O SISTEMA JURÍDICO COMO SISTEMA SOCIAL DINÂMICO

July 3, 2017 | Autor: Hugo Monteiro | Categoria: International Relations, Philosophy Of Law
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O SISTEMA JURÍDICO COMO SISTEMA SOCIAL DINÂMICO Hugo Monteiro Universidade de Évora, Licenciatura em Relações Internacionais, 31051 RESUMO O presente trabalho tem como objectivo explicar como o sistema jurídico é formado. Para tal, em primeiro lugar, devemos definir o conceito, tendo como base o trabalho de Norberto Bobbio, na sua obra Teoria do Ordenamento Jurídico. Desse modo, podemos explicar o desenvolvimento dessa teoria, que é originada a partir do entendimento do direito a partir de um conjunto de regras que formam um certo ordenamento jurídico, e não a partir da norma. A teoria de Bobbio assenta nas concepções de Hans Kelsen, e apresenta os aspectos fundamentais de unidade e coerência, resumindo o ordenamento jurídico como uma unidade sistemática. Posteriormente, no campo da construção do sistema jurídico, apresentámos, de forma sintética, os métodos de interpretação do direito, métodos esses justificados em função das possibilidades de solução para as falhas do direito, conforme podemos constatar na obra de Juarez Freitas, Interpretação Sistemática do Direito. No campo das falhas do direito, procurámos estabelecer uma comparação entre as soluções apresentadas por Bobbio e por Juarez Freitas. Desta forma, procurámos mostrar que qualquer sistema jurídico, inserido no conceito de Estado Moderno de Direito, não pode ser fechado e com a impossibilidade de evolução. Deve sim, ser dinâmico e acompanhar a constante evolução social inerente à condição humana. Palavras-Chave: Sistema Jurídico, Ordenamento Jurídico, Unidade e Coerência Jurídica, Dinâmica Social ABSTRACT This paper aims to explain how the legal system is formed. To do this, first we must define the concept, based on the work of Norberto Bobbio, in his work Theory of the Legal System. Thus, we can explain the development of this theory, which originates from the understanding of law from a set of rules that form a certain

legal

system,

and

not

from

the

norm

itself.

Bobbio's theory is based on the concepts of Hans Kelsen, and presents the fundamental aspects of unity and coherence, summarizing the legal system as a systematic unity. Later, in the field of construction of the legal system, we presented, in summary form, the methods of interpretation of the law, being those methods justified in terms of possible solutions to the flaws of law, as we can see in the work of Juarez Freitas, Systematic Interpretation of Law. In the field of law faillures, we tried to establish a comparison between the solutions presented by Bobbio and Juarez Freitas. Thus, we sought to show that any legal system, inserted into the concept of the Modern State of Law, cannot be closed and have the impossibility of evolution. Should indeed be dynamic, and follow the social evolution, process inherent to the human condition. Keywords: Judicial System, Judicial Order, Unity and Coherence, Social Dinamics

 

