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O sistema de prevenção e investigação de crimes financeiros Conferência proferida a 19.04.2017 – Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa P. Saragoça da Matta

O sistema de prevenção e investigação de crimes financeiros “We are what we pretend to be, so we must be carefull about what we pretend to be” Kurt Vonnegut Mother Night “There is no reason why good cannot triumph as often as evil. The triumph of anything is a matter of organization. If there are such things as angels, I hope that they are organized along the lines of the Mafia.” Kurt Vonnegut The Sirens of Titan

1. Delimitação do objecto da reflexão O tema deste painel foi denominado “governance” do sistema de prevenção e investigação de crimes financeiros.

Começamos, necessariamente, por delimitar o âmbito sobre o qual fomos convidados a reflectir, para o que se impõe, preliminarmente, conseguir definir o que seja “governance”, o que seja sistema e o que sejam crimes financeiros, deixando para a fase analítica os conceitos de prevenção e investigação. “Governance” é um daqueles termos de origem inglesa, hoje em dia tão usados em Portugal, que tem como equivalentes no nosso idioma os vocábulos “governo” e “governação”. Governo, substantivo masculino, ou governação, substantivo feminino, provenientes do latim guberno, gubernare, significa o acto de pilotar, dirigir ou conduzir um navio1. Têm ambos por significado o acto ou modo de governar ou administrar. Por seu turno, sistema, substantivo masculino, provém do grego systema, systematis, significando, etimologicamente, um conjunto composto por várias partes2.

O significado actual de sistema é plurívoco, podendo com utilidade nesta sede recordar-se alguns desses significados:

1

Governo, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/governo [consultado em 02-04-2017]. Numa pátria de marinheiros, não poderia ser de outro modo. 2 Sistema, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 20082013, https://www.priberam.pt/dlpo/sistema [consultado em 02-04-2017]. Página 1 de 50

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a) Conjunto de princípios, verdadeiros ou falsos, reunidos de modo que formem um corpo de doutrina; b) Combinado de partes reunidas para concorrerem para um resultado, ou de modo a formarem um conjunto; c) Modo de organização de uma realidade, v.g. sistema capitalista de organização político-económica; d) Modo de governo, de administração ou de rotativismo da organização política, como por exemplo diferentes sistemas eleitorais; e) Conjunto de meios e processos empregues para alcançar um determinado fim; f) Conjunto de métodos ou processos didacticos; g) Método, modo ou forma; h) E vários outros significados específicos no âmbito da anatomia (onde encontra equivalente em aparelho), da astronomia, da filosofia, da geologia, da história, da música, etc.

Destes últimos significados, e porque interessante para momentos mais finais desta reflexão, sublinhemos apenas o conceito filosófico de sistema: um conjunto de ideias científicas ou filosóficas logicamente solidárias, consideradas mais na sua coerência interna, do que na sua verdade.

Daqui resulta, desde já, e para o fim que pretendemos, que sistema é um método, modo ou forma de administrar e um modo de organização de uma realidade, tendo em vista concorrer para um resultado ou formar um conjunto.

O objecto da nossa análise, por conseguinte, é o método de organizar e administrar os mecanismos de prevenção e investigação dos crimes financeiros, método esse que, formando um conjunto, visará concorrer para o resultado óbvio: prevenir e reprimir a realidade definida como criminalidade financeira.

Vejamos, em seguida, o que são crimes financeiros, momento em que, pela dificuldade do empreendimento a realizar (como melhor se perceberá adiante), optamos por abrir um capítulo autónomo. Página 2 de 50

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2. Crimes financeiros – o menino que despejava o mar num buraco da areia

Conta-se que Santo Agostinho, estando em deambulações por uma praia tentando entender o mistério da Santíssima Trindade, encontrou um menino com um pequeno balde de madeira. A criança ia sucessivamente até a água do mar, enchia o seu pequeno balde e voltava, despejando a água no buraco que escavara na areia. Santo Agostinho, observando o menino, perguntou-lhe: – Que fazes, menino? Este, com simplicidade, olhou para o Santo e respondeulhe: – Coloco neste buraco toda a água do mar! Perante tal inocência, o Santo sorriu e disselhe: – Meu pequeno: isso é impossível! Como podes querer colocar toda essa imensidão de água do mar neste pequeno buraco? E foi então que, segundo a lenda, um anjo olhou profundamente o Santo Bispo de Hipona e lhe disse: – Em verdade, te digo: é mais fácil colocar toda a água do

oceano neste pequeno buraco na areia, do que a inteligência humana compreender os mistérios de Deus!

Lembramo-nos, aqui, desta história, porque aquilo que em Portugal se tem pretendido colocar dentro do “pequeno buraco” do sistema de prevenção e investigação criminal, quando se usa como categoria a fórmula “crimes financeiros”, só pode pretender ser uma tentativa de “meter” no dito sistema, preventivo e punitivo, toda a água do Mar. Senão vejamos:

Cabe começar por clarificar que não existe, nem na Lei, nem na Doutrina, nem na Jurisprudência, nem sequer na Criminologia, nenhuma categoria clara e indiscutivelmente definida do que sejam crimes financeiros3.

É aliás curioso notar que mesmo em obras em que esse esforço definidor do que sejam os crimes financeiros seria ponto de partida de todos os raciocínios, a definição não se encontre ou não seja claramente determinável4. 3

A este propósito é curioso notar que em cada família de Direito ou sistema jurídico, em cada Estado dentro da mesma família, em cada Autor trabalhando no mesmo ordenamento jurídico, são diversos os tipos penais que se fazem incluir no rol dos crimes financeiros. Mesmo quando, estranhamente, manifestam algum acordo de princípio sobre quais sejam os bens jurídicos tutelados por tal categoria de criminalidade. 4 Cfr. Palma, Maria Fernanda, Direito Penal Especial: o vértice do sistema penal, in Direito Penal Económico e Financeiro, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, pp. 11 e seguintes. Neste estudo pode ler-se, contudo, com utilidade: “Este Direito Penal Especial não se confunde com a Parte Especial do Código Penal, por dizer respeito a bens Página 3 de 50

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Isto apesar de a doutrina afirmar: “Separar o trigo do joio, delimitar os bens jurídicos ainda sob a chancela de uma ideia de necessidade e dano social empiricamente comprovados, delimitar novos princípios de responsabilidade tanto quanto possível transversais às diversas áreas do Direito Penal, é a tarefa que exige uma investigação nova, que não minimize a força da realidade e a recuse. Trata-se de procurar ‘estradas normativas’, em que se formulem as novas ideias de um Direito Penal que, quer queiramos quer não, se afastam definitivamente do Direito Penal mínimo e do velho princípio da necessidade de pena de Beccaria”5.

E essa delimitação de crimes financeiros que pressupõe encontrar os bens jurídicos subjacentes a todos os tipos, tal como é necessário encontrar coerência entre bens jurídicos de tipos que se pretendem fazer acolher dentro de uma determinada categoria jurídico-criminal, resulta da lógica. Sob pena de a categoria em questão ser uma posta-restante sem qualquer congruência interna, como tal insusceptível de qualquer organização ou sistemática. Como bem defende alguma doutrina Espanhola: “… o direito penal recente se caracteriza por criar novos bens jurídicos que normalmente têm um perfil vago ou pouco conciso, ou que estão definidos somente a traços largos, por antecipar a protecção dos bens jurídicos que se podem definir como clássicos”6. Mas a conclusão será a mesma… sempre será necessário identificar

jurídicos com uma outra funcionalidade. É constituído pelo Direito Penal que se foi desenvolvendo em legislação avulsa, por vezes designada como legislação extravagante, ultrapassando a sistemática do Código Penal – baseada, essencialmente, na protecção da pessoa, da propriedade e do Estado. Este Direito Penal Especial abrange os interesses colectivos de carácter económico-financeiro e fiscal. E abarca outros bens em que o Direito Penal surge com especial configuração, como acontece com os crimes de titulares de cargos públicos, a corrupção em novas áreas (sector privado), ou mesmo o terrorismo, respondendo a exigências de uma rápida intervenção social. O que pode unificar todos estes sectores é a consideração do Direito Penal como meio directo de política social sem uma gestação imediata na indicação social, como acontecia com o Direito Penal Clássico”. Mais adiante, e a propósito da análise de crimes do mercado de valores mobiliários escreve a mesma Autora: “a par desta repercussão do bem jurídico na estruturação do tipo, também há uma inevitável repercussão nos critérios de imputação de uma nova função do Direito Penal” (idem, p. 17). O que leva a concluir que, apesar de todas as reflexões mais funcionalistas, não pode dispensar-se a identificação, com alguma (relativa) precisão, do bem jurídico. Logo, a autonomização do bem jurídico subjacente ao que seja criminalidade financeira, afigura-se-nos imperiosa. 5 Palma, Maria Fernanda, op. cit.,, pp. 23-24. 6 Sánchez, Bernardo Feijoo, Sobre a ‘administrativização’ do Direito Penal na ‘sociedade do risco’, in Direito Penal Económico e Financeiro, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, pp. 40-41. Página 4 de 50

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um bem jurídico, ainda que vago ou pouco conciso, que abranja todos os tipos a integrar a categoria pretendida7. Num sentido muito mais correcto, há quem afirme que “é preciso avaliar a política criminal para verificar se a construção destes tipos penais obedece a um estudo sério por parte dos encarregados pela tipificação das condutas que lesam ou perigam bem jurídicos dignos de protecção, ou se, ao invés, atendem a situações conjunturais e com isto se procura apenas aplacar as preocupações que estas condutas geram na comunidade, no que se denominou pelos estudiosos da sociedade do risco como ‘populismo punitivo’.”8.

E este esforço é tanto mais necessário quando, navegando pelo mundo virtual, se encontra uma profusão de ilícitos que vão sendo, aleatoriamente, integrados na categoria de crimes financeiros, com ou sem razão, com ou sem critério.

Assim vemos serem incluídos no rol de crimes financeiros, conforme o tempo ou a geografia, os seguintes: apropriação ilegal de fundos, gestão fraudulenta de instituição financeira, evasão

7

Apesar do sentido categórico, não nos parece que a pretensão que prosseguimos seja conflituante com a afirmação de A. Silva Dias, quando escreve: “A respeito do fundamento concreto da intervenção penal no âmbito do ilícito fiscal (…), não se apresenta à partida um (ou vários) bem jurídico de contornos definidos, concretamente apreensível, que funcione como constituens da estrutura do ilícito e vincule a uma certa direcção de tutela. Ao invés, o objecto da protecção penal é um ‘constituto’, uma resultante de objectivos e estratégias de política criminal previamente traçados. O legislador não parte aqui das representações de valor pré-existentes na consciência jurídica da comunidade, mas intervém modeladoramente no sentido de uma ordenação de convivência. Por outras palavras, o interesse protegido pelas normas penais fiscais não é um prius, que sirva ao legislador de instrumento crítico da matéria a regular e do modo de regulação, mas um posterius, com uma função meramente interpretativa e classificatória dos tipos, construído a partir da opção por um dos vários figurinos dogmáticos e político-criminais que o legislador tem à disposição. Com esse sentido pode dizer-se que os crimes tributários têm natureza ‘artificial’.” (Dias, Augusto Silva, O novo direito penal fiscal não aduaneiro, in Direito Penal Económico e Europeu, Volume II – Problemas Especiais, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pp. 239 e ss., maxime p. 263). De modo tal que acaba por apontar bens jurídicos, ou interesses jurídicos protegidos, para os crimes fiscais que analisa. O mesmo, aliás, em Dias, Augusto Silva, Crimes e Contra-ordenações fiscais, in Direito Penal Económico e Europeu, Volume II – Problemas Especiais, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pp. 437 e ss., maxime p. 445. O mesmo se diga para o afirmado por M. Costa Andrade: “… pelo menos do ponto de vista cognitivo, o bem jurídico em Direito Penal Económico pode ser posterior à identificação da respectiva área de tutela ou protecção” (Andrade, Manuel da Costa, A nova lei dos crimes contra a economia (Dec.-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro), in Direito Penal Económico e Europeu, Volume I – Problemas Gerais, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, pp. 387 e ss., maxime p. 404). Ou seja, por mais dúvidas que existam sobre qual seja o bem jurídico que levou à incriminação, o mesmo tem de ser encontrado necessariamente para a aplicação do tipo. Infelizmente, neste magnífico estudo o Autor apenas analisou uma parte dos crimes p. e p. no Dec.-Lei n.º 28/84, nenhum deles susceptível de ser considerado crime financeiro. 8 Quintero, Hernando A. Hernández, Delitos Financieros y política criminal, in https://www.uac.edu.co/images/stories/publicaciones/revistas_cientificas/escenarios/volumen-9-no-1/ art09. pdf. Página 5 de 50

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de divisas por operação de câmbio não autorizada, burla (estelionato com desvio da garantia pignoratícia), desvio na aplicação de recursos (burlar o uso previsto em contrato para valores conseguidos por meio de financiamento junto de instituição financeira oficial ou credenciada)9, tráfico de influência, falsificação de documento, peculato, peculato de uso, participação económica em negócio, abuso de poder10, corrupção11, crimes fiscais e cheques sem provisão, burla com fraude bancária, abuso de autoridade, crimes cometidos no exercício de funções públicas, fraude contra a segurança social12, falsificação e roubo de cheques, fraude com abertura, uso e fecho de contas bancárias, o “esquema de Kiting”, roubo de identidade financeira, infidelidades, clonagem de cartões de crédito, “roubos” a bancos (com violência), assaltos a caixas automáticas de multibanco, sistema de pirâmide ou esquemas de Ponzi13, “lavagem de dinheiro”, crimes de colarinho branco, gestão temerária da instituição financeira14, etc. 9

https://economia.terra.com.br/operacoes-cambiais/pessoa-fisica/confira-o-ranking-dos-crimes-financeiros-maiscomuns-no-pais,fb607942755fe310VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.html 10 Notícia in Dinheiro Vivo/Lusa de 30.06.2016 pelas 11:20, https://www.dinheirovivo.pt/economia/director-domuseu-da-presidencia-detido-suspeita-seis-crimes/#stash.9Ai58ob2.dpuf. 11 Notícia in Dinheiro Vivo/Lusa de 30.06.2016 pelas 11:20, https://www.dinheirovivo.pt/economia/policiaeconomica-uestiona-statoil-pagamento-50-milhoes-sonangol/#stash.IUreiTd.dpuf. 12 Dados disponibilizados pela Procuradoria-Geral da República portuguesa à Agência noticiosa Lusa em 4 de Dezembro de 2016 e publicadas em www.noticiasaominuto.com. 13 Cfr. https://www.academia.edu/8600427/Delitos_Bancarios. 14 Interessante a inclusão da lavagem de dinheiro e dos crimes de colarinho branco como crimes financeiros feita na página oficial do Ministério Público Federal Brasileiro do Estado do Ceará na internet. Aliás, depois de tudo quanto ficou atrás referido sobre a imprecisão conceptual nesta área é curioso recordar a Lei 7.942/86 da República Federativa do Brasil, que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Nela, e entre outros, incluem-se os seguintes tipos: imprimir, reproduzir ou, de qualquer modo, fabricar ou pôr em circulação, sem autorização escrita da sociedade emissora, certificado, cautela ou outro documento representativo de título ou valor mobiliário; imprimir, fabricar, divulgar, distribuir ou fazer distribuir prospecto ou material de propaganda relativo aos títulos e valores mobiliários; divulgar informação falsa ou prejudicialmente incompleta sobre instituição financeira; gerir fraudulentamente ou temerariamente instituição financeira; apropriar-se de dinheiro, título, valor ou qualquer outro bem móvel de que tem a posse, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio; quem negociar direito, título ou qualquer outro bem móvel ou imóvel de que tem a posse, sem autorização de quem de direito; induzir ou manter em erro, sócio, investidor ou repartição pública competente, relativamente a operação ou situação financeira, sonegando-lhe informação ou prestando-a falsamente; emitir, oferecer ou negociar, de qualquer modo, títulos ou valores mobiliários: falsos ou falsificados; sem registro prévio de emissão junto à autoridade competente, em condições divergentes das constantes do registro ou irregularmente registrados; sem lastro ou garantia suficientes, nos termos da legislação; sem autorização prévia da autoridade competente, quando legalmente exigida; fraudar a fiscalização ou o investidor, inserindo ou fazendo inserir, em documento comprobatório de investimento em títulos ou valores mobiliários, declaração falsa ou diversa da que dele deveria constar; fazer inserir elemento falso ou omitir elemento exigido pela legislação, em demonstrativos contábeis de instituição financeira, seguradora ou instituição integrante do sistema de distribuição de títulos de valores mobiliários; manter ou movimentar recurso ou valor paralelamente à contabilidade exigida pela legislação; deixar, o ex-administrador de instituição financeira, de apresentar, ao interventor, liquidante, ou síndico, nos prazos e condições estabelecidas em lei as informações, declarações ou documentos de sua responsabilidade; apresentar, em liquidação extrajudicial, ou em falência de instituição financeira, declaração de crédito ou reclamação falsa, ou juntar a elas título falso ou simulado; ex-administrador ou falido que reconhecer, como Página 6 de 50

