O sonho ou A vida de Luciano (Luciano de Samósata)

June 29, 2017 | Autor: Tiago Tresoldi | Categoria: Autofiction, Ancient Greek Literature, Lucian of Samosata
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Luciano de Samósata

O sonho, ou A vida de Luciano Uma autoficção clássica

EDIÇÃO BILÍNGUE

TRADUÇÃO, APRESENTAÇÃO E NOTAS Tiago Tresoldi

TÍTULO ORIGINAL Περὶ τοῦ ἐνυπνίου, ἤτοι βίος Λουκιανοῦ

FICHA CATALOGRÁFICA L937 Luciano, de Samósata O sonho, ou A vida de Luciano – Uma autoficção clássica / Luciano de Samósata; tradução, apresentação e notas por Tiago Tresoldi. – Porto Alegre: Tiago Tresoldi Editor, 2013. 52 p. 10,96 x 17,72 cm. Edição Bilíngue. ISBN: 978-1-304-34340-6 1. Luciano, de Samósata – Crítica e interpretação. 2. Literatura grega. CDD: 888.7

CONTATO [email protected]

APRESENTAÇÃO Esta tradução foi preparada ao final de 2012 no âmbito de discussões sobre a contemporaneidade, ou menos, da narrativa autoficcional, em uma cadeira do Programa de Pós-Graduação em Letras da FURG ministrada pela Profa. Dra. Raquel Rolando Souza. À luz do referencial teórico utilizado, especialmente as linhas-guias para compreensão da “narrativa autobiográfica” apresentadas por Philippe Lejeune,

e

das

obras

antigas

que

costumeiramente são apontadas na pesquisa científica como possíveis precursoras desta prática, as Confissões de Agostinho e a Consolação da Filosofia de Boécio, lembrei e imediatamente quis discutir esse “conto”, entre os menos divulgados na produção do seu autor e que, ironicamente, costuma encabeçar 3

as edições das obras reunidas de Luciano por supostamente fornecer os dados biográficos que facilitam a compreensão das demais. Como o texto aparentemente não está disponível em português, muito menos em alguma versão digital gratuita, e como as múltiplas traduções ao inglês não eram uma alternativa satisfatória para nossa discussão, me propus uma tradução que permitisse apresentá-lo aos colegas e debater nossos pontos de vista. A experiência não era nova e, visto o objetivo ser sua discussão no âmbito da narrativa autoficcional e não simplesmente antiga, podia novamente me apoiar sem receio em outras traduções, buscando de Luciano mais a índole do que as palavras1. A 1

4

A tradução foi realizada glossando o texto original aqui apresentado, conforme a lição apresentada na edição de Eugène Talbot (1902) e de Luigi Settembrini (2007), e sucessivamente traduzindo as frases sob sugestão de uma versão italiana, mais fiel, de Settembrini e de

possibilidade de publicá-la me permite, meses depois, revisar aquela tradução de mínima circulação, além de disponibilizar uma edição bilíngue gratuitamente. Não é possível e nem mesmo cabe explorar em grande detalhe, nessa breve apresentação, a importância e singularidade de Luciano, discutidas com propriedade em outras obras2. São, porém, necessárias algumas notas sobre o texto aqui apresentado. Neste, Luciano narra um suposto sonho de juventude, graças ao qual escolhera o caminho da literatura e não, como esperado

2

uma inglesa, mais fluente, de Fowler & Fowler; mesmo desejando não me afastar demais do original, minha proposta foi de, entre a fidelidade e a fluência, optar sempre pela segunda. Cabe lembrar, ao menos, o trabalho do Prof. Dr. Jacyntho Lins Brandão, em especial sua obra A poética do hipocentauro – Literatura, sociedade e discurso ficcional em Luciano de Samósata (Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001) e a bibliografia nela recomendada. 5

pela família, da escultura. No sonho, a personificação dessas duas artes, expediente recorrente na produção de Luciano (baste lembrar, a título de exemplo, de O pescador), buscam seduzir o jovem a seguir seu caminho, empregando no texto

original

registros

linguísticos bastante distintos e condizentes com o narrado (outro expediente comum em Luciano, que sugere a concretização linguística da moral, como ocorre, por exemplo, em Leilão de filósofos). Busquei reproduzir este efeito em português, recorrendo amplamente a licenças de tradução, adições e subtrações. Há uma última e fundamental nota a se apresentar para quem deseja investigar essa narrativa, especialmente no campo teórico da autoficção que motivou esse trabalho. As escassas referências biográficas sobre Luciano e o silêncio geral das fontes sobre sua vida sugerem que nunca esteve tão próximo de um 6

sucesso econômico e literário como uma leitura rápida e ingênua sugere (mas veja-se, com

cuidado,

o

último

parágrafo).

O

entendimento desta exposição com um toque satírico, como seria de se esperar vista sua produção e sua vinculação com as reflexões historiográficas do autor3, é reforçado ao se lembrar que, no universo de expectativa dos conhecimentos literários do público original, o texto indiscutivelmente se constrói sobre a parábola da infância de Hércules, conhecida por “A escolha de Hérculas”, aludida no último parágrafo da narrativa e que ilustra a capa deste opúsculo. Nesta parábola, o grande herói grego, ainda jovem, é visitado por duas ninfas (também personificações, Prazer e Virtude) 3

Veja-se, nesse sentido, a tradução de outro texto de Luciano, e especialmente o ensaio que acompanha, sempre por Brandão em Como se deve escrever a história (Belo Horizonte: Tessitura, 2009). 7

que lhe oferecem a escolha entre uma vida fácil e plácida ou severa e gloriosa (cf. Xenofonte, Memorabilia, 2.i, entre outros). Com vistas à fama imperecível, Hércules, assim como Luciano, escolhe o caminho mais difícil. Lido dentro deste referencial, o texto ganha um colorido novo – a de Luciano é uma lamentação sarcástica? É a racionalização ilusória de um desejo? – e reforça muito do discurso sobre a autoficção justamente por confirmar alguns eixos interpretativos gerais em um texto de marcante alteridade, distante no tempo, no espaço – o foco de nossa cadeira eram autoficções brasileiras, escritas por romancistas e poetas reconhecidos – e na prática literária. Ao leitor, como sempre, cabe a sentença; ao estudioso da antiguidade que porventura encontre essa tradução, peço a licença por todas minhas pequenas ousadias.

