O SER HISTORIADOR ONTEM, HOJE E AMANHÃ: ÉTICA E HISTÓRIA, UM MAPEAMENTO A SER TRABALHADO

June 1, 2017 | Autor: Evandro Santos | Categoria: Ethics, History of Historiography
Share Embed


Descrição do Produto

O SER HISTORIADOR ONTEM, HOJE E AMANHÃ: ÉTICA E HISTÓRIA, UM MAPEAMENTO A SER TRABALHADO Evandro Santos Doutorando no PPG História UFRGS [email protected]

Resumo: A questão ética na produção do conhecimento histórico, tal como a demarcação do que se costuma designar como características morais nos estudos de historiadores, exige um exame mais atento no intuito de ultrapassar tanto um enfoque recorrentemente conjuntural – o que ocorre com frequência – como uma visão que naturaliza e despreza as diversas faces desses problemas implicados aos sujeitos dedicados ao ofício e presentes em determinados pontos de suas análises. Por exemplo, as muitas noções de história de um mesmo período, os diferentes gêneros de argumentos expostos nos textos, além de debates caros à história disciplinada como o estabelecimento das concepções de prova e verdade. Desse modo, este trabalho tem por objetivo apresentar reflexões preliminares acerca do assunto supracitado, destacando-se que o recorte espaço-temporal situa-se no Brasil do século XIX, momento em que são lançados os primeiros acordos na tentativa de delimitar as abrangências do saber histórico e o caráter de seu executor. Palavras-chave: ética; historiografia; Brasil oitocentista

Introdução As considerações apresentadas ao longo deste trabalho correspondem às análises preliminares oriundas da elaboração e da primeira fase (em desenvolvimento) do projeto de pesquisa de doutoramento intitulado Um estudo da biografia de Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878) como exame da ética historiográfica no Brasil do século XIX, orientado pelo professor Temístocles Cezar. O escopo geral do estudo tange ao esforço de mapeamento das noções morais demarcadas no vasto conjunto de textos assinados por Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878), mais importante historiador nascido

no Brasil do século XIX.1 Trata-se de uma investigação que se insere no campo da história da historiografia, em um exercício no sentido de formular questões, por assim dizer, historiográficas, intentando, contudo, não converter-se em uma leitura reducionista (NICOLAZZI e ARAÚJO, 2008, p. 11). Neste sentido, sugere-se que as diversas concepções passíveis de serem examinadas acerca do tema ético e seus contatos com a escrita da história, longe de serem investigadas por meio de noções ahistóricas ou universais, sejam trabalhadas a partir de problemáticas pertinentes àquele campo. Ao contrário do que pode sugerir o título da presente comunicação, o problema de pesquisa geral apresenta-se estritamente como se segue: como, a partir de um estudo biográfico dedicado a Varnhagen, torna-se possível inventariar noções éticas do ofício histórico no Brasil do século XIX, período em que a história busca fundar-se como disciplina científica? Ou seja, há um recorte espaço-temporal que, embora não deva ser visto como estanque, delimita e situa a interrogação da qual se parte. A relevância contemporânea da pesquisa do gênero biográfico no que toca à história e a outras áreas como à sociologia, à antropologia, à crítica literária e à psicologia – apenas para citar as mais evidentes – já foi justificada e exposta por importantes estudiosos em diversos momentos. No campo do conhecimento histórico dos últimos trinta anos – trata-se de uma datação aproximada – há um acordo, sob perspectivas ao mesmo tempo diversas e correlatas, de que a biografia constitui um assunto que diz respeito à grande maioria das reformulações recentes no ofício histórico, atinge diretamente a reflexão sobre as relações entre o historiador e sua produção (também referentes àquelas alterações) e configura espaço privilegiado para problemas de ordem teórica e temática (HARTOG, 2005, p. 231; POPKIN, 1996, p. 1140; SCHMIDT, 2006, p. 62; LEVI, 1996, p. 168). O aspecto ético no interior da disciplina histórica relaciona-se de certa forma com assuntos semelhantes àqueles levantados pela investigação biográfica. Além disso, pode-se dizer que o contato entre a moral e a biografia é, para além das problematizações contemporâneas concernentes às narrativas de vidas, tão antigo

