O SIMPLES NACIONAL: REFLEXÕES SOBRE A TENSÃO ENTRE O ARGUMENTO DO FOMENTO ECONOMICO, O INTERESSE ARRECADATÓRIO E A NECESSIDADE DE RESPEITO À CONSTITUIÇÃO FEDERAL

May 30, 2017 | Autor: Carlos Renato Cunha | Categoria: Tax Law
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Artigo apresentado no II ENCONTRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS – ENET promovido pelo Instituto de Direito Tributário de Londrina de 19 a 21/09/07 (Selecionado pela Comissão Organizadora).

O SIMPLES NACIONAL: REFLEXÕES SOBRE A TENSÃO ENTRE O ARGUMENTO DO FOMENTO ECONOMICO, O INTERESSE ARRECADATÓRIO E A NECESSIDADE DE RESPEITO À CONSTITUIÇÃO FEDERAL * Carlos Renato Cunha Sumário: 1. Introdução; 2. Premissas Iniciais; 3. Do Princípio da Legalidade e do Princípio Federativo em sua feição tributária e da repartição da competência tributária na federação brasileira; 4. Do sistema simplificado de recolhimento de tributos para as microempresa e empresa de pequeno porte; 5. Problematização decorrente da instituição do Simples Nacional em face das previsões da Constituição Federal; 6.Conclusão; 7. Bibliografia.

1. Introdução Visa o presente excerto trazer à baila reflexões iniciais, e sem qualquer pretensão de esgotamento do tema, acerca do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Simples Nacional, criado pela Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006, assim como do sistema anteriormente previsto pela Lei Federal n. 9.317, de 5 de dezembro de 1996. Trata-se de assunto que não foi objeto de muitos estudos do ponto de vista científico, e cuja análise no contexto dos princípios constitucionais tributários revela grandes inquietudes doutrinárias. Assenta-se, de qualquer modo, que não se considera como possível a existência de um único e real significado advindo da leitura de enunciados prescritivos, nem é esta a pretensão da presente reflexão. Todos os pontos abaixo expostos são, humildemente, parciais visões de um objeto ontologicamente complexo, sem que se possa afirmar, sobremaneira, serem elas as mais acertadas. Tratam-se apenas de possibilidades exegéticas, postas como reflexão sobre o instituto até agora pouco estudado. 2. Premissas Iniciais Para que se possa iniciar a análise pretendida no presente arrazoado, necessária a fixação de determinados conceitos, que faça possível a correta compreensão dos limites epistemológicos ora utilizados, mormente quando se recorda a invariável ambigüidade e vaguidade das palavras. Parte-se da idéia, que aqui será adotada como axioma, de que o direito, entendido como um conjunto de normas jurídicas válidas num determinado intervalo espaço-temporal, é, essencialmente, um [1] fenômeno lingüístico , e, “Nesta visão, o direito vai aparecer como grande[2]fato comunicacional, sendo a criação normativa confiada aos múltiplos órgãos credenciados pelo sistema”. Em linguagem se vertem os enunciados prescritivos, contidos num suporte físico qualquer, tal como um texto de lei. O destinatário de um texto de lei, ao ter acesso ao enunciado (que é um signo), cria

um juízo (significação) em sua mente – a norma jurídica-, que possui relação com algum objeto do [3]