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1. O ORDENAMENTO JURÍDICO Norberto Bobbio vê o ordenamento jurídico como um conjunto, ou complexo de normas. Desta forma, tem a compreensão de que as normas não existem isoladamente, mas num espaço onde têm relações entre si. Bobbio propõe um estudo das normas no seu conjunto, e através do seu ordenamento coerente, conseguir-se uma identificação dos problemas gerais do direito. Considerava que, até então, a análise era efectuada em função da norma, e não do seu conjunto relacional. Ao estabelecer a sua definição de direito, estuda o conceito de norma jurídica, observando os aspectos da exterioridade e institucionalização, possibilitando a afirmação de que a norma jurídica é aquela “cuja execução é garantida por uma sanção externa e institucionalizada. Ao partir de este ponto de análise, mostra que a sanção deve ser institucionalizada, o que exige uma organização complexa. Ao se ter a noção de sanção organizada, é importante saber qual o carácter distintivo do direito no complexo das normas, e não num elemento da norma. Os dois aspectos fundamentais na teoria de Bobbio são a unidade e a coerência do ordenamento jurídico. 2. A UNIDADE No que corresponde ao estabelecimento da unidade do ordenamento jurídico, esta condição pode ser caracterizada por 2 aspectos: as fontes delegadas e as fontes reconhecidas. Bobbio apresenta estas fontes, pela possibilidade de que a complexidade de um ordenamento jurídico deriva do facto, de que, a necessidade de regras de conduta na sociedade é tão imensa que não existe nenhum poder em condições de as satisfazer isoladamente. Desta forma, o poder procura mecanismos para resolver esta dificuldade, o que se vislumbra na recepção de normas já elaboradas, produzidas por ordenamentos anteriores, bem como, na delegação do poder de criação de normas jurídicas a órgãos inferiores. Um bom exemplo deste tipo de fontes, é para Bobbio, o costume, o qual é recebido pelo ordenamento vigente no decorrer de situações não reguladas. Como fonte delegada, temos o regulamento com relação à lei, confiado ao poder executivo, cujas atribuições, passam pela integração de leis muito genéricas, muitas contendo apenas directrizes de princípios, que não poderiam ser aplicadas sem serem posteriormente especificadas. A unidade do ordenamento jurídico é facilmente observável num sistema de ordenamento simples, onde todas as normas resultam da mesma fonte. Mas quando estamos perante um ordenamento jurídico complexo, temos uma situação, em que as normas não estão todas dentro do mesmo plano. Perante esta situação, Bobbio recorre à proposição de Kelsen, onde este evidencia a construção escalonada do ordenamento. A base desta teoria, é, de que, existem normas inferiores e superiores, onde as primeiras dependem das segundas, de forma hierarquizada, até se atingir o ponto da norma fundamental, estando esta acima de todas as demais, sendo o termo unificador de todas as normas que compõem o ordenamento jurídico. Segundo Bobbio, a eficácia de uma norma vem da necessidade de esta ser válida, mas esta só pode ser válida se pertencer a um ordenamento jurídico. Estando a norma integrada num ordenamento jurídico, deve-se olhar com atenção para o momento em que essa norma adquire o estatuto de válida dentro do ordenamento. Dessa forma, é possível chegar à norma fundamental. A norma fundamental de um ordenamento jurídico é a Constituição. Porém, sendo a Constituição uma norma ordinária, depende de um poder normativo, poder esse que a originou. Tendo a Constituição

 

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origem num poder originário, tem como base da sua existência a atribuição ao poder constituinte a autoridade de produzir normas jurídicas. Bobbio diz que a norma que dá vida ao poder originário é a norma fundamental, pois, ao mesmo tempo atribui aos órgãos constitucionais o poder de fixar normas válidas, também impõem a todos os que estão dentro de determinado ordenamento jurídico, o dever de as obedecer. A validade da norma verifica-se, quando existe a possibilidade de esta ser reinserida na norma fundamental, em um ou vários graus do ordenamento, podendo chegar até à norma fundamental. Dessa forma, qual a razão da norma fundamental? Bobbio responde que, a norma fundamental não tem fundamento, pois se tivesse, não seria a norma fundamental, mas existiria outra norma superior, da qual ela dependeria. Expressa também que, para se compreender a razão de existência da norma fundamental de um ordenamento jurídico positivo, é preciso ir um pouco mais alem, subir a um ordenamento jurídico mais amplo, fora do sistema. Para tal, apresenta várias concepções para tal: •

Modelo Absolutista: neste modelo, todo o poder emana de Deus, logo, todos devem obedecer ao poder constituinte, pois este recebeu a autorização de Deus para assim proceder;



A Lei Natural: desta decorre o dever de obedecer ao poder constituinte. segue a teoria da obediência, segundo a qual, por uma qualquer razão natural, devemos obedecer aos governantes;



O Contracto Social: teoria, apoiada por inúmeros filósofos ao longo da história, na qual, os membros de uma determinada sociedade produziriam um acordo original, confiando o poder em alguns dos seus membros.