1

Neste trabalho, tal como em boa parte dos textos referentes ao assunto consultados até o momento, os termos “ética” e “moral” são utilizados como sinônimos, mencionando-se, de qualquer modo, suas peculiaridades semânticas: de um lado a origem grega do primeiro termo e, de outro, a latina do segundo.

quanto o gênero narrativo ora comentado e que, no século XIX (inclusive no Brasil), ganhará nuances particulares com o movimento disciplinar anteriormente mencionado (HARTOG, 2005, p. 99-147; OLIVEIRA, 2009, p. 34-83). Destacadas estas correlações gerais, a seguir, algumas reflexões mais fortemente vinculadas ao exame de formulações éticas para o ofício do historiador (demarcadas no interior do discurso por este produzido) serão expostas no intuito de situar entradas teóricas e metodológicas do projeto de pesquisa em desenvolvimento. Três aspectos do problema ético e a escrita da história: o particular e o geral, a “simultaneidade de tudo” e as exigências transdisciplinares de análise O primeiro esforço em qualquer exame historiográfico da ética consiste em mapear a longa duração da discussão em meio às variadas menções – em geral isoladas e pouco desenvolvidas – do problema. Não há como ignorar as definições fundadoras produzidas pelos antigos e que resistiram à passagem do tempo. A especificidade da ética no projeto aristotélico, por exemplo, demarca outro aspecto do debate central à teoria da história ainda hoje, se for considerada, como sublinha Priscilla Spinelli, a íntima ligação entre a Ética, a Política e a Retórica (2010). Trata o referido debate fundamental da superioridade atribuída por Aristóteles, na Poética, à poesia trágica frente à história (CEZAR, 2007, p. 307). Cabe citar uma passagem dessa obra em que se evidencia a relação que se busca aqui estabelecer: Sobre a arte narrativa e imitativa e metros, é evidente que é preciso compor mitos dramáticos, como nas tragédias, sobre uma única ação inteira e completa, que tenha princípio, meio e fim, para que, como um ser vivo único e completo, produza o prazer que lhe é próprio. Também as composições não são semelhantes às histórias, em que necessariamente se expõe não uma única ação, mas um único tempo – tudo o que nele ocorreu a um ou a muitos, cada coisa mantendo com as outras uma relação casual. Com efeito, assim como a batalha naval de Salamida e o combate dos cartagineses na Sicília aconteceram na mesma época sem tender para o mesmo fim, também em épocas sucessivas às vezes acontece um fato após outro, sem que visem a um único fim. Mas a quase totalidade dos poetas faz isso

apud HARTOG, 2001, p. 109).

(ARISTÓTELES

Carlo Ginzburg, envolvido em uma querela com marcas, por coincidência, igualmente morais, considerou deslocar a discussão sobre o estatuto da história em Aristóteles da Poética à Retórica (2002, p. 47-63). Contudo, tendo em vista o excerto acima, é possível afirmar que os paralelos possíveis entre as dimensões éticas e, com o devido cuidado, históricas dos registros do estagirita não permitem que se compartimente as considerações presentes em ambas. Destaca-se o cuidado com as suposições acerca da noção de história em Aristóteles pela reduzida importância que o saber histórico tinha à sua época (HARTOG, 2001, p. 107). A questão que garantiria a superioridade da poesia reside na sua capacidade de representar uma “única ação inteira e completa, que tenha princípio, meio e fim”, enquanto à história restava expor “não uma única ação, mas um único tempo”, que pressupõe ligações causais, sem, entretanto, construir as articulações poéticas de interesse geral. O que foi dito até agora buscou explicitar que o dilema das ações individuais, explorado por Aristóteles na Ética Nicomaquéia, estava profundamente conectado ao seu contexto e á sua visão política do mundo grego em todas as peculiaridades há muito examinadas por filósofos e historiadores. Todavia, quando este tópico atinge a esfera da representação, e de uma representação deslocada no tempo, passa a interessar à teoria da história. Entre antigos e modernos, tanto a relevância do conhecimento histórico como as chamadas ciências morais variaram com certa intensidade. O que permanece desde Aristóteles – com diversas quebras, importante recordar – é a discussão acerca da temporalidade e o aspecto moral da história. Mesmo antes dele, para ajuda dos historiadores modernos, Heródoto e Tucídides já levantariam as características do tempo e seus limites e, depois, aí não somente para os historiadores modernos mas para outros profissionais, Cícero faria a ligação entre história e retórica e, junto de nomes anteriores a ele (inclusive Tucídides), imprimiria as conotações morais evidentes que a história como lux veritatis e magistra vitae viria a assumir até o século XIX (HARTOG, 1998, p. 197; MOMIGLIANO, 2004, p. 53-83). Esta última datação também é aproximada e merece ser matizada. Há opiniões discordantes nas reflexões de historiadores no que diz respeito à marcação da moderna concepção de história, examinada, para o caso alemão, por Reinhart Koselleck (2004).