Tal afirmação basta para que mundo (significado), que no caso do direito são fatos e relações jurídicas. se verifique uma interessante realidade: o sentido da norma não é descoberto pelo hermeneuta, tal qual um [4] explorador das intenções do legislador. O sentido da norma é sempre criado pelo intérprete. Entende-se aqui também que as normas jurídicas, enquanto proposições deônticas, possuem [5] uma estrutura lógica, conforme preconiza Lourival Vilanova. E que tal estrutura pode ser estudada analiticamente, no caso das normas jurídicas tributárias, da forma como ensina-nos Paulo de Barros [6] Carvalho ao descrever a regra-matriz de incidência tributária. [7] Por fim, salienta-se que se adota, para os fins do presente estudo, a teoria quinqüipartite das [8] Parece de grande rigor científico a visão de Tácio Lacerda Gama, que entende espécies tributárias. possível se realizar uma classificação intranormativa, isto é, com base exclusivamente na norma tributária primária, chegando-se aos tributos vinculados e não-vinculados, assim como, em face das peculiaridades decorrentes das previsões acerca das contribuições e empréstimos compulsórios no sistema brasileiro, sendo necessária uma classificação internormativa que leva em consideração a norma de competência [9] para instituição do tributo. Eis que não se considera como possível a existência de um único e real significado advindo da leitura de enunciados prescritivos, nem é esta a pretensão da presente reflexão. Todos os pontos abaixo expostos são, humildemente, parciais visões de um objeto ontologicamente complexo, sem que se possa afirmar, sobremaneira, serem elas as mais acertadas. Tratam-se apenas de possibilidades exegéticas, postas como reflexão sobre o instituto até agora pouco estudado. 3. Do Princípio da Legalidade e do Princípio Federativo em sua feição tributária e da repartição de competência tributária na Federação Brasileira No sistema jurídico brasileiro, quiçá pela farta experiência legislativa que já se nominou de manicômio tributário, o Poder Constituinte Originário não economizou em enunciar um claro limite na seara tributária: o Princípio da Legalidade. Não bastasse a genérica previsão do artigo 5º, inciso II da Carta Maior, de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, assim como a forte expressão do caput do artigo 37 que prevê que a Administração Pública deve obediência ao princípio da legalidade, a questão é ressaltada no artigo 150, inciso I da Constituição Federal de 1988 – CF/88, cujo enunciado não deixa dúvidas: “[...] é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios [...] exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”: A reserva constitucional de lei é vinculante para todos os Poderes estatais: ela deve ser observada tanto para a instituição e aumento quanto para a fiscalização e cobrança de tributos. Isso vale tanto para a instituição e aumento de tributos quanto para o estabelecimento de exonerações tributárias. [10]

Outro alicerce da organização estatal brasileira, com claros reflexos no sistema tributário nacional, é a forma federativa de estado: Como decorrência dos princípios federativo, da autonomia municipal e da autonomia distrital, as leis da União – inclusive as tributárias – não estão juridicamente acima das leis dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. [...] Todas ocupam a mesma plana. É verdade que, se uma matéria é de competência da União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal não podem legislar sobre ela. Mas, do mesmo modo, se um assunto foi constitucionalmente remetido aos Estados, aos Municípios ou ao Distrito Federal, a estes é que cabe legislar sobre ele, com [11] exclusividade. Sem que se possa aprofundar a questão, em face dos limites do presente estudo, entende-se que os Municípios e o Distrito Federal são, tal como os Estados-membros, entes federativos no peculiar sistema [12] federativo brasileiro. Fato é que o artigo 60, parágrafo IV, inciso I da CF/88 reza que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda [à constituição] tendente a abolir a forma federativa de Estado”, o que revela que o princípio federativo constitui-se em cláusula pétrea no ordenamento jurídico brasileiro: Logo, enquanto a atual Constituição estiver irradiando efeitos, é terminantemente proibida proposta de emenda constitucional que, ainda que por via transversa, colime suprimir ou modificar nossa Federação. Por maiores motivos, não poderão ser expedidas leis ou normas infralegais (e.g., regulamentos) que, de alguma forma, anulem as exigências do princípio federativo. A interpretação é também [13] inidônea para reduzir as dimensões deste alicerce de nosso ordenamento jurídico. E este aspecto é deveras relevante no campo de estudo do direito tributário, já que, conforme se verá no tópico seguinte, houve minuciosa distribuição de competências tributárias por parte do Poder Constituinte à União, Estados-membros, Municípios e Distrito Federal, e, de outro lado, em diversos momentos se faz menção à necessidade de uma norma geral que regulamente a matéria em todos o território nacional. Importante, destarte, diferenciar as normas federais das normas nacionais, indubitável natureza [14] das normas gerais de direito tributário a que faz menção a Carta Maior : “No plano interno, revela a vontade da Federação quando edita leis nacionais e demonstra a sua vontade (da União) quando edita leis federais. Geraldo Ataliba precisou essa distinção ao salientar que as leis nacionais são as que alcançam todos os habitantes do território nacional (leis processuais, civis, penais, trabalhistas, etc.) e as federais são aquelas que incidem apenas sobre os jurisdicionados da União (são aquelas que [15] di em respeito aos ser idores da União e ao se aparelho administrati o) [ ]”

