O simbolismo no julgamento constitucional: uma análise do caso Ellwanger

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REFLEXÕES CONTEMPORÂNEAS SOBRE FILOSOFIA, CONSTITUCIONALISMO E DIREITOS HUMANOS FERNANDA BUSANELLO FERREIRA FELIPE MAGALHÃES BAMBIRRA ARNALDO BASTOS SANTOS NETO (ORGANIZADORES)

Prof. Ms. Gil Barreto Ribeiro (PUC GO) Diretor Editorial Presidente do Conselho Editorial Prof. Ms. Cristiano S. Araujo Assessor Engenheira Larissa Rodrigues Ribeiro Pereira Diretora Administrativa Presidente da Editora CONSELHO EDITORIAL Profa. Dra. Solange Martins Oliveira Magalhães (UFG) Profa. Dra. Rosane Castilho (UEG) Profa. Dra. Helenides Mendonça (PUC GO) Prof. Dr. Henryk Siewierski (UNB) Profa. Dra. Irene Dias de Oliveira (PUC GO) Prof. Dr. João Batista Cardoso (UFG) Prof. Dr. Luiz Carlos Santana (UNESP) Profa. Ms. Margareth Leber Macedo (UFT) Profa. Dra. Marilza Vanessa Rosa Suanno (UFG) Prof. Dr. Nivaldo dos Santos (PUC GO) Profa. Dra. Leila Bijos (UCB DF) Prof. Dr. Ricardo Antunes de Sá (UFPR) Profa. Dra. Telma do Nascimento Durães (UFG) Prof. Dr. Francisco Gilson (UFT)

FERNANDA BUSANELLO FERREIRA FELIPE MAGALHÃES BAMBIRRA ARNALDO BASTOS SANTOS NETO (ORGANIZADORES)

REFLEXÕES CONTEMPORÂNEAS SOBRE FILOSOFIA, CONSTITUCIONALISMO E DIREITOS HUMANOS

Goiânia-GO Editora Espaço Acadêmico, 2017

Copyright © 2017 by Fernanda Busanello Ferreira et al Editora Espaço Acadêmico Endereço: Rua do Saveiro, quadra 15 lote 22 casa 2 Jardim Atlântico CEP 74343-510 Goiânia Goiás – CNPJ:21.538.101/0001-90 Contatos: Prof Gil Barreto (62) 81061119 TIM / (62) 85130876 OI Larissa Pereira (62) 82301212 TIM (62) 3922-2276

Capa: O semeador - Van Gogh - 1888 (domínio público) Programação Visual: Marcos Digues

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação R332 Reflexões contemporâneas sobre filosofia, constitucionalismo e direitos humanos. - Fernanda Busanello Ferreira, Felipe Magalhães Bambirra, Arnaldo Bastos Santos Neto (orgs.). – Goiânia: / Editora Espaço Acadêmico 2017

274 p. il. 15x21cm



ISBN:978-85-69818-61-8



1. Direitos humanos. 2. Filosofia. I. Ferreira, Fernanda Busanello (org.). II. Bambirra, Felipe Magalhães (org.). III. Santos Neto, Arnaldo Bastos (org.) . IV. Título. CDU: 342.7

Arielle Lopes de Almeida CRB1/2785 Bibliotecária da PUC Goiás

DIREITOS RESERVADOS É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou por qualquer meio, sem a autorização prévia e por escrito da autora. A violação dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Impresso no Brasil Printed in Brazil 2017

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AUTORES

Adriana Inomata (Universidade Positivo) Mestre em Direitos Fundamentais e Democracia pelas Faculdades Integradas do Brasil (Unibrasil). Professora de Direito Constitucional da Universidade Positivo e da Faculdade Estácio de Sá. Angela Couto Machado Fonseca (UFPR) Professora da UFPR. Doutora em Filosofia do Direito, Mestre em Filosofia, Bacharel em Direito e Bacharel em Filosofia. Candice Martins Bertaso (URI/Santo Ângelo) Mestre em Direito pela Universidade do Alto Uruguai e das Missões (URI/Santo Ângelo). Graduada em Direito pela Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ). Especialista em Direito Civil e os Novos Rumos do Processo Civil pela URI/Santo Ângelo. Publica nesse livro junto à Profa. Dra. Fernanda Busanello Ferreira Carolina Meire de Faria (UFMG) Mestranda em Filosofia (UFMG), advogada, especialista em Direito Constitucional (IDDE). Publica nesse livro junto ao Prof. Dr. Felipe Magalhães Bambirra

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Fabiana de Almeida Maia Santos (UFRJ) Mestra em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Especialista em Gestão de organizações do Terceiro Setor e em Direito Constitucional e Docência em Ensino Superior pela UNESA. Pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas (FGV- Rio) e do grupo Novas Perspectivas em Jurisdição Constitucional – UNESA. Advogada. Publica nesse livro junto ao Prof. Dr. José Ribas Vieira Felipe Magalhães Bambirra (UFG/ALFA) Mestre e Doutor em Direito (UFMG). Pós-doutorando no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos (UFG). Professor na Universidade Federal de Goiás e Faculdades Alves Faria (GO). Fernanda Busanello Ferreira (UFG) Pós-Doutora em Direitos Humanos pelo PPGIDH/UFG. Doutora em Direito pela UFPR. Professora do PPIGDH/UFG e do Curso de Direito da UFG/REJ. Gabriel Lima Marques (UFRJ) Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Pesquisador do Observatório da Justiça Brasileira – OJB, Projeto/CNJ, grupo UFRJ. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES. Advogado. Publica nesse livro junto ao Prof. Dr. José Ribas Vieira Igor Suzano Machado (UFES) Doutor em Sociologia. Professor Adjunto do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo. José Ribas Vieira (UFRJ) Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Montpelier I e Doutor em Direito pela UFRJ. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação

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da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Coordenador do Observatório da Justiça Brasileira – OJB.Liziane Bainy Velasco (FURG) Mestranda em Direito e Justiça Social pela FURB. Foi bolsista de Ensino, Pesquisa, Extensão e Monitoria da FURG, publica nesse livro junto à profa. Dra. Raquel Sparemberger Marilson Santana (UFRJ) Professor Assistente da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro- FND/UFRJ. Doutor em Ciências Sociais pela PUC-RJ. Mestre em Direito e Estado pela UnB. Graduado pela Faculdade de Direito da Bahia (UFBA). Rafael Bezerra de Souza (UFRJ) Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Pesquisador do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições (LETACI/FND/UFRJ). Servidor do Ministério Público do Estado de Pernambuco. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Publica nesse livro junto ao Prof. Dr. José Ribas Vieira Raquel Fabiana Lopes Sparemberger (FURG) Pós-Doutora em Direito pela UFSC, Doutora em Direito pela UFPR, professora adjunta do Programa de Mestrado em Direito e do Curso de Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande-FURG. Professora do Mestrado em Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público- FMP. Professora visitante na FURB-Blumenau. Coordenadora do Grupo de Pesquisa sobre o Constitucionalismo latino-americano e decolonialidade da FURG e do IMIgracidadania da Furg. Professora Pesquisadora do CNPq e FAPERGS. Safira Orçatto Merelles do Prado (Universidade Positivo) Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC PR e em Direito