O conceito moderno de história como um “singular coletivo” (noção formulada por Koselleck) foi analisado também por Hannah Arendt: Na época moderna a História emergiu como algo que jamais fora antes. Ela não mais compôs-se dos feitos e sofrimentos dos homens, e não contou mais a estória de eventos que afetaram a vida dos homens; tornou-se um processo feito pelo homem, o único processo global cuja existência se deveu exclusivamente à raça humana. Hoje, esta qualidade que distinguia a História da Natureza é também coisa do passado (2003, p. 89).

O sentido polissêmico e a ideia de que havia diversas histórias a serem contadas foram pouco a pouco substituídos por uma noção de “sentido”, a história moderna viria a ser resultado de um processo. Fruto do amplo desenvolvimento das filosofias da história desde meados do século XVIII, o preceito de processo histórico guarda profundas ligações morais com concepções temporais muito anteriores às mencionadas filosofias (CATROGA, 2003). Entretanto, o que interessa destacar são as conexões entre as noções antiga e moderna de história no intuito de perceber as características morais variadas que atravessaram este momento e que, por hipótese, podem auxiliar na compreensão do lugar de destaque que a história ganhou ao longo do século XIX. As articulações entre o particular e o geral foram rearranjadas e, por isso, como corretamente observa Arendt: “Em qualquer consideração do conceito moderno de História um dos problemas cruciais é explicar seu súbito aparecimento durante o último terço do século XVIII e o concomitante declínio do interesse no pensamento puramente político” (2003, p. 111). Paul Veyne não tem dúvidas em afirmar a próxima associação entre história e moral ao longo da constituição do que chamamos “nossa” modernidade, como analisou Paul Ricoeur a partir da definição Jauss (RICOEUR, 2007, p. 320-329). Sem comprometer seu estatuto científico (“a História é congenitamente científica, não pode ser erudição inocente”), o saber histórico é assim explicitado pelo historiador: “A História pode ser definida como o inventário explicativo não dos homens ou das sociedades, mas daquilo que há de social no homem, ou, mais precisamente, das diferenças manifestadas por este aspecto social” (VEYNE, 1983, p. 46-47). Veyne vai

mais adiante e, ao criticar os significados pré-concebidos de individual e geral, diz o seguinte: Tratando-se de fenômenos, espécies ou acontecimentos, a questão é a mesma, e parece atual: o individual é o quê? Será a queda dos corpos e o casamento sob Luís XIV, ou a queda de cada um dos corpos e o casamento um a um? Problema capital para a epistemologia (“a Ciência é apenas do geral”) e para o estatuto da História, desde que esta última deixe de se tomar pelo relato da evolução dos povos ou das civilizações e se aceite como aplicação das Ciências Morais (1983, p. 55).