8

9

Περὶ τοῦ ἐνυπνίου, ἤτοι βίος Λουκιανοῦ [1] Ἄρτι μὲν ἐπεπαύμην εἰς τὰ διδασκαλεῖα φοιτῶν ἤδη τὴν ἡλικίαν πρόσηβος ὤν, ὁ δὲ πατὴρ ἐσκοπεῖτο μετὰ τῶν φίλων, ὃ τι καὶ διδάξαιτό με. Τοῖς πλείστους οὖν ἔδοξε παιδεία μὲν καὶ πόνου πολλοῦ καὶ χρόνου μακροῦ καὶ δαπάνης οὐ μικρᾶς καὶ τύχης δεῖσθαι λαμπρᾶς, τὰ δ᾿ ἡμέτερα μικρὰ τε εἶναι καὶ ταχεῖάν τινα τὴν ἐπικουρίαν ἀπαιτεῖν· εἰ δέ τινα τέχνην τῶν βαναύσων ἐκμάθοιμι τούτων, τὸ μὲν πρῶτον εὐθὺς ἄν αὐτὸς ἔχειν τὰ ἀρκοῦντα παρὰ τῆς τέχνης καὶ μηκέτ᾿ οἰκόσιτος εἶναι τηλικοῦτος ὤν, οὐκ εἰς μακρὰν δὲ καὶ τὸν πατέρα εὐφρανεῖν ἀποφέρων ἀεὶ τὸ γιγνόμενον.

10

O sonho, ou A vida de Luciano [1] Quando, já quase um adulto, deixei de frequentar a escola, meu pai começou a discutir com seus amigos em qual profissão devesse ser instruído. A maioria lhe dizia que a literaturai exige muito trabalho, tempo e investimento, além de uma sorte pouco comum; não convinha, pois minha família tinha poucos recursos e precisava com urgência de minha ajuda. Se aprendesse uma arte manual, logo poderia me manter, e eu já não era mais criança para ser sustentado por meu pai; ao contrário, logo poderia lhe trazer alegria com os frutos de meu trabalho.

11

[2] Δευτέρας οὖν σκέψεως ἀρχὴ προὐτέθη, τίς ἀρίστη τῶν τεχνῶν καὶ ῥᾴστη ἐκμαθεῖν καὶ ἀνδρὶ ἐλευθέρῳ πρέπουσα καὶ πρόχειρον ἔχουσα τὴν χορηγίαν καὶ διαρκῆ τὸν πόρον. Ἄλλου τοίνυν ἄλλην ἐπαινοῦντος, ὡς ἕκαστος γνώμην ἢ ἐμπειρίας εἶχεν, ὁ πατὴρ εἰς τὸν θεῖον ἀπιδών,-- παρῆν γὰρ ὁ πρὸς μητρὸς θεῖος, ἄριστος ἑρμόγλυφος εἶναι δοκῶν [καὶ λιθοξόος ἐν τοῖς μάλιστα εὐδοκίμοις] – οὐ θέμις, εἶπεν, ἄλλην τέχνην ἐπικρατεῖν σοῦ παρόντος, ἀλλά τοῦτον ἄγε – δείξας ἐμὲ – καὶ δίδασκε παραλαβὼν λίθων ἐργάτην ἀγαθὸν εἶναι καὶ συναρμοστὴν καὶ ἑρμογλυφέα· δύναται γὰρ καὶ τοῦτο φύσεως γε. Ὡς οἶσθα, τυχὼν δεξιᾶς. Ἐτεκμαίρετο δὲ ταῖς ἐκ τοῦ κηροῦ παιδιᾶς· ὁπότε γὰρ ἀφεθείην ὑπό τῶν διδασκάλων, ἀποξέων ἄν τὸν κηρὸν ἢ βόας ἢ ἵππους ἢ καὶ νὴ Δι᾿ ἀνθρώπους 12

ἀνέπλαττον,

εἰκότως,

ὡς

[2] Discutiam então qual seria a melhor entre as artes manuais: uma que pudesse ser aprendida facilmente, que fosse conveniente a um homem livre, que não exigisse grandes investimentos

iniciais

e

que

fosse

remunerada o suficiente. Cada amigo, de acordo com seus conhecimentos e suas experiências, louvava uma arte diferente, até que meu pai se virou para meu tio – ao seu lado estava um tio materno, com fama de excelente escultor – e lhe disse: “Não podemos escolher outra arte, já que estás aqui. Leva ele contigo – apontou para mim – e ensina ele a esculpir, a lavrar e a entalhar as pedras. Capacidade ele tem, já viste que é habilidoso”. Assim argumentava devido a certos bonecos de cera que eu costumava fazer ao voltar das aulas, quando entalhava blocos de cera para moldar bois, cavalos e 13

ἐδόκουν τῷ πατρὶ· ἐφ᾿ οἷς παρὰ μὲν τῶν διδασκάλων πληγάς ἐλάμβανον, τότε δὲ ἔπαινος εἰς τὴν εὐφυίαν καὶ ταῦτα ἦν, καὶ χρηστάς εἶχον ἐπ᾿ ἐμοὶ τὰς ἐλπίδας, ὡς ἐν βραχεῖ μαθήσομαι τὴν τέχνην, ἀπ᾿ ἐκείνης γε τῆς πλαστικῆς.