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Também de particular interesse, para uma correcta percepção do cenário em que nos movemos, é a categorização feita no âmbito da actividade bancária daquilo a que se chama “o quarteto dos crimes bancários”, que quando analisados são ilícitos informáticos praticados através da criação e difusão de vírus informáticos / softwares maliciosos com o propósito de abduzir dos sistemas informáticos da banca informações relacionadas com transacções financeiras ou permitir a apropriação de credenciais que permitem realizar operações bancárias fraudulentas, contra as instituições e/ou seus clientes. Estes Cavalos de Tróia são o Citadel, o Carberp, o Spyeye e o Zeus. Todavia, são em muitos países considerados verdadeiros crimes financeiros15. *** Em face deste panorama caótico, entendemos que a abordagem não possa deixar de passar pela procura do que seja o direito financeiro (e, em rigor, até deveria ser económico-financeiro16), para depois poder circunscrever o que seja o crime financeiro, enquanto categoria dogmaticamente aceitável (por preencher os requisitos da determinação e certeza ínsitos a toda e qualquer definição ). Escreve Teixeira Ribeiro que “a actividade financeira concretiza-se (…), em receitas e despesas. O Estado adquire receitas, transforma-as em despesas, e isso dá origem a um complexo de relações entre os particulares e os agentes do Estado, e estes entre si. São relações que, num Estado de direito, e atenta de mais a mais a importância dos interesses em jogo, não podem deixar de encontrar-se submetidas a normas jurídicas. Ora, as normas que regulam a obtenção, a gestão e o dispêndio dos meios financeiros públicos constituem, precisamente o verdadeiro, crédito que não o seja; violar sigilo de operação ou de serviço prestado por instituição financeira ou integrante do sistema de distribuição de títulos mobiliários de que tenha conhecimento, em razão de ofício; obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira; aplicar, em finalidade diversa da prevista em lei ou contrato, recursos provenientes de financiamento concedido por instituição financeira oficial ou por instituição credenciada para repassá-lo; atribuir-se, ou atribuir a terceiro, falsa identidade, para realização de operação de câmbio; efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País; quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente; omitir, retardar ou praticar, o funcionário público, contra disposição expressa de lei, ato de ofício necessário ao regular funcionamento do sistema financeiro nacional, bem como a preservação dos interesses e valores da ordem económico-financeira; etc. 15 Cfr. https://blog.kaspersky.com.br/o-quarteto-dos-crimes-bancarios/1512/. 16 Por razões que se prendem com a nomenclatura legislativa dada à Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro, e que nos seus próprios termos pretendia ser a base de concretização das Medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira. Aliás, desde já se sublinhe que todas as críticas e apreciações que se farão ao art.º 1º n.º 1 als. d) e e) da Lei n.º 36/94 são aplicáveis, ipsis verbis, ao teor (igualmente criticável), das alíneas p) e q) do art.º 2º da Lei n.º 101/2001 de 25 de Agosto (Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e EconómicoFinanceira), na medida em que têm exactamente o mesmo teor daquelas. Idem para a al. j) do n.º 3 do art.º 7º da Lei n.º 49/2008 de 27 de Agosto, atrás identificada. Página 7 de 50

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direito financeiro. O direito respeitante à aquisição de receitas contempla sobretudo as receitas coactivas. E como estas são conseguidas mediante processos diferentes dos usados pelos particulares, daí que se procurasse isolar, no próprio direito das receitas, o conjunto de normas relativas à obtenção daquelas cujo montante é autoritariamente estabelecido pelo Estado: eis o direito tributário. O direito tributário regula, portanto, a aquisição de taxas e de impostos. Mas como as taxas as percebe o Estado em troca de serviços que presta, e os impostos não têm contraprestação nenhuma e são, além disso, a fonte principal não só das receitas coactivas como das receitas públicas – daí que se procurasse isolar, dentro do direito tributário, o conjunto de normas que respeitam à incidência, lançamento e cobrança dos impostos: eis o direito fiscal.”17. Por seu turno, “no presente estádio do conhecimento, e de forma aproximativa, define-se o objecto da disciplina do Direito Económico como o estudo da ordenação (ou regulação) jurídica específica da organização e direcção da actividade económica pelos poderes públicos e (ou) pelos poderes privados, quando dotados de capacidade de editar ou contribuir para a edição de regras com carácter geral, vinculativas dos agentes económicos”18. Dito de outro modo, “é possível afirmar que o Direito Económico, embora não integrando todo o direito da economia – visto que há outros ramos de direito que dele se ocupam, como, por exemplo, o direito comercial – é todavia o direito específico da ordenação da economia”19.

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Ribeiro, José Joaquim Teixeira, Lições de Finanças Públicas, 5ª Ed., reimp., Coimbra Editora, Coimbra, 1997, p. 46. 18 Santos, António Carlos, Gonçalves, Maria Eduarda e Marques, Maria M. Leitão, Direito Económico, 5ª Ed. Revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2004, p. 13. Muito interessante, precisamente para a análise que se empreende, e que é obviamente levada a cabo na perspectiva penal, com a sua imperiosa certeza, previsibilidade, determinabilidade, é a apresentação feita pelos autores do que consideram ser as características principais do direito financeiro: “a dispersão e heterogeneidade das suas fontes (…); a sua mobilidade, que se manifesta na transitoriedade e na plasticidade na adaptação aos casos concretos de uma parte das suas normas, em parte justificada pela sua natural sensibilidade às mudanças sociais e políticas e pela sua ligação às políticas económicas conjunturais; a ampliação do âmbito das fontes tradicionais (…); uma certa privatização das suas fontes, que se manifesta não só na importância da auto-regulação pelas próprias entidades privadas, mas também na negociação das fontes públicas, tanto no processo da sua elaboração, como no momento da sua aplicação; o declínio da coercibilidade, que se reflecte em diversos aspectos como sejam: o predomínio das normas de conteúdo positivo sobre as de conteúdo negativo; a subalternização dos efeitos jurídicos relativamente aos económicos e sociais; a relevância das normas programáticas; a utilização crescente da via contratual e da via concertada, ao lado da imposição legal, para atingir os fins da política económica; a diminuição dos efeitos da nulidade dos negócios, procurando maximizar os seus efeitos jurídico-económicos” (pp. 25 e s.). 19 Santos, António Carlos, Gonçalves, Maria Eduarda e Marques, Maria M. Leitão, op. cit. , p. 26. Página 8 de 50

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Por fim, recordar que “um dos sectores da actividade económica em que mais se tem desenvolvido o fenómeno da regulação é o dos mercados financeiros, que correspondem, no entanto, a uma das áreas onde a regulação se defronta com maiores problemas, resultantes quer da globalização financeira, quer da tendência do sector para tentar impor formas de autoregulação. Em Portugal, a exigência de intervenção do Estado nos mercados financeiros constitui um imperativo constitucional. De facto, na actual versão, fixada na segunda revisão constitucional, o art.º 101º prevê que ‘o sistema financeiro é estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação, e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social. É certo que a expressão sistema financeiro está longe de ser isenta de ambiguidades e a própria inserção sistemática do art.º 101º, num título com a epígrafe sistema financeiro e fiscal só contribui para as aumentar, dificultando a separação entre os universos financeiros público e privado.”20.

Seguindo a mesma autoridade, estes mercados financeiros compreendem o sector bancário (e parabancário, diríamos nós),

o mercado de valores mobiliários e o sector segurador21 (e dos fundos).

Em face do exposto, a realidade económico-financeira será o conglomerado de relações e normas protagonizadas e criadas pelas instituições e pelos agentes económicos, pondo-se na fórmula enunciada o acento tónico no direito financeiro, o qual regula a obtenção, a gestão e o dispêndio dos meios financeiros públicos, abrangendo, por conseguinte, o direito tributário, e, mais especificamente ainda, o direito fiscal22/23. 20

Ferreira, Eduardo Paz, Direito da Economia, reimp., Lisboa, AAFDL, 2003, p. 415. Ferreira, Eduardo Paz, op. cit., pp. 415 a 457. Já o direito da economia abrangerá o conjunto normativo disciplinador do sector empresarial privado e do sector empresarial do Estado, Autárquico e Regional, o intervencionismo estatal, a concertação económica e o contratualismo económico, as privatizações, a regulação económica em geral, os mercados financeiros, o direito da concorrência, etc. 22 Finanças, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/financas [consultado em 02-04-2017], significa fazenda nacional, Estado financeiro, ciência que tem por fim coordenar os interesses pecuniários do Estado com o bem-estar público. 23 Alfredo José de Sousa escreve: “Uma das especificidades do direito económico é o sistema sancionatório próprio para a violação dos bens jurídicos que as suas normas e institutos jurídicos visam tutelar” (Sousa, Alfredo José, Direito Penal Fiscal – Uma prospectiva, in Direito Penal Económico – Centro de Estudos Judiciários – Ciclo de Estudos, CEJ, Coimbra, 1985, p. 189 e ss., maxime p. 200, com nota de rodapé a Simões Patrício, Introdução ao Direito Económico, p. 31). Este Autor vai precisamente no sentido que defendemos no texto, ainda que coloque a questão de saber se o direito penal fiscal é também um direito sancionador das violações da ordem económica, questão a que responde afirmativamente, porquanto “o imposto constitui também um instrumento jurídico a utilizar pelo Estado na regulação, intervenção ou direcção do sistema económico” (p. 201). Mais adiante, porém, vem a identificar o bem jurídico dos crimes fiscais como “a confiança da administração fiscal na verdadeira capacidade contributiva dos contribuintes” (p. 221), asserção esta que não acompanhamos de todo. 21

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Nestes termos, quando se fala em criminalidade económico-financeira, está a falar-se de factos típicos, ilícitos, culposos e puníveis cujo bem jurídico protegido24 emergirá da referida regulação constitucional e legal da realidade económico-financeira.

Conclusivamente, de um ponto de vista conceptual, dogmático, a criminalidade económicofinanceira será aquela que viola os bens jurídicos fundamentais tutelados pelas normas reguladoras do sector empresarial, seja ele privado, autárquico, regional ou Estatal, dos processos de intervencionismo estatal na economia, do domínio da concertação e do contratualismo económico, do âmbito das privatizações, do direito da concorrência, do sector bancário, parabancário, segurador e do mercado de valores mobiliários25. Este será, dogmaticamente (e tanto quanto possível “determinar”), o âmbito da criminalidade económico-financeira. Com o que se conclui, logo olhando para a primeira categoria enunciada, que poderão e deverão ser considerados crimes económico-financeiros também todos aqueles crimes ditos comuns, se e na medida em que forem cometidos “por”, “em” ou “contra” o sector empresarial público ou privado. Em face desta “definição” dogmática, cabe apurar o que entendeu o legislador fazer verter dentro do conceito de criminalidade económico-financeira, para o que teremos de lançar mão, compulsoriamente, da Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro, diploma que entendeu ex professo 24

Esta nossa busca é imposta pelo teor expresso do art.º 18º n.º 2 da Constituição da República, precisamente no sentido defendido por Costa Andrade, quando escreve: “a fecundidade deste preceito (“a lei só pode restringir direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitarse ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”) para o tema que aqui nos ocupa afigura-se-nos óbvia. (…) vale (como autêntica norma jurídica e não como mero princípio programático) praeter legem, sine lege ou contra legem” (Andrade, Manuel da Costa, A nova lei dos crimes contra a economia (Dec.-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro), in Direito Penal Económico e Europeu, Volume I – Problemas Gerais, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, pp. 387 e ss., maxime p. 397). E segue logo adiante: “Um bem jurídico que – resulta claro – não pode dissolver-se no conceito omnicompreensivo de ratio legis, mas há-de circunscreverse a valores devidamente identificados a que o tipo assegura uma específica – mas sempre limitada – área de tutela (Schutzbereich). Limitação requerida por considerações de ordem vária, mas a que não é estranha a homenagem a contra-interesses ou valores conflituantes e que, por isso, se inscrevem também no telos da norma incriminatória. Certo como é que toda a decisão de criminalização é também uma decisão de não-criminalização das condutas que caem fora da área de tutela tipicamente assegurada” (idem, p. 398). 25 Em abono desta abrangência conceptual se deve convocar, precisamente, o art.º 101º da Constituição da República, quando estatui: “O sistema financeiro é estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social”. Página 10 de 50

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prever e disciplinar as Medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira26.

Todavia, dado o escopo da presente reflexão, e apesar da abrangência superior da Lei n.º 36/9427, limitar-nos-emos a analisar o sistema de prevenção e investigação dos crimes financeiros, deixando de parte todas as infracções económicas.

E para determinar os bens jurídicos tutelados pelo direito financeiro, que possam merecer tutela penal em ordem à constituição do acervo de crimes financeiros, teremos de atentar precisamente na definição desse mesmo direito. Assim sendo, os bens jurídicos tutelados pelos crimes financeiros exumar-se-ão das normas que regulam a obtenção, a gestão e o dispêndio dos meios financeiros públicos, abrangendo, o direito tributário e o direito fiscal28, e ainda as normas que disciplinam a actividade bancária, parabancária, seguradora, de fundos e de valores mobiliários.