Por fim, da confluência dos princípios federativo e da legalidade, tem-se que um tributo somente pode ser validade criado ou majorado (e, por via reversa, minorado, ou de qualquer forma modificado) se instituído por lei do ente constitucionalmente competente para fazê-lo, até mesmo porque a isenção heterônoma é vedada em nosso atual sistema jurídico, conforme prevê o artigo 151, inciso III da Carta [16] Maior. No sistema pátrio há uma minuciosa e complexa distribuição de competência tributária entre os entes federativos. Mas essa divisão modifica-se conforme a espécie tributária em questão. Partindo-se da premissa de que existem cinco espécies tributárias, verifica-se que nos artigos 147 a 149-A; 153 a 156 e 195, o Poder Constituinte estipulou diferentes regras de competência para os impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições e empréstimos compulsórios. Para os fins do presente estudo, interessa-nos a competência para instituição dos impostos e das contribuições. No que se refere aos impostos, houve uma detalhista distribuição de competências, prevista nos artigos 153 (impostos da União), 155 (impostos acometidos aos Estados-membros e ao Distrito Federal), 156 (impostos de competência dos Municípios e do Distrito Federal), devendo-se recordar que a competência residual também pertence à União, nos termos do artigo 154, assim como pode ela instituir os impostos de competência estadual ou municipal em território federal, conforme previsão do artigo 147 da Constituição. Por fim, quanto às contribuições, vê-se que são, em sua quase totalidade, de competência federal (artigos 149 e 195, grosso modo), salvo as contribuições previdenciárias de servidores dos outros entes federativos, que possuem a competência para instituí-la nos termos do § 1º do artigo 149, e a contribuição para custeio da iluminação pública, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, conforme prevê o artigo 149-A da Constituição Federal. 4. Do sistema simplificado de recolhimento de tributos para as microempresas e empresas de pequeno porte O artigo 179 da CF/88, desde sua promulgação, previa já a necessidade de um tratamento [17] diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte : Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei. Posteriormente, a Emenda Constitucional n. 6, de 15 de agosto de 1995, modificou a redação do [18] art. 170 da Carta Maior : Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem

por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Dando azo ao tratamento favorecido previsto pela CF/88, a Lei Federal n. 9.317, de 5 de [19] [20] dezembro de 1996 , definiu o que seriam microempresa e empresa de pequeno porte , assim como instituiu em sua benesse um sistema integrado de pagamento de impostos e contribuições como forma de fomento – chamado de SIMPLES -, ao qual poderiam Estados-membros, Municípios e Distrito Federal aderir no que tange ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS e o Imposto sobre Serviços – [21] ISS. Na prática, como é sabido, poucos entes federativos aderiram ao SIMPLES federal, tendo alguns [22] preferido criar, paralelamente, um sistema simplificado regional ou local. De qualquer modo, mesmo apenas do ponto de vista federal, interessantes modificações no sistema tributário nacional foram trazidas pelo SIMPLES: através de um único pagamento mensal, calculado pela aplicação de uma alíquota sobre a receita bruta mensal da empresa, estava o micro e pequeno empresário recolhendo os seguintes tributos previstos no § 1º do artigo 3º da lei. Em 2003 adveio a Emenda Constitucional n. 42, do dia 19 de dezembro, que trouxe modificações diversas ao texto constitucional em questões tributárias, incluído o tema de tratamento diferenciado às micro [23] e pequenas empresas . O artigo 146 da Carta Magna, com a inclusão da alínea “d” e do parágrafo único, dispõe: Art. 146. Cabe à lei complementar: [...] d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que: I - será opcional para o contribuinte; II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado; III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento; IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes. No bojo de tais modificações da Carta Maior, foi promulgada a Lei Complementar Federal n. 123,