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Administrativo pelo Instituto Romeu Bacellar. Integrante do Conselho Editorial da Revista Direito do Estado em Debate, da Procuradoria Geral do Estado do Paraná. Integrante do Conselho Editorial da Revista de Direito Administrativo. Professora de Direito Administrativo na graduação do Centro Universitário Internacional - UNINTER. Professora de Direito Constitucional nos cursos de Pós-Graduação da Universidade Positivo. Instrutora de cursos voltados à Administração Pública e advogada administrativista militante. Sérgio Bocayuva Tavares de Oliveira Dias (UFRJ) Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Juiz Federal Substituto na Subseção de Volta Redonda. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Mato Grosso. Publica nesse livro junto ao Prof. Dr. José Ribas Vieira

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APRESENTAÇÃO

“O SEMEADOR”

A

obra de Van Gogh que ilustra a capa deste livro, denominada “O semeador”, é uma das oito releituras, feita pelo gênio pós-impressionista, do quadro homônimo de Jean-François Millet1, precursor do realismo. Um dos motivos para o pintor holandês admirar a obra de Millet, foi por visualizar nela uma imagem de esperança. “O semeador surge no final da série de colheitas e tal como na realidade, ele semeia a terra. Depois dos campos estarem limpos e desocupados ele a ceifa preparando-a para o novo plantio” 2, referem Walther e Metzger a respeito das obras. A pintura faz parte do período em que Van Gogh muda-se para Arles, no sul da França, em 1888, a fim de montar uma casa que abrigaria vários pintores (a casa amarela), o que nunca se concretizou, pois apenas Paul Gauguin mudou-se para o local. O quadro coloca em evidência um sol muito amarelo, incapaz, porém, de clarear a figura do sofrido semeador, o qual pacientemente joga sementes na terra com a esperança de fecundarem. A solidão e isolamento do semeador também chamam a atenção na obra, que ainda retrata o homem como um ser inserido na natureza, dela fazendo parte. Cada um dos autores desse livro, igualmente, vem semeando seus trabalhos com a esperança de acolhida em terreno fértil. Queremos destacar que o leitor também poderá encontrar aproximações da obra de 1

BRIAN, Petrie. Obras Primas de Van Gogh. Lisboa, Verbo, 1974, p. 17.

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WALTHER, Ingo F.; METZGER, Rainer. Vincent Van Gogh: obra completa de pintura. Trad. Sandra de Oliveira. Lisboa:Taschen, 1996, p. 360.

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Van Gogh com os textos selecionados. Que eles iluminem, de alguma maneira, campos fecundos e permitam mais semeadores plantar, nos mais diversos solos, e cresçam cheios de vida brotos advindos das reflexões sobre filosofia, constitucionalismo e direitos humanos que apresentamos nesse modesto livro. Não podemos, por fim, deixar de referir e agradecer àqueles que “limparam o terreno” para que esse livro se desenvolvesse. Foi de fundamental importância a ajuda dos bolsistas Júlio César Bellini (PIBIC) e Roniel Paniago Lima (PIVIC) do Grupo de Pesquisa Fundamentos do Direito, da UFG/Jataí. Nossos agradecimentos a todos os autores que, como nós, visualizam, nos campos de conhecimentos que permeiam o livro, um raio de esperança, tal qual o que motivou Van Gogh ao produzir as releituras do semeador. Que plantios vindouros renovem estes ideais. Os organizadores

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SUMÁRIO

15 PREFÁCIO INDICADORES DA TRAJETÓRIA DA CONSTRUÇÃO DO BINÔMIO DIREITOS HUMANOS E CONSTITUCIONALISMO: ENTRE THEMIS E ADRASTÉIA Alexandre Walmott Borges 21 39

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VITA ACTIVA, AÇÃO E SUA RELAÇÃO COM A PHRONESIS: UMA LEITURA DE HANNAH ARENDT E ARISTÓTELES Angela Couto Machado Fonseca LÓGICA, REALIDADE E HISTÓRIA: REFLEXÕES SOBRE O DIREITO E OS DIREITOS HUMANOS A PARTIR DA FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL Felipe Magalhães Bambirra A GROTESCA VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS NA MODERNIDADE E A MEDIAÇÃO COMO DIREITO DO FUTURO: IN MEMORIAM A LUIS ALBERTO WARAT Fernanda Busanello Ferreira Candice Nunes Bertaso

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DISPUTAS POLÍTICAS, AÇÕES JUDICIAIS E DIREITOS HUMANOS SOB A ÓTICA DA FILOSOFIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA: A TEORIA E A PRÁTICA DA IDEIA DE JUSTIÇA NO BRASIL Igor Suzano Machado

105 NEPOTISMO NO BRASIL: ANÁLISE CRÍTICA DA SÚMULA VINCULANTE Nº 13 À LUZ DA TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Adriana Inomata 137 IMPASSES E ALTERNATIVAS EM 200 ANOS DE CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO José Ribas Vieira Fabiana de Almeida Maia Santos Gabriel Lima Marques Rafael Bezerra de Souza Sérgio Bocayuva Tavares de Oliveira Dias 163 O SIMBOLISMO NO JULGAMENTO CONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE DO CASO ELLWANGER Carolina Meire de Faria Felipe Magalhães Bambirra 187 CONCEPÇÕES DE CIDADANIA E TENSÕES CONTEMPORÂNEAS ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO: UMA INTRODUÇÃO À TEMÁTICA Fernanda Busanello Ferreira 223 A CIDADANIA NA AMÉRICA LATINA: UM OLHAR PARA AS NOVAS PRÁTICAS EMANCIPATÓRIAS Liziane Bainy Velasco Raquel Fabiana Lopes Sparemberger

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245 A TOMADA DE CONSCIÊNCIA DAS VÍTIMAS NA AMÉRICA LATINA: DO DESCOBRIMENTO AO NEOLIBERALISMO. Safira Orçatto Merelles do Prado 259 O DIREITO DOS QUILOMBOLAS, ETNICIDADE E O CONSTITUCIONALISMO EM UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Marilson Santana

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O SIMBOLISMO NO JULGAMENTO CONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE DO CASO ELLWANGER Felipe Magalhães Bambirra1 Carolina Meire de Faria2 1. INTRODUÇÃO A lei pode ser entendida como símbolo, elemento capaz de mediar a relação entre sujeito e realidade, linguagem que é, e figura ao lado da religião, da moral, dos costumes, dentre outros âmbitos dos quais emerge normatividade, como parte incindível do ethos e da cultura3. O que se almeja, neste trabalho, é elaborar um discurso racional sobre este espaço simbólico4, tendo em vista especificamente os aspectos funcionais da norma jurídica. A partir dos estudos de Kindermann e Neves, pretende-se precisar determinadas funções simbólicas que a norma pode exercer, para além de sua função jurídica, seja no momento de elaboração legal ou 1

Mestre e Doutor em Direito (UFMG). Professor no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos (UFG) e nas Faculdades Alves Faria (GO). E-mail: fmbambirra@ gmail.com.