Ora, a Lei n.º 36/94 tem um elenco de tal sorte amplo e variado que peca simultaneamente por excesso e por defeito. Não só abrange muito mais crimes do que os verdadeiros crimes económico-financeiros, como não abrange todos os crimes económico-financeiros que devia abranger, como ainda abrange muitos crimes cuja inclusão no rol de crimes de corrupção ou

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Como dito atrás, em lugar exactamente igual se encontram as alíneas p) e q) do art.º 2º da Lei n.º 101/2001 de 25 de Agosto. Também fazendo um apelo, igualmente incompreensível e censurável, ao conceito de crimes económico-financeiros encontramos a Lei n.º 49/2008 de 27 de Agosto (Lei de Organização da Investigação Criminal), mais precisamente no art.º 7º n.º 3 al. j). De relevo, contudo, este Diploma, para demonstrar a desnecessidade total dos outros dos diplomas pré-citados. 27 Abrangência superior apesar de existir muita regulação de combate às infracções económicas e financeiras para além da Lei n.º 36/94 e da Lei n.º 101/2001, regulação essa, aliás, muito mais “capaz” do que este diploma na tentativa de lograr essa mesma prevenção e combate. 28 No correcto sentido cfr. Quintero, Hernando A. Hernández, op. cit., p. 97. A propósito conferir ainda Echandía, Alfonso Reyes, Derecho penal, Universidad Externado de Colombia, Bogotá, 1980, p. 30 (afirma o autor, a nosso ver com alguma imprecisão conceptual entre Direito financiero e Direito fiscal: “El derecho financiero está constitutido por el conjunto de normas jurídicas que permiten al Estado arbitrar los medios económicos necesarios para la satisfacción de necesidades públicas; entre esos medios figura la pena imponible en casos de infracción a ciertas normas de contenido fiscal”). Num sentido mais preciso cite-se Neira, Néstor Humberto Martínez, Sistemas financieros, Bogotá, Biblioteca Felaban, 1994, p. 3, quando escreve: “entendemos por derecho financiero el conjunto de principios y normas que gobiernan la formación, el funcionamiento, la actividad y la liquidación ordenada de las instituciones que tienen por objeto la captación, el manejo, el aprovechamiento y la inversión de fondos provenientes del ahorro del público, así como el ofrecimiento de servicios auxiliares del crédito”). Por fim, Piñero, Rafael Márquez, Delitos bancarios, Editorial Porrúa, México, 1996, p. 12, correctamente afirmando que o Direito penal financeiro “establece y sanciona las infracciones en materia de finanzas (operaciones de Banca, de bolsa y actividades financieras en general)”, faltando apenas a referência à dimensão que apontamos em texto, e a que alude também Martínez Neira supra. Página 11 de 50

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económico-financeiros é totalmente inadmissível. Claramente que o legislador pretendeu criar aqui uma norma de atribuição de competências para os órgãos de polícia criminal e para o titular da acção penal, e ao fazê-lo cozinhou uma salada russa, tendo-lhe dado uma nomenclatura totalmente desadequada da realidade.

Tudo porque cometeu o pecado original de pretender verter em letra de lei um conceito que, como vimos, é totalmente impossível – e até dogmaticamente desadequado – de utilizar com total rigor na área jurídico-criminal, em que a precisão típica (lege certa, stricta et praevia) é comando constitucional intransponível – precisamente, o conceito de crime económicofinanceiro.

Mas não se ficam por aqui os pecados deste diploma legal. Com efeito, há nele uma confusão permanente entre conceitos típicos, largamente cristalizados por décadas ou centúrias de reflexão dogmática e legal, com conceitos vagos e indetermináveis, alguns com mero valor criminológico ou mesmo apenas sociológico. Só faltou enunciar como crime económicofinanceiro a categoria do white collar crime para o dislate ser total.

Mas para determinar o grau de desadequação do diploma legal, convirá precisamente atentar no teor daquilo que pretende abranger nas acções de prevenção e de combate à corrupção e à criminalidade económica e financeira. E concluir-se-á que o legislador foi como a Criança da lenda de Santo Agostinho, a tal que tentou meter toda a água do mar num pequeno buraco na areia.

3. A Lei n.º 36/94 de 29 de Setembro Dispõe o art.º 1º da Lei n.º 36/94 ser da competência do MP e da Polícia Judiciária, “sem prejuízo da competência de outras autoridades”, a realização de acções de prevenção relativas aos seguintes crimes: a) Corrupção, peculato e participação económica em negócio; b) Administração danosa em unidade económica do sector público; c) Fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito;

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d) Infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, com recurso à tecnologia informática; e) Infracções económico-financeiras de dimensão internacional e transnacional.

Quanto às alíneas a), b) e c), pode dizer-se que se trata de alíneas claramente bem definidas, fazendo apelo a tipos penais concreta e precisamente tipificados na lei penal (art.ºs 372º a 374º-B CP, art.ºs 375º a 377º CP, art.º 235º CP e art.ºs 36º a 39º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro)29.

Porém, quanto às alíneas d) e e), já se não pode tecer qualquer encómio30. Com efeito, na alínea d), ao se referirem infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, com recurso à tecnologia informática, criou-se uma situação particularmente anómala. Não só não consegue saber-se, com precisão (como visto), o que são infracções económico-financeiras, posto que não existe nenhuma categoria legal como a enunciada, como não se alcança qual a razão de se abrangerem apenas essas infracções quando cometidas de forma organizada “e” com recurso à tecnologia informática, deixando-se de fora todas as que sejam produto, apenas, de criminalidade organizada “ou”, apenas, de criminalidade informática. Teria sido mais abrangente, e como tal profícuo de um ponto de vista das acções de prevenção que a Lei pretendia autorizar, que se limitasse a utilizar a categoria da criminalidade altamente organizada, conceito pleno de significado legal, porque definido no CPP e isento de dúvidas.

O mesmo se diga da previsão da alínea e), onde se referem as infracções económico-financeiras de dimensão internacional e transnacional. Esta previsão, além de merecer a mesma crítica de total indeterminabilidade do que sejam infracções económico-financeiras, resolveu repetir dois conceitos que, in casu, só podem ter um e o mesmo significado: internacional e transnacional… que significa criminalidade que ultrapassa as fronteiras de um determinado Estado, que envolve espaço sujeito à soberania de mais do que um Estado.

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Questão diversa, e a que só adiante se poderá dar resposta, é a de saber se mesmo para estes tipos de crime era necessária a existência deste diploma. 30 Recorde-se que o mesmo se pode dizer, ipsis verbis, para as alíneas p) e q) do art.º 2º da Lei n.º 101/2001 de 25 de Agosto. A utilização de tais “categorias” já não existe, contudo e bem, na Lei n.º 5/2002 de 11 de Janeiro, que prevê e disciplina as Medidas de Combate à Criminalidade Organizada. Página 13 de 50

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Mas mesmo nos casos em que os tipos penais relativamente aos quais o legislador pretendeu referir-se estão correctamente identificados (alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 1º ), pergunte-se: a competência do MP e da PJ carecia deste diploma para existir? Não resultava já do Código de Processo Penal e dos diplomas legais31 que estruturam a orgânica e competência dos diversos órgãos de polícia criminal?

A resposta é inequívoca: essa competência já resultava de outros diplomas em vigor, pelo que a utilidade da Lei n.º 36/94, também para este efeito, é totalmente nula.

Já quanto aos casos em que ninguém conseguirá determinar com rigor absoluto a quê é que o legislador quis referir-se (alíneas d) e e) do n.º 1 do art.º 1º ), dir-se-á que para o crime organizado, para o crime informático, para o crime internacional ou transnacional, já o MP e a PJ tinham a mesma competência, que aqui se afirma, claramente definida em outros instrumentos legais.

Daí ser totalmente incompreensível dizer-se aqui que a PJ realiza as acções previstas no número anterior por iniciativa própria ou do MP (n.º 2 do art.º 1º). É que as acções de prevenção já são sua obrigação in genere quanto a todos os crimes de que tomem conhecimento, ou de que haja suspeitas, ou perigo, de que possam estar a ser, ou vir a ser, cometidos, nomeadamente as que depois o legislador resolveu tentar elencar no n.º 3 do mesmo artigo.

Objectar-se-á ao nosso raciocínio dizendo: mas o objectivo do diploma legal foi clarificar o que são as acções de prevenção, e que isso só ficou clarificado mercê do art.º 1º n.º 3… Tal asserção é, porém, falsa!

Todas as recolhas de informação relativas a notícias de factos susceptíveis de fundamentar suspeitas do perigo da prática de um crime (alínea a) do n.º 3 do art.º 1º), e todas as solicitações de inquéritos, sindicâncias, inspecções e outras diligências necessárias e adequadas à averiguação da conformidade de determinados actos ou procedimentos administrativos, no âmbito das relações entre a administração pública e as entidades privadas (alínea b) do n.º 3 do

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Precisamente a este respeito cfr. Lei n.º 49/2008 de 27 de Agosto (Lei de Organização da Investigação Criminal). Página 14 de 50

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art.º 1º)

já são atribuições do MP, coadjuvado pelos OPC’s, e até por muitas outras instituições

reguladoras do mercado e até agentes económicos32.

Por fim, a proposta de medidas susceptíveis de conduzirem à diminuição da corrupção e da criminalidade económico-financeira (alínea c) do n.º 3 do art.º 1º), já é uma prerrogativa das autoridades judiciárias (MP aí incluído) e dos OPC’s… termos em que é também totalmente inútil o n.º 3 do art.º 1º da Lei n.º 36/94.

Em suma, não pode senão concluir-se serem totalmente redundantes, para não dizer inúteis, todas as normas do art.º 1º deste diploma legal, porquanto tudo quanto se entende aqui serem acções de prevenção supostamente para um certo tipo de criminalidade especial, já são acções de polícia de giro para todos os OPC’s, cada um deles para os crimes para os quais já tem competências investigatórias próprias ou delegadas.

Igualmente inútil é o estatuído no art.º 2º n.º 1. Tanto quanto se saiba, os actos do MP e dos OPC’s não só não podem ser indocumentados (sem forma, nem base documental), como não podem ofender direitos, liberdades e garantias dos cidadãos que não nos termos previstos na CRP e no CPP. O que esta norma vem dizer é, portanto, absolutamente oco. Tal como o é o disposto no art.º 3º - havendo elementos que indiciem a prática de um crime, é instaurado o respectivo processo criminal… é precisamente o que manda fazer-se no CPP relativamente a todo e qualquer tipo de crime.

As mesmas considerações valem para os art.ºs 4º, 7º, 12º, 13º e 14º, sendo que os 5º e 6º já se encontram, felizmente, revogados, como revogada deveria estar a Lei n.º 36/94 in totum. Quanto aos art.ºs 10º e 11º são normas de alteração a outros diplomas legais, precisamente diplomas atributivos de competências da Polícia Judiciária e do Departamento de Perícia Financeira e Contabilística.

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Como abaixo, aliás, melhor se demonstrará. Página 15 de 50

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Sobram, assim, por analisar os art.ºs 8º e 9º, respectivamente sobre atenuação especial (da pena) e suspensão provisória do processo, que cabe analisar ex professo pelas razões que seguidamente se desvendarão. Quanto ao art.º 8º, estatui que “nos crimes previstos no artigo 1º, n.º 1, alíneas a) e e)”, i.e., os crimes de corrupção, peculato e participação económica em negócio, e nas infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional, “a pena pode ser especialmente atenuada se o agente auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis”.

Esta norma é, a todos os títulos, inaceitável, pelas seguintes ordens de razão.

Em primeiro lugar porque o legislador do Direito penal codificado estatuiu tudo quanto quis relativamente aos crimes de corrupção, peculato e participação económica em negócio no momento em que criou esses mesmos tipos… tipos esses, aliás, p. e p. em artigos sucessivos do Código Penal: 372º a 377º!

Relativamente a todos esses tipos, entendeu o mesmo legislador que um regime de dispensa ou atenuação especial da pena só fazia sentido relativamente aos tipos p. e p. nos art.ºs 372º a 374º, i.e., aos crimes de corrupção (mais rigorosamente, aos crimes de recebimento indevido de vantagem, corrupção passiva e corrupção activa, respectivamente). Já relativamente aos crimes previstos nos art.ºs

375º a 377º, i.e., peculato, peculato de uso e participação económica em negócio, entendeu o legislador que nenhumas dispensas ou atenções especiais de pena existiriam, para além das previstas em geral, nos art.ºs 72º a 74º do CP, e que são aplicáveis a todo e qualquer crime.

Criou assim o legislador da Lei n.º 36/94 um regime legal confuso e injustificável, em que: os crimes de corrupção acabam por contar com duas normas legais de atenuação especial de pena, uma constante do n.º 2 do art.º 374º-B, e outra constante do art.º 8º de Lei n.º 36/94; os crimes de peculato, peculato de uso e participação económica em negócio, que beneficiavam apenas do regime de atenuação previsto na parte geral do Código Penal, passaram a ter um regime de atenuação especial ex vi deste diploma extravagante, quando em sede do direito penal

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codificado o legislador, cujo acerto de decisão se deve presumir, não quis instituir qualquer regime especial com tal propósito.

Mas ainda não ficamos por aqui. É que os pressupostos da atenuação especial da pena nas ditas duas normas que a prevêem para o mesmo crime (rectius, crimes de corrupção), são diferentes: segundo o Código Penal a atenuação especial da pena depende de o agente “até ao momento da audiência de julgamento em primeira instância, auxiliar concretamente na obtenção ou produção das provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis; ou tiver praticado o acto a solicitação do funcionário, directamente ou por interposta pessoa”; segundo a Lei n.º 36/94, a atenuação especial da pena depende de “o agente auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação captura de outros responsáveis”.

Como a redacção do art.º 374º-B n.º 2 CP remonta à Lei n.º 30/2015, de 22 de Abril, admitindo mais situações de atenuação especial de pena do que as admitidas no art.º 8º da Lei n.º 36/94 de 29 de Setembro, só pode concluir-se que este art.º 8º foi tacitamente revogado, sob pena de se admitir que um diploma extravagante anterior mantenha em vigor um regime jurídico mais desfavorável ao arguido do que norma penal codificada posterior.

Em segundo lugar porque estabelece esta atenuação especial da pena para crimes de peculato, peculato de uso e participação económica em negócio, em 1994, que o legislador do Código Penal de 2015, que introduziu o art.º 374-B CP, e cujo acerto de decisão tem de presumir-se, como dito atrás, não quis prever para esses mesmos tipos penais. Tivesse querido fazê-lo, e teria criado um art.º 377º-A no CP de teor semelhante ao do art.º 374º-B CP previsto para os crimes de corrupção33.