de 14 de dezembro de 2006, que instituiu o Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, trazendo em seu texto inúmeras normas de Direito Empresarial, do Trabalho, Administrativo, Econômico, e, o que interessa ao presente arrazoado mais proximamente, Tributário. Houve, outrossim, um alargamento do limite de faturamento anual para que uma empresa fosse classificada como micro e pequena empresa (artigo 3º). De qualquer modo, essa lei trouxe profundas modificações na estrutura do SIMPLES, começando por sua denominação, que passou a ser “Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Simples Nacional”, tendo ganhado a alcunha de SUPERSIMPLES, principalmente porque a partir do dia primeiro de julho de 2007, tanto o ICMS quanto o ISS encontram-se a ele atrelados. O SIMPLES Nacional é uma forma de pagamento mensal unificado do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas, da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/PASEP, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – COFINS, do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI e das Contribuições para a Seguridade Social a cargo da pessoa jurídica, além do Imposto sobre Circulação de Mercadorias – ICMS e o Imposto sobre Serviços – ISS. O valor desse pagamento unificado é calculado através de um percentual sobre a receita bruta mensal auferida pela pessoa jurídica, nos termos do artigo 18, § 3º da referida lei. E a cada um dos tributos que podem ser incluídos no SIMPLES corresponde um percentual sobre o valor arrecadado, na forma determinada pelo § 3º do citado dispositivo, conforme as várias tabelas em anexo à lei.

5. Problematização decorrente da instituição do SIMPLES Nacional em face das previsões da Constituição Federal Não há dúvida que a carga tributária brasileira é elevada, conforme faz prova não só os inúmeros estudos sobre o tema, reportagens jornalísticas, assim como o sentimento geral dos contribuintes. Não é a toa que normas que pareçam trazer redução tributária a um setor da economia, como é o caso da Lei Complementar n. 123/2006, são objeto de desejo de empresários, e são recebidas com entusiasmo. De se notar que as questões relativas à renúncia de receita prevista pela União quando da implementação desta novel legislação foram pormenorizadamente estudadas pelo competente aparato técnico da Receita Federal, conforme se denota das seis tabelas para cálculo do valor devido e as inúmeras exceções. Para a União, a possibilidade de facilitar a formalização de milhares de microempresas, advindas com a lei, gerará, sem dúvida, incremento na arrecadação. Mas, é interessante ressaltar que várias categorias de microempresas tiveram na verdade um aumento da tributação, se levada em consideração as [24] previsões da Lei Federal n. 9.317/96.

Fato é que o SIMPLES agrada tanto aos contribuintes em geral, quanto ao Fisco. Eis uma perigosa situação, já que em casos como esse, o pendor para críticas análises jurídicas do instituto se anula. Não parece haver muito interesse em análises científicas sobre o tema, assim como não redunda ele [25] em muitas discussões nas lides judiciais. Interessante como breve reflexão acerca do SIMPLES, que saia da mera superfície, encontra instigantes questionamentos do ponto de vista jurídico. Em primeiro plano surge a dúvida acerca da natureza do instituto, que não adveio com a criação do SIMPLES Nacional, já que existente desde o surgimento do SIMPLES Federal: trata-se apenas de uma forma unificada de recolhimento de diversos tributos, ou na verdade trata-se de um novo tributo, criado pela União Federal? No primeiro caso, teríamos um obstáculo intransponível: o cotejo entre o critério material da hipótese tributária e a base de cálculo dos tributos incluídos no SIMPLES queda em grande parte incoerente, em contraposição à regra de competência constitucionalmente prevista. Sobre a questão, diz Paulo de Barros Carvalho: Todo o esforço do legislador há de estar orientado no sentido de promover o perfeito ajuste entre o enunciado mensurador da base de cálculo e a formulação enunciativa da hipótese. Dito de outro modo, a perspectiva dimensível há de ser u’a medida efetiva do fato jurídico tributário, recolhido como tal pela hipótese normativa. Não será qualquer proporção, ainda que retirada do mesmo suporte fáctico, que servirá como aspecto mensurador: é fundamental a perfeita conexão entre o [26] fato descrito pela hipótese e o fato construído para ser sua base de cálculo (Fjt≈Fbc). Ora, exemplificativamente, se a Carta Maior outorga competência para que a União tribute “produtos industrializados”, não parece ser possível que a base de cálculo de tal tributo seja a “receita bruta”, como efetivamente ocorre no SIMPLES. Vê-se que a lei sob comento alterou substancialmente o critério quantitativo do conseqüente da Regra-Matriz de Incidência Tributária dos tributos nela incluídos. Forma de se interpretar a norma sob estudo seria que a União na verdade teria isentado as microempresas e empresas de pequeno porte dos tributos de sua competência incluídos no SIMPLES, e teria instituído um novo tributo, incidente sobre a receita bruta mensal. Isso até seria possível, com base em sua competência residual prevista no art. 154 da Carta Maior, o que somente seria possível através de lei [27] complementar, ressalvada a análise dos demais requisitos previstos constitucionalmente. Eis, de qualquer modo, um ponto sobre o qual não tem refletido a doutrina pátria, e que mereceria uma reflexão desde os vetores do Princípio da Legalidade e a estrita distribuição de competências tributárias no sistema nacional. Surgem também interessantes questões também acerca da sistemática constitucionalmente garantida da não-cumulatividade tributária, maculada pelo artigo 23 da lei complementar. Ora, a garantia constitucional prevista, exemplificativamente, no artigo 153, § 3º, inciso II simplesmente é olvidada. Ademais, do mesmo modo que na lei anterior, nem todas as micros e pequenas empresas podem ser optantes do SIMPLES (artigo 17), o que de per si demonstra um interesse meramente arrecadatório e

