O Sentido e a Razão de Ser do Inferno e do Purgatório de Dante Alighieri

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O SENTIDO E A RAZÃO DE SER DO INFERNO E DO PURGATÓRIO DE DANTE ALIGHIEIRI Moisés Romanazzi Tôrres.∗ Resumo: Ao longo do Inferno e do Purgatório, guiado por Virgílio (por sua filosofia aristotélica e por sua grandeza heróica de maior poeta de Roma), o pecador Dante desenvolve sua purificação e perfeição terrestres até finalmente alcançar a beatitude filosófica. No Inferno, sua alma encontra-se marcada pelo pecado e pelo castigo. Sem dúvida pela desordem e iniqüidade do gênero humano. Mas onde o pecador Dante sofreu pessoalmente com todo esse mal. No Purgatorio, gradualmente o ódio e o desprezo cedem lugar à compaixão e à caridade. Simultaneamente seu espírito se acha atraído por um problema mais amplo e geral. Toda uma crítica da sociedade humana, de seu governo espiritual e temporal, todo um vasto projeto de reforma cristã se desenvolve e se completa. Abstract: Along the Hell and of the Purgatory, guided by Virgil (for your Aristotelian philosophy and for your heroic greatness of larger poet from Rome), the sinner Dante develops his purification and terrestrial perfection until finally to reach the philosophical beatitude. In the Hell, his spirit is marked by the sin and for the punishment. Certainly for the disorder and iniquity of the man. But where the sinner Dante suffered personally with all that. In the Purgatory, gradually the hate and the contempt give up place to the compassion and the charity. Simultaneously his spirit is attracted by a wider and general problem. An entire critic of the human society, of spiritual and temporary government, a vast project of Christian reform was developed and finished. Palavras-Chave: Dante Alighieri, Commedia, Reforma Cristã. Key-Words: Dante Alighieri, Commedia, Christian Reform. Texto Completo:

Professor Doutor, Adjunto Nível IV da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa em Minas Gerais (FAPEMIG).



2 Augustin Renaudet nos dá uma visão inicial do sentido e da razão de ser da Commedia. Ela possui na realidade dois temas principais. De um lado o tema moral do poema, a luta do fiel Dante contra o pecado, cuja tríplice raiz é incontinência, orgulho e avareza; de outro, o tema político: a necessidade de se restabelecer em Florença o bom governo, a “guerra santa” contra os capetíngios e a Santa Sé, a reforma do mundo cristão pela restauração do Império, a reforma da Igreja-instituição pelo retorno do Papado ao Evangelho. Dois temas que estão intimamente relacionados: a salvação eterna do pecador Dante Alighieri está necessariamente ligada à reforma intelectual, moral, política e religiosa da Christianitas (RENAUDET, 1952: 93). A ficção literária que situa na semana santa do ano de 1300 a grande viagem, antes portanto do priorado de Dante, de suas lutas políticas e de seu banimento, antes dos esforços do exilado para restabelecer em Florença, na Cristandade, sobre todo o gênero humano, o bom governo, toma assim um sentido profundo. De fato, como nos informa um dos mais clássicos e ilustres dantólogos, Bruno Nardi, em um dos mais importantes capítulos (“Dante Profeta”) de sua obra clássica intitulada Dante e la Cultura Medievale, a política de Dante aparece como a doutrina de um predestinado, rico das graças divinas, iluminado pelo Espírito Santo, e portador de uma profecia (NARDI, 1942: 255 a 334). Mas para tanto, ao longo da Commedia, Dante terá de trabalhar metodicamente sua renovação espiritual, seguir pacientemente as três etapas tradicionais da via purgativa, iluminativa e unitiva. Para isto, precisará respectivamente de três guias: Virgílio (no Inferno e Purgatório), Beatriz (no Paraíso até ao Empíreo) e São Bernardo (no Empíreo mesmo). Neste artigo estudaremos apenas a via purgativa, ou seja, a condução virgiliana. Virgílio, a princípio, representa o saber humano. Ele, efetivamente, ocupa na Commedia o lugar que normalmente seria destinado a Aristóteles. Será que no raciocínio dantesco Aristóteles perdeu sua importância, sua sublimidade intelectual? Não é isto absolutamente. Aristóteles na Commedia continua a ser reverenciado como mestre dos sábios, o filósofo por excelência. Renaudet nos explica que, no entanto, havia inicialmente dificuldades de ordem literária. Aristóteles, fora do meio universitário, era pouco conhecido e apenas visto como um sábio, um filósofo, um chefe de escola; ao contrário, a lenda medieval tinha elevado Virgílio acima do nível comum dos homens, sob os traços de um mago e de um profeta. Mas também se dava o mesmo no campo da sensibilidade humana. Para, prossegue Renaudet, a condução e