Em terceiro, e último, lugar, porque padece o art.º 8º deste diploma extravagante de todos os males que inquinam o regime previsto no n.º 2 do art.º 374º-B do CP, na medida em que admite um regime legal de atenuação especial da pena que não se limita a premiar o arrependimento

33

Cabe todavia aqui ressalvar o que abaixo se dirá sobre uma interpretação normativa favorável ao Arguido, que restringirá a conclusão hermenêutica revogatória enunciada no texto. I.e., entendemos que havendo revogação do art.º 8º no que respeita aos crimes de corrupção, uma correcta perspectivação jus-constitucional da questão impõe considerar o art.º 8º em vigor para os demais crimes a que nele se faz alusão. Página 17 de 50

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pessoal, i.e., a confissão, antes se transformando numa consagração em Portugal de um instituto que consideramos ser totalmente indesejável no quadro jurídico-constitucional português, a saber, a delação premiada, e não a mera colaboração com a justiça (ainda assim sem a situação extrema prevista no direito brasileiro de admitir a total dispensa de pena para aquele que em primeiro lugar delata os parceiros no ilícito34).

Curiosamente, ou talvez não, na parte geral do Código Penal a suspensão

provisória do processo pode ocorrer em variadíssimas situações, nomeadamente o arrependimento manifesto do agente, mas nunca – porque escrito noutro quadro axiológico, bem mais salutar – da delação de terceiros!

Em todo o caso, estando claramente revogado este art.º 8º no que respeita aos crimes de corrupção, mercê da sucessão de leis penais no tempo causada pelo art.º 374º-B do CP, já o não está expressamente para os crimes de peculato, peculato de uso e participação económica em negócio, casos em que uma interpretação favor reus implicará admitir que o mesmo continua em vigor, malgrado uma interpretação sistemática rigorosa, como a atrás sustentada, levasse a concluir ter sido outro o espírito legislativo que presidiu à intervenção legislativa da Lei n.º 30/2015.

Por fim, este mesmo art.º 8º prevê também esta atenuação especial da pena para as infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional.

Dado o nosso entendimento sobre a insusceptibilidade de determinar com total rigor o que sejam infracções económico-financeiras, dogmática e legalmente, então caberá concluir num de dois sentidos radicalmente opostos: ou que esta atenuação especial da pena não tem qualquer objecto (por indeterminabilidade do que sejam infracções económico-financeiras de dimensão extrafronteiriça);

ou que a mesma valerá para todo e qualquer crime internacional ou transnacional,

sob pena de qualquer restrição a uns tipos de crime e não a outros criar situações de desfavor em relação ao arguido, por depender de densificação de conceito totalmente arbitrária do que sejam, em cada momento, considerados crimes económico-financeiros35.

O que poderá ser a única via de “salvar” este benefício ou prémio da sua total inconstitucionalidade, como defendemos no nosso artigo “Delação premiada… o regresso da tortura!” (consultável em https://www.academia.edu/31258040/Dela%C3%A7%C3%A3o_Premiada_O_regresso_da_Tortura). 35 Exemplo: um crime de açambarcamento, previsto no art.º 28º do Dec.-Lei n.º 28/84, se tiver dimensão internacional ou transnacional, sendo um crime anti-económico, nos dizeres da própria lei em questão, terá de 34

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Quanto ao art.º 9º da Lei n.º 36/94, não sendo susceptível do mesmo nível de críticas que o art.º 8º, desde logo porque reduz o seu campo de aplicação aos crimes de corrupção activa, também não incorre nos mesmos males apontados ao art.º 8º na parte em que admite a suspensão provisória do processo na condição de “ter o arguido denunciado o crime ou contribuído decisivamente para a descoberta da verdade”… estranhamente, aqui, a delação de terceiros já não é necessária para nenhum efeito. Basta o arrependimento, através da auto-denúncia ou (sublinha-se, “ou”) colaboração para a descoberta da verdade.

Enunciados os principais problemas emergentes da Lei n.º 36/94, e atento ser aceite generalizadamente a mutabilidade do conteúdo da criminalidade económico-financeira, caberá tentar agora densificar qual o possível objecto actual de tal conceito, para que possa ter-se uma dimensão da realidade relativamente à qual serão admissíveis as acções de prevenção e combate previstas no n.º 3 do art.º 1º desse mesmo diploma legal.

Daqui decorrerá, igualmente, a demonstração do carácter totalmente variável, para não dizer arbitrário, da utilização, em normas de investigação criminal, de conceitos como crimes económicos (ou crimes anti-económicos, se nos arrimarmos aos dizeres do Dec.-Lei n.º 28/84 de 20 de Janeiro), crimes financeiros ou crimes económico-financeiros.

Apesar da unificação criminológica, e legal como visto, dos crimes económico-financeiros, optamos aqui, como referido atrás e dado o escopo desta intervenção36, aos crimes financeiros.

Por fim, e como já atrás referido, não nos podemos esquecer de que integrarão necessariamente o sistema de prevenção e combate à criminalidade financeira vários outros diplomas e entidades (reguladoras), a que faremos alusão em momento próprio desta análise. beneficiar deste regime de atenuação especial da pena. O mesmo para um crime de fraude sobre mercadorias, previsto no art.º 23º de tal diploma legal, se cometido nas mesmas circunstâncias. E, pior ainda, dada a total insegurança que gera, qualquer crime comum de burla praticado no âmbito bancário… conquanto praticado também para além das fronteiras do Estado português. Com tudo isto se constata o perigo criado pela Lei n.º 36/94, por total falta de ponderação dos respectivos dizeres e do demais previsto no ordenamento jurídico-criminal codificado e extravagante. 36 Até porque no programa deste V Seminário Luso-Brasileiro de Direito prevê expressamente uma sessão de trabalho sobre governance do sistema económico, pelo que não caberá aqui entrar nesse outro, e mais amplo, universo da criminalidade económica. Página 19 de 50

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4. Que crimes podem considerar-se crimes financeiros? I – Crimes financeiros: categoria criminológica vs. categoria jurídico-penal Conforme vimos atrás, a designação de crimes económico-financeiros não corresponde a qualquer categoria susceptível de ser encontrada definida na legislação, muito menos sendo uma categoria facilmente desenhável de um ponto de vista dogmático. Tentativamente gizámos, supra, um conceito dogmático, mas estamos claramente cientes da respectiva fragilidade, pelo menos para fins tão sensíveis e perigosos como os da circunscrição típica dos meios de investigação criminal admissíveis.

Aliás, é um trabalho, esse de circunscrição categorial, que não se encontra sequer feito, e que, precisamente mercê de algumas das características apontadas pela doutrina sobre o conceito de direito económico e de direito financeiro, nem sequer será nunca uma obra concluída. O que se diz vale para o conceito “parcial” de criminalidade financeira.

Com efeito, como visto, o direito financeiro caracteriza-se principalmente, além do mais, pela dispersão e heterogeneidade das suas fontes, pela sua mobilidade, que se manifesta na transitoriedade e na plasticidade na adaptação aos casos concretos de uma parte das suas normas, em parte justificada pela sua natural sensibilidade às mudanças sociais e políticas e pela sua ligação às políticas económicas conjunturais, pela importância da auto-regulação pelas próprias entidades privadas, e, the last but not the least, pelo declínio da coercibilidade37.

Ou seja, se o âmbito do direito financeiro é, como reconhecido pela doutrina unanimemente, um âmbito disperso e heterogéneo, extremamente transitório, mutável e plástico na adaptação aos casos concretos, dependente das constantes mudanças sociais e políticas e às conjunturais políticas económicas, é tipicamente uma daquelas áreas do Direito mais incompatível com a estabilidade, imutabilidade e perenidade de valores que podem ser erigidos em bens jurídicos susceptíveis de tutela criminal.

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Santos, António Carlos, Gonçalves, Maria Eduarda e Marques, Maria M. Leitão, op. cit., p. 25. Página 20 de 50

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Tudo porquanto o direito penal, por definição e imposição axiológica, deve reservar-se para a tutela dos mais significativos, perenes, constante e imutáveis valores de uma sociedade. Além de ser uma área do direito que, atenta a gravidade das suas reacções e consequências para os destinatários das normas, impõe imperiosa certeza, previsibilidade, determinabilidade.

Logo, para ser jurídico-constitucionalmente legítima a incriminação de comportamentos na área do direito financeiro, ter-se-á de ser particularmente cauteloso e frugal na selecção de quais os bens jurídicos tuteláveis emergentes deste ramo do direito. Que o mesmo é dizer, dever-se-á ser muito atento no processo de selecção daqueles bens jurídicos que não estejam sujeitos aos ventos da mobilidade, transitoriedade, conjunturalidade. Sob pena de estar a incriminar-se algo que, no momento seguinte e desapercebidamente, deixou de ser verdadeiramente um bem jurídico para a comunidade. Com a consequente perda de legitimidade jurídico-constitucional, e axiológica, da própria incriminação38/39.

Em suma, conseguir determinar o que sejam comportamentos típicos, ilícitos, culposos e puníveis no âmbito do financeiro, é tarefa de extrema minúcia e cautela, em permanente devir, para garantir que os bens jurídicos tuteláveis num determinado momento são, efectivamente, bens jurídicos suficientemente estáveis e densos para merecer a inclusão no livro negro, e para assegurar um acompanhamento permanente relativamente ao devir dessa área financeira, assim evitando que o que é crime num dia, não passe uma década depois a ser um comportamento considerado irrelevante, quando não mesmo lícito ou até desejável40.

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O que se diz relativamente ao direito financeiro vale, na mesma medida, para a área do Direito Económico. Aqui, particularmente, pelo carácter pouco determinável do âmbito deste mesmo direito económico, perpassado por normatividades directamente emergentes de outros ramos do direito, como o direito civil em geral, o direito comercial, etc. E até da própria filosofia do Estado no que respeita ao encarar da economia, como o demonstram as políticas de intervencionismo vs. desintervencionismo, nacionalização vs. privatização, etc. 39 Neste sentido, e bem, M. Costa Andrade, A nova lei dos crimes contra a economia (Dec.-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro), in Direito Penal Económico e Europeu, Volume I – Problemas Gerais, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, pp. 387 e ss., maxime p. 397. 40 No âmbito do Direito Económico, ou mais precisamente da criminalidade económica, encontram-se exemplos muito claros quando, olhando para a história, vemos tipos penais como o açambarcamento, que fazendo todo o sentido em determinada conjuntura socioeconómica, se torna num elefante branco num momento económico logo subsequente. Página 21 de 50

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A conclusão a que pode chegar-se, consequentemente, é a de que a categoria da criminalidade financeira é uma fórmula vazia, que só pode ser correcta e eficazmente integrada, qual categoria em branco, em cada momento da história. Olhando para o conteúdo normativo do direito financeiro vigente a cada momento, determinar-se-ão quais os bens jurídicos essenciais a essa área que imperiosamente merecem e necessitam de tutela penal (em obediência ao princípio do merecimento de tutela e ao princípio da intervenção mínima ),

dotá-lo dessa mesma tutela penal, e

mantê-lo sob vigilância apertada, para permitir acompanhar a actualidade e legitimidade jurídico-constitucional do tipo em questão em face do devir histórico.

Assim não sendo, corre-se o sério risco de os tipos penais criados perderem totalmente a sua colagem com a realidade, ou, o que ainda é pior, o de termos destinatários a ser criminalmente censurados com base em normas penais totalmente desprovidas de qualquer bem-jurídico penalmente legítimo.

Em suma, não há, nem pode por definição haver, uma criminalidade financeira, mas crimes financeiros de cada momento da vida de cada sociedade, da sua filosofia político-económica conjuntural. Mas assim sendo, com é, esta categoria é totalmente formal, vazia de critério substancial que mantenha a sua congruência e unidade interna. E se não há congruência, por definição, não há sistema que seja estruturável. Mas a isso se voltará mais adiante.

Sublinhada esta fragilidade do próprio conceito analisando, o mais que pode fazer-se, é, em cada momento da nossa história e em cada concreta comunidade jurídica, determinar-se quais sejam os tipos penais pré-existentes susceptíveis de poder considerar-se como protectores de bens jurídicos incluídos na actividade financeira desse momento. Com o que terá de concluirse que fazer apelo a infracções financeiras é tentar definir uma realidade com critérios muito tíbios e variáveis. É que uma infracção só será um crime financeiro se, e apenas se, e quando, para o direito financeiro de um determinado momento, os bens jurídicos que o mesmo tutela forem, do mesmo passo, valores cardeais desse direito financeiro. E mais: carentes de tutela jus-penal. Na negativa, a infracção até pode existir por qualquer outro motivo (legitimada e estribada num bem jurídico-penal geral),

mas não poderá ser incluída nessa categoria.

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Com o que se conclui, forçosamente, que estamos aqui apenas perante uma categoria da criminologia, da sociologia, até da política criminal, ou mesmo uma categoria comunicacional, ou jornalística, mas não uma categoria jurídico-penal aceitável como tal. Terá tanto significado, hoje, para efeitos jurídico-criminais, como o tem o conceito de criminalidade de colarinho branco, criminalidade de colarinho azul, ou qualquer outra categorização própria de ramos outros do saber que não a ciência jurídica stricto sensu41.

Como tal, deverá ser utilizada para todo o tipo de análises e debates, mas nunca, por ser nunca, num diploma legal, principalmente um diploma legal atributivo de competências ou de sistematização de políticas criminais… como é caso de diplomas em que se pretende estruturar um sistema de prevenção e combate a determinado tipo de crimes.

Com o que se percebe o erro de fazer uso de tal conceito criminológico nas alíneas d) e e) do n.º 1 do art.º 1º da Lei n.º 36/94 de 29 de Setembro e nas alíneas p) e q) do art.º 2º da Lei n.º 101/2001, de 25 de Agosto.

Em todo o caso, como a lei se mantém formalmente em vigor, caberá tentar dar-lhe algum sentido útil, até para poder determinar em que medida integra o sistema geral (que tem o concurso de vários outros diplomas legais)

de prevenção e combate à criminalidade financeira.

II – Crimes susceptíveis de integrar o conceito de crimes financeiros Postas as considerações antecedentes, e olhando para o conteúdo do direito financeiro actual, cabe bosquejar quais os tipos penais existentes que tutelam bens-jurídicos susceptíveis de ser enquadrados como fundamentais para a estrutura financeira da nossa comunidade actual.

É o que fazemos neste sub-capítulo, agrupando os tipos penais em questão em categorias da vida financeira, sempre que possível por relação com os diplomas legais que os prevêem.

Não esqueçamos, porém, o que atrás deixámos enunciado quanto ao facto de a criminalidade financeira só poder ser aquela que viola os bens jurídicos fundamentais tutelados pelas normas

41

Sousa, Alfredo José, idem, ibidem. Página 23 de 50

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que regulam a obtenção, a gestão e o dispêndio dos meios financeiros públicos (aqui abrangidas as normas do direito tributário42 e do direito fiscal),

bem como pelas normas que tutelam o sector

bancário e parabancário, o sector segurador e dos fundos, e o mercado de valores mobiliários.

Vejamos, pois, o que se encontra de tipos penais susceptíveis de se enquadrar no âmbito dogmático do que possa querer definir-se como criminalidade financeira.