possível afronta ao princípio da igualdade entre os contribuintes. Aprofundando mais o estudo sobre o instituto, com perplexidade o cientista do direito verificará, quiçá, uma possível mácula à CF/88, surgida com o advento da Lei Complementar n. 123/06, inexistente quando da vigência do SIMPLES Federal. Fazendo tabula rasa do Princípio Federativo, o legislador nacional vinculou o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS e o Imposto sobre Serviços – ISS, de competência prevalente estadual e municipal respectivamente, ao sistema único de pagamento incidente sobre a receita bruta. Ora, salvo melhor juízo, as regras trazidas pela EC n. 42/2003 não poderia ser interpretada de forma a albergar mácula à Federação brasileira, que se subjaz em cláusula pétrea. E da forma como expedida a lei complementar por ela prevista para criação de um sistema unificado de recolhimento de tributos, houve grave afronta à competência legislativa dos demais entes federativos. Afinal, perderam os municípios, estados-membros e o distrito federal poder de legislar sobre e arrecadar tributos de sua competência, e análise mais detalhada demonstraria vicissitudes sem fim sobre o tema. Interpretada como limitação a competência municipal, distrital e estadual para legislar sobre ISS e ICMS, a própria Emenda 42 estaria possivelmente eivada de inconstitucionalidade. Ainda que assim não fosse, acatada a hipótese de que o SIMPLES é na verdade um diferente tributo, teria sido concedida isenção por parte da União dos tributos dos demais entes federativos, o que não parece incluída na competência outorgada nos artigos que tratam do tratamento beneficiado concedido pela Constituição Federal às microempresas e empresas de pequeno porte, e que, de qualquer modo, afrontaria o Princípio Federativo e a previsão do artigo 151, inciso III do texto constitucional. 6. Conclusão Após a exposição realizada, verifica-se a necessidade de uma profunda análise acerca da natureza jurídica do SIMPLES Nacional, mormente um confronto entre a realidade por ele trazida e os mais comezinhos princípios constitucionais tributários. O presente artigo apenas pinçou pontos que parecem relevantes sobre o tema como um primeiro passo nessa jornada, e que, quando observados no contexto do Princípio da Legalidade e da Federação, principalmente, mas também do Princípio da Isonomia ou na garantia da não-cumulatividade afeta a certos tributos, demonstram que há graves problemas jurídicos ainda sem solução. Eis que queda realizado um convite à saída da superficialidade do olhar sobre o instituto. Superficialidade quiçá existente pela rara união entre uma retórica legítima de apoio a um setor da economia nacional, aos interesses arrecadatórios e centralizadores do Fisco Federal, e as benesses outorgadas a parte dos contribuintes, satisfeitos com uma possível economia no pagamento de tributos. Parece redundar tal concílio num silêncio doutrinário sobre a questão, em possível olvido de eventuais afrontas à Constituição Federal, porta aberta para que novas lesões venham a ser perpetradas pelo legislador.