As três concepções atrás retratadas, justificam a existência de uma norma que fundamenta a norma fundamental, mas é necessário ver qual o conteúdo da norma. Compreendendo que esta se funde no contracto social, contracto esse que decorre da vontade, como podemos verificar na obra de Rousseau, onde diz que o contracto só dá origem à sociedade, tendo esta de servir à plena expansão da personalidade do individuo. A sociedade e o povo não devem nunca perder a sua soberania, a qual deve pertencer sempre ao povo. Logo, o povo não deve criar um estado separado de si mesmo, sendo o único órgão soberano a assembleia. Quando Rousseau estabelece que o poder soberano provém da assembleia, não diminui o facto de que o poder originário seja o resultado de um agregar de forças politicas, que num especifico momento da história, tomaram o domínio e organizam um novo ordenamento jurídico. Deste modo, é possível que a existência de uma força dominante não tenha obrigatoriamente origem na força física, mas sim, de um poder politico sobreposto. Bobbio diz que, quando a norma fundamental obriga à obediência ao poder originário, não deve ser interpretada no sentido de que nos devemos submeter à violência, mas no sentido de que devemos nos submeter aos que detém o poder coercivo. Logo, são os detentores de poder que têm a força necessária para fazer respeitar a norma, sendo a força um instrumento necessário ao exercício do poder. O que Bobbio tenta explicar, é que, não se trata de um direito justo, ideal, de como deveria ser, mas sim de um direito positivo, de como é. Diz que a definição de direito na sua teoria de ordenamento jurídico não está de acordo com a de justiça, onde o direito se caracteriza por ser um conjunto de regras com eficácia reforçada, o que tornaria impensável um ordenamento jurídico sem um poder. Desta forma, o

 

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direito é a vontade dos mais fortes e não dos mais justos, sendo que, na sua forma perfeita, os mais fortes seriam também os mais justos. Bobbio estabelece também que, a juridicidade de uma norma está no facto de pertencer a um ordenamento, e não na identificação do seu conteúdo. A definição como um conjunto de regras para o exercício da força pode estar classificada entre outras a respeito do conteúdo da norma, mas não explica a razão da sua integração no ordenamento jurídico. As regras que estabelecem o exercício da força em determinado ordenamento jurídico, são as mesmas que organizam a sanção, porém, o objectivo do legislador não é o de organizar a força, mas sim, o de organizar a sociedade mediante a força. Bobbio justifica a juridicidade do ordenamento no seu conjunto, quando se formam regras pelo uso da força, ou seja, passando do uso indiscriminado da força para o seu uso limitado e controlado. 3. A COERÊNCIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO Segundo Bobbio, o sistema é uma totalidade ordenada, um conjunto de entes, entre os quais existe uma determinada ordem. Logo estas relações não devem existir só em função da unidade, mas também da coerência. O ordenamento jurídico deve ser uma unidade sistemática. Bobbio vê três significados de sistema. O primeiro é o sistema dedutivo, sendo neste o ordenamento um sistema, e as normas jurídicas derivam de alguns princípios gerais, sendo estes levados em conta da mesma forma que os princípios de um sistema cientifico. O segundo pode ser visto na ciência do direito moderno. Bobbio diz que os juristas são da opinião de que a ciência jurídica moderna descende da passagem da jurisprudência exegética à jurisprudência sistemática (a jurisprudência elevada ao nível da ciência). Neste contexto, sistema é um ordenamento da matéria, através do processo indutivo, partindo de simples normas para elaborar conceitos mais gerais. No seu terceiro significado, que mais o impressiona, Bobbio diz que o que caracteriza o ordenamento jurídico e a sua transformação em sistema, é o facto de nele, não poderem coabitar normas incompatíveis. Existe um principio que exclui esta possibilidade, o que pressupõe, que em caso de conflito entre normas, uma, ou as duas, devem ser eliminadas. A existência de tal principio, possibilita a manutenção de todo o sistema, logo, se for necessário excluir uma ou mais normas, esse processo não conduzirá à queda de todo o sistema. Este principio não pressupõe que todas as normas se tenham de encaixar perfeitamente, podendo existir divergências entre normas, porém, para se fixarem no ordenamento jurídico, têm que ser compatíveis. 4. O SISTEMA JURÍDICO A ciência jurídica que faz a interpretação do direito, tem como objecto de estudo o sistema jurídico. Não é possível a noção de sistema, segundo o qual as normas jurídicas guardariam entre si relação de apenas forma, sem conteúdo. Um sistema jurídico apenas normativo e isento de valores, não se coaduna com a realidade actual. Este tipo de sistema fechado, cuja finalidade é somente a fixação de regras de conduta, sem principio e valores, pode ser a representação de um Estado com o poder nas mãos de um tirano. Assim, em termos jurídico-políticos, seria a única garantia da sociedade, a defesa do meramente legal. Um sistema fechado, pressupõe que parte da sociedade crie um ordenamento jurídico alternativo. Isto acontece, porque parte da sociedade se encontra afastada do acesso à justiça. Os seus anseios e valores não são reconhecidos pelo poder judiciário. Historicamente, as sociedades às quais é imposto