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Advogada, especialista em Direito Constitucional (IDDE), mestranda em Filosofia (UFMG). E-mail: [email protected].

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“Afirmar que o ethos é co-extensivo à cultura significa afirmar a natureza essencialmente axiogênica da ação humana, seja como agir propriamente dito (práxis), seja como fazer (poíesis)”, cf. LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Ética & Direito. São Paulo: Loyola, 2002, p. 33.

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LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Escritos de Filosofia III: Filosofia e Cultura. São Paulo: Loyola. 1997, p. 94.

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Felipe Magalhães Bambirra, Carolina Meire de Faria

constitucional, seja propriamente durante a aplicação da lei pelo Poder Judiciário, é dizer, no julgamento. Assim, buscar-se-á salientar as diferenças entre um simbolismo legal e um simbolismo constitucional para, em seguida, analisar, em um caso específico – o julgamento de Ellwanger, em que houve Repercussão Geral reconhecida, ou seja, entendeu-se ser temática de especial relevância jurídica, política, social ou econômica – o discurso utilizado para aplicação da norma no plano concreto, destacando-se os elementos que permitem perceber a sua função simbólica, quiçá em detrimento da aplicação jurídico-normativa. 2. DA LEGISLAÇÃO À CONSTITUCIONALIZAÇÃO SIMBÓLICA A palavra símbolo possui ampla dispersão semântica, e a sua utilização em campos epistemológicos diversos – como a psicanálise, filosofia, antropologia e linguística – tende a aumentar a sua plurivocidade, o que pode vir a dificultar o rigor discursivo5. De um modo geral, e utilizando-se da linguagem comum, corrente, pode-se adotar uma definição segundo a qual símbolo será todo e qualquer elemento capaz de transmitir um significado6, em regra com o objetivo de se fazer compreender, de forma imediata ou não7, uma visão sobre a realidade. São símbolos, assim, sinais, imagens, gestos, pinturas, ações, textos etc, desde que carregado de significado para o seu destinatário. O sentido que se utilizará neste trabalho, entretanto, é diverso. A lei é sem dúvida um símbolo, pois se compõe de textos, falas, sinais etc., 5

C.f. crítica de Umberto Eco às inúmeras classificações à respeito do símbolo e do signo utilizadas pelas mais diversas ciências em ECO, Umberto. Semiótica e filosofia da linguagem. Trad. Mariarosaria Fabris e José Luiz Fiorin. São Paulo: Ática, 1991.

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Geertz apud FERNANDES, Gabriela da Silva Ramos. A relação entre poder político e símbolos: uma questão de estratégia. Anais do XV encontro regional de história da Associação Nacional de História. ANPUH: Rio de Janeiro, 2012, p. 3. Disponível em: . Acesso em 09 de junho de 2016.

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Cf. sentido de latência nas obras de Psicanálise e Psicologia, para melhores aprofundamentos. BOCK, Ana Maria Mercês Bahia. FURTADO, Odair. TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

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que objetivam, numa perspectiva jusfilosófica, a hierarquização de valores (bens jurídicos) e a regulamentação da ação humana segundo esta hierarquização, ou até mesmo rede de decisões sobre a práxis humana. Em sentido técnico-jurídico, a lei – ou a norma – busca regular a expectativa da expectativa, ou seja, o que os demais podem legitimamente esperar do comportamento do outro, tendo o direito como parâmetro regulatório. Quando se fala de uma legislação simbólica, entretanto, deseja-se, aqui, ressaltar uma característica determinada em relação à função que a norma-símbolo exerce. Ao invés de efetivamente pretender regular expectativas, ela acaba exercendo função diversa, não propriamente afeta ao sistema jurídico, e, geralmente, ligada ao campo da política, que assume o primeiro plano, de forma mais expressivas que a sua juridicidade. A legislação simbólica aponta para o predomínio, ou mesmo hipertrofia, no que se refere ao sistema jurídico, da função simbólica da atividade legiferante e do seu produto, a lei, sobretudo em detrimento da função jurídico-instrumental8.

Desta maneira, afirma-se que determinada lei possui apenas uma função simbólica quando esvaziada de seu caráter instrumental-jurídico, é dizer, o que está ‘subentendido’ prevalece em relação à objetividade, escrita ou falada. Para se ter em conta este caráter simbólico, é necessária a análise metódica, consistente em se avaliar os efeitos práticos que uma lei desempenha em determinada sociedade. Se há uma sobreposição do caráter jurídico-normativo das leis pelo politico-simbólico, estaremos diante de um caso de legislação simbólica, mesmo que em um primeiro momento este efeito não se faça expresso9. As constituições são locus privilegiado para a análise do “gênero” legislação simbólica, pois suas normas apresentam, funções latentes 8

NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 23.

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NEVES, A constitucionalização simbólica..., cit., p. 30.

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- de natureza político-simbólica – por vezes mais fortes, do ponto de vista social, que a sua função normativo-jurídica - reguladora de relações de força coercitiva10. Dentre as principais características da norma constitucional, pode-se destacar a sua textura aberta, que lhe permite funcionar como vetor interpretativo e horizonte para as demais normas infraconstitucionais e infralegais. Interessante exemplo é o art. 7º da CF/88, que contem parte significativa dos direitos fundamentais de cunho social, relativos ao trabalhador. Revelam um alto grau simbólico de valores retores da sociedade brasileira. São, além de norma cuja garantia se espera ver transmudada em eficácia social, também parte da constelação axiológica, política e social que representa, ou pretendem representar a sociedade brasileira. Sua juridicidade constitucional é inegável, contudo, analisada apenas no nível social-pragmático, percebemos que há uma ausência de concretude a seus dispositivos – seja em relação ao salário mínimo, à segurança do trabalho e mesmo em relação ao trabalho infantil – uma vez que são necessários atos posteriores – legislativos e executivos (políticas públicas) – imprescindíveis à sua plena satisfação. Nada obstante, visto da perspectiva simbólica, os valores e diretrizes ali consagrados são da maior importância, e certamente levados em consideração na tomada de decisão governamental. Há constitucionalização e constituição simbólica quando estamos diante da ausência ou enfraquecimento da função jurídico-normativa da constituição, e, como efeito colateral, assiste-se à “hipertrofia da função político-simbólico”11. Nada obstante a identidade de função legislação e constituiçãosimbólica, seus efeitos práticos serão mais profundos e abrangentes, pois a constituição, principalmente a constituição brasileira, de caráter dirigente, buscar corresponder às expectativas e exigências de um povo carente de direitos, sejam eles de cunho liberal ou social. Adota-se e incorpora-se determinado discurso, mas não se sabe se há efetivamente condições de possibilidade de cumprir as promessas feitas. 10 NEVES, A constitucionalização simbólica..., cit., p. 29. 11 NEVES, A constitucionalização simbólica..., cit., p. 96.