Portanto, dados os primeiros passos, resta a jornada científica a trilhar. 7. Bibliografia: ATALIBA, Geraldo. Hipóteses de Incidência Tributária. 6ª ed. 4ª tir. São Paulo: Malheiros, 2003. ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 2ªed. São Paulo: Saraiva, 2006. CARRAZZA, Roque A. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2004 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 13. ed. rev. atualiz. São Paulo: Saraiva, 2000. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1999 GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2003. HATSCHBACH, Marcos Tadeu. SIMPLES: manual de tributação das microempresas e empresas de pequeno porte. Porto Alegre: Síntese, 2001. MARQUES, Márcio Severo. Classificação Constitucional dos Tributos. São Paulo: Max Limonad. SANTI, Eurico M. D. Lançamento Tributário. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Max Limonad, 2001. SILVA, Jose A. da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15ª ed.rev. São Paulo: Malheiros, 1998. TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, 15ª edição rev. e ampl., São Paulo: Malheiros, 1999 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do Direito Positivo. São Paulo: RT, 1977. YOUNG, Lucia Helena B. Simples Federal: Microempresa e Empresa de Pequeno Porte. 3 ed. Curitiba: Juruá, 2001. Londrina, 19 de setembro de 2007. CARLOS RENATO CUNHA

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Membro do IDTL. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Procurador do Município de Londrina. Professor do Instituto Catuaí de Ensino Superior – ICES, em Cambé-PR. [1] “[...] toda linguagem é redutora do mundo sobre o qual incide [...]” CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1999, p.11. [2] Id. Ibid., p. 21. [3] “Interpretar é atribuir valores aos símbolos, isto é, adjudicar-lhes significações e, por meio dessas, referências a objetos.” Id. Ibid.., p. 57. [4] SANTI, Eurico M. D. Lançamento Tributário. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 26. [5] VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do Direito Positivo. São Paulo: RT, 1977, p. 64-79. [6] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 13. ed. rev. atualiz. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 236-238. [7] MARQUES, Márcio Severo. Classificação Constitucional dos Tributos. São Paulo: Max Limonad, p. 223.

[8] Em sentido contrário, vide Geraldo Ataliba. Hipóteses de Incidência Tributária. 6ª ed. 4ª tir. São Paulo: Malheiros, 2003. [9] GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2003, p. 98116, passim. [10] ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 2ªed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 122. [11] CARRAZZA, Roque A. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 357. [12] Em sentido contrário, vide SILVA, Jose A. da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15ª ed.rev. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 619. [13] CARRAZZA, Roque A. Op. Cit., p. 140. [14] “[...] estabelecer normas gerais é apontar as diretrizes, os lineamentos básicos; é operar por sínteses, indicando e resumindo. Nunca descendo a assuntos da economia interna, do peculiar interesse das pessoas políticas.” CARRAZZA, Roque A. Op. Cit.., p. 836 (grifo do autor). [15] TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, 15ª edição rev. e ampl., São Paulo: Malheiros, 1999,p. 78. [16] CARRAZZA, Roque A. Op. Cit., p. 356. [17] E nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT já se previu, no artigo 47, uma benesse às microempresas e empresas de pequeno porte em relação aos financiamentos bancários. [18] A redação original do inciso IX do art. 170 era a seguinte: “IX - tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte.” [19] Fruto da conversão da Medida Provisória n. 1526, de 5 de novembro de 1996. [20] A definição foi realizada com base na receita bruta anual, com limites monetários que foram modificados pelas Leis Federais n. 9.732/98 e 11.196/2005. Importante recordar que a Lei Federal n. 9841/99 trouxe regras diversas de benefício a este setor da economia. [21] “Art. 4° O SIMPLES poderá incluir o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal - ICMS ou o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS devido por microempresas e empresa de pequeno porte, desde que a Unidade Federada ou o município em que esteja estabelecida venha a ele aderir mediante convênio.” [22] É exemplo o Estado do Paraná. [23] Importante regra foi incluída por esta Emenda no ADCT: “Art. 94. Os regimes especiais de tributação para microempresas e empresas de pequeno porte próprios da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cessarão a partir da entrada em vigor do regime previsto no art. 146, III, d, da Constituição.” [24] As reclamações se deram, principalmente, pelo setor de prestação de serviços. Tanto que já há a Lei Complementar n. 127, de 14 de agosto de 2007 modificando a LC 123/06, mormente em pontos de interesse desse setor da economia. [25] Com o advento da LC 123/06, foram ajuizadas algumas ADIs no Supremo Tribunal Federal, v.g., a de n. 3933 (que não foi recebida), e a de nº 3903. [26] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 178. [27] De qualquer forma parece que antes da edição da LC 123/06 haveria afronta à Carta Maior na instituição do SIMPLES.

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