 

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este tipo de sistema, tendem a reagir, chegando muitas vezes à alternativa revolucionária, de derrube do sistema jurídico e politico. Esta consequência deve-se, na maioria dos casos, ao acumular de descontentamentos da ordem de valores impostos, chegando até ao momento em que não existe outra solução possível. Numa sociedade que pretenda ser um Estado Democrático de Direito, só é possível um sistema jurídico aberto, que seja dinâmico, e que se proponha regular a ordem social. Para tal, este tem de suportar mutações nos princípios, sejam pelo aparecimento de novos conhecimentos ou modificações na jurisprudência. O sistema como unidade de uma ordem jurídica, partilha da razão de ser desta, ou seja, é dinâmico e ajusta-se permanentemente à sociedade. O ordenamento jurídico, pelo que vimos anteriormente, deve possuir unidade interior e coerência. Bobbio estabelece por unidade quando se pressupõe como base do ordenamento uma norma fundamental com a qual se possam relacionar todas as normas desse ordenamento. Tal relação não será suficiente para formar um sistema. Também é necessário que existe uma relação de coerência entre as normas. O novo modelo de sistema jurídico é o que está permeado de valores, tendo como base a Constituição. A sua perspectiva renovadora reside na sua rede axiológica e hierarquizada de princípios gerais, normas e valores, cuja função é a de fazer cumprir os princípios e objectivos do Estado Democrático de Direito. O ordenamento jurídico deve ser compreendido como um sistema abertos e sujeito à mudança, cabendo a quem o estuda, a responsabilidade da sua boa interpretação, com o fim de fazer cumprir os seus objectivos fundamentais. 5. INTERPRETAR O DIREITO Antes de entrarmos no conceito de interpretação, é necessário verificar porque esta é importante na ciência do direito. No pais em que vivemos, com a tradição jurídica baseada no sistema romanogermânico, toda a ordem jurídica tem como premissa o direito posto, escrito, positivado. O direito positivo é a norma jurídica, com o objectivo de ser uma norma de conduta, norma essa que, directa ou indirectamente, pretende dirigir o comportamento de todos os que estão dentro do seu campo de acção (o Estado). Sendo esta abstracta, porque se dirige a todos, para a sua aplicação é necessária interpretação. Uma norma pode ser clara quando aplicada a um caso imediato, mas pode ser duvidosa em relação a outras aplicações, às quais não se refere directamente. Uma norma poderá parecer clara, quando analisada superficialmente, mas poderá revelar a sua complexidade quando se considerar os seus fins, precedentes históricos, ligações a todos os elementos dos sistemas sociais que agem sobre a vida do direito que, como resultado de novas exigências, não poderiam ser consideradas quando a lei foi formada, na sua ligação ao sistema geral do direito positivo em vigor. Sabendo assim da importância da interpretação da norma no momento da sua aplicação, é necessário a utilização de algumas técnicas de interpretação, tais como a interpretação gramatical ou literal, lógica, sistemática, histórica e sociológica, ou mesmo teológica. Na gramatical, busca-se o sentido literal da norma e os diferentes significados que ai possam residir, colocando limites à interpretação, optando, quem aplica a lei, por um dos diferentes caminhos admissíveis.