[3] Ἅμα τε οὖν ἐπιτηδεία ἐδόκει ἡμέρα τέχνης ἐνάρχεσθαι, κἀγὼ περεδεδόμην τῷ θείῳ μὰ τὸν Δὶ᾽ οὐ σφόδρα τῷ πράγματι ἀχθόμενος, ἀλλὰ μοι καὶ παιδιὰν τινα οὐκ ἀτερπῆ ἐδόκει ἔχειν καὶ πρὸς τοὺς ἡλικιώτας ἐπίδειξιν, εἰ φαινοίμην θεοὺς τε γλύφων καὶ ἀγαλμάτια

τινὰ

μικρὰ

κατασκευάζων

ἐμαυτῷ τε κἀκείνους οἷς προῃρούμην. Καὶ τὸ γε

πρῶτον

ἐκεῖνο

καὶ

σύνηθες

τοῖς

ἀρχομένοις ἐγίγνετο· ἐγκοπέα γὰρ τινά μοι δούς ὁ θεῖος ἐκέλευσε μοι ἠρέμα καθικέσθαι 14

até mesmo figuras humanas, em sua opinião com uma certa elegância. Por causa daqueles bonecos havia sido surrado por meus professores, mas agora eles eram apontados como prova de minha vocação. Aquelas esculturas lhes davam assim a esperança de que eu aprenderia a arte rapidamente. [3] No dia em que julgaram adequado que iniciasse na prática daquela arte, fui confiado a meu tio. Juro que não relutava; ao contrário, imaginava como seria divertido e que todos os conhecidos se impressionariam quando me vissem entalhar, para mim e para meus amigos, deuses e outras figuras. Mas se deu aquilo que costuma acontecer com os principiantes: meu tio me entregou um cinzel e mandou que alisasse com cuidado

uma

tábua

de

mármore 15

πλακὸς ἐν μέσῳ κοινὸν

"ἀρχὴ

δὲ

κειμένης, ἐπειπών τὸ τοι

ἥμισυ

παντὸς".

Σκληρότερον δὲ κατενεγκόντος ὑπ᾿ ἀπειρίας κατεάγη μὲν ἡ πλὰξ, ὁ δὲ ἀγανακτήσας σκυτάλην τινὰ πλησίον λαβὼν οὐ πρᾴως οὐδὲ προτρεπτικῶς μου κατήρξατπ, ὥστε δάκρυά μοι τὰ προοίμια τῆς τέχνης.

[4] Ἀποδρὰς οὖν ἐκεῖθεν ἐπὶ τὴν οἰκίαν ἀφικνοῦμαι

συνεχές

ἀνολολύζων

καὶ

δακρύων τοὺς ὀφθαλμοὺς ὑπόπλεως, και διηγοῦμαι τὴν σκυτάλην, καὶ τοὺς μώλωπας ἐδείκνυον· καὶ κατηγόρουν πολλὴν τινα ὠμότητα, προσθεὶς ὅτι ὑπὸ φθόνου ταῦτα ἔδρασε, μὴ αὐτὸν ὑπερβάλωμαι κατὰ τὴν τέχνην. Ἀγανακτήσας δὲ τῆς μητρὸς καὶ πολλὰ τῷ ἀδελφῷ λοιδορησαμένης, ἐπεὶ νὺξ ἐπῆλθε, κατέδαρθον ἔτι ἔνδακρυς καὶ τὴν 16

no centro da oficina, acrescentando um nada original: "Bem começado é meio caminho andado". Inexperiente, dei um golpe forte demais e quebrei a tábua; ele, furioso, pegou uma vara que estava encostada por perto e me surrou uma iniciação à arte, apresentada por minhas lágrimas, que poderia ter sido mais gentil e encorajante. [4] Fugi e cheguei em casa soluçando sem parar e com os olhos cheios de lágrimas, contando da vara e exibindo minhas feridas. Disse que ele era muito cruel e acrescentei que era invejoso, pois fizera aquilo com receio de que eu o superasse em sua arte. Minha

mãe

se

enfureceu

e

xingou

severamente o irmão. Quanto a mim, de noite fui para cama ainda com as lágrimas nos olhos e a vara na lembrança. 17

νύκτα ὅλην ἐννοῶν. [5] Μέχρι μὲν δὴ τούτων γελάσιμα καὶ μειρακιώδη τὰ εἰρημένα· τὰ μετὰ ταῦτα δὲ οὐκέτι

εὐκαταφρόνητα,

ἀκούσεσθε,

ἀλλὰ

καὶ



πάνυ

ἄνδρες, φιληκόων

ἀκροατῶν δεόμενα· ἵνα γὰρ καθ᾿ Ὁμηρον εἴπω θεῖος μοι ἐνύπνιον ἦλθεν ὄνειρος ἀμβροσίην διὰ νύκτα ἐναργὴς οὔτως, ὥστε μηδὲν ἀπολείπεσθαι τῆς ἀληθείας· ἔτι γοῦν καὶ μετὰ τοσοῦτον χρόνον τὰ τε σχήματά μοι τν φανέντων ἐν τοῖς ὀφθαλμοῖς παραμένει καὶ ἡ φωνὴ τῶν ἀκουσθέντων ἔναυλος· οὕτω σαφῆ πάντα ἦν.

18

[5] Por enquanto contei coisas risíveis e infantis, mas o que vem agora, senhores, não pode ser negligenciado e merece ser ouvido com um cuidado especial. Usando as palavras de Homero,

divino veio a mim um sonho na doçura da noite,ii tão palpável que não se podia distingui-lo da realidade. Tudo era tão claro que ainda hoje, muitos anos depois, as imagens que vi permanecem gravadas em meus olhos e ainda posso ouvir aquelas palavras.