Porém, como imperiosamente a função do intérprete e aplicador do Direito tem de conseguir dar um conteúdo útil aos comandos do legislador, tendo mesmo de presumir, também imperiosamente, pelo acerto desse mesmo legislador, avançaremos tendo no horizonte um bem jurídico que identificaremos como sendo a organização financeira do Estado (com a abrangência, ou desinências, atrás enunciadas).

a) Crimes antieconómicos – Dec.-Lei n.º 28/84 de 20 de Janeiro Atenta a nomenclatura deste diploma legal, não podemos deixar de nele atentar. Isto porque no mesmo se visava, nos termos expressos do respectivo preâmbulo, a criminalização e punição das actividades delituosas contra a economia nacional. Reconhecia-se que decorridos mais de 26 anos sobre a publicação da anterior legislação sobre a matéria ( Decreto-Lei n.º 41.204, de 24 de

Especificamente quanto ao bem jurídico dos crimes tributários afirma G. Marques da Silva: “I. A doutrina nacional e estrangeira não é unânime, longe disso, na determinação do bem jurídico tutelado pelos crimes tributários, mesmo considerando apenas os tipos fundamentais: fraude fiscal, contrabando, introdução fraudulenta no consumo. Indicação e caracterização das teorias mais frequentes e das mais seguidas pela doutrina portuguesa: os modelos funcionalistas (ofensa à função tributária, ofensa ao poder tributário, ofensa ao sistema económico, ofensa ao sistema fiscal), ofensa aos deveres de colaboração, de verdade e transparência, ofensa à função social dos impostos, ofensa ao dever de obediência e modelos patrimonialistas. (…) O bem jurídico tutelado pelos crimes tributários é o ‘sistema tributário’, entendido numa perspectiva funcional, como o conjunto de actividades a desenvolver pelo Estado e outros entes públicos para a obtenção dos recursos financeiros e para a aplicação destes na satisfação das necessidades públicas que lhes cumpre realizar. Mas, como já anteriormente referimos, a função tributária não tem apenas o fim de arrecadar impostos para satisfação das necessidades financeiras do Estado (art.º 103º da CRP), mas pode prosseguir outras finalidades como a de desincentivar o consumo de determinados produtos (art.º 104º n.º 4) ou erigir-se num instrumento de política económica (art.º 81º al. b). O legislador penal tutela a função do tributo no quadro de um Estado Social e Democrático de Direito. II. O objecto da acção nos diversos crimes tributários não é sempre o mesmo e se todos tutelam o mesmo bem jurídico, o objecto da acção de cada um é variável: ora é o património do Estado (erário público), o dever de colaboração dos cidadãos na determinação do facto tributário, a paz tributária, ora a economia nacional ou determinadas mercadorias de especial relevância nacional, comunitária ou internacional.” (Silva, G. Marques, Direito Penal Tributário, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2009, pp. 91-92). Embora não se acompanhem todas as afirmações deste Autor, a respectiva leitura permite-nos confirmar o maior acerto da circunscrição do bem jurídico feita por nós com base no correcto entendimento do que seja direito financeiro, direito tributário e direito fiscal. 42

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Julho de 1957),

a realidade criminológica, em permanente evolução, requer(ia) com premência

a revisão e a actualização do sistema de normas especialmente virado para o combate à criminalidade económica.

Neste diploma prevêem-se como crime contra a saúde pública, o abate clandestino (art.º 22), e como crimes contra a economia a fraude sobre mercadorias (23º), o crime contra a genuinidade, qualidade ou composição de géneros alimentícios e aditivos alimentares (24º), contra a genuinidade, qualidade ou composição de alimentos destinados a animais (25º), o açambarcamento (28º), o açambarcamento de adquirente (29º), a desobediência a requisição de bens pelo Governo (30º), a destruição de bens e matérias-primas ou aplicação dos mesmos a fins diferentes (31º), a destruição de bens próprios com relevante interesse para a economia nacional (32º), a exportação ilícita de bens (33º), a violação de normas sobre declarações relativas a inquéritos, manifestos, regimes de preços ou movimento das empresas (34º), a especulação (35º), a fraude na obtenção de subsidio ou subvenção (36º), o desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado (37º), a fraude na obtenção de crédito (38º), e a ofensa à reputação económica (41º).

Este diploma previa ainda a publicidade fraudulenta (art.º 40º), artigo entretanto revogado (em 1995), bem como a corrupção activa com prejuízo do comércio internacional (41º-A), a corrupção passiva no sector privado (41º-B) e a corrupção activa no sector privado (41º-C), todos eles introduzidos no ano 2001 e posteriormente revogados em 200843.

Bem demonstrativo, portanto, do que atrás escrevemos sobre a inconstância e pouca perenidade destes tipos penais. Aliás, é curioso que estes crimes “antieconómicos” são claramente marcados pelas circunstâncias sócio-económicas, e culturais, vividas na década de ’80 do século XX português. Assim que pudesse até questionar-se hoje em dia a lógica e necessidade imperiosa de criminalização de tipos como o açambarcamento e a desobediência a requisição

43

A este propósito convém não esquecer a Lei n.º 20/2008, de 21 de Abril, alterada pela Lei n.º 30/2015 de 22 de Abril, em especial os respectivos art.ºs 7º a 10º, onde se desenham os seguintes tipos legais: corrupção activa com prejuízo do comércio internacional, corrupção passiva no sector privado, corrupção activa no sector privado. Mais se estabelece que o crime de corrupção activa com prejuízo para o comércio internacional se considera crime de corrupção para os efeitos do disposto no art.º 368º-A CP (branqueamento de capitais), e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 1º da Lei n.º 36/94 que vimos de analisar. Página 25 de 50

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de bens pelo Governo, tanto mais, neste segundo caso, em face dos tipos penais gerais de desobediência previstos no Código Penal.

Dito por outras palavras, uma cuidadosa análise de política-criminal actual levaria quase certamente a uma descriminalização generalizada da quase totalidade dos tipos previstos neste diploma legal, deixando sobreviver alguns deles, eventualmente, apenas como ilícitos de mera ordenação social, por total falta de substrato ético e de necessidade insuprível de reacção criminal, susceptíveis de justificar a criminalização.

De todos os tipos penais enunciados neste diploma, podem respigar-se como podendo ser entendidos como crimes financeiros os seguintes: a fraude na obtenção de subsidio ou subvenção (36º), o desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado (37º), e a fraude na obtenção de crédito (38º)44.

Isto porque todos eles protegem bens jurídicos fundamentais tutelados pelas normas que regulam a gestão e o dispêndio dos meios financeiros públicos.

Em suma, temos aqui três tipos penais que claramente atentam contra aquilo que o legislador considerou, in illo tempore, a economia nacional, na vertente da gestão e dispêndio de meios financeiros públicos. Termos em que seriam infracções financeiras candidatas a integrar o disposto no art.º 1º da Lei nº 36/94, ex vi das alíneas d) e e) do n.º 1 do art.º 1º respectivo, o mesmo se passando com as alíneas p) e q) do art.º 2º da Lei n.º 101/2001 de 25 de Agosto, não se dando o caso de estarem expressamente previstas noutras alíneas desses mesmos normativos.

Ademais, as acções de prevenção especialmente previstas na Lei n.º 36/94 seriam susceptíveis de abranger estas infracções apenas se e quando sejam cometidas de forma organizada e com recurso à tecnologia informática, ou tenham dimensão internacional… pelo que também

44

Uma leitura atenta da Lei n.º 36/94 de 29 de Setembro e da Lei n.º 101/2001 de 25 de Agosto, precisamente nas alíneas do art.º 1º n.º 1 e do art.º 2º, respectivamente, permite ver que estes tipos caem em alíneas outras que não as alíneas d) e e) do primeiro normativo e nas alíneas p) e q) do segundo normativo… pelo que para estes tipos tais alíneas redundam em clara inutilidade. Página 26 de 50

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muitas situações práticas ficariam de fora do âmbito deste normativo aparentemente votado à prevenção deste tipo de infracção.

b) Crimes de titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, Lei n.º 34/87 de 16 de Julho Prevê a Lei n.º 34/87 os crimes da responsabilidade de titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos. Perguntar-se-á qual a razão de ser de enunciarmos este diploma nesta sede?

A razão é simples: como atrás afirmado, a criminalidade financeira será aquela que viola os bens jurídicos fundamentais subjacentes às normas que regulam a obtenção, a gestão e o dispêndio dos meios financeiros públicos, bem como pelas normas que tutelam o sector bancário e parabancário, o sector segurador e dos fundos, e o mercado de valores mobiliários.

Vejamos, pois, se e quais dos tipos previstos neste diploma preenchem o requisito de tutelarem tais bens jurídicos, posto que a especialidade dos agentes a quem o presente diploma se dirige pode, pela esfera de domínio dos factos que funcionalmente lhes está cometida, colocá-los em posição de ofender os mesmos bens jurídicos. Depois de definir o que sejam cargos políticos e altos cargos públicos45, este diploma apresenta como tipos a Traição à Pátria (7º), o Atentado contra a Constituição da República (8º), o Atentado contra o Estado de direito (9º), a Coacção contra órgãos constitucionais (10º), a Prevaricação (11º), a Denegação de justiça (12º), o Desacatamento ou recusa de execução de decisão de tribunal (13º), a Violação de normas de execução orçamental (14º), a Suspensão ou restrição ilícita de direitos, liberdades e garantias (15º), o recebimento indevido de vantagem (16º), a Corrupção passiva (17º), a Corrupção activa (18º), a Violação de regras urbanísticas (18º-A), o Peculato (20º), o Peculato de uso (21º), o Peculato por erro de outrem (22º), a Participação económica em negócio (23º), o Emprego de força pública contra a execução de lei

Sobre a crítica a estas definições conferir Matta, P. Saragoça, “Os Vampiros”’ ou O combate à corrupção no exercício das funções política e administrativa, in Política e Corrupção – branqueamento e enriquecimento, Chiado Editora, Lisboa, 2015, p. 187 e ss., maxime 193 e 194. 45

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(ou) de ordem legal (24º), a Recusa de cooperação (25º), o Abuso de poderes (26º), e a Violação de segredo (27º)46/47.

Claramente que, de entre todos os tipos enunciados, nem todos se poderão considerar, à luz do critério definidor atrás utilizado quanto ao que sejam crimes financeiros, como tal.

Com efeito, com carácter de crime financeiro, podemos seleccionar de entre aqueles, apenas os seguintes: i.

a prevaricação (11º), conquanto a intenção de prejuízo ou benefício que motiva a acção do agente atente contra os bens jurídicos fundamentais subjacentes às normas que regulam a gestão e o dispêndio dos meios financeiros públicos;

ii.

a violação de normas de execução orçamental (14º) e o abuso de poderes (26º), posto que se trata de comportamentos que, atentando contra a probidade, imparcialidade e prossecução do interesse público por parte dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, igualmente violam as normas que regulam a gestão e o dispêndio dos meios financeiros públicos;

iii.

o recebimento indevido de vantagem (16º), a corrupção passiva (17º), a corrupção activa (18º), a violação de regras urbanísticas (18º-A), o peculato (20º), o peculato de uso (21º), o peculato por erro de outrem (22º), a participação económica em negócio (23º), e até a violação de segredo (27º), porque, atentando contra a probidade, imparcialidade e prossecução do interesse público por parte dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, necessariamente ofendem as normas que regulam a gestão e o dispêndio dos meios financeiros públicos.

Por outro lado, cabe ainda acrescentar neste mesmo âmbito funcional, apesar de abrangerem agentes que não sejam titulares de cargos políticos nem de altos cargos públicos, os tipos penais

De notar que muitos dos enunciados são crimes “comuns”, agravados aqui, ou atenuados (!), em razão da especial circunscrição da autoria: titulares de cargos políticos ou altos cargos públicos, posto que alguns já seriam crimes específicos próprios de funcionários. De estranhar, apenas, haver regimes de aligeiramento da responsabilidade nestas circunstâncias, crítica que apresentámos no texto identificado na nota anterior. 47 Também aqui não pode deixar de notar-se que vários destes tipos já encontravam subsunção nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 1º da Lei n.º 36/94, pelo que também para este efeito as alíneas d) e e) se revelam de utilidade nula. 46

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que não se encontrando previstos neste diploma, mas na Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho, respeitam ao chamado financiamento ilícito dos partidos políticos.

Com efeito, ao se levarem a cabo condutas que constituem obtenção ilícita de fundos para os partidos políticos (digamo-lo assim por comodidade de exposição), não só se está a por em causa o equilíbrio resultante das normas que regulam a obtenção, a gestão e o dispêndio dos meios financeiros públicos para esse mesmo fim (a chamada ordem financeira do Estado no que aos Partidos Políticos respeita),

como verdadeiramente se está a colocar em perigo – tecnicamente abstracto, mas

criminológica e político-criminalmente muito real

– o próprio subsequente exercício de funções pelos

titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos na gestão e dispêndio de meios financeiros públicos que farão no post-eleições (pois é conhecida a lógica de troca de favores, para não dizer mercadejamento com o cargo, que estas situações podem gerar ).

Os ditos tipos penais constam, sem nomen iuris proprio e sob a epígrafe “Sanções”, p. e p. no art.º 28º do referido diploma legal. Já nos art.ºs 29º a 32º desse mesmo diploma encontram-se previstas contraordenações que terão igualmente de considerar-se infracções. Em suma, temos aqui um conjunto de tipos penais que – praticados em certo enquadramento, com certos propósitos ou objectivos

– atentam contra a desejada ordem financeira do Estado, termos em

que terão de ser infracções financeiras nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1º da Lei nº 36/94, ex vi das alíneas d) e e) do n.º 1 do art.º 1º respectivo, sendo, todavia, que as acções de prevenção especialmente previstas neste diploma serão susceptíveis de abranger estas infracções apenas se e quando sejam cometidas de forma organizada e com recurso à tecnologia informática, ou tenham dimensão internacional48.