 

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No processo de interpretação lógica, é procurado desvendar o sentido lógico e o alcance da norma, com recurso à análise dos períodos da lei e combinando-os entre si, com o objectivo de obter uma compatibilidade perfeita. Já o processo sistemático, considera primeiro o sistema em que a norma está inserida, relacionando esta com outras cujo objecto é o mesmo. É esta relação das normas entre si, que possibilita a quem as interpreta, ver o seu sentido e alcance. A interpretação histórica é baseada na averiguação dos precedentes da norma. Faz uma análise histórica do processo legislativo da sua criação, ou observa as condições fácticas que a precederam, e que lhe deram origem. A interpretação sociológica ou teológica, procura estabelecer a finalidade da norma, partindo do ponto inicial, que será a identificação da razão para a existência do preceito normativo. Quem a interpreta deve ter em consideração que, a norma se destina a um fim social, e é a partir deste pressuposto que se obtém o seu sentido e alcance. A utilização de uma só técnica de interpretação não é suficiente para que a interpretação das normas seja justa, e consequentemente, a sua aplicação. É preciso que se usem todas as técnicas disponíveis. Podemos assim dizer que, interpretar o direito é necessariamente sistematizar o que parece dividido e isolado. Ao olharmos para o direito como um sistema, temos que perceber que a sua interpretação terá que ser também sistemática. Para tal, é necessário que se perceba exactamente o que é a interpretação sistemática do direito. Esta pode ser definida, segundo Juarez Freitas, como a operação que consiste em atribuir a melhor significação, dentro das variáveis possíveis, aos princípios, às normas e aos valores jurídicos, hierarquizando-os num todo aberto, fixando o seu alcance e superando as contradições existentes entre leis. Este conceito de interpretação sistemática tem um aspecto fundamental. O critério da hierarquização axiológica. Aquele que interpreta, é “obrigado” a hierarquizar, seja as normas, os princípios ou os valores. A hierarquização dos valores e princípios tem como objectivo, superar as contradições nas leis, e o parâmetro pelo qual se deve guiar, é naturalmente a norma fundamental, a Constituição. É nesse texto fundamental, que quem interpreta, vai buscar os valores maiores de uma sociedade, valores esses, disseminados em normas e princípios do sistema jurídico. O principio da hierarquização axiológica, é considerado um superpríncipio, que imprime unidade sistemática aos fins jurídicos. A sua maior importância reside no facto de ser este que supera as contradições nas leis e no interior do sistema. 6. AS CONTRADIÇÕES JURÍDICAS Dentro de um sistema jurídico de tradição romano-germânica, como é o nosso, o que causa mais problemas é o problema que concerne à situação das normas incompatíveis entre si, problema este que se tem designado de antinomia. Bobbio défice a antinomia jurídica como a situação que se verifica entre duas normas incompatíveis, que pertencem ao mesmo ordenamento jurídico, tendo ambas o mesmo âmbito de validade. Logo, a antinomia surge dentro da ordem jurídica positiva. O sistema jurídico tem critérios para a solução das antinomias jurídicas, solução essa, que segundo Bobbio, passa por três regras fundamentais:

 

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a. Critério cronológico – também chamado de lex posterior, com base no qual prevalece a norma posterior; b. Critério hierárquico – também chamado de lex superior, segundo o qual prevalece a norma hierarquicamente superior; c.

Critério da especialidade – também chamado de lex specialis, segundo o qual, entre uma norma geral e uma especial, prevalece a segunda.

