O SUBPROJETO PIBID BIOLOGIA – UNIOESTE/CASCAVEL: UMA ABORDAGEM CTS PARA A ORGANIZAÇÃO DO ENSINO APRENDIZAGEM

October 1, 2017 | Autor: F. Meglhioratti | Categoria: Ensino De Ciências, SUPERVISÃO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES, Ensino De Ciências E Biologia
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O SUBPROJETO PIBID BIOLOGIA – UNIOESTE/CASCAVEL: UMA ABORDAGEM CTS PARA A ORGANIZAÇÃO DO ENSINO APRENDIZAGEM Fernanda Aparecida Meglhiorattii Juliana Moreira Prudente de Oliveira ii Eduarda Maria Schneider iii

RESUMO: O Subprojeto Biologia vinculado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência (PIBID) da Universidade Estadual do Oeste do Paraná tem como abordagem articuladora as relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). Essa abordagem foi escolhida, por garantir um ensino contextualizado e possibilitar o estabelecimento de relações interdisciplinares com