3 redenção de Dante, alma de poeta, alma sensível e dolorosa, era preciso também uma alma de poeta, humana e meiga. (RENAUDET, 1952: 95). Assim Virgílio vai representar de imediato a sabedoria humana. Com efeito, a sabedoria aristotélica: a filosofia, a ética e a moral racionais que Dante identificava nos dez livros da Ética a Nicômaco. Virgílio, como Aristóteles, simboliza toda a enciclopédia do saber humano. Mas, com mais entusiasmo que Aristóteles e com menos prudência e sobriedade que ele, a disciplina de Virgílio deverá orientar Dante para um pensamento religioso que, ultrapassando Aristóteles, se aproxima de Platão, Agostinho, São Bernardo, e constitui uma primeira teologia mística. Mas Virgílio não é apenas o guia de um pensamento especulativo e religioso que procura seu caminho. Ele também representa, na Commedia, a mais alta nobreza humana. Era natural e necessário que um romano fosse escolhido ao invés de um heleno para personificar o tipo ideal de humanidade. Virgílio de fato é o grande poeta do Império Romano, e toda a grandeza do Império e majestade de Roma sua Eneida revela para a eternidade. Contemporâneo do Império fabuloso que Aristóteles não podia sequer pressentir, anunciador do Império sem limites e sem termo que o Destino e a História (quer dizer, Deus) asseguram à Roma, Virgílio é efetivamente o promotor de um conhecimento que ultrapassa o de Aristóteles. Dessa forma, é sob a condução de Virgílio que Dante cruzará Inferno e Purgatório. E sem demora inicia-se sua viagem. O Inferno, onde os dois então adentram, é formado por uma enorme cratera, escavada até as profundezas do globo terrestre na queda do corpo do Anjo rebelde expulso do Paraíso. É tendo na lembrança os ódios e querelas que dividem a civitates medievais (sejam comunas, signorie, feudos principescos ou reinos), o que, com a criminosa cumplicidade dos papas, espalha sobre a terra cristã uma sombra mortal, que o Florentino imagina os cruéis castigos do Inferno. Porém, no texto do poema, Dante oferece, à meditação ética e religiosa dos homens, a ruína moral de uma humanidade afastada de Deus, e, salvo algumas almas dolentes ou que permanecem grandes (Francesca de Rimini, Farinata degli Uberti, Brunetto Latini e Pier della Vigna), despida de toda nobreza humana. Em toda essa trajetória o saber antigo mantém sua importância. Aristóteles permanece sempre presente. Sua filosofia, física, ética e política jamais deixaram ou deixarão de esclarecer o espírito humano. São os próprios livros de Aristóteles que embasam Virgílio na instrução de um Dante ainda hesitante. Mas também é a humanidade, a direitura, a meiguice e