Ao abordar estes critérios, Bobbio salienta que não são suficientes para resolver todos os conflitos. Dá o exemplo do que pode acontecer entre duas normas que sejam ao mesmo tempo contemporâneas, do mesmo nível e gerais. Apresenta assim, um quarto critério, o qual necessita de uma confirmação pela análise das decisões dos magistrados. É o critério da forma da norma, seja em relação às normas imperativas, proibitivas e permissivas. Com base neste critério, a antinomia é resolvida pela prevalência da norma permissiva face à proibitiva. Em contraposição a Bobbio, temos Juarez Freitas, que identifica a antinomia no plano das normas. Mesmo perante a insuficiência para a resolução por parte dos critérios cronológicos, hierárquicos e de especialidade, usa um quarto modelo que se fixa somente na forma da norma. Afirma que todas as antinomias são de natureza axiológica, e a abordagem a esses conflitos não pode ser compreendida somente o campo das normas, mas sim, é preciso compreende-los nos planos axiológicos e dos princípios. Ao vermos que os conflitos não surgem apenas no campo das normas, verificamos a necessidade pertinente do modelo e interpretação sistemática do direito, permitindo este a superação das antinomias ditas como meramente formais. Desta forma, o conceito proposto por Freitas, define as antinomias jurídicas como incompatibilidades possíveis ou instauradas entre normas, valores ou princípios jurídicos, pertencendo estes ao mesmo sistema jurídico, tendo estas de ser ultrapassadas para ser obtida a preservação da unidade interna e coerência do sistema. Ao vermos o que Bobbio propõe em relação às antinomias de 2º grau (conflitos entre os critérios adoptados para a sua solução), podemos concluir que o critério cronológico é o mais fraco dos três. Com a colisão do critério hierárquico com o cronológico, deve prevalecer o hierárquico. Com o conflito entre o critério da especialidade e o cronológico, deve prevalecer o critério da especialidade. É destacado como grande conflito aquele que surge entre os critérios hierárquico e o da especialidade. A dificuldade de solução para este conflito reside no facto de que estão em jogo dois valores fundamentais do ordenamento jurídico. O respeito da ordem, o qual exige respeito hierárquico (superioridade), e o da justiça, o qual exige adaptação gradual do direito às necessidades sociais (especialidade). Face a este conflito, Bobbio propõe uma solução que passa pela necessidade de adaptação dos princípios gerais da lei fundamental (Constituição), às constantes evoluções sociais, ou seja, quando uma norma superior geral colide com uma norma inferior especial. Já Juarez Freitas, estabelece que num conflito entre uma norma superior geral e uma norma inferior especial, tem que prevalecer a primeira, pois terá que existir o respeito hierárquico, mesmo quando temos pela frente a especialidade. Poderá parecer contraditório em relação a Bobbio, mas não é bem o caso, pois estamos a falar somente do critério hierárquico em confronto com o critério da especialidade, prevalecendo deste modo a hierarquização axiológica, critério esse que representa a superioridade, que

 

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visa impor a unidade e coerência ao sistema. No entanto, este critério pode resultar numa sobreposição de uma norma inferior especial a uma norma superior geral, ocorrendo esta situação quando, o que está a ser hierarquizado não são simplesmente normas, mas sim princípios e valores. Freitas diz que prepondera sempre o critério da hierarquização axiológica, mesmo em caso de conflito entre princípios, fortalecendo esta posição com o facto de que, uma lei especial pode até ser preponderante sobre uma norma superior numa primeira análise, mas, na realidade, é dada primazia ao comando principiológico superior da unidade. Em relação à sua configuração hipotética temos: a. Norma superior vs princípio superior; b. Principio superior vs principio superior O conflito acima apresentado não será desejável, porém, tratando-se da constituição, esta não é nem completa, nem perfeita. Logo, não se deve declarar de imediato a inconstitucionalidade de qualquer norma. Em primeiro lugar, porque os princípios são aglomerados de valores que têm densidade. Com recurso à hierarquização axiológica, poderá ser verificada a preponderância de um principio sobre o outro. 7. AS FALHAS DO DIREITO As falhas do direito não ocorrem num sistema jurídico fechado. Nesse modelo, tal problema estaria resolvido, pois existe uma norma que diz que tudo o que é juridicamente proibido é permitido. As falhas do direito ocorrem em sistemas jurídicos que não são completos, ou seja, falta completude ao sistema jurídico. Bobbio diz que por completude, devemos entender a propriedade pela qual um ordenamento jurídico tem uma norma para regular qualquer caso. Visto isto, podemos afirmar que incompletude seria a inexistência de falhas do direito. O sistema jurídico não é completo, mas também não quer dizer que está repleto de falhas, mas sim, de que essas podem ser plenamente completadas. Também a hipótese de se completarem as falhas não significa que o sistema seja subjectivamente completo, mas sim, objectivamente completo, o que acaba por propiciar a Dinâmica inerente ao próprio sistema. Ao superar a compreensão do sistema jurídico fechado, várias teorias procuram explicações para a ocorrência de falhas. Bobbio, acerca do assunto, informa que foi Karl Bergbohom, no seu livro Jurisprudência e Filosofia do Direito, de 1982, que mencionou pela primeira vez a existência de um espaço jurídico vazio. Dizia que o homem tinha um campo na sua vida regulado pelo sistema jurídico e um outro, onde o sistema jurídico não entrava, ou seja, irrelevante do ponto de vista jurídico. Este espaço, que seria de plena liberdade para o homem, seria o espaço jurídico vazio. Esta ideia sofreu fortes criticas, em primeiro lugar, porque não se poderia considerar como irrelevante a liberdade em si, e de que o espaço seja indiferente ao sistema jurídico. A segunda teoria apresentada por Bobbio é a que fala da norma geral exclusiva, teoria essa sustentada por Zitelman, no seu ensaio intitulado As Lacunas do Direito. Diz Zitelman, que, todos os comportamentos não compreendidos na norma particular , são regulados por uma norma exclusiva, ou seja, pela própria regra que exclui todos os comportamentos que não estejam previstos na norma particular. Todavia, a existência da norma geral exclusiva para suprimir a eventual falha, não foi suficiente para a superação dos problemas que iam surgindo.