A crítica do francês, de fato, direciona-se à noção de processo (e progresso) e ao pressuposto dos períodos definidos que delimitou a escrita da história após sua disciplinarização. Ademais, a apreensão da história como aplicação das ciências morais apresenta uma visão da escrita da história ainda muito similar à antiga noção, própria dos antigos (historia magistra vitae). Desse modo, a manutenção da história como campo de conhecimento ligado às ciências morais e à política é a conclusão de Veyne (1983, p. 54). Recentemente Paulo Knauss buscou caracterizar a escrita da história como um “fato moral”, investigando as particularidades tanto da figura do historiador (antiga e moderna) como dos usos feitos de sua produção. É na conscientização da dimensão moral do próprio processo de construção do conhecimento que Knauss expõe seu olhar sobre o problema: A própria condição do profissional de História é interrogada pelo seu posicionamento moral no espaço público. Portanto, a relação entre ética e conhecimento aponta para uma das dimensões que constitui um ethos particular em que os pares se reconhecem. Em seu desdobramento, a indagação moral se interessa pela inserção social do conhecimento histórico – questão sempre atual, pois se trata de definir e justificar de que modo o conhecimento histórico participa da vida social. Mas são os valores morais da História que afirmam a comunidade e os sujeitos do conhecimento histórico (2008, p. 146).

Agora que já se conta com alguns elementos pertinentes à assimilação das relações entre ética, o particular e o geral na historiografia, uma das entradas possíveis ao exame da moral nesta, pode-se retornar ao estudo da temporalidade e da ação que a

prática historiográfica é capaz de registrar. Indo do particular ao geral, o ensaio de Koselleck sobre as trocas mútuas entre experiências e métodos históricos continua sendo uma importante contribuição no esforço de entendimento das temporalidades com as quais opera o historiador (2001, p. 43-92). Tal como afirma o historiador alemão, “a separação formulada a partir de Heródoto e Tucídides entre acontecimentos únicos e suas condições duradouras constitui uma constante antropológica de todo método” (2001, p. 61).2 A história aciona, ainda segundo Koselleck, temporalidades tripartidas e mútuas, uma mescla de experiências primeiras (vividas como únicas, o presente em si), as motivações conjunturais de médio prazo (de uma geração que continua as experiências primárias) e as justificativas de longo prazo (que tendem a reescrever a experiência, realocando-as). A dimensão eminentemente ética da historiografia talvez resida justamente na seleção feita quando do trabalho com as três faces da temporalidade das quais fala Koselleck. Diante da “simultaneidade de tudo”, os historiadores elegem formas de relacionamento com o tempo que implicam em acentos escolhidos em uma infinidade de possibilidades de se escrever a história. Ao refletir sobre o papel do romancista e a função moral de seu trabalho na sociedade, Susan Sontag sintetizou, em alguma medida, a ideia que se pretende ora desenvolver: Quando fazemos juízos morais, não estamos apenas dizendo que isso é melhor do que aquilo. De um modo até mais fundamental, estamos dizendo que isso é mais importante do que aquilo. É ordenar a avassaladora dispersão e simultaneidade de tudo, ao preço de ignorar ou dar as costas para a maior parte daquilo que acontece no mundo. A natureza dos juízos morais depende da nossa capacidade de prestar atenção – uma capacidade que, inevitavelmente, tem seus limites, mas que podem ser estendidos. Porém talvez o começo da sabedoria, e da humildade, seja baixar a cabeça e reconhecer a idéia, a devastadora idéia, da simultaneidade e tudo, e reconhecer a incapacidade do nosso entendimento moral – que é também o entendimento do romancista – de aceitar isso (2008, p. 235-236).

De acordo com a intelectual norte-americana, o romance oferece (tal como as poesias trágicas definidas por Aristóteles) uma noção de projeto, com começo, meio e fim, que 2

Tradução do espanhol de minha responsabilidade.

estabelece um pacto entre o autor e seus leitores, acordo mútuo de que uma idéia (entre muitas) será apresentada, desenvolvida e levará a uma conclusão. O texto de Sontag trata-se de uma conferência proferida em 2004. É interessante observar que, no ano de 1932, Paul Valéry em um Discurso sobre a história, diria algo significativamente semelhante: Todo mundo concorda que Luís XIV morreu em 1715. Mas em 1715 passouse uma infinidade de outras coisas observáveis que tornaria necessária uma infinidade de palavras, de livros e mesmo de bibliotecas para conservá-las por escrito. É preciso, portanto, escolher, ou seja, convencionar não apenas a existência como também a importância do fato; e essa convenção é vital. A convenção de existência significa que os homens só podem crer no que lhes parece menos afetado pelo humano, e que consideram este acordo como muito improvável para eliminar suas personalidades, seus instintos seus interesses, sua visão singular, fontes de erro e forças de falsificação. Mas já que não podemos guardar tudo, e que precisamos retirar do infinito alguns fatos pelo julgamento de sua utilidade posterior relativa, essa decisão sobre a importância introduz de novo e inevitavelmente na obra histórica exatamente aquilo que acabamos de tentar eliminar. Como diria seus colegas da Filosofia, a importância é completamente subjetiva. A importância está para o nosso discernimento assim como o valor dos testemunhos (1991, p. 116117).

Os posicionamentos de Sontag e Valéry, a primeira atenta ao campo literário e o segundo à escrita da história, permitem que se repense o problema da representação do passado e os modelos de simultaneidade como exposto, por exemplo, por Hans Ulrich Gumbrecht, em seu livro Em 1926. Após apresentar sua pesquisa centrada no exame pontual do ano que dá título à sua obra, o historiador situa a discussão de caráter teórico acerca da perda contemporânea do poder persuasivo da história como fonte de aprendizados. Um mundo de simultaneidade é um mundo que não pode se apresentar como um mundo provocado, porque ele não estabelece uma relação de prioridade temporal. Daí a resistência do paradigma histórico-filosófico a situações e modelos de simultaneidade, incluindo a necessidade de dissolver a simultaneidade

(“meramente

cronológica”)

(“filosófica” ou “tipológica”) (1999, p. 469-470).

numa

não-simultaneidade

A hipótese de superação das filosofias da história certamente não dê conta da questão apontada por Gumbrecht. Ela tange a uma série de problemas teóricos e metodológicos que perpassam a história desde Heródoto e Tucídides e que não devem ser simplificados. O que merece ser decalcado de sua elaboração é a constatação, aqui examinada, de que uma teoria da simultaneidade não oferece uma resposta definitiva aos limites da representação do passado, das ações humanas, enfim, do tempo quando narrado. A prioridade temporal, contudo, é atribuída pelos historiadores, seja o acento no presente, no passado ou no futuro. Neste sentido, em entrevista recente, François Hartog, quando indagado acerca da responsabilidade dos historiadores no exercício de relacionar as diferentes dimensões do tempo, especialmente em um regime de historicidade presentista – sua hipótese para explicar a noção de tempo das sociedades ocidentais contemporâneas –, diz concordar com tal atribuição ética de seu ofício, ainda que desconfie, no contexto político atual, do alcance desse esforço (DELACROIX, DOSSE E GARCIA, 2009, p. 148-149). Por fim, o que merece ainda ser sublinhado é a exigência transdisciplinar de qualquer leitura que tenha a ética como centro da análise em história. As diversas áreas das humanidades foram articuladas no sentido de organizar esta primeira ordenação temática proposta para o exame da ética historiográfica no Brasil do século XIX, objeto desta pesquisa. A intenção é aprofundar estes diálogos, não sem o devido cuidado com as pertinências de cada campo de conhecimento, mas, por outro lado, sem as reservas que impossibilitariam o desenrolar do estudo. As verificações de Ângela de Castro Gomes são inspiradoras: Enfim, a História assume um relacionamento mais aberto, mas não desprovido de tensões, com outras disciplinas, especialmente com algumas que se voltam para a subjetividade, a linguagem e o simbólico, por exemplo. Algo que não traz nenhuma maior novidade, pois o próprio fenômeno de constituição das disciplinas como saberes autônomos envolve um processo de afirmação de identidade e, por conseguinte, de demarcação de fronteiras com outras disciplinas, com as quais as relações não são cortadas, mas qualificadas (2009, p. 61).

O desmembramento das problematizações historiográficas, com o acesso aos olhares da filosofia, da sociologia e da literatura, tal qual os casos aqui vistos, pode indicar um caminho. Afinal, talvez seja possível deslocar o problema ético na escrita da história da comum condição de apêndice nos manuais para o campo da teoria e história da historiografia, como já indicam ser o seu possível lugar alguns historiadores citados ao longo deste texto. Referências ARENDT, Hannah. O conceito de história – antigo e moderno, in Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 69-127. CATROGA, Fernando. Caminhos do fim da história. Coimbra: Quarteto, 2003. CEZAR, Temístocles. O poeta e o historiador. Southey e Varnhagen e a experiência historiográfica no Brasil do século XIX. História Unisinos, São Leopoldo, v. 11, n. 3, set./dez. 2007, p. 306-312. DELACROIX, Christian; DOSSE, François et GARCIA, Patrick. Sur la notion de régime d’historicité. Entretien avec François Hartog, in Historicités, Paris: Éditions La Découverte, 2009, p. 133-149. GINZBURG, Carlo. Relações de força. História, retórica, prova. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. GOMES, Ângela de Castro. A República, a história e o IHGB. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2009. GUMBRECHT, Hans Ulrich. Em 1926. Vivendo no limite do tempo. Rio de Janeiro, São Paulo: Editora Record, 1999. HARTOG, François. A arte da narrativa histórica, in BOUTIER, Jean e JULIA, Dominique (orgs.). Passados recompostos: campos e canteiros da história. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ: Ed. FGV, 1998, p. 193-202. HARTOG, François. A historia de Homero a Santo Agostinho. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. HARTOG, François. Évidence de l’histoire. Ce que voient les historiens. Paris: Éditions de l’École des Hautes Études em Sciences Sociales, 2005.

KNAUSS, Paulo. Uma história para o nosso tempo: historiografia como fato moral. História Unisinos, vol. 12, n. 2, maio/agosto, 2008, p. 140-147. KOSELLECK, Reinhart. Cambio de experiencia y cambio de método. Un apunte historico-antropológico, in Los estratos del tiempo. Estudos sobre la historia. Barcelona: Paidós, 2001, p. 43-92. KOSELLECK. Reinhart. historia/Historia. Madrid: Minima Trotta, 2004. LEVI, Giovanni. Usos da biografia, in FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1996, p. 167182. MOMIGLIANO, Arnaldo. As raízes clássicas da historiografia moderna. Bauru, SP: EDUSC, 2004. NICOLAZZI, Fernando e ARAÚJO, Valdei Lopes de. A história da historiografia e a atualidade do historicismo: perspectivas sobre a formação de um campo, in ARAÚJO, Valdei Lopes de (org.). A dinâmica do historicismo: revisitando a historiografia moderna. Belo Horizonte: Argumentvm, 2008, p. 7-14. OLIVEIRA, Maria da Glória de. Escrever vidas, narrar a história. A biografia como problema historiográfico no Brasil oitocentista. Tese de doutorado em história. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. POPKIN, Jeremy. Ego-histoire and beyond: contemporary French historianautobiographers. French Historical Studies, vol. 19, n. 4, Autumn, 1996, p. 1139-1167. RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2007. SCHMIDT, Benito Bisso. Biografias históricas: o que há de novo? in PIRES, Ariel José; GANDRA, Edgar Ávila; COSTA, Flamarion Laba da e SEBRIAN, Raphael Nunes Nicoletti (orgs.). História, linguagens, temas: escrita e ensino da História. Guarapuava: Unicentro, 2006, p. 59-70. SONTAG, Susan. Ao mesmo tempo: o romancista e a discussão moral, in Ao mesmo tempo. Ensaios e discursos. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 220-240. SPINELLI, Priscilla Tesch. Política e conhecimento na Ética Nicomaquéia de Aristóteles. Palestra proferida no IFCH/UFRGS, promovida pelo CADAFI, maio, 2010.

VALÉRY, Paul. Discurso sobre a história, in Variedades. São Paulo: Iluminuras, 1991, p. 115-121. VEYNE, Paul. O inventário das diferenças. História e Sociologia. São Paulo: Brasiliense, 1983.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.