19

[6] Δύο γυναῖκες λαβόμεναι ταῖν χερῖν εἷλκόν με πρὸς ἑαυτὴν ἑκατέρα μάλα βιαίῳς καὶ καρτερῶς· μικροῦ γοῦν με διεσπάσαντο πρὸς ἀλλήλας φιλοτιμούμεναι· καὶ γὰρ ἄρτι μὲν ἡ ἑτέρα ἐπεκράτει καὶ παρὰ μικρὸν ὅλον εἶχέ με, ἄρτι δ᾿ ἄν αὖθις ὑπὸ τῆς ἑτέρας εἰχόμην. Ἐβόων δὲ πρὸς ἀλλλας ἑκατέρα, ἡ μὲν, ὡς αὐτῆς ὄντα με κεκτῆσθαι βούλοιτο, ἡ δὲ, ὡς μάτην τῶν ἀλλοτρίων ἀντιποιοῖτο. Ἦν δὲ ἡ μὲν ἐργατικὴ καὶ ἀνδρικὴ καὶ αὐχμηρὰ τὴν κόμην, τὼ χεῖρε τύλων ἀνάπλεως, διεζωσμένη τὴν ἐσθῆτα τιτάνου καταγέμουσα, οἷος ἦν ὁ θεῖος, ὁπότε ξέει τοὺς λίθους· ἡ ἑτέρα δὲ μάλα εὐπρόσωπος καὶ τὸ σχῆμα εὐπρεπὴς καὶ κόσμις τὴν ἀναβολὴν. Τέλος δ᾿ οὖν ἐφιάσί μοι δικάζειν, ὁποτὲρᾳ βουλοίμην συνεῖναι αὐτῶν. προτέρα δὲ ἡ σκληρά ἐκείνη· καὶ ἀνδρώδης ἔλεξεν·

20

[6] Duas mulheres me tomaram pelas mãos e cada uma me puxava para si com tanta violência e tanta força que, por pouco, não me rasgaram em dois; quando uma das duas prevalecia e me tomava por inteiro, logo a outra me puxava de voltaiii. Gritavam uma à outra: "Ele é meu, quero ele pra mim!" e "Não é teu, não tomes o que é de outros!". Uma delas parecia uma escrava, tinha um aspecto masculino, cabelos esquálidos e mãos calejadas; usava roupas surradas e estava coberta de poeira branca, como meu tio quando raspava o mármore. A outra era de belas feições, tinha um corpo gracioso e portava um traje elegante. Por fim me deixaram

decidir

quem

acompanharia.

Aquela brusca e masculina tomou a palavra primeiro.

21

[7] ἐγὼ, φίλε παῖ, Ἑρμογλυφικὴ τέχνη εἰμὶ, ἥν χθὲς ἤρξω μανθάνειν, οἰκεία τέ σοι καὶ συγγενὴς οἴκοθεν· ὅ τε γὰρ πάππος σου -εἰποῦσα

τοὔνομα

τοῦ

μητροπάτορος-

λιθοξόος ἦν καὶ τὼ θείω ἀμφοτέρω καὶ μάλα εὐδοκιμεῖτον δι᾿ ἡμᾶς. Εἰ δ᾿ ἐθέλεις λήρων μὲν καὶ φληνάφων τῶν παρὰ ταύτης ἀπέχεσθαι, - δεἰξασα τὴν ἑτέραν - ἕπεσθαι δὲ καὶ συνποκεῖν ἐμοὶ, πρῶτα μὲν θρέψῃ γεννικῶς καὶ τοὺς ὤμους ἕξεις καρτεροὺς, φθόνου δὲ παντὸς ἀλλότριος ἔσῃ καὶ οὔποτε ἄπει ἐπὶ τὴν ἀλλοδαπὴν, τὴν πατρίδα καὶ τοὺς οἰκείους καταλιπών· οὐδὲ ἐπὶ λόγοις ἐπαινέσονταί σε πάντες. [8] Μὴ μυσαχθῇς δὲ τοῦ σώματος τὸ εὐτελὲς μηδὲ τῆς ἐσθῆτος τὸ πιναρὸν· ἀπὸ γὰρ τοιούτων ὁρμώμενος καὶ Φειδίας ἐκεῖνος ἔδειξε τὸν Δία καὶ Πολύκλειτος τὴν Ἥραν 22

[7] “Meu filho, eu sou a Escultura, a arte que começaste a aprender ontem. A gente se conhece, somos parentes. Teu avô (e disse o nome do pai de minha mãe iv) e teus dois tios são escultores, eu que dei fama a eles. Se queres ficar longe das bobagens dessa daí – disse apontando para a outra – e vieres viver comigo, vou te criar feito homem e vou te dar braços fortes. Não vais ter porque ter medo da inveja, nem abandonar teu país e teus conhecidos. As pessoas vão te louvar não pelas tuas conversas, mas pelas tuas obras.

[8] Não te assustes com minha pobreza ou com minhas roupas sujas; foi assim que Fídias fez seu Zeus e que Policleto criou sua Hera, assim admiraram Míron e Praxíteles, 23

εἰργάσατο

καὶ

Μύρων

ἐπῃνέθη

καὶ

Πραξιτέλης ἐθαυμάσθη· προσκυνοῦνται γοῦν οὗτοι μετὰ τῶν θεῶν. Εἰ δὴ τούτων εἷς γένοιο, πῶς μὲν οὐ κλεινὸς αὐτὸς παρὰ πᾶσιν ἀνθρώποις γένοιο; Ζηλωτὸν δὲ καὶ τὸν πατέρα

ἀποδείξεις,

περίβλεπτον

δὲ

ἀποφανεῖς καὶ τὴν πατρίδα. Ταῦτα καὶ ἔτι τούτων

πλείονα

διαπταίουσα

καὶ

βαρβαρίζουσα πάντοθεν εἶπεν ἡ Τέχνη, μάλα δὴ σπουδῇ συνείρουσα καὶ πείθειν με πειρωμένη·

ἀλλ᾿

οὐκέτι

μέμνημαι·

τὰ

πλεῖστα γὰρ μου τὴν μνήμην ἤδη διέφυγεν. Ἐπεὶ δ᾿ οὖν ἐπαύσατο, ἄρχεται ἡ ἑτέρα ὧδέ πως· [9] ἐγὼ δὲ, ὦ τέκνον, Παιδεία εἰμὶ συνήθης σοι καὶ γνωρίμη, εἰ καὶ μηδέπω εἰς τέλος μου πεπείρασαι. Ἡλίκα μὲν οὖν τἀγαθὰ ποριῇ λιθοξόος 24