 

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O facto de que a norma geral exclusiva não conseguir colmatar todas as falhas é que, junto com a norma particular, também existe a norma geral inclusiva. Geral como a primeira e inclusiva como a segunda. À norma geral inclusiva, em caso de falha, o juiz deve recorrer às normas que regulam casos similares. A existência destes dois últimos tipos de norma (geral exclusiva e geral inclusiva), transporta Bobbio para a verdadeira definição de falhas de direito. A falha não se verifica mais pela falta de uma norma expressa, mas sim, pela falta de um critério para a escolha de qual das duas regras gerais deva ser aplicada. Não existindo solução para as falhas de segundo grau, sendo estas basicamente de critérios, o interprete pode recorrer à hierarquização axiológica para conseguir uma solução adequada. No caso da norma particular, com o conflito exposto entre a norma inclusiva e a exclusiva, deve o interprete, verificar a possibilidade da aplicação da norma geral inclusiva ao caso concreto, recorrendo aos costumes e aos princípios gerais do direito. Se a norma geral inclusiva não for aplicável, deve optar pela norma geral exclusiva. Estas duas soluções têm como base a hierarquização axiológica. Vemos assim, que, o critério da hierarquização axiológica, tem superioridade evidente em relação aos critérios da norma geral inclusiva e exclusiva, o que permite a dissipação de eventuais falhas, onde os critérios fiquem ao mero arbítrio do interprete. Juarez Freitas afirma que não deve existir incompatibilidade sistémica em relação às falhas, pois como a hierarquização é uma condição inerente ao sistema jurídico, a completabilidade é um valor a ser preservado, mesmo para a garantia de outro valor fundamental, o da coerência do sistema. 8. CONCLUSÃO Não nos é possível apresentar uma conclusão efectiva, que estabeleça um conjunto de propostas que resultem na possível solução dos problemas que envolvem a complexidade do direito. Porém, é inegável o esforço dos juristas em encontrar soluções. Assim, tentar compreender o direito a partir do ordenamento jurídico e não da norma, permite-nos um avanço no que toca à resolução dos conflitos das normas, sem que o sistema seja abalado. Dessa forma, a afirmação do ordenamento jurídico como um sistema jurídico aberto, com unidade, coerência, e possibilidade de ser completado, permite concluir que o sistema jurídico consegue abraçar todo o campo da sua representação, ou seja, nada fica fora do sistema. Abrange todos os que compõem a sociedade. O facto de ser aberto e ter a possibilidade de ser completado, mostra toda a sua natureza dinânica na condução da ordem jurídica. 9. BIBLIOGRAFIA BOBBIO, Norberto, Teoria do Ordenamento Jurídico, tradução de Maria dos Santos, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995, 6ª ed. BOBBIO, Norberto, Teoria da Norma Jurídica, tradução de Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti, Bauru, SP: EDIPRO, 2001 LATORRE, Angel, Introdução ao Direito, tradução de Manuel de Alarcão, Livraria Almedina, 5ª reimpressão, 2002 KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito, tradução de João Baptista Machado, 6ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998

 

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KELSEN, Hans, Teoria Geral do Direito e do Estado, tradução de Luís Carlos Borges, 3ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998 FREITAS, Juarez, A Interpretação Sistemática do Direito, São Paulo: Malheiros, 1995

 

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