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As peculiaridades do simbolismo constitucional provocam efeitos concretos no mundo prático, podem, de um lado, ser inspiração para o exercício de cada um dos poderes – legislar, executar e julgar – e, assim, concorrer para a efetividade normativa. Contudo, esta não pode ser a única característica da lei ou Constituição, pois isso resultaria na ameaça de eliminação, por substituição, de juízos normativos por juízos morais, abrindo espaço para a arbitrariedade. Kindermann12, de modo categorial, especificou algumas hipóteses de função político-simbólico latente da norma – as quais Neves reconheceu presente também nas Constituições13 – que geralmente convivem com a sua baixa eficácia jurídica: 1) a lei ou constituição existe para confirmar valores sociais com prevalência à normatividade; ou 2) a norma serve para demonstrar a capacidade de ação do Estado; e, ainda, 3) pode a lei ou a constituição ‘adiar a solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios’14. Examinaremos, no próximo tópico, cada uma das categorias elencadas com maiores detalhes. 2.2. FUNÇÕES DA LEGISLAÇÃO E CONSTITUICIONALIZAÇÃO SIMBÓLICAS 2.2.1. Prevalência de valores sociais A perspectiva social ocorre quando a eficácia jurídica não tem tanta importância quanto a eficácia valorativa. Opera como um instrumento de rotulação de grupos, geralmente defensores de valores ou proposições opostas, utilizando o resultado da discussão legislativa como reafirmação de uma identidade, reforçando a imagem do grupo vitorioso. O embate é, portanto, meramente valorativo ou sociológico, conforme afirma Gusfield15, que analisou tal fenômeno no período da lei seca 12 NEVES, A constitucionalização simbólica..., cit., p. 29. 13 NEVES, A constitucionalização simbólica..., cit., p. 29. 14 NEVES, A constitucionalização simbólica..., cit., p. 33. 15 NEVES, A constitucionalização simbólica..., cit., p. 33-34.

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nos Estados Unidos, de 1920-1933. Ele demonstrou que a lei seca não surge para garantir eficácia normativamente, nem para regular condutas – efetivamente proibir a vende e uso de álcool – mas como proposta de glorificação de um grupo em detrimento de outro. Ou seja, a afirmação do valor do nativo protestante, contra o valor do grupo do imigrante católico, que tinha o habito de beber álcool. O resultado foi o rótulo e a separação dos dois grupos, acentuando suas diferenças, elemento forte que permeou a visão que os nacionais americanos tinham do imigrante até algumas décadas atrás. Geralmente, tais casos podem ser observados em assuntos de complexidade temática legislativa. No Brasil, percebemos tal fato, de forma análoga, nas hermenêuticas das esferas religiosas e em seus correlativos contrários nos temas das pautas complexas como: células tronco, aborto, união homoafetiva, dentre outras16. É perceptível que o valor de uma escolha como essa altera não só a conduta social, mas afeta diretamente o modo como os dogmas e a percepção identitária de grupos no contexto coletivo: como glória ou padecimento valorativo perante a lei e a sociedade. A escolha, obviamente, gera efeitos no mundo jurídico, porém, a discussão que o tema gera, e que a lei revela, está para além da legítima regulação de expectativas. 2.2.2. Capacidade de ação pelo Estado Nesta hipótese, o Estado, motivado por um apelo popular, preci16 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Distrito Federal. Procurador Geral da República e Presidente da República, Congresso Nacional. Acórdão n. ADI 3510. Relator: Min. Ayres Britto. Tribunal Pleno. Data da decisão: 29/05/2008. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=611723> Acesso em 26 de junho de 2016; BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Distrito Federal. Confederação Nacional dos Trabalhadores na saúde- CNTS e Presidente da República. Acórdão n. ADPF 54. Relator: Min. Marco Aurélio. Tribunal Pleno. Data da decisão: 12/04/2012. Disponível em: Acesso em 26 de junho de 2016. BRASIL; Supremo Tribunal Federal. Estado do Rio de Janeiro. Governador do Estado do Rio de Janeiro. Acórdão n. ADPF 132. Relator: Min. Ayres Britto. Tribunal Pleno. Data da decisão: 05/05/2011. Disponível em: Acesso em 26 de junho de 2016.

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sa agir diante de uma situação de desconforto ou emergência, fruto de ineficácia normativa. Cria-se uma lei álibi17, que pode estar ancorada na esfera legislativa ou administrativa, para afastar críticas de falhas estruturais, reforçando-se a confiança na figura estatal. Tal foi o caso do princípio da celeridade processual, constitucionalizado com a Emenda nº 45/2004. O direito a um procedimento célere já é garantido constitucionalmente, sendo absolutamente desnecessária, do ponto de vista técnico-jurídico, a criação de uma reforma constitucional, adicionando-se uma garantia fundamental ao rol do art. 5º, para esta finalidade. Ademais, pode ser observado que, não raro, quando se observa uma falha na concretização e fruição de direitos, e clama-se pela atuação estatal para a correção do problema, a saída da reforma legislativa é reivindicada – como em relação à criminalidade e diminuição da menoridade penal. Trata-se, em suma, de álibi criado para se justificar a não efetividade do sistema normativo já posto, como se ele não fosse adequado à resolução da questão. O Estado se investe de poderes para que possa realizar o seu fim, juridicamente estabelecido, qual seja, dar concreção ao direito de modo pleno, fazer valer a norma democraticamente forjada, utilizando-se de inúmeros recursos postos a sua disposição. Apontar para a falha na norma em-si significa criar um pretexto para se eximir da efetivação do direito, que, no mais das vezes, é falho no plano concreto por razões estruturais profundas, como falta de vontade e conflitos políticos, problemas de prioridade na alocação dos recursos disponíveis, incapacidade para agir, e até mesmo falta de conhecimento do que pode realmente ser feito para se equacionar a questão. 2.2.3. Compromissos dilatórios pelo Estado Além de reafirmar valores de grupos, ou se eximir da obrigação de garantir efetividade à norma, poderá ainda o Estado, por meio da 17 KINDERMANN, Harald, apud NEVES, A constitucionalização simbólica..., cit., p. 36.

