensen and Orlando Bloom.

The Lord of the Rings and the Two Towers (2002). Screenplay by Fran Walsh. Dir. Peter Jackson. Perf. Elijah Wood, Ian McKellen, Viggo Mortensen, and Orlando Bloom.

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The Lord of the Rings and the Return of the King (2003). Screenplay by Fran Walsh. Dir. Peter Jackson. Perf. Elijah Wood, Ian McKellen, Viggo Mortensen and Orlando Bloom.

Sin city (2005). Screenplay by Frank Miller. Dir. Frank Miller and Robert Rodriguez. Perf. Mickey Rourke, Elijah Wood, Clive Owen and Bruce Willis.

Scoop (2007): Screenplay by Woody Allen. Dir. Woody Allen. Perf. Woody Allen, Scarlett Johansson, Hugh Jackman and Jim Dunk.

Unforgiven (1992). Screenplay by David Webb Peoples. Dir. Clint Eastwood. Perf. Clint Eastwood, Gene Hackman and Morgan Freeman.

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