γενόμενος,

αὕτη

προείρηκεν·

e hoje todos eles são louvados como seus deuses. Se virares um deles, terás muita fama entre os homens e teu pai vai ser invejado porque todos vão ter ouvido sobre tua terra natal”. Isso e muito mais aquela arte me disse, balbuciante e numa língua repleta de erros, reunindo suas palavras com pouco cuidado ao tentar me persuadir. Mas delas já não lembro direito, a maior parte fugiu de minha memória. Quando ela parou, a outra começou assim:

[9] “E eu, meu pequeno, sou a Literatura, tua amiga e não uma estranha, mesmo que ainda não me conheças a fundo. Quais bens obterias ao te fazeres escultor, 25

οὐδὲν γὰρ ὅτι μὴ ἐργάτης ἔσῃ τῷ σώματι πονῶν κἀν τούτῳ τὴν ἅπασαν ἐλπίδα τοῦ βίου τεθειμένος, ἀφανὴς μὲν αὐτὸς ὤν, ὀλίγα καὶ ἀγενῆ λαμβάνων, ταπεινὸς τὴν γνώμην, εὐτελὴς δὲ τὴν πρόοδον, οὔτε φίλοις ἐπιδικάσιμος οὔτε ἐχθροῖς φοβερὸς οὔτε τοῖς πολίταις ζηλωτὸς, ἀλλ᾿ αὐτὸ μόνον ἐργάτης καὶ τοῦ πολλοῦ δήμου εἷς, ἀεὶ τὸν προὔχοντα ὑποπτήσσνν καὶ τὸν λέγειν δυνάμενον θεραπεύων, λαγὼ βίον ζῶν καὶ τοῦ κρείττονος ἕρμαιον ὤν· εἰ δὲ καὶ Φειδίας ἤ Πολύκλειτος γένοιο καὶ πολλὰ θαυμαστὰ ἐξεργάσοιο,

τὴν

μὲν

τέχνην

ἅπαντες

ἐπαινέσονται, οὐκ ἔστι δὲ ὅστις τῶν ἰδόντων, εἰ νοῦν ἔχοι, εὔξαιτ᾿ ἄν ὅμοιος σοι γενέσθαι· οἷος

γὰρ

ἄν

ᾖς,

ἀποχειροβίωτος νομισθήσῃ.

26

βάναυσος

καὶ

essa já os disse: nada serias além de um trabalhador braçal, as perspectivas de tua vida de isso não passariam. Um homem obscuro, mal e raramente recompensado, de bem pouca astúcia, desconhecido além da soleira de sua porta; serias incapaz de defender os amigos nos tribunais, nunca silenciarias

algum

desafeto

e

nem

impressionarias qualquer outro cidadão. Apenas um operário, um dentre muitos outros,

que

poderosos,

se

que

acovarda se

dobra

frente

aos

frente

aos

eloquentes, que vive a vida de uma lebre, presa dos mais fortes. Ainda que te tornasses um Fídias ou um Policleto e produzisses obras estupendas, todos louvariam tua arte, mas nenhum homem sensato te invejaria. Tuas qualidades nada importariam, tratado sempre como um mero artesão, como 27

[10] Ἤν δ᾿ ἐμοὶ πείθῃ, πρῶτον μὲν σοι πολλὰ ἐπιδείξω παλαιῶν ἀνδρῶν ἔργα καὶ πράξεις θαυμαστὰς, καὶ λόγους αὐτῶν ἀπαγγέλουσα καὶ

πάντων

ὡς

εἰπεῖν

ἔμπειρον

ἀποφαίνουσα, καὶ τὴν ψυχὴν, ὅπερ σου κυριώτατόν ἐστι, κατακοσμήσῳ πολλοῖς καὶ ἀγαθοῖς κοσμήμασι, σωφροσύνῃ, δικαιοσύνῃ, εὐσεβείᾳ,

πρᾳότητι,

ἐπιεικίᾳ,

συνέσει,

καρτερίᾳ, τῷ τῶν καλῶν ἔρωτι, τῇ πρὸς τὰ σεμνότατα ὁρμῇ· ταῦτα γὰρ ἐστιν ὁ τῆς ψυχῆς ἀκήρατος ὡς ἀληθῶς κόσμος. Λήσει δὲ σε οὔτε νῦν γενέσθαι δέον, ἀλλὰ καὶ τὰ μέλλοντα πρόψει μετ᾿ ἐμοῦ, καὶ ὅλως ἅπαντα, ὁπόσα ἐστὶ, τά τε θεῖα τά τ᾿ ἀνθρώπινα, οὐκ εἰς μακράν σε διδάξομαι.

28

um trabalhador braçal, como quem se sustenta com as próprias mãos. [10] Mas ao te confiares a mim, serás recompensado quando te revelar os feitos maravilhosos dos homens do passado, quando te recitar seus discursos que em tudo compreenderás. A alma, o que de mais nobre há em ti, irei embelezar com muitos e belos adornos: com a temperança, a justiça, a piedade,

a

mansidão,

a

modéstia,

a

prudência, a constância, o amor pelo belo e o desejo pelo honesto – pois são estes os verdadeiros e puros ornamentos da alma. Nada desconhecerás do passado, nem o que do presente convém saber, e poderás mesmo prever o futuro. Em suma, irei incutir em ti toda a sabedoria humana e divina.

29

[11] Καὶ ὁ νῦν πένης ὁ τοῦ δεῖνος, ὁ βουλευσάμενός τι περὶ ἀγεννοῦς οὕτω τέχνης, μετ᾿ ὀλίγον ἅπασι ζηλωτὸς καὶ ἐπίφθονος ἔσῃ, τιμώμενος καὶ ἐπαινούμενος καὶ ἐπὶ τοῖς ἀρίστοις εὐδοκιμῶν καὶ ὑπὸ τῶν γένει