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legislação simbólica, firmar compromissos18 através da lei, para discutir futuramente problemas sociais que ainda não quer, ou não é capaz de solucionar. A lei é criada, nesses casos, sem se observar a estrutura correspondente que lhe garantirá efetividade, funcionando apenas como resposta à alguma deficiência, não possuindo efeitos no mundo jurídico-normativo, nem social. Geralmente, surge quando não há possibilidade de harmonização entre direitos políticos diferentes. Porém, diversamente do que ocorre com a confirmação de valores de grupos, não há, aqui, a figura do vencido, pois o efeito que a norma produzirá é nulo, enquanto naquele caso, o valor do grupo norteará os efeitos sociais e jurídicos. Um exemplo típico de compromissos dilatórios feitos pelo Estado através de ato legislativo encontra-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento que, embora possua caráter de soft law, com baixa vinculatividade normativa, constitui-se como marco para os direitos humanos e inspiração para a criação de normas de efeitos jurídico-normativo. A Declaração não possui, por si só, obrigatoriedade jurídica, nem eleva direitos de grupos, mas por demonstrar a intenção de proteção dos direitos humanos, há uma elevação de seu status de efetividade extranormativa e social, revelando-se altamente simbólica. 3. JULGAMENTO CONSTITUCIONAL SIMBÓLICO: ESTUDO DO CASO SIEGFRIED ELLWANGER Do mesmo modo que se pode destacar uma função simbólica no âmbito legislativo e constitucional, também é possível, na esfera de atuação do Poder Judiciário, principalmente quando se trata da Suprema Corte – uma das vozes que comporão o discurso no plano do acoplamento estrutural entre Direito e Política, verificado na Constituição – identificar julgamentos com alta carga de simbolismo, até mesmo exercendo as funções apresentadas no último capítulo. 18 NEVES, A constitucionalização simbólica..., cit., p. 41.

O SIMBOLISMO NO JULGAMENTO CONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE DO CASO ELLWANGER

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Como proposta de análise, selecionamos, como representativo desta questão, o caso Seiegfried Ellwanger, cuja Repercussão Geral fora conhecida devido ao caráter de relevância jurídica, social política19. O caso adotado é o discutido no Habeas Corpus n. 82.42420 impetrado junto ao STF em 2002, e com repercussão midiática internacional, por abordar conflito entre a liberdade de expressão versus preconceito/racismo. Antes de iniciar a discussão será necessário, porém, traçar um breve histórico do caso21. 3.1. RESUMO DO CASO ELLWANGER Em novembro de 1991, o Ministério Publico Estadual – e os assistentes de acusação, a Federação Israelita do Rio Grande do Sul e um membro do movimento popular antirracismo – ofereceu a denuncia contra Siegfried Ellwanger, alegando que este, na condição de editor e sócio da Revisão Editora Ltda, incitava conteúdos literários antissemita e discriminatório. As obras a que se referiam na denúncia eram aquelas em que Ellwanger atuava como editor, ou escritor: O judeu internacional, de Henry Ford; A história secreta do Brasil, volume 1 e Brasil: colônia de banqueiros, ambos de Gustavo Barroso; Os protocolos dos sábios de Sião, de Gustavo Barroso; Hitler: culpado ou inocente? de Sérgio Oliveira; Os conquistadores do mundo: os verdadeiros criminosos de guerra, 19 Cf. verbete Repercussão Geral in BRASIL. Glossário Jurídico do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: . Acesso em: 06 de julho de 2016. 20 Optamos, em todas as citações relativas ao HC 82.242/RS, em referenciar o número de página como a página do arquivo eletrônico (PDF) disponível no sítio do STF, conforme link informado. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rio Grande do Sul. Habeas Corpus n.82.424/RS. Relator: Min. Maurício Correa. Tribunal Pleno. Data da decisão: 17/09/2003. Disponível em: . Acesso em 27 de maio de 2016. 21 PINHEIRO, Douglas Antonio Rocha.As margens do caso Ellwanger: visão conspiracionista da História, ecos tardios do integralismo e judicialização do passado.2013. 281 fl.Tese (Doutorado em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade de Brasilia, Brasília. Disponível em: Acesso em 26 de fevereiro de 2017.

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de Louis Marschalko e Holocausto: judeu ou alemão? Nos bastidores da mentira do século22, de autoria de Siegfried Ellwanger. Quatro anos depois, ou seja, em 1995, a decisão da juíza substituta da 8ª Vara Criminal de Porto Alegre, entendeu pela absolvição de Ellwanger, fundamentando a sentença na liberdade de expressão, reconhecendo que as obras em questão tratavam de uma revisão histórica do Holocausto. O Ministério Público não se manifestou a respeito, cabendo a inconformidade aos assistentes de acusação, que levaram o pleito através da apelação ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). Este tribunal, por sua vez, reformou a decisão um ano depois, condenando Ellwanger a dois anos de reclusão, com suspensão condicional, incurso nas penas de induzimento e prática de racismo (Lei 7.716/89, art. 20, com redação dada pela Lei 8081/90)23, ressaltando que se trata de crime imprescritível e inafiançável (art. 5º, XLII da CF/88). A defesa de Ellwanger tentou reverter a decisão por meio de Recurso Extraordinário, cujo prosseguimento foi negado. Assim, o Habeas Corpus de n. 15.155 foi interposto junto ao Superior Tribunal de Justiça em 2000, tendo como fundamentação o afastamento do crime de racismo aplicado, com base no caput do art. 20 da Lei 7.716/89, com redação dada pela Lei nº 8.081/90, uma vez que o dispositivo foi criado para atender aos crimes de racismo contra negros, e, além disso, os judeus não seriam considerados pela Antropologia (e pelos próprios judeus em geral) como raça, tese não acolhida pelo STJ. Segundo PINHEIRO, A intenção concreta de tal argumentação era desconstituir o caráter imprescritível do ato praticado por Ellwanger e, por consequência, extinguir sua punibilidade. Afinal, entre a oferta da denúncia e o acórdão condenatório do Tribunal de 22 BRASIL. Estado do Rio Grande do Sul. Oitava Vara Criminal de Porto Alegre. Autos do processo crime comum n. 01391013255/5947. Autor: Ministério Público Estadual. Réu: Siegfried Ellwanger. Porto Alegre, 1991, in: PINHEIRO, Às margens do caso Ellwanger... cit., p. 2-3. 23 BRASIL. Lei n. 7.716 de 05 de janeiro de 1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor. Disponível em: . Acesso em: 27 de junho de 2016.