4 logicamente a nobreza de Virgílio, que o instruem na gradual reconquista de seu livre arbítrio sobre as potências das trevas.1 Enfim, tudo o que Dante, excetuando-se os meandros da revelação cristã, pode apreender do homem e do mundo, lhe vem da ciência e sabedoria antigas, ou seja, basicamente de Aristóteles e Virgílio. Todo um saber que a Revelação não contradiz, ao contrário, que ela somente exalta e coroa. O ponto culminante da viagem de Dante pelo Inferno encontra-se, no canto XXXIV, na hipergigantesca figura de Lúcifer, que surge do gelo, no centro da terra, agitando um gélido vento, com suas seis enormes asas de morcego e mastigando, em cada uma de suas três bocas, um pecador. Objeto de horror e de assombro, que representa a negação de todo Bem, certamente pelo seu ódio a Deus e à Criação; mas também pelo seu ódio pelos homens, pelo espírito e pensamento humanos; e, finalmente, também pela tristeza mortal de seu próprio semblante: irrisão da Trindade e de seu esplendor. Saídos do centro do Inferno, e do da Terra, por um longo e sinuoso caminho subterrâneo, acompanhando a contracorrente de um arroio, Dante e Virgílio chegam à praia do Purgatório. A partir de então, desde o primeiro canto, o Purgatorio tem por tema o poder purificador e regenerador da Filosofia Moral e da Virtude Cívica. O guardião que vigia a entrada do Antepurgatório é um velho homem solitário, o famoso legista da república romana Catão d´Utica, visto por Dante como uma espécie de filósofo-herói, que se suicidou pela liberdade política, que preferiu se matar a perder a liberdade quando César assumiu o poder. Ou seja, na visão de Dante, ele acabou perdoado por ter cometido um sacrifício supremo à liberdade (sacrifício, aliás, análogo ao dos grandes cidadãos que tinham se entregado a morte para obter das potências divinas a vitória das armas romanas). Ele é assim quase idêntico à própria liberdade filosófico-intelectual. Ele personifica, para Dante, as quatro virtudes cardeais ou filosóficas. É por isso que dos traços de Catão irradia a luz das quatro estrelas santas, as quatro estrelas que não foram jamais observadas a não ser pelos primeiros habitantes da Terra. Tratase provavelmente do Cruzeiro do Sul, que pertencia ao mundo, julgado inabitado, atrás do Sol, do hemisfério sul. De um ponto do monte Éden, os quatro astros tinham sido vistos por Adão e Eva, mas, depois da queda do casal, eles desapareceram aos olhos humanos. Por

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Com efeito, tal reconquista é um processo lento, iniciado já no Inferno, mas somente finalizado no cume do monte do Purgatório quando Dante, atravessando as chamas purificadoras, adentra ao Paraíso Terrestre.

5 conseguinte, Dante pretendia ser o primeiro homem vivo a ter revisto a cruz das quatro virtudes intelectuais para, embuído dela, poder alcançar a perfeição e a beatitude terrestres. Os exames pelos quais passa nosso poeta, que começam quando ele entra no Purgatório mesmo, e que correspondem a sua ascensão pelo monte do Purgatório, ao cume do qual está situado o Paraíso Terrestre, são simbolizados pelos sete P tracejados por um anjo (com a ponta de sua espada) na face de nosso poeta. Eles equivalem aos sete peccata (na realidade os sete vícios morais), dos quais Dante devia se liberar, um por um, ao curso de sua ascensão pelas encostas do monte do Purgatório. O último P foi apagado da fronte de Dante por um anjo que se dirigia ao exterior do muro de chamas que, desde a queda do homem, cercava o jardim do Éden, e que agora era apenas o que separava Dante da beatitude do paraíso terrestre, a beatitude filosófica, o primeiro dos dois fins últimos a que o homem deve alcançar. Conseqüentemente, o último "exame" precedeu imediatamente a travessia de Dante através das chamas celestes, cujo ardor significava queimadura e lustração, mas não a morte. Por fim, como um homem purificado pelo fogo, o poeta entra finalmente nos jardins do Éden que tinham sido interditados a Adão pelo querubim de espada incandescente. Assim a natura sincera e buona do homem havia sido reconquistada, reconquistada pela sabedoria humana e pelas virtudes cardeais. Tais passagens equivalem, segundo Kantorowicz, a um batismo intelectual apenas em aparência. Para ele, significam de fato a purificação do homem em um sentido filosófico e não teológico-sacramental, mas isto, de certa maneira, equivale aos efeitos do sacramento do batismo: “tanto quanto o neófita, após seu catecumenato, emerge das fontes batismais como renascido e liberado do pecado original”,2 Dante emerge do Purgatório como um ser novo, semelhante a Adão antes da Queda. (KANTOROWICZ, 1989: 350 e 351). Mas Kantorowicz prossegue, salientando que as conseqüências do pecado original, na medida em que elas significavam a perda da dignidade humana de Adão, a perda de seu julgamento natural e de sua liberdade interior e exterior, foram então anuladas.3 O foram sem 2

Naturalmente há aqui um equívoco com relação ao real sentido teológico do batismo. Com efeito, tal sacramento não tem o poder de liberar ninguém do pecado original. O batismo apenas justifica o homem. Ele transforma o homem de pecador, de velho Adão, velho homem, em justo, novo Adão, homem novo, recuperando assim a imago Dei no homem. O cristão pela regeneração do batismo se acha justificado, mas ainda é pecador: o justus simul pecator de São Paulo aos romanos. 3 Agora ele é bem mais preciso. O que o batismo anula não é o pecado original em si, mas as suas conseqüências, realmente toda a indignidade e todas as privações que lhe estão relacionadas, justificando o homem e, assim, recuperando nele a imagem de Deus como dissemos.