καὶ

ἀποβλεπόμενος,

πλούτῳ ἐσθῆτα

προὐχόντων μὲν

τοιαύτην

ἀμπεχόμενος, -δείξασα τὴν ἑαυτῆς· πάνυ δὲ λαμπρὰν ἐφόρει- ἀρχῇς δὲ καὶ προεδρίας ἀξιούμενος· κἄν που ἀποδημῇς, οὐδ᾿ ἐπὶ τῆς ἀλλοδαπῆς ἀγνὼς καὶ ἀφανὴς ἔσῃ· τοιαῦτα σοι περιθήσω τὰ γνωρίσματα, ὥστε τῶν ὁρώντων ἕκαστος τὸν πλησίον κινήσας δεει σε τῷ δακτύλῳ "οὖτος ἐκεῖνος" λέγων. [12] Ἄν δὲ τι σπουδῆς ἄξιον ᾖ καὶ τοὺς φίλους ἢ καὶ τὴν πόλιν ὅλην καταλαμβάνῃ, εἰς σὲ πάντες ἀποβλέψονται· κἄν πού τι λέγων 30

τύχῃς,

κεχηνότες

οἱ

πολλοὶ

[11] O filho pobre de um pai de igual riqueza, que ainda agora contemplavas uma vocação tão ignóbil, logo serás por todos invejado, louvado e prezado por teu valor, respeitado pelos nobres e pelos influentes, irás trajar vestes como estas (e me mostrou a sua,

que

era

esplendorosa),

serás

considerado digno dos melhores cargos e dos melhores assentosv. E se deixares tua pátria,

nunca

serás

um

andarilho

desconhecido e anônimo, pois te darei tanto brilho que, ao te verem, as pessoas chamarão seus amigos para te apontar e dizer "Olhem, é ele!". [12] Serás procurado por todos quando algo de grave ocorrer com teus amigos ou com tua cidade, e onde quer que discurses te ouvirão

boquiabertos,

admirando-se

e 31

ἀκούσονται,

θαυμάζοντες

καὶ

εὐδαιμονίζοντές σε τῆς δυνάμεως τῶν λόγων καὶ τὸν πατέρα τῆς εὐποτμίας ὅ δὲ λέγουσιν, ὡς ἄρα καὶ ἀθάνατοι τινες γίγνονται

ἐξ

ἀνθρώπων,

τοῦτό

σοι

περιποιήσω καὶ γὰρ ἤν αὐτὸς ἐκ τ0ῦ βίου ἀπέλθῃς,

οὔποτε

πεπαιδευμένοις

παύσῃ

καὶ

συνὼν

τοῖς

προσομιλῶν

τοῖς

ἀρίστοις. Ὁρᾷς τὸν Δημοσθένην ἐκεῖνον, τίνος υἱὸν ὄντα ἐγὼ ἡλίκον ἐποίησα; Ὁρᾷς τὸν Αἰσχίνην, ὅς τυμπανιστρίας υἱὸς ἦν; Ἀλλ᾿ ὅμως αὐτὸν δι᾿ ἐμὲ Φίλιππος ἐθεράπευσεν. Ὁ δὲ Σωκράτης καὶ αὐτὸς ὑπὸ τῇ ἑρμογλυφικῇ ταύτῃ τραφεὶς ἐπειδὴ τάχιστα συνῆκε τοῦ κρείττονος καὶ δραπετεύσας παρ᾿ αὐτῆς ηὐτομόλησεν ὡς ἐμὲ, ἀκούεις ὡς παρὰ πάντων ᾄδεται.

32

dizendo "Abençoado seja ele que fala com tamanha eloquência, e abençoado o pai que o gerou!". Dizem que alguns homens podem se tornar imortais, e farei com que seja verdade para ti. Quando deixares essa vida não abandonarás a companhia dos sábios e serás lembrado entre os melhores. Pensa em Demóstenes, de quem era filho e em quem o tornei? Vejas Ésquino, filho de uma tocadora de tamborim, como foi louvado por Filipe! E mesmo Sócrates, que havia sido criado pela Escultura, quando foi capaz de discernir logo desertou dela para se alistar junto a mim, e desde então é celebrado em todas as línguas!

33

[13] Ἀφεὶς δὲ αὐτοὺς τηλικούτους καὶ τοιούτους ἄνδρας καὶ πράξεις λαμπρὰς καὶ λόγους σεμνοὺς καὶ σχήμα εὐπρεπὲς καὶ τιμὴν καὶ δόξαν καὶ ἔπαινον καὶ προεδρίας καὶ δυνάμεις καὶ ἀρχὰς καὶ τὸ ἐπὶ λόγοις εὐδοκιμεῖν

καὶ

τὸ

ἐπὶ

συνέσει

εὐδαιμονίζεσθαι χιτώνιον τὶ πιναρὸν ἐνδύσῃ καὶ σχήμα δουλοπρεπὲς ἀναλήψῃ καὶ μοχλία καὶ γλυφεῖα καὶ κοπέας καὶ κολαπτῆρας ἐν ταῖν χεροῖν ἕξεις κάτω νενευκὼς εἰς τὸ ἔργον, χαμαιπετὴς καὶ χαμαίζηλος καὶ πάντα τρόπον ταπεινὸς, ἀνακύπτων δὲ οὐδέποτε οὐδὲ ἀνδρῶδες οὐδὲ ἐλεύθερον οὐδὲν ἐπινοῶν, ἀλλὰ τὰ μὲν ἔργα ὅπως εὔρυθμα καὶ εὐσχήμονα ἔσται σοι προνοῶν, ὅπως δὲ αὐτὸς εὔρυθμος καὶ κόσμιος ἔσῃ, ἥκιστα πεφροντικώς, σεαυτὸν λίθων.

34

ἀλλ᾿

ἀτιμότερον

ποιῶν

[13] Se recusares tantos e tais homens, assim como suas obras esplêndidas, seus sábios escritos, suas nobres figuras, assim como as honras, as glórias, os louvores, os melhores assentos, o poder, os cargos e o aplauso que recebem a eloquência e a prudência,

te

envolverás

em

trapos

empoeirados, serás confundido com um escravo. Com alavancas, cinzéis, martelos e limas viverás ajoelhado frente a tuas obras, com os olhos e o pensamento sempre voltados para o chão, abjeto como o mais abjeto pode ser, sem um único olhar livre, sem uma única aspiração de coragem. Preocupado em dar proporção e decoro às tuas obras, não cuidarás de seres tu mesmo elegante e ornado, fazendo-te inferior ao teu próprio mármore”.