48

Curiosamente os comportamentos que consubstanciam o tipo objectivo dos crimes de financiamento ilícito dos Partidos dificilmente poderão cair na alínea e) do n.º 1 do art.º 1º, a menos que haja internacionalização no processo de circulação de fundos, e também muito dificilmente poderão dar por preenchido o requisito da comissão por forma organizada em sentido jurídico-criminalmente estrito, e ainda menos com recurso à tecnologia informática (pois dificilmente se utiliza a via informática para certo tipo de comportamentos para deles não deixar rasto), com o que também a alínea d) pode ser de muito difícil preenchimento. Com isto quer salientar-se que, mesmo considerando estes crimes como criminalidade financeira, ainda assim poderá ser difícil enquadrá-los nas normas habilitantes desenhadas pelo legislador da Lei n.º 36/94 para autorizar acções de prevenção reforçadas por parte do MP e da PJ. Página 29 de 50

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De referir, porém, que a subsunção a tal art.º 1º da Lei n.º 36/94 depende, previamente a qualquer investigação (o que não deixa de ser estranho), do apuramento da existência das tais circunstâncias que permitem considerá-los tipos penais que protegem o bem jurídico identificado como subjazendo aos crimes financeiros. Dir-se-ia, pois, que o lançar mão das acções preventivas ao abrigo da Lei n.º 36/94 pode ser particularmente complicado, posto que se imagina que os actos identificados no n.º 3 do art.º 1 acabem por ser levados a cabo antes de qualquer índicio, v.g., de que o alegado acto de prevaricação, apesar de, por definição, atentar contra a probidade, imparcialidade, e prossecução do interesse público por parte dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, viola ou não o bem jurídico que definimos como a organização financeira do Estado.

c) Infracções no âmbito do mercado de valores mobiliários Sendo esta, por excelência, uma área conceptual e inequivocamente incluída no direito financeiro, o mercado de valores mobiliários deverá ser visto como uma fonte inequívoca de infracções financeiras, nos termos e para os efeitos das acções de prevenção prevsitas na Lei n.º 36/94. Isto apesar de, no próprio Código de Valores Mobiliários, haver toda uma superestrutura orgânica e procedimental que constitui, explicitamente, política e mecanismos de acções de prevenção e combate a tal criminalidade financeira no âmbito do mercado de valores mobiliários.

Encontramos, assim, nos art.º 378º e seguintes do CVM três tipos penais, a saber: o Abuso de Informação (378º), a Manipulação de mercado (379º), e a Desobediência (380º). Não sendo aqui necessária qualquer especial análise dos respectivos bens jurídicos para os poder considerar infracções financeiras, relevante é concluir que nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1º da Lei n.º 36/94, necessário será para estar abrangido pelas acções de prevenção aí previstas que estes crimes sejam praticados de forma organizada com recurso à tecnologia informática ou terem dimensão internacional.

Porém, dada a especificidade da matéria, e a extrema completude do CVM, não pode olvidarse que a Comissão de Mercado, como entidade reguladora extremamente capaz e profissionalizada que é, maxime numa área de tal especialização, desenvolve acções de prevenção insusceptíveis de serem levadas a cabo seja porque órgão de polícia criminal for, e Página 30 de 50

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obviamente também pelo Ministério Público. Na verdade, a tecnicidade, experiência e profissionalização exigidas numa área tão complexa e precisa como o mercado de valores, não se compadece com acções de prevenção feitas por sujeitos e entidades sem qualquer preparação técnica – económica e jurídica –, de nível suficiente a tal especificidade.

Aliás, não será por acaso que o CVM regula exaustivamente todos os procedimentos de supervisão, auditoria, fiscalização, sindicância e até acompanhamento quotidiano, que necessariamente tornam vazias de conteúdo quaisquer acções levadas a cabo pela PJ e pelo MP à luz da Lei n.º 36/94. E também não será por acaso que o próprio CVM estabelece procedimentos de comunicação da Comissão às entidades de investigação criminal, nos casos em que entenda que estão verificados os pressupostos necessários a tal.

Em suma, sendo certo e seguro que os crimes p. e p. no CVM integram necessariamente a categoria que o legislador da Lei n.º 36/94 quis desenhar para conferir competências para acções de prevenção por parte do MP e da PJ, não menos certo é que por razões várias, nomeadamente substanciais (de conhecimento técnico, especialização, etc.), bem andou o legislador na elaboração do CVM ao cometer tais acções preventivas a um órgão regulador especializado. Aliás, conferindo as concretas acções de prevenção previstas no art.º 1º n.º 3 da Lei n.º 36/94, bem se compreende que são categorias gerais totalmente ultrapassadas, em âmbito e profundidade, pelas acções que constituem a própria razão de ser da existência do regulador deste sector (cfr. art.ºs 382º e ss. CVM).

Assim sendo, como é, concluir-se-á, obviamente, pela total desnecessidade e até insuficiência dos mecanismos da Lei n.º 36/94 para esta fatia importantíssima dos crimes financeiros que são os crimes p. e p. no CVM.

E o que se diz para os crimes p. e p. no CVM vale, por maioria de razão, para as demais infracções neste previstas, i.e., os ilícitos de mera ordenação social.

Por fim, recordar que as acções de prevenção levadas a cabo pelo regulador do mercado de valores independem de quaisquer requisitos de internacionalidade, organização ou recurso a tecnologia informática, com que a sua abrangência objectiva sempre seria superior às que

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pudessem tentar ser levadas a cabo nos termos da lei que institui as medidas de combate à criminalidade financeira.

Em suma, não se afigura sequer possível, materialmente, que a Lei n.º 36/94 possa ter, nesta tão importante fatia da criminalidade financeira, qualquer utilidade prática (isto para não concluir pela revogação tácita parcial deste diploma no que se refere a toda a matéria regulada no CVM ).

d) Infracções na área bancária, parabancária e seguradora No domínio da actividade bancária, parabancária e seguradora, ao invés do que possa pensarse à partida, não é muito extensa a lista de crimes especificamente previstos. Um simples bosquejo pela área de legislação prevista para a área bancária permite identificar, com exactidão, duas fontes possíveis para comportamentos criminais. Diferentemente se pensarmos em infracções de mera ordenação social, em que, aí sim, é pródigo o legislador em sancionar condutas com coima.

Assim que, para além da importância da actividade bancária, parabancária e seguradora, para a comissão de crimes de branqueamento de capitais e de financiamento ao terrorismo (tipos estes que merecerão atenção especial em alínea autónoma infra), encontremos apenas referências a tipos penais

no Decreto-Lei n.º 298/92 de 31 de Dezembro, na 44ª versão deste diploma, actualmente em vigor.

Com efeito, nos art.º 200º e 200º-A deste Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, encontramos tipificados os seguintes crimes: a) Actividade ilícita de recepção de depósitos e outros fundos reembolsáveis, tipo este que, em rigor, nem sequer é susceptível de comissão por parte de Bancos ou Sociedades Financeiras, mas antes por quem pratique actos de recepção de depósitos e outros fundos, “sem que para tal exista a necessária autorização” (que é como quem diga, para quem usurpe as funções de Banco ou de sociedade financeira);

b) Crime de desobediência, destinado a punir quem se recusar a acatar as ordens ou mandados legítimos do Banco de Portugal, ou criar, por qualquer forma, obstáculos à sua execução, ou ainda quem não cumprir, dificultar ou defraudar a execução das sanções acessórias ou medidas cautelares aplicadas em processos de contraordenação. Página 32 de 50

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Por outro lado, toda a extensa área de actuação das instituições de crédito e das sociedades financeiras, que é regulada por este Regime Geral, é armada com a cominação de centenas de contraordenações, ainda reforçadas pelas: Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, Lei n.º 11/2002, de 16 de Fevereiro, Instrução n.º 24/2002, de 16 de Setembro, Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto, Lei n.º 11/2004, de 27 de Março, Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho, Decreto-Lei n.º 125/2008, de 21 de Julho, Aviso n.º 5/2008, de 1 de Julho, Portaria n.º 41/2009, de 13 de Janeiro e pelo Aviso n.º 5/2013, de 18 de Dezembro.

Tais infracções, todas elas, são claramente infracções financeiras, no conceito por nós desenhado, porquanto violam os bens jurídicos fundamentais protegidos pelas normas que tutelam o sector bancário e parabancário, o sector segurador e dos fundos, e até, lateralmente, o mercado de valores mobiliários.

Cabe, porém, sublinhar que, também aqui, o papel na área da prevenção e combate a estas infracções financeiras não cabe, em primeira linha, nem ao Ministério Público, nem aos órgãos de polícia criminal tradicionais. Com efeito, toda esta área, como a área do mercado de valores mobiliários, é policiada com muito maior experiência, saber, conhecimento, técnica e tecnologia pelos diversos reguladores com competência legal para o fazer, a saber, o Banco de Portugal e até, indirectamente, a Comissão de Valores Mobiliários.

Também na área seguradora e dos fundos o mesmo tipo de actividades de prevenção e combate a infracções financeiras, sejam elas contraordenações expressamente estabelecidas para as actividades desenvolvidas por tais entidades, sejam elas crimes previstos em geral, se e quando cometidos nestes particulares ambientes, estão por definição – e por competência técnica e conhecimento da matéria – entregues ao cuidado da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões.

Termos em que, também aqui, como na área do mercado de valores mobiliários, o espaço que resta para a intervenção do Ministério Público e da Polícia Judiciária ao abrigo da Lei n.º 36/94 seja, por definição, muito reduzido. Em todo o caso, afigura-se óbvio que estas infracções

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preencherão a previsão das alíneas d) e e) do n.º 1 do art.º 1º, se e quando verificadas as demais circunstâncias nelas previstos e atrás sobejamente enunciadas e analisadas.

Por outro lado, lembre-se os crimes de falsificação de moeda, título de crédito e valor selado, p. e p. nos art.ºs 262º a 268º do Código Penal, que claramente serão, com o critério enunciado, crimes financeiros (e que, estes sim, cairão facilmente no âmbito de prevenção e combate por parte da Polícia Judiciária e do Ministério Público).

Cabe, todavia, não esquecer, que no sistema de prevenção e combate a esta fatia da criminalidade financeira terá de contar-se, até como superestruturas com especial capacitação para o efeito, com o Banco de Portugal e a Associação Supervisora de Seguros e Fundos de Pensões.

e) Infracções tributárias Encontram-se no cerne da definição apresentada de criminalidade financeira, os crimes previstos nas normas que regulam a obtenção, a gestão e o dispêndio dos meios financeiros públicos, logo, as normas de direito tributário e de direito fiscal stricto sensu.

Para a sua determinação cabe lançar mão da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que aprovou o Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), o qual, além de prever uma série de infracções ao nível do ilícito de mera ordenação social (art.ºs 108º a 129º), tipificou também os seguintes crimes (art.ºs 87º a 107º): a) Crimes tributários comuns: Burla tributária (87º); Frustração de créditos (88º); Associação criminosa (89º); Desobediência qualificada (90º); Violação de segredo (91º). b) Crimes aduaneiros: Contrabando (92º); Contrabando de circulação (93º); Contrabando de mercadorias de circulação condicionada em embarcações (94º); Fraude no transporte de mercadores em regime suspensivo (95º); Introdução fraudulenta no consumo (96º); Contrabando de mercadorias susceptíveis de infligir a pena de morte ou tortura (97º-A); Violação das garantias aduaneiras (98º); Quebra de marcas e selos (99º); Receptação de mercadorias objecto de crime aduaneiro (100º); Auxílio material (101º); Crimes de contrabando previstos em disposições especiais (102º). c) Crimes fiscais: Fraude (103º); Fraude qualificada (104º); Abuso de confiança (105º). Página 34 de 50

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d) Crimes contra a segurança social: Fraude contra a segurança social (106º); Abuso de confiança contra a segurança social (107º).

No que respeita às acções de prevenção e combate a estes crimes financeiros, dispõem os art.ºs 35º a 41º do RGIT o seguinte: que a aquisição da notícia do crime pode ocorrer por conhecimento próprio do Ministério Público, por conhecimento dos órgãos da administração tributária, por ambos por intermédio dos órgãos de polícia criminal ou dos agentes tributários, bem como mediante denúncia. Também qualquer autoridade judiciária tem obrigação oficiosa de dar conhecimento de indícios de crime tributário às autoridades tributárias. Igual obrigação impende sobre os órgãos de polícia criminal, sobre a Marinha de Guerra e sobre os órgãos e agentes da segurança social.

A direcção do inquérito por crime tributário cabe ao Ministério Público, cabendo os poderes e funções dos órgãos de polícia criminal aos órgãos da administração tributária e da segurança social.

Mais ainda, é o próprio RGIT que procede a uma delegação de competências para a investigação aos seguintes órgãos (41º): a) Quanto aos crimes aduaneiros, no Director da Direcção de Serviços Antifraude ou na Brigada Fiscal da Guarda Nacional Republicana; b) Quanto aos crimes fiscais, no Director de Finanças, no Director da Unidade dos Grandes Contribuintes ou no Director da Direcção de Serviços de investigação da fraude e de acções especiais; c) Quanto aos crimes contra a segurança social, nos Presidentes das pessoas colectivas de direito público a quem estejam cometidas as atribuições nas áreas dos contribuintes e dos beneficiários.

Em suma, a vigilância do universo tributário compete a todas as entidades referidas, termos em que as acções de prevenção e combate a este tipo de infracções financeiras cabe, em bom rigor, a todos os órgãos de polícia criminal, a todas as autoridades judiciárias, a todos os funcionários, órgãos e agentes da administração fiscal, aduaneira e da segurança social, e ainda à Marinha de Guerra. Página 35 de 50

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Sendo sabido que a própria administração tributária (fiscal, aduaneira e da segurança social) exerce por definição e dever funcional actividades contínuas de fiscalização, monitorização, sindicância e vigilância sobre todos os agentes económicos que se envolvam em quaisquer actos com relevância tributária, cabe concluir que o art.º 1º da Lei n.º 36/94 se limita a prever acções de prevenção que já se encontram cobertas, com muito maior profissionalização, por órgãos de polícia criminal especializados neste tipo de infracção.

f) Financiamento ao terrorismo e branqueamento de capitais A autonomização destes dois tipos penais faz-se aqui por duas ordens de razões: por um lado porque poderão violar os bens jurídicos fundamentais tutelados pelas normas que regulam a obtenção, a gestão e o dispêndio dos meios financeiros públicos, mas também porque poderão, instrumentalmente, concorrer para violar as normas que tutelam o sector bancário e parabancário, o sector segurador e dos fundos, e também o do mercado de valores mobiliários.

Com efeito, comecemos por analisar a questão relativamente ao crime de financiamento ao terrorismo, para tanto fazendo uso do que já escrevemos noutra sede49. “A disciplina legal do combate ao terrorismo vem prevista na Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto, entretanto objecto da Rectificação n.º 16/2003, de 29 de Outubro, e das alterações nela introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, pela Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho e pela Lei n.º 17/2011, de 3 de Maio. Esta Lei n.º 52/2003 foi aprovada em cumprimento da Decisão Quadro n.º 2002/475/JAI do Conselho, de 1 de Junho, relativa à luta contra o terrorismo, tendo implicado ainda uma alteração ao Código de Processo Penal (a 12ª) e uma alteração ao Código Penal (a 14ª). Nos termos do art.º 1º deste diploma legal, é seu objecto a previsão e a punição dos actos e organizações terroristas. A estrutura do diploma é relativamente simples, passando-se a uma apresentação da mesma: nos art.ºs 2º e 3º punem-se as organizações terroristas e agrupamentos equiparados; no art.º 4º pune-se o terrorismo; no art.º 5º pune-se o terrorismo internacional; e no art.º 5º-A o financiamento ao terrorismo. Já o art.º 6º estipula a Matta, P. Saragoça, Quando o Estado prefere a Coima à Pena, in Política e Corrupção – branqueamento e enriquecimento, Chiado Editora, Lisboa, 2015, pp. 125-185, maxime pp. 151 ess. 49

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responsabilidade penal das pessoas colectivas pelos crimes enunciados, sendo que no art.º 7º se declara a aplicabilidade subsidiária à matéria da presente lei das disposições do Código Penal e respectiva legislação complementar (!)50. Atento o objecto da presente análise, a prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, a nossa especial atenção tem de virar-se, contudo, para o tipo p. e p. no art.º 5º-A da Lei n.º 52/2003 de 22 de Agosto, o qual, não constando da versão originária do diploma, foi ao mesmo aditado pela Lei n.º 25/2008 de 5 de Junho. Estabelece o art.º 5º-A, precisamente sob a epígrafe Financiamento do Terrorismo, o seguinte: 1 - Quem, por quaisquer meios, directa ou indirectamente, fornecer, recolher ou detiver fundos ou bens de qualquer tipo, bem como produtos ou direitos susceptíveis de ser transformados em fundos, com a intenção de serem utilizados ou sabendo que podem ser utilizados, total ou parcialmente, no planeamento, na preparação ou para a prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, ou praticar estes factos com a intenção referida no n.º 1 do artigo 3.º ou no n.º 1 do artigo 4.º, é punido com pena de prisão de 8 a 15 anos. 2 - Para que um acto constitua a infracção prevista no número anterior, não é necessário que os fundos provenham de terceiros, nem que tenham sido entregues a quem se destinam, ou que tenham sido efectivamente utilizados para cometer os factos nele previstos. 3 - A pena é especialmente atenuada ou não tem lugar a punição, se o agente voluntariamente

abandonar

a

sua

actividade,

afastar

ou

fizer

diminuir

consideravelmente o perigo por ele provocado ou auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis.