6 a intervenção da Igreja e dos sacramentos, sem a intervenção de qualquer princípio santo, quando Dante atravessa as chamas (KANTOROWICZ, 1989: 353). Augustin Renaudet pensa diferente. Para ele, a óptica destas passagens e de resto de todo o Purgatorio tem dois aspectos fundamentais: se apresenta verdadeiramente como um sacramento cristão e não apenas numa aparência deste; marca a santidade já da primeira das beatitudes. A própria presença de Catão d'Utica sobre a praia da ilha da purificação, como guardião das almas penitentes, significa a reconciliação da santidade estóica de Roma com a santidade do Evangelho, para a alforria do livre arbítrio humano e a reconquista dessa liberdade cristã que Dante estava procurando. Renaudet atesta que tal libertação se cumpre, realmente, segundo as normas de um sacramento cristão. Dante se apresenta ao anjo que guarda a entrada do Purgatório como o penitente perante o confessor. Ele se encontra, de círculo em círculo, associado pela caridade as provas de uma humanidade simultaneamente melancólica, afetuosa e fraterna. Ele se deixa "morder" pelas chamas onde se expurgam as almas voluptuosas. De círculo em círculo, um anjo tem, de uma batida de asa, apagado de sua fronte os estigmas do pecado; por fim, as chamas completam sua purificação. A missão de Virgílio acha-se concluída, o livre arbítrio de seu aluno retornou inteiro e santo (RENAUDET, 1952: 509 e 510/ 543 e 544). Desnecessário dizer que concordamos plenamente com Renaudet. Vimos então como, através do Inferno e do Purgatório, Virgílio instrui e protegeu Dante. Ele guiou sua marcha incerta, seu esforço, sua esperança. Ele lhe fez sentir a baixeza e a maldade que destroem no homem a mais bela nobreza do seu ser. Fez-lhe igualmente provar do benefício da penitência que restabelece essa nobreza. Ao mesmo tempo Virgílio, agora instruído com a Revelação, lhe ensinou os princípios da justiça divina. Guiado por Virgílio, e embuído das quatro virtudes filosóficas irrradiadas de Catão, Dante saiu vitorioso mesmo nas provas do monte do Purgatório e, assim, pode atravessar as chamas celestes e ingressar no Paraíso Terrestre. As chamas em si cumprem a etapa final de todo o processo, representam a recompensa divina: o dom, dado por Deus, da verdadeira nobreza humana. Dom este a que Dante se fez merecedor por sua ascensão filosófica e que corresponde à beatitude terrestre ou filosófica ou natural. É necessário, no entanto, que o ideal de humanidade perfeita segundo a natureza seja coroado pela humanidade perfeita de acordo com a graça. Ou seja, uma vez construída a primeira das perfeições ou santidades, a beatitude terrestre ou filosófica, era preciso uma nova