35

[14] Ταῦτα ἔτι λεγούσης αὐτῆς οὐ περιμείνας ἐγὼ

τὸ

τέλος

τῶν

λόγων

ἀναστὰς

ἀπεφηνάμην, καὶ τὴν ἄμορφον ἐκείνην καὶ ἐργατικὴν ἀπολιπὼν μετέβαινον πρὸς τὴν Παιδείαν μάλα γεγηθὼς, καὶ μάλιστα ἐπεὶ μοι εἰς νοῦν ἦλθεν ἡ σκυτάλη καὶ ὅτι πληγὰς οὐκ ὀλίγας εὐθὺς ἀρχομένῳ μοι χθὲς ἐνετρίψατο. Ἡ δὲ ἀπολειφθεῖσα τὸ μὲν πρῶτον ἠγανάκτει καὶ τὼ χεῖρε συνεκρότει καὶ τοὺς ὀδόντας συνέπριε· τέλος δὲ, ὥσπερ τὴν Νιόβην ἀκούομεν, ἐπεπήγει καὶ εἰς λίθον μετεβέβλητο. Εἰ δὲ παράδοξα ἔπαθε, μὴ ἀπιστήσητε· θαυματοποιοὶ γὰρ οἱ ὄνειροι. [15] Ἡ ἑτέρα δὲ πρὸς με ἀπιδοῦσα, τοιγαροῦν ἀμείψομαὶ σε, ἔφη, τῆσδε τῆς δικαιοσύνης, ὅτι καλῶς τὴν δίκην ἐδίκασας, και ἐλθὲ ἤδῃ, ἐπίβηθι τούτου τοῦ ὀχήματος, - δείξασά τι ὄχημα ὑποπτέρων ἵππων τινῶν τῷ Πηγάσῳ 36

[14] Não esperei que ela terminasse suas palavras, e decidi: me afastei daquela feia e desajeitada e fui com alegria em direção à Literatura, ainda mais ao lembrar da vara e dos golpes do dia anterior, quando iniciara na outra arte. Essa última, abandonada, primeiro se indignou, em seguida cerrou os punhos e começou a ranges os dentes, até que, como Níobe, endureceu e se fez em mármore.

Pode

soar

estranho,

mas

acreditem em mim, pois nos sonhos vemos coisas incríveis.

[15] Então a segunda me olhou e disse: “Serás recompensado pela justiça com a qual a estudaste esta disputa. Vem comigo, sobe nessa carruagem (e me mostrou um carro puxado por cavalos alados, similares a 37

ἐοικότων ὅπως εἰδῇς, οἷα καὶ ἡλίκα μὴ ἀκολουθήσας ἐμοὶ ἀγνοήσειν ἔμελλες. Ἐπεὶ δὲ ἀνῆλθον, ἡ μὲν ἤλαυνε καὶ ὑφηνιόχει, ἀρθεὶς δὲ εἰς ὕψος ἐγὼ ἐπεσκόπουν ἀπὸ τῆς ἕω ἀρξάμενος ἄχρι πρὸς τὰ ἑσπέρια πόλεις καὶ ἔθνη καὶ δήμους, καθάπερ ὁ Τριπτόλεμος ἀποσπείρων τι ἐς τὴν γῆν. Οὐκέτι μέντοι μέμνημαι, ὅ τι τὸ σπειρόμενον [ἐκεῖνο] ἦν, πλὴν τοῦτο μόνον, ὅτι κάτωθεν ἀφορῶντες ἄνθρωποι ἐπῄνουν καὶ μετ᾿ εὐφημίας καθ᾿ οὕς γενοίμην τῇ πτήσει, παρέπεμπον. [16] Δείξασα δὲ μοι τῶν τοσαῦτα κἀμὲ τοῖς ἐπαινοῦσιν

ἐκείνοις

ἐπανήγαγεν

αὖθις

οὐκέτι τὴν ἐσθῆτα ἐκείνην ἐνδεδυκότα, ἥν εἶχον ἀφιπτάμενος, ἀλλ᾿ ἐμοὶ ἐδόκουν εὐπάρυφός τις ἐπανήκειν. Καταλαβοῦσα οὖν καὶ τόν πατέρα ἑστῶτα καὶ περιμένοντα ἐδείκνυεν αὐτῷ ἐκείνην τὴν ἐσθῆτα κἀμὲ, 38

Pégaso), para que vejas quais e quantas coisas terias ignorado se não me seguisses”. Montei e logo ela tomou as rédeas,

me

levando para os céus de onde, do nascente ao poente, eu podia contemplar cidades, nações

e

povos,

e

me

parecia, feito

Triptolemo, espalhar sementes sobre a terra. Não lembro que tipo de semente era, apenas que os homens lá embaixo me olhavam e me saudavam, e onde quer que aquele voo me levasse eu era acolhido com grandes honras. [16] Depois dela ter me mostrado tantas coisas belas, e de ter me exibido a meus admiradores, me trouxe de volta à minha casa, e eu já não usava mais as roupas de quando

subira

no

carro,

mas

vestes

maravilhosas. E ao encontrar meu pai, que me esperava, ela lhe exibia esses meus trajes 39

οἷος ἥκοιμι, καί τι καὶ ὑπέμνησεν, οἷα μικροῦ δεῖν

περὶ

ἐμοῦ

ἐβουλεύσαντο.

Ταῦτα

μέμνημαι ἰδὼν ἀντίπαις ἔτι ὤν, ἐμοὶ δοκεῖ, ἐκταραχθεὶς πρὸς τὸν τῶν πληγῶν φόβον.