Este tipo de financiamento do terrorismo, a nosso ver, e isso influi em toda a análise que do mesmo fazemos, constitui um tipo instrumental para protecção dos bens jurídicos tutelados pelos tipos penais de terrorismo e organizações terroristas previstos nos art.ºs 2º, 3º e 4º da Lei. Visando evitar o financiamento do terrorismo, incriminando-o e punindo-o, antecipa-se, por isso a tutela de todos os bens jurídicos tuteláveis através daqueloutros tipos.

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Quantos aos art.º 8º a 10º da Lei, deixaremos a sua apreciação mais para diante. Página 37 de 50

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Nesta conformidade, o bem jurídico deste tipo afigura-se-nos patente e óbvio: a própria integridade, independência e segurança dos Estados51 ou de organização pública internacional, a subsistência dos Estados de Direito democrático e, indirectamente, todos os bens jurídicos que subjazem às condutas p. e p. nos n.ºs 2, 3 e 4 do art.º 2º e nos n.ºs 1 a 5 do art.º 4. Acrescerá um outro bem jurídico, porém: o da utilização dos capitais, lícitos ou ilícitos, para os ditos fins, e, assim, a utilização do próprio sistema económico-financeiro dos Estados. Dado que estes tipos são tributários do leque de actos enunciados no art.º 2º n.º 1, temos então como bens jurídicos indirectamente tutelados, todos quantos subjazem aos tipos penais correspondentes ao elenco do n.º 1 do art.º 2 (desde a vida e integridade física, à segurança dos transportes e comunicações, reais e informáticas, telefónicas, radiofónicas, televisivas, telegráficas, e bem assim todos os bens jurídicos tutelados pelos crimes de perigo comum – através de incêndio, explosão, libertação de substâncias radioactivas, tóxicas ou asfixiantes, inundações, desmoronamentos, contaminações hídricas ou alimentares, difusão de pragas, etc. – o funcionamento dos serviços públicos, etc.).

Em suma, mercê do jogo remissivo existente entre o art.º 5º-A n.º 1 e o art.º 2º n.º 1 e 4º n.º 1 (sendo que também este remete para o elenco do 2º n.º 1), não podemos senão concluir que além do bem jurídico próprio do art.º 5º-A (subsistência do Estado de Direito democrático e respectiva Soberania, em Portugal e internacionalmente no concerto das nações, numa das claras demonstrações de transnacionalidade do bem jurídico protegido, e, assim, do próprio dever de perseguição penal destes actos a que o Estado se obriga),

são indirectamente tutelados também pelo tipo de financiamento do terrorismo, em sede de antecipação da tutela, todos os demais bens jurídicos referidos e ainda a incolumidade do sistema económico-financeiro dos Estados.”. Por seu turno, no que respeita ao crime de branqueamento de capitais dir-se-á52: “A 27 de Março de 2004, o legislador introduziu no Código Penal um novo artigo, o art.º 368ºA, naquilo que constituiu a 16ª alteração a tal diploma, o que sucedeu através da Lei n.º

E diz-se “dos Estados” propositadamente, posto que o art.º 3º n.º 1, que equipara outras organizações terroristas às organizações terroristas do art.º 2º, demonstra-o claramente ao usar sempre a expressão “de um Estado”. Ou seja, o Estado com este jogo de tipos obriga-se a perseguir criminalmente organizações terroristas e terrorismo, contra si ou contra qualquer outro Estado. O que aliás determinou a alteração do art.º 5º CP, através do art.º 10º desta Lei n.º 52/2003. 52 Matta, P. Saragoça, Quando o Estado prefere a Coima à Pena, in Política e Corrupção – branqueamento e enriquecimento, Chiado Editora, Lisboa, 2015, pp. 125-185, maxime pp. 176 ess. 51

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11/2004 de 27 de Março. Esse artigo, que tinha, e tem, por epígrafe “Branqueamento”, foi, logo em 5 de Junho seguinte, objecto de uma Rectificação (Rect. n.º 45/2004), tendo sido também objecto de ulterior alteração pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro. Na sua versão actual53, o tipo penal de branqueamento merece duras críticas, seja ao nível dogmático, seja ao nível de política legislativa, seja ao nível de legística, críticas essas que põem a nu boa parte das razões pelas quais se trata de um tipo penal com tão pouca expressividade estatística e tão frouxa capacidade conformativa da realidade.”.

Centrando-nos no que aqui importa, convirá tentar enunciar qual seja o bem jurídico tutelado por este tipo penal. Ora, a tal propósito e como indicação liminar, este tipo “encontra-se inserido no Título V Capítulo III da Parte II do CP, i.e., entre os Crimes contra o Estado, em especial no número dos Crimes contra a realização da Justiça. Daqui se poderia retirar que o bem jurídico protegido é, precisamente, a realização da Justiça. Porém, a doutrina tem sido mais ou menos unânime (até ponderando a evolução histórica da previsão do tipo e sua passagem do direito penal extravagante para o CP)

no sentido de que estamos perante um bem jurídico múltiplo, que abrange não só a

Artigo 368.º-A – Branqueamento – 1 - Para efeitos do disposto nos números seguintes, consideram-se vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, dos factos ilícitos típicos de lenocínio, abuso sexual de crianças ou de menores dependentes, extorsão, tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, tráfico de armas, tráfico de órgãos ou tecidos humanos, tráfico de espécies protegidas, fraude fiscal, tráfico de influência, corrupção e demais infracções referidas no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro, e dos factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a seis meses ou de duração máxima superior a cinco anos, assim como os bens que com eles se obtenham. 2 - Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal, é punido com pena de prisão de dois a doze anos. 3 - Na mesma pena incorre quem ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos. 4 - A punição pelos crimes previstos nos n.os 2 e 3 tem lugar ainda que os factos que integram a infracção subjacente tenham sido praticados fora do território nacional, ou ainda que se ignore o local da prática do facto ou a identidade dos seus autores. 5 - O facto não é punível quando o procedimento criminal relativo aos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens depender de queixa e a queixa não tenha sido tempestivamente apresentada. 6 - A pena prevista nos n.os 2 e 3 é agravada de um terço se o agente praticar as condutas de forma habitual. 7 - Quando tiver lugar a reparação integral do dano causado ao ofendido pelo facto ilícito típico de cuja prática provêm as vantagens, sem dano ilegítimo de terceiro, até ao início da audiência de julgamento em 1.ª instância, a pena é especialmente atenuada. 8 - Verificados os requisitos previstos no número anterior, a pena pode ser especialmente atenuada se a reparação for parcial. 9 - A pena pode ser especialmente atenuada se o agente auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação ou a captura dos responsáveis pela prática dos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens. 10 - A pena aplicada nos termos dos números anteriores não pode ser superior ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens. 53

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realização da justiça mas também o próprio funcionamento do sistema económico-financeiro e político do próprio Estado. E embora não se possa dizer que seja absolutamente inovadora a perspectiva que aqui se perfilha, entendemos que, atenta a gravidade e ofensividade das condutas que motivaram a tipificação, que também se insere no bem jurídico protegido o próprio Estado de Direito. Assim, a nosso ver, o tipo melhor teria sido enquadrado entre os Crimes contra a realização do Estado de Direito (que integra o lote dos crimes contra a soberania nacional), precisamente porque ao tutelar o funcionamento do sistema económico-financeiro e político do Estado e a realização da Justiça, tem um escopo mais lato e mais fundo, que é o de tutelar a própria subsistência do Estado de Direito democrático, pois, em última análise, é o próprio Estado de Direito, quer na vertente económico-financeira, quer na vertente política, quer na vertente da justiça, que é posto em crise com a prática deste ilícito. Aliás, sendo conhecida a proximidade entre condutas de branqueamento e financiamento ilícito dos partidos, entre branqueamento e proventos ilicitamente obtidos por titulares de cargos públicos e políticos, durante ou após o exercício de funções, em estrita conexão com a prática de ilícitos tão graves como a corrupção (no sector público, no sector privado e internacional), nada obstaria a que o Título V do CP, que prevê os crimes contra o Estado, tivesse inserido este tipo nos crimes contra o Estado de Direito, ou mesmo autonomizado um novo Capítulo IV em que se inseririam o tipo e normas acessórias relativas ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita54.”55.

Em suma, ambas estas infracções terão de ser categorizadas claramente como infracções financeiras, no conceito por nós atrás desenhado, porquanto violam também o bem jurídico identificado como a integridade, legalidade e subsistência do sistema económico-financeiro do Estado.

Estes crimes, contudo, tratando-se de crimes comuns, no sentido de que não têm de ser praticados por agentes dotados de especiais características e, simultaneamente, de que não 54

Capítulo esse em que igualmente deveria ser inserido um tipo penal que previsse e punisse o Enriquecimento Ilícito (Matta, P. Saragoça, Enriquecimento Ilícito, in Política e Corrupção – branqueamento e enriquecimento, Chiado Editora, Lisboa, 2015, pp. 11-43), precisamente por pôr em causa exactamente os mesmos bens jurídicos. 55 Matta, P. Saragoça, Quando o Estado prefere a Coima à Pena, in Política e Corrupção – branqueamento e enriquecimento, Chiado Editora, Lisboa, 2015, pp. 125-185, maxime pp. 176 ess. Página 40 de 50

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carecem de um especial ambiente ou cenário para ser cometidos, embora necessitem sobremaneira de utilizar o sistema financeiro (tributário, fiscal, bancário, segurador, dos fundos e dos valores mobiliários)

dos Estados, encontram-se na prática protegidos por múltiplas camadas de

agentes e procedimentos de prevenção.

Em rigor, todas as entidades que funcionam como reguladores, como órgãos de polícia criminal e como autoridades judiciárias na tutela dos sectores referidos (tributário, fiscal, bancário, segurador, dos fundos e dos valores mobiliários)

concorrerão, na medida das suas actividades de prevenção e

combate à criminalidade nas áreas para que têm competência especial, também para a prevenção e combate ao financiamento ao terrorismo e ao branqueamento de capitais.

g) Crimes de funcionários e equiparados Conforme atrás ficou escrito relativamente aos crimes de titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, faz sentido considerar este domínio da criminalidade dos funcionários e equiparados dentro do círculo da criminalidade financeira, exactamente na medida em que a especialidade dos agentes destes crimes pode, pela esfera de domínio dos factos que funcionalmente lhes está cometida, colocá-los em posição de ofender os bens jurídicos que identificámos como integrando o núcleo dos crimes financeiros.

Com efeito, o tráfico de influências (335º CP), a denegação de justiça e prevaricação (369º CP), o recebimento indevido de vantagem (372º CP), a corrupção (373º a 374º-B CP), o peculato (375º CP), o peculato de uso (376º CP), a participação económica em negócio (377º CP), a concussão (379º CP), o abuso de poder (382º CP) e a violação de segredo (383º e 384º CP), bem como a apropriação

ilegítima e a administração danosa (contra o sector público ou cooperativo agravados pela qualidade do agente – art.ºs 234º e 235º CP),

tudo são comportamentos de funcionários e equiparados que, não

só ferem os bens jurídicos tutelados pelas normas que regulam a obtenção, a gestão e o dispêndio dos meios financeiros públicos, como podem mesmo ser a génese dos fundos, ilícitos, posteriormente utilizados na prática de crimes financeiros como o branqueamento de capitais, o financiamento ao terrorismo e o financiamento ilícito aos Partidos Políticos.

A este propósito apenas uma última nota, que versa sobre o teor do tipo p. e p. no art.º 7º da Lei n.º 20/2008, de 21 de Abril, a saber, a corrupção activa com prejuízo do comércio Página 41 de 50

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internacional. Neste tipo sanciona-se com pena de prisão de 1 a 8 anos quem, por toda e qualquer via, “der ou prometer a funcionário, nacional, estrangeiro ou de organização internacional, ou a titular e cargo político, nacional ou estrangeiro, ou a terceiro com conhecimento daqueles, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que lhe não seja devida, para obter ou conservar um negócio, um contrato ou outra vantagem indevida no comércio internacional”. E este tipo é considerado crime de corrupção nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 368º-A do Código Penal (branqueamento de capitais), e do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 1º da Lei n.º 36/94 (ex vi do art.º 10º da Lei n.º 20/2008, de 21 de Abril)56. h) Crimes “comuns” praticados em ambientes “especiais” Chegamos, por fim, a um ponto em que não podemos deixar de reconhecer que há um universo, de difícil delimitação, de crimes que sendo comuns, i.e., praticáveis por quem quer que seja, que, se e na medida em que ocorram em empresas que integram o sector empresarial público, em empresas como Bancos e Seguradoras, empresas Gestoras de Fundos e empresas que actuam no âmbito do Mercado de Valores, violarão o bem jurídico que definimos retro. E quando dizemos “que ocorram em”, temos de admitir que ocorram no decurso da actividade dessas mesmas entidades, “por” elas, “através” delas ou mesmo “contra” elas.

Em todos esses casos, rigorosamente, temos crimes comuns praticados em ambientes circunscritos, e que precisamente por essa razão põem em causa, ferem, violam o bem jurídico que identificámos.