7 ascensão, exato para se poder almejar a segunda. Essa nova escalada deverá, no entanto, trilhar um caminho teológico, sendo marcada por novas virtudes. Se a segunda for igualmente bem sucedida, Dante terá direito a um novo dom divino, a beatitude celeste ou eterna ou espiritual ou teológica, ficando pronto a fluir de Deus. Assim, Virgílio, que ultrapassou Aristóteles, deve ele mesmo ser ultrapassado. Virgílio, apesar de toda sua nobreza e sabedoria, sempre permaneceu fiel às divindades ilusórias de Roma. Tal nobreza e tal sabedoria, ainda que tivessem ultrapassado as de Aristóteles, eram apenas as de uma humanidade perfeita segundo a natureza, as de um humanismo que permanecia humano. Nem a ética aristotélica ou o entusiasmo racionalista de Aristóteles, nem a espiritualidade de Virgílio serão mais suficientes. Uma vez Dante liberado das conseqüências do pecado, plenamente justificado, instruído da justiça divina, tendo enfim alcançado a beatitude terrestre, o papel de Virgílio termina. Ele não lhe pode ensinar mais nada porque não discerne nenhuma outra luz. Assim ele vai desaparecer. Beatriz assume o comando da alma que aspira agora à verdade suprema. Mas isso é a trajetória do Paradiso, que será estudada em artigo futuro. Podemos por hora observar apenas as mutações da alma dantesca ao longo de Inferno e Purgatorio. Durante o Inferno sua sensibilidade achava-se virada para o trágico e o horror, para contemplar e descrever as dores físicas e os sofrimentos morais. Ele sentia apenas ódio e desprezo pela maior parte daqueles pecadores, dos quais alguns, sem dúvida os piores, tinham, sob seus olhos, semeado o mal entre os homens, pervertido a sociedade cristã e a Igreja-instituição, traído a palavra de Cristo. Assim o Inferno é todo dominado por uma questão mais específica: um ódio sem dúvida também pessoal e pessoal em duplo sentido. Pela idéia do pecado e do castigo, da desordem e da iniqüidade que se abateram sobre todo o gênero humano. Mas onde Dante, que é igualmente um pecador, sofreu pessoalmente com todo esse mal. Tanto é assim que o Florentino, ao longo dos castigos cruéis que descreve, deixa transparecer claramente o prazer que com isso sente. No Purgatorio, o sofrimento tem ainda um largo espaço: as almas penitentes sofrem provas terríveis, a cólera e a inventiva não estão ausentes. Mas, gradualmente, o ódio e o desprezo cedem lugar à compaixão, a um sentimento afetuoso de fraternidade cristã e de caridade. Mas também agora seu espírito é atraído para um problema bem mais amplo do que o que marcou o Inferno. Toda uma crítica da sociedade humana, de seu governo espiritual e

8 temporal, todo um vasto projeto de reforma cristã então se desenvolve e se completa. Aqui, os debates que ocupam a inteligência de Dante são essencialmente morais, sociais e políticos. É porque ele só pode conceber uma ordem de mundo segundo o ideal cristão e sob o controle moral e religioso da Igreja, que seu pensamento e esperança se convertem vigorosamente para uma reforma da sociedade humana guiada por uma Igreja-instituição igualmente reformada. Com efeito, o grande tema da Commedia é a reformatio/renovatio da Igreja, entendida em sua dupla dimensão, eclesiástica e eclesial. Reforma, portanto, da Igreja-instituição que é a sua renovação pela recuperação da pureza evangélica. Igualmente a reforma da Christianitas. Reforma de Florença, o que também é uma renovação pela recuperação, a de um tempo simples e puro, onde os Grandes dominavam, sem adversários, a cidade. Reforma das demais repúblicas, signorie, feudos e Estados monárquicos, da Cristandade inteira, o que, mais uma vez, corresponde a uma renovação por recuperação, agora a um duplo renovatio: a) a da justiça e da paz do Império Romano, condição necessária à felicidade terrena; b) a da pureza e dignidade do primeiro homem (de Adão antes da Queda), base e propileu fundamental da felicidade eterna. Deixa inclusive, meio em suspenso, a extensão do processo a toda a Humanitas. No entanto, se no Inferno e no Purgatorio Dante ainda contava com uma ação humana para tanto. Naturalmente como uma ação imperial. Com a morte do imperador Henrique VII (1313), suas esperanças nesse sentido desfizeram-se completamente. No Paradiso, ele atribuirá tal projeto apenas a Deus. Mas, com isto, o atribuirá de certa forma a si mesmo. Ele, ao longo do Paradiso conquistará a beatitude filosófica e concluirá sua União Mística. Com isto, naturalmente, não chegará a ser igual a Deus, mas ao menos sua vontade estará perfeitamente harmonizada a Dele. Tal harmonia, representando sim uma nova sabedoria e uma nova potência, a maior das sabedorias que gera a maior das potências, lhe conferirá, como homem-deitas, o poder de intervir sobre a terra em favor da vitória final da fé e caridade cristãs, e assim contribuir na fundação da Roma Santa. Referências Bibliográficas: Fonte: DANTE ALIGHIERI. A Divina Comédia. Vol. I: Inferno. Vol. II: Purgatório. Tradução e Notas de Italo Eugenio Mauro. São Paulo: Editora 34, 1999.

9 Bibliografia: KANTAROWICZ, Ernst. Les Deux Corps du Roi. Paris: Gallimard, 1989. NARDI, B. Dante e la Cultura Medievale: Nuovi Saggi de Filosofia Dantesca. Bari, 1942. RENAUDET, Augustin. Dante Humaniste. Paris: Les Belles Lettres, 1952.

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