[17] Μεταξὺ δὲ λέγοντος, Ἡράκλεις, ἔφη τις, ὡς μακρὸν τὸ ἐνύπνιον καὶ δικανικὸν. Εἶτ᾿ ἄλλος ὑπέκρουσε, Χειμερινὸς ὄνειρος, ὅτε μήκισταί εἰσιν αἱ νύκτες, ἤ τάχα που τριέσπερος, ὥσπερ ὁ Ἡρακλῆς, καὶ αὐτός ἐστι. Τὶ δ᾿ οὖν ἐπῆλθεν αὐτῷ ληρῆσαι ταῦτα πρὸς ἡμᾶς καὶ μνησθῆναι παιδικῆς νυκτὸς καὶ

ὀνείρων

παλαιῶν

καὶ

[ἤδη]

γεγηρακότων; Ἕωλος γὰρ ἡ ψυχρολογία· μὴ ὀνείρων ὑποκριτάς τινας ἡμᾶς ὑπείληφεν; Οὔκ, ὦγαθε· οὐδὲ γὰρ ὁ Ξενοφῶν ποτε διηγούμενος τὸ ἐνύπνιον, ὡς ἐδόκει αὐτῷ καὶεσθαι ἡ πατρῴα οἰκία καὶ τὰ ἄλλα, - ἴστε 40

e minha aparência, lembrando-lhe que por pouco não estragara minha nomeação. Tudo isso lembro ter sonhado quando ainda era pouco mais que uma criança, talvez com a mente perturbada pelo medo dos golpes. [17] A essa altura alguém deve me interromper e dizer "Por Hércules, mas que sonho mais comprido, e bem o sonho de um advogado!". Outros devem dizer: "Só pode ser um sonho de inverno, quando as noites são muito compridas, ou talvez ele tenha sonhado três noites seguidas, como se deu com Hércules. De onde tirou a ideia de nos contar essas bobagens e de lembrar sonhos de criança? Olhem que coisa mais fantástica, uma criança que vai pra cama dormir e um sonho do qual não lembra direito! Ou será

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γὰρ - οὐχ ὑπόκρισιν τὴν ὄψιν οὐδ᾿ ὡς φλυαρεῖν ἐγνωκὼς αὐτὰ διεξῄει, καὶ ταῦτα ἐν πολέμῳ καὶ ἀπογνώσει πραγμάτων, περιεστώτων

πολεμίων,

ἀλλά

τι

καὶ

χρήσιμον εἶχεν ἡ διήγησις.

[18] Καί τοίνυν κἀγὼ τοῦτον τὸν ὄνειρον ὑμῖν διηγησάμην ἐκείνου ἕνεκα, ὅπως οἱ νέοι πρὸς τὰ βελτίω τρέπωνται καὶ παιδείας ἔχωνται, καὶ μάλιστα, εἴ τις αὐτῶν ὑπὸ πενίας ἐθελοκακεῖ καὶ πρὸς τὴν ἥττω ἀποκλίνει φύσιν οὐκ ἀγενῆ διαφθείρων· ἐπιρρωσθήσεται εὖ οἶδ᾿ ὅτι κἀκεῖνος ἀκούσας τοῦ μύθου, ἱκανὸν ἑαυτῷ παράδειγμα ἐμὲ 42

que nos toma por adivinhos que decifram sonhos?" Meus caros, não sei. Quando Xenofonte narrava aquele seu sonho que todos conhecem, de que lhe parecia ter incendiado a casa do pai e todo o resto, ele não narrava aquela visão como um enigma, e muito

menos

como

uma

piada,

especialmente porque a guerra ardia à sua volta, os inimigos o cercavam e não havia saída. [18] Mas aquela narração tinha algo de útil. Da mesma forma, eu também contei esse meu sonho para que os jovens se voltem ao melhor e se dediquem à principalmente

caso

literatura,

algum

deles,

desencorajado pela pobreza, estiver prestes a escolher o caminho pior, para a ruína de uma natureza não ignóbil. Ele deveria se 43

προστησάμενος, ἐννοῶν οἷος μὲν ὢν πρὸς τὰ κάλλιστα ὥρμησα καὶ παιδείας ἐπεθύμησα μηδὲν ἀποδειλιάσας πρὸς τὴν πενίαν τὴν τότε, οἷος δὲ πρὸς ὑμᾶς ἐπανελήλυθα, εἰ καὶ μηδὲν ἄλλο, οὐδενὸς γοῦν τῶν λιθογλύφων ἀδοξότερος.

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confortar com o que narrei e encontrar em mim um exemplo adequado, comparando o menino que eu era então, quando me entreguei aos estudos sem medo da pobreza que me cercava, com o homem que agora vos fala – o qual, pelo menos, tem mais fama que qualquer escultor.

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NOTAS

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i

No original παιδεία (paidéia); optei por “literatura” para deixar a tradução fluente como o original e evitar as obrigatórias referências à obra magna de Jaeger que aponta uma acepção mais complexa que o necessário para esses fins. ii Cf. Homero, Ilíada, II, vv. 56 ss. iii Nesse ponto, como no restante da narrativa da disputa entre as duas artes, Luciano usa repetidamente vocábulos de duplo sentido sexual (como os traduzidos por “puxar”, “seguir”, “ter”, “tomar”, “viver comigo”, etc.). iv Nome que Luciano oculta justamente por ser um escultor, negando a fama. v Os melhores assentos nos teatros eram reservados aos homens mais respeitados.

BIBLIOGRAFIA Brandão,

Jacyntho

José

Lins.

A poética do

Hipocentauro: Literatura, sociedade e discurso ficcional em Luciano de Samósata. – Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. Luciano, de Samósata. Como se deve escrever a história; tradução, notas, apêndice e o ensaio Luciano e a história [por] Jacyntho Lins Brandão. – Belo Horizonte: Tessitura, 2009. Œuvres Complètes de Lucien de Samosate; tradução, introdução e notas [por] Eugène Talbot. Paris, França: Hachette, 1857. The works of Lucian of Samosata, complete with exceptions specified in the preface; tradução [por] Henry Watson Fowler e Francis George Fowler. Oxford, Inglaterra: Clarendon Press, 1905.

Tutti gli scritti; introdução, notas e aparatos [por] Diego Fusaro, tradução [por] Luigi Settembrini. Milão, Itália: Bompiani, 2007.

Esta edição de O sonho, ou A vida de Luciano foi composta em LibreOffice em fonte Gentium. Impressa em setembro de 2013.

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