Pensamos, v.g., em burlas (quase todas) e abusos de confiança, falsificações e infidelidades, insolvências dolosas e frustração de créditos, favorecimentos de credores e perturbações de arrematações, violação de correspondência ou de telecomunicações, violação e aproveitamento indevido de segredo, devassa por meio de informática e outros crimes informáticos que 56

Este tipo, contudo, merece sublinhado especial apenas pela estupefacção que não pode deixar de gerar por não encontrar correlativo numa corrupção passiva com prejuízo do comércio internacional. Será, mesmo, o único tipo de corrupção que apenas é punido na modalidade activa, e não na modalidade passiva, i.e., que não tem um tipo correlato que puna, ainda mais severamente, a conduta do “funcionário, nacional, estrangeiro ou de organização internacional, ou titular e cargo político, nacional ou estrangeiro” que solicitar ou aceitar “vantagem patrimonial ou não patrimonial, que lhe não seja devida” para possibilitar os ditos fins. Aí o dito agente do crime só poderá ser punido nos termos gerais de outro tipo de corrupção passiva geral… a especialidade da corrupção no comércio internacional, tão forte que até levou à incriminação da corrupção no sector privado, não motivou suficientemente o legislador para prever a situação correlata. Página 42 de 50

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permitem apropriações de património alheio ou respectivos dados, até furtos, extorsões e danos, tráfico de influências, favorecimento pessoal simples e praticado por funcionário, associação criminosa, etc. E pensamos também em todos os comportamentos de extraneus abrangidos em crimes de sujeitos dotados de especiais condições ou qualidades, nos termos gerais previstos nos art.ºs 28º e 29º CP.

Mas ao fazê-lo, em rigor, estamos do mesmo passo a ampliar o bem jurídico base que tais tipos visam tutelar (dir-se-ia que a ampliação dos bens jurídicos tuteláveis pelo tipo ocorre pelo facto de serem cometidos no referido ambiente especial), e a confessar, até certo ponto, a inadequação da autonomia

do próprio conceito de crime financeiro… porque, e na medida em que, arrasta para o seu núcleo actuações típicas não por força da essência destas, mas pelo circunstancialismo da sua comissão.

E como vimos pela enumeração atrás apresentada, o círculo da mesma foi-se ampliando até tipos que apenas remotamente poderão considerar-se como tutelando o dito bem jurídico subjacente à categoria dos crimes financeiros. Em suma, deparamo-nos com um verdadeiro desbragamento do conceito!

Tal demonstra, inequivocamente, que estamos perante bens jurídicos que não constam no âmbito de protecção “originário” da norma. Como se neste domínio o dito âmbito de protecção da norma variasse consoante o cenário da prática do crime (circunstâncias de lugar da prática do crime).

E ao fazê-lo teremos de reconhecer que nesta área os bens jurídicos tuteláveis por certo

tipo podem variar consoante o âmbito de actuação material ou funcional do agente, ao invés da grande maioria dos ditos crimes clássicos (v.g. crimes contra a vida, contra a liberdade, contra a liberdade sexual, contra a honra, etc., em que o bem jurídico é perene e constante, independendo do ambiente em que ocorre a sua violação).

Nesta senda, demonstrativa de que o conteúdo da categoria da criminalidade financeira não só não é uniforme, como não é estável nem constante, então teremos de admitir que é extremamente inconveniente utilizar a mesma para circunscrever seja o que for no âmbito jurídico-penal e no jurídico processual penal. É que em ambos estes domínios tem de ser claro, e antecipável, o âmbito de aplicação das normas respectivas, pelo que é gerador de forte Página 43 de 50

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insegurança jurídica, e em muitos casos de inexigibilidade para os destinatários das normas, o conteúdo fragmentário, inconstante e não previamente determinável da categoria dos crimes financeiros57.

Tudo o que se diz resulta totalmente confirmado se se olhar para tipos como os previstos nos ver art.ºs 8º e 9º Lei n.º 20/2008, i.e., a corrupção passiva e a corrupção activa no sector privado. É que sendo, à partida, crimes que não violam o bem jurídico tutelado pelas normas que regulam a obtenção, a gestão e o dispêndio dos meios financeiros públicos, podem perfeitamente ser comportamentos violadores dos bens jurídicos emergentes das normas que tutelam o sector bancário e parabancário, o sector segurador e dos fundos, e o do mercado de valores mobiliários.

Se assim tiver de concluir-se (como parece inafastável), então demonstrada está, a nosso ver, a natureza muito pouco útil da categoria que até agora procurámos densificar, e, do mesmo passo, do próprio bem jurídico encontrado… principalmente se recordarmos o que inicialmente citámos como sendo o entendimento da doutrina sobre o conteúdo mutável, no tempo e localização, do universo do financeiro.

5. O sistema de prevenção e investigação para os crimes financeiros

Depois de tudo quanto vimos, e apesar do carácter muito pouco preciso do que sejam crimes financeiros, resulta perfeitamente claro e determinável o âmbito e conteúdo do sistema de prevenção e investigação previstos legalmente para a totalidade dos crimes enunciados. Com ou sem a sua inclusão sob a nomenclatura de crimes financeiros.

Como visto, partimos do pressuposto dogmático de que um sistema é um método, modo ou forma de administrar e um modo de organização de uma realidade, tendo em vista concorrer para um resultado ou formar um conjunto. Vimos também que o resultado visado é a prevenção

57

E se o que se diz é claro para a categoria dos crimes financeiros, por maioria de razão o é para a dos crimes económicos, área esta em que já é conceptualmente identificado unanimemente pela doutrina o estarmos perante uma área de entrecruzamento de um grande número de outros ramos clássicos de direito (direito comercial, direito civil, direito fiscal, direito do trabalho, etc.). Página 44 de 50

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e combate à criminalidade que tentámos circunscrever. E fomos enunciando, topicamente, qual o modo de organização das forças e agentes de autoridade pública encarregues dessa mesma prevenção e combate.

Dito de outro modo, estamos em condições de identificar estruturadamente o método de organizar e administrar os mecanismos de prevenção e investigação dos crimes financeiros, método esse que, formando um conjunto, visará concorrer para o resultado desejado, a saber, prevenir e reprimir a realidade definida como criminalidade financeira.

Podemos, então, concluir que a forma de administrar e o modo de organização funcional do aparelho de prevenção e combate aos crimes financeiros é extremamente amplo, muito complexo e diverso, e, nas mais das vezes, com instituições e procedimentos sobrepostos entre si, numa estruturação de duplicação ou triplicação de funções e, consequentemente, de responsabilidades relativamente a essa mesma prevenção e combate58.

Dir-se-á que depois da análise efectuada, o sistema de prevenção e investigação de crimes financeiros passa pelo seguinte arsenal orgânico:

a) Autoridades judiciárias, maxime o Ministério Público, numa primeira linha, e também a magistratura judicial, relativamente a alguns tipos penais (v.g., tributários); b) Órgãos clássicos de polícia criminal, i.e., Polícia Judiciária, Polícia de Segurança Pública e Guarda Nacional Republicana, nas áreas das suas competências gerais; c) Banco de Portugal; d) Autoridade Supervisora de Seguros e Fundos de Pensões; e) Comissão de Valores Mobiliários; f) Direcção de Serviços Antifraude da Autoridade Tributária; g) Brigada Fiscal da Guarda Nacional Republicana; h) Directores de finanças, Director da Unidade dos Grandes Contribuintes, Director da Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Acções Especiais, todos da Autoridade Tributária;

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Com consequências que abaixo melhor se apresentarão. Página 45 de 50

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i) Presidentes das pessoas colectivas de direito público a quem estejam cometidas as atribuições nas áreas dos contribuintes e dos beneficiários da Segurança Social; j) Autoridade de Segurança Alimentar e Económica; k) Todos os organismos governamentais da área agro-pecuária, do comércio e indústria, relativamente à subsidiação das actividades desenvolvidas na sua área de intervenção; l) Todos os organismos governamentais de outras áreas em que igualmente haja subsidiação a operadores por si regulados ou controlados (v.g., Gabinete para os Meios da Comunicação Social, Instituto do Cinema e do Audiovisual, Direcção-Geral das Artes, etc.), bem como

de outros graus de administração pública central, desconcentrada, regional e local.

Por fim, recordando que em Portugal vigora um diploma especial relativo, especificamente, a medidas de prevenção à criminalidade financeira, a Lei n.º 36/94 a que fizemos referência amiudada ao longo desta reflexão, recordar que as acções de prevenção por parte da PJ e do MP nos termos desse diploma acabam por se reduzir, pela natureza da própria especialização técnico-científica, aos crimes de titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, aos crimes de funcionários, e aos crimes comuns como o financiamento ao terrorismo e o branqueamento de capitais, ou a todos os crimes comuns que sejam praticados em ambientes especiais que atrás igualmente enunciámos, bem como aos crimes “monetários” p. e p. nos art.ºs 262º a 268º CP a que atrás aludimos (posto que quanto aos crimes do mercado de valores mobiliários, aos crimes tributários e contra a segurança social, bem como quanto aos crimes ditos anti-económicos há reguladores especiais a fazer tal prevenção).

6. Problemas do sistema de prevenção e investigação dos crimes financeiros

Aqui chegados, e perante o cenário descrito, cabe apresentar um pequeno apontamento relativamente à avaliação, estática, do sistema de prevenção dos crimes financeiros. Não abordaremos qualquer benefício ou prejuízo para a prevenção dos crimes financeiros emergente da actuação da estrutura organizacional criada para esse efeito, ou seja, da dinâmica do sistema. Limitar-nos-emos a apreciar a estrutura tal como ela existe, detectando o que sejam entropias manifestas e problemas patentes do sistema assim instituído.

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Assim, não pode deixar de recordar-se que a criação de uma estrutura organizacional com competências concorrentes gera, por definição, o surgimento de lacunas de atenção. Com efeito, a multiplicidade de reguladores, permitindo a duplicação de responsáveis pela mesma função, leva sempre e necessariamente a desresponsabilização e descoordenação. Trata-se de um mal, bem conhecido da teoria das organizações, trazido por qualquer sobreposição de competências e funções.

Sintetiza-se num apotegma demonstrado e indesmentível: quando muitos são responsáveis por alguma coisa, ninguém é responsável por coisa nenhuma.

Por outro lado, a sobreposição de normativos, e a sobreposição de reguladores e fiscalizadores, potencia a criação de deveres concorrentes e/ou conflituantes (normas e procedimentos também duplicados e/ou conflituantes)

ou nem sempre exactamente coincidentes. Tal necessariamente

dificulta, senão impede, uma correcta interpretação dos deveres e procedimentos a ser levados a cabo pelas entidades destinatárias da regulação, com prejuízo para a própria actividade económica e, o que mais é, com prejuízo óbvio para as acções de prevenção desejadas.

Também aqui um apotegma é evidente: não sendo claro o que é para fazer, cada destinatário da norma faz o que acha melhor… mesmo que o não seja!

Por outro lado ainda, cabe recordar que os herbicidas, tal como o fogo, tanto matam o trigo, como o joio. Ora, como vem sendo dito há décadas em tudo o que respeita à regulação penal e contraordenacional da economia, o excesso de regulação asfixia a iniciativa privada, seja a criminosa, seja a lícita. Isto já Sutherland reconhecia!

Terceiro apotegma: excesso de regulação e perseguição pode matar a actividade regulada, com todos os males macro-económicos e macro-financeiros que tal implica!

Pior ainda: quando o excesso de regulação, em número de diplomas sobrepostos, é complexificado por um excesso de procedimentos, comunicações, burocracias, na prática impede-se verdadeiramente o funcionamento de qualquer sistema. Isto é particularmente óbvio nos departamentos de compliance das entidades bancárias, parabancárias e reguladoras, que Página 47 de 50

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investem a maior parte dos recursos humanos, técnicos e temporais a cumprir procedimentos burocráticos, e não na eventual vigilância do seu mercado.

Quarto apotegma: quando tudo se quer regular, deixa de se distinguir o essencial do acessório, contribuindo-se para o carácter meramente formal de muitas das obrigações e proibições, tornando-se a norma difícil de ser restaurada em caso de violação, com a criação de uma sensação de impunidade que pode ser até criminogenética.

Como afirma a maioria dos Autores que normalmente se conotam com a chamada Escola de Francoforte, trilhámos um caminho no sentido de o Direito Penal estender o seu objecto muito para além dos limites que tradicionalmente acompanharam a protecção dos bens jurídicos clássicos,

transformando-o

num

Direito

Penal

puramente

funcionalista,

orientado

exclusivamente para o fim de conseguir uma defesa da sociedade o mais eficaz possível perante os riscos emergentes das disfunções do sistema social post-industrial59.

Mas em bom rigor, nem sequer é de espantar que o sistema de prevenção dos crimes financeiros que atrás descrevemos tenha sido criado como foi e esteja no estado em que está. Com efeito, tem já mais de quinze anos a análise brilhantíssima de Silva Sanchez 60, segundo a qual a infindável expansão do âmbito do direito penal nas últimas décadas representa, na essência, uma simplicíssima perversidade da actuação do Estado, que busca no recurso à arma penal uma aparentemente fácil solução dos problemas sociais: desloca para o plano do simbolismo da tutela penal o que devia resolver no plano instrumental da protecção efectiva dos interesses que deseja afirmar. Com isso a consciência social apazigua-se e tranquiliza-se, com a simples afirmação dos princípios e a declaração de que há uma protecção penal agregada à tutela dos conjunturais interesses sociais. Mesmo que de facto, no plano da realidade, nada em rigor aconteça.

59

Precisamente neste sentido veja-se Pérez, Carlos Martínez-Buján, Algunas reflexiones sobre la moderna teoria del “Big Crunch” en la selección de bienes jurídico-penales (especial referencia al ámbito económico), consultável em http://ruc.udc.es/dspace/bitstream/handle/2183/2216/AD-7-61.pdf?sequence=1. 60 Sánchez, Jesús Maria Silva, La expansión del Derecho penal, Civitas, 1ª Edição, Madrid, 2001. Página 48 de 50

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Com o que se conclui ser vã a esperança de Kurt Vonnegut, enunciada no portal desta reflexão, mas agora no que ao funcionamento do sistema de prevenção dos crimes financeiros diz respeito: os anjos não têm nesta área, porque por definição não podem ter, o mesmo sistema organizacional da Máfia!

Lisboa, Sexta-feira Santa, 14 de Abril de 2017.

P. Saragoça da Matta

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O Sistema de Prevenção e Investigação de Crimes Financeiros

1. Delimitação do objecto da reflexão 2. Crimes financeiros – o menino que despejava o mar num buraco da areia 3. A Lei n.º 36/94 de 29 de Setembro 4. Que crimes podem considerar-se crimes financeiros I.

Crimes financeiros: categoria criminológica vs. categoria jurídico-penal

II.

Crimes susceptíveis de integrar o conceito de crimes financeiros a. Crimes antieconómicos – Dec.-Lei n.º 28/84 de 20 de Janeiro b. Crimes de titulares de cargos políticos e altos cargos públicos – Lei n.º 34/87 de 16 de Julho c. Infracções no âmbito do mercado de valores mobiliários d. Infracções na área bancária, parabancária e seguradora e. Infracções tributárias f.

Financiamento ao terrorismo e branqueamento de capitais

g. Crimes de funcionários e equiparados h. Crimes “comuns” praticados em ambientes “especiais” 5. O sistema de prevenção e investigação para crimes financeiros 6. Problemas do sistema de prevenção e investigação de crimes financeiros

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