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Justiça haviam transcorrido mais de quatro anos e onze meses. Assim, a princípio, a condenação em dois anos ensejaria a extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição da pena em concreto – benefício inviabilizado quando os atos praticados por Ellwanger foram tipificados como racismo24.

Contudo, foram vencedores os votos contrários à concessão do Habeas Corpus, pelo mesmo entendimento proferido em sede recursal do TJRS. Em seguida, foi impetrado o Habeas Corpus de n. 82.426 em 2002, que inicialmente fora acatado pelo ministro-relator, à época, Ministro Moreira Alves, quem, observando a fundamentação da defesa, extinguiu a punibilidade de Ellwanger. Mais tarde, porém, houve o voto divergente do Ministro Mauricio Correa, relator posterior do caso de repercussão geral. A posição da Corte não foi unânime, havendo uma divergência de três votos favoráveis à concessão do Habeas Corpus contra oito, negando-o. Para deixar claro, o tipo penal incriminador possuía a seguinte redação: Art. 20. Praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, por religião, etnia ou procedência nacional. Pena: reclusão de dois a cinco anos.

O foco da discussão se deu, como demonstrado abaixo, se a hipótese de prática, induzimento ou incitação de discriminação ou preconceito por religião (judaica) seria também considerado crime de “racismo”, que é imprescritível, de acordo com a Constituição Federal, e, ainda, se seria possível discriminação em razão de “raça” aos judeus, que é um povo cujo elo conjuntivo se dá, sobretudo, em razão de uma crença religiosa – e não por outros elementos, como o étnico. 24 PINHEIRO, Às margens do caso Ellwanger..., cit., p. 20.

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3.2. ANÁLISE DOS VOTOS Segundo PINHEIRO, ao nos atentarmos à ementa do Acórdão, o qual contém toda uma síntese de um debate extenso de mais de 500 páginas – percebemos duas palavras nada ingênuas e muito reveladoras do caso em questão, são elas “fatos históricos incontroversos” e “conseqüências históricas dos atos em que se baseiam”: tais indícios parecem apontar para uma tentativa judicial ou de definição do que seja uma pesquisa histórica, ou de restrição da maneira como o historiador pode metodologicamente lidar com o seu ofício – problemas que motivam a presente investigação25.

Ou seja, segundo o autor, esses indicativos parecem ressaltar um tipo de apropriação por parte do STF do que seria a “metodologia adequada à pesquisa histórica, quanto a narrativa dita incontroversa de fatos passados”26. E, portanto, para além do debate jurídico sobre o alcance de um delito tal como o racismo. PINHEIRO, em elaborado estudo sobre as ligações políticas que orbitaram esse caso, destaca o tumulto documental em primeira instância27, o modo como o dito revisionismo das obras se aproximou do nazismo durante o desenvolvimento das teses processuais28, e, por fim, como as ligações dos amicus curie29 aos autores dos livros ditos antissemitas30 influenciaram a formulação dos votos dos ministros. 3.2.1. Votos contrários à concessão do Habeas Corpus O Ministro Maurício Corrêa apontou que o termo racismo não 25 PINHEIRO, Às margens do caso Ellwanger..., cit., p.22-23. 26 PINHEIRO, Às margens do caso Ellwanger..., cit., p.23. 27 PINHEIRO, Às margens do caso Ellwanger..., cit.,p.105. 28 PINHEIRO, Às margens do caso Ellwanger..., cit., p. 106. 29 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS….cit., p. 359. 30 PINHEIRO, Às margens do caso Ellwanger..., cit., p. 25-26.

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pode apenas ser qualificado a partir de um critério biológico e com a definição do mapeamento do genoma humano, a sustentar que, cientificamente, não existem distinções entre os homens31, uma vez que “a divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo políticosocial originado da intolerância dos homens.”32 Salientou o contexto do nacional-socialismo33, indicando que por que, nesse momento, os judeus foram tratados como uma raça, e entendeu que o antissemitismo é uma forma de racismo34, concluindo, por fim, que, “pregar a restauração dessa doutrina, ainda que por vezes sob o disfarce do ‘revisionismo’….é praticar racismo”35 Indicou ainda a posição dos tratados internacionais sobre a temática racista, salientando a posição nacional de repúdio sobre as políticas de segregação.36 Entendendo configurado o crime de racismo, denegou a concessão de Habeas Corpus. Em certa medida, os votos contra o remédio constitucional que se seguiram adotaram a argumentação presente no exaustivo voto do Ministro Maurício Correa, e utilizam-se de fundamentação bastante semelhante37, variando vez ou outra o dispositivo legal utilizado, ou incluindo alguma tese breve sobre a ponderação entre direitos fundamentais38 e os limites da liberdade de expressão39. 3.2.2. Votos a favor da concessão do Habeas Corpus O Habeas Corpus teve apenas como fim, segundo o relator originário, Ministro Moreira Alves, discutir o delito de discriminação ou preconceito, e, portanto, questionar o alcance do tipo penal previsto no 31 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 233-235. 32 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.235. 33 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.238-242. 34 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.244. 35 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.244. 36 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 248-252. 37 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 230, 309-324, 352-362, 366-424, 425-431, 432. 38 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 307, 333,345. 39 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 303-304, 363.

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art. 20 da Lei 8.801/90 e a sua imprescritibilidade. Acolhida a tese de que a imprescritibilidade do crime de racismo previsto na constituição seria mais restrito, não englobando preconceitos oriundos de religião ou afinidades políticas, por exemplo, diante do lapso temporal, ocorreria a prescrição e em consequência, a extinção da pena para o paciente40. A argumentação do voto foi no sentido de que nem todas as condutas previstas como discriminação e preconceito, nestas leis, são consideradas racismo e, portanto, seriam imprescritíveis41, não cabendo “[à] legislação ordinária dar o entendimento que lhe aprouver sobre o significado de ‘racismo’”42 mas tão somente tipificar as condutas e quantificar a pena para estes casos. Não caberia a extensão da imprescritibilidade para delitos que não foram expressos como tal pelo legislador, obedecendo-se a exegese constitucional.43Assim, o ponto central seria determinar o alcance da expressão racismo. Segundo o Ministro, os judeus não são uma raça, e os autores-judeus se consideram “um povo com desenvolvida civilização religiosa. Somos comunidade com religião no seu núcleo essencial”44. “Há judeus negros, brancos, de nacionalidades diversas”. Se não pertencem a uma raça, pode haver o crime de discriminação contra eles, mas isso não significa que seja racismo45, que é imprescritível. Defendeu, ainda, que o elemento histórico é essencial à interpretação deste dispositivo legal, sendo certo que o constituinte estava se referindo à discriminação feita contra os negros.46 Assim, considerou o crime prescrito, diante do recebimento da denuncia em 14/11/91 e o acórdão que reformou a sentença absolutória em 31/10/96, decorrendo assim, mais de quatro anos, concedeu ao final, o Habeas Corpus. O Ministro Carlos Ayres Britto, pela análise do art.5º, XLLI, ‘d’, da CF/88, realizou uma distinção de conduta do tipo penal, salientando 40 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 209. 41 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 210. 42 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 209-210. 43 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 270-275. 44 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 219. 45 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 215-216. 46 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 211-215.

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que “induzimento e incitação não passam de formas de prática” e que o ato de publicação e divulgação de um livro47 se encerra no campo da reflexão48. Caso houvesse a aproximação do delito pela redação da Lei n. 8.081/90, que proíbe as formas de comercialização de livros, deveria ser aplicado o §2º do art. 654 do CPP, uma vez que tal lei não existia à época da denúncia e por isso não deveria ser aplicada ao caso.49 Não vislumbrou incitamento a práticas a partir do conteúdo dos livros referidos nos autos50, efetivamente afirmando que leu alguns deles, mas não todos (pois não estavam disponíveis), e que o autor não falava diretamente contra os judeus, o que teria deixado bem claro, mas contra o “sionismo internacional”, ideologia que até mesmo os judeus se colocam contra51. Prezou, assim, pela atipicidade da conduta do paciente. Salientou que racismo também se refere a raças de cor52. O Ministro Marco Aurélio Mello, tratou da eficácia de direitos fundamentais, e do principio da ponderação de valores53. Discorreu sobre o direito à liberdade de expressão54, destacando-o para o caso, asseverando que o paciente quis fazer uma revisão histórica dos fatos, ou seja “escrever e difundir a versão da história vista com seus próprios olhos”55 e não afirmar a superioridade da raça alemã56, o que configuraria antissemitismo. Ademais, não percebeu “perigo iminente do extermínio do povo judeu” a partir do conteúdo do livro57, fato concreto para 47 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 471. 48 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 479. 49 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 472. 50 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 349. 51 Afirma em seu voto que: “Qualquer citação sobre Sionismo ou referências sobre judeus internacionais não deverá ser considerada contra as pessoas que professam a religião judaica, que residem e trabalham pacificamente conosco e que cada vez menos aprovam os atos dos primeiros, por deixá-los em constante preocupação”, BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 321. 52 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.496-498. 53 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.544-545, 560, 570. 54 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.541, 550-552. 55 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.558. 56 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.562. 57 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.563.

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deflagrar uma limitação a liberdade de expressão, lado outro porque o Brasil não se constitui historicamente como de tradição repulsiva a essa cultura. Comparou, ainda, que um dos livros editados pelo paciente, de Gustavo Barroso - que teve uma cadeira na Academia Brasileira de Letras e, ainda, foi um dos integrantes da Ação Integralista Brasileira, vale mencionar –, sempre foi comercializado no Brasil, até os dias atuais, sem qualquer restrição. Ainda, citou diversos julgados da Corte Constitucional Alemã (Bundesverfassungsgericht), em que se deu prevalência à liberdade de expressão, inclusive de livro que culpava os aliados pela guerra. A despeito de notável preconceito contra os judeus por parte do paciente, o ministro entendeu que proibir um livro de viés ideológico é ser contrário à democracia e favorável à censura58. Indicou, ainda, que os livros de conteúdo antissemita não tem recepção e influência sobre o pensamento da sociedade brasileira, devido ao seu processo histórico, o que não se daria no caso do preconceito contra os negros e nordestinos, que sofrem de problemas discriminatórios enraizados no país.59 3.3. O SIMBOLISMO JUDICIAL NO CASO ELLWANGER Em situação semelhante, Neves aponta o uso simbólico da legislação, na Alemanha: A onda anti-semítica que se propagou na Alemanha em 1959-60, com frequentes violações de cemitérios judeus e sinagogas, levou, por exemplo, a uma reforma juridicamente desnecessária do § 130 do Código Penal Alemão (StGB), a qual, porém, demonstrava simbolicamente a prontidão do Estado em responder à ‘indignação’ pública pelas desordens anti-semíticas60. 58 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.564. 59 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.567, 574. 60

NEVES, A constitucionalização simbólica..., cit., p. 38.

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No casso Ellwanger, o Ministro Marco Aurélio fez referência, de forma explícita em seu voto, à teoria do simbolismo constitucional61, aduzindo que, neste caso, à medida que [a Corte] venha a relativizar a garantia da liberdade de expressão, enquadrando como manifestação racista o livro de autoria do paciente, bem como as publicações de que fora editor, terminar por praticar função simbólica, implementando uma imagem política correta perante a sociedade. Estaríamos, então, diante de uma hipótese de ‘Jurisprudência Simbólica’, sobressaindo a defesa do pensamento antinazista, quando em jogo se faz, isto sim, a liberdade de expressão, de pensamento, enfim, de opinião política62 (grifamos).

Parece-nos que, de fato, houve um desempenho simbólico da atuação judicial do STF neste caso, como modo de judicialização do passado, afirmando a imagem do Estado protetor das minorias e garantidor dos direitos sociais, bem como a imagem da Corte como garantidora de direitos humanos e fundamentais, o que ocorre vez por outra, mas, salienta-se, deve ser evitado, pois se descuida da função jurídica do órgão. Trata-se, portanto, da primeira hipótese de simbolismo analisada neste trabalho, é dizer, para confirmar valores sociais – e manter uma imagem socialmente adequada do STF –, com prevalência à normatividade. Tal percepção se dá, primeiro, porque há pouquíssimas análises das obras publicadas nos respectivos votos. Aliás, o Ministro Ayres Brito, que mais detidamente refletiu e fez referência a trechos, afirmou não ter percebido a intenção de racismo nas obras. Outro ponto que vale destacar é a perpetuação da comercialização de várias outras obras editadas por Ellwanger, que podem ser adquiridas em livrarias e sebos pelo Brasil – até mesmo pela Amazon.com, como A História Secreta do Brasil 61 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 585. 62 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 586.

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e O Protocolo dos Sábios de Sião, livros editados apontados como antissemitas – como sustentado no voto. A falta de análise do caso concreto demonstra falha técnica processual e certo descuido com a facticidade do caso. Pinheiro, ainda, afirma o seguinte: Com igual descuido metodológico, os julgadores que utilizaram o critério da causalidade única para negar historicidade à obra de Ellwanger basearam sua fundamentação numa apropriação reducionista e descontextualizada de Marc Bloch, fazendo com que o próprio parâmetro utilizado de aferição de historicidade se mostrasse igualmente monista. A tese apontou, assim, como o uso de conceitos históricos pelo Judiciário sem o devido rigor científico pode acabar representando um ataque ao devido processo legal, à autonomia do campo simbólico-histórico, à hermenêutica constitucional e à própria ordem democrática63.

Igualmente, do ponto de vista dos princípios do Direito Penal – com destaque para a taxatividade, a exigir lei certa – é imprescindível que o agente tenha consciência da ilicitude do ato que comete. Na hipótese, pela leitura dos votos, ficou claro que a questão era polêmica, pois dependia da extensão semântica do termo “racismo” para espécies discriminatórias que não lida com a noção comum, popular, de “raça”. Em situações como esta, é razoável que as Cortes apontem seu entendimento e fixem o precedente, mas, ao mesmo tempo, absolvam o paciente, face à incerteza da lei, à anterior insegurança jurídica, e à potencial consciência da ilicitude – excludente de culpabilidade. Em análise diversa, que parte de outros pressupostos, mas sobre o mesmo caso, Brum64 destaca que tal julgamento acorreu dentro das 63 PINHEIRO, Às margens do caso Ellwanger…, cit., p. 6. 64 BRUM, Guilherme Valle. O intuicionismo em Rawls, o emotivismo em MacIntyre e a técnica decisória da ponderação entre princípios constitucionais: comentários sobre o caso Ellwanger. Universitas/JUS, v. 23, n. 1, p. 79-93, jan./jun. 2012. Disponível em . Acesso em 08 de junho de 2016, p. 6.

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regras jurídicas, porém, conforme demonstra, as regras de sopesamento de princípios, utilizada por vários Ministros, apenas serviu para encobrir os elementos volitivos individuais, intuitivos e emocionais, dos Ministros, corrobora, de certo modo, a carga simbólica do julgamento. A análise feita de dois votos diametralmente opostos, com a mesma fundamentação (ponderação), nos faz perceber que, não obstante a decisão fundamentar-se exclusivamente em aspectos jurídico-normativos, outros elementos não normativos estão igualmente presentes: os resultados, como visto, foram absolutamente diferentes. O ministro Gilmar Mendes entendeu que, depois de ponderados os princípios candidatos a incidir na espécie, o da dignidade do povo judeu seria prevalecente, enquanto o ministro Marco Aurélio concluiu ser o princípio da liberdade de expressão o vencedor na ponderação. Não é difícil constatarmos que a técnica decisória foi utilizada para dar uma roupagem – diga-se assim – de racionalidade às intuições sobre a justiça de cada julgador. A estrutura dos votos dos ministros foi muito parecida. De início, um relato de alguns aspectos históricos, sociológicos e filosóficos justificadores do valor moral eleito. Depois, uma aproximação desse valor com a situação sub judice. Gilmar Mendes desenvolveu circunstâncias que apontariam ser o ato do paciente, efetivamente, um crime de racismo praticado contra a comunidade dos judeus, seja ela classificada ou não como raça, no sentido estrito da expressão, potencializando o valor dignidade da pessoa humana. Marco Aurélio, por sua vez, traçou uma linha argumentativa valorizadora da liberdade de expressão, concluindo assim pela inexistência de delito penal. Por fim, quando da aproximação de suas convicções sobre tais valores morais ao caso concreto, ambos optaram pelo mesmo caminho para cobrir suas intuições com as vestes de princípios jurídicos: o iter procedimental da ponderação65. 65 BRUM, O intuicionismo... cit., op. cit., p. 8.

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Podemos ainda asseverar que os votos, apesar de se mencionar a doutrina de Robert Alexy, não explicitaram o percurso da ponderação, destacando a adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, seguida da efetiva ponderação – como ocorre recorrentemente em julgados66. Ou seja, acaba-se citando uma teoria, mas não efetivamente aplicando-a – o que, entretanto, foge da análise que ora fazemos. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A cultura é um processo complexo, constituído por símbolos, compreensões, narrativas, normas e valores, e o fenômeno jurídico só pode ser dela destacado para fins de análise, ou seja, segmentação e recorte da realidade, na esperança de melhor se compreendê-la. O direito, visto somente enquanto direito, é uma abstração – o que significa, literalmente, separar do extrato, do ser-aí em sua completude e complexidade. Considerando esta realidade (no sentido de uma Wirklichkeit, efetividade) do direito, separamos o que seria uma função simbólica da norma, e aquilo que seria, funcionalmente, direito, no sentido de atuar como estabilizador de expectativas de conduta. Buscamos analisar, tendo em vista os aspectos simbólicos – da lei, da constituição e, por que não, de julgamentos – levantados por Kindermann e Neves, a atuação do STF no caso Ellwanger, de ampla repercussão, em que se discutiram questões relevantes, como a liberdade de expressão, a proteção a minorias, a discriminação e o racismo. Nosso esforço foi o de apontar os aspectos simbólicos desse julgamento, sem querer, com isso, sugerir o acerto ou desacerto do julgado. Fica patente, sobretudo em casos difíceis, a dificuldade de se analisar um “fato” de modo estritamente técnico, puro e mecânico, tendo em vista a influência de outros elementos da cultura, que designamos como “simbólicos”, por se situarem na margem do direito. A lei, a constituição e decisões jurídicas possuem este caráter 66 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica, e Teorias Discursivas – Da possibilidade à necessidade de respostas concretas em direito. 3. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 177-189.

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simbólico, vivo, que norteia as relações sociais. Isto não significa, por outro lado, que o Direito possa prescindir de seu código próprio, de seus procedimentos, do conteúdo fático levado à análise, sob pena de infringência a este mesmo Código e seu enfraquecimento, levando, em casos extremos, até mesmo a sua corrupção, invadido pela moral, pela economia, enfim, por discursos de outros sistemas sociais, sem que sejam adequadamente recepcionados, integrados pelo Direito. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 5.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. BOCK, Ana Maria Mercês Bahia. FURTADO, Odair. TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 1999. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao. htm. Acesso em 27 de junho de 2016. Decreto-Lei n. 3.689 de 03 de outubro de 1941: Artigo 647 e seguintes, disciplinam o Habeas Corpus. Disponível em: Acesso em: 27 de junho de 2016. BRASIL. Glossário Jurídico do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: Acesso em: 06 de julho de 2016. BRASIL. Lei n. 7.716 de 05 de janeiro de 1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor. Disponível em: Acesso em: 27 de junho de 2016. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Distrito Federal. Procurador Geral da República e Presidente da República, Congresso Nacional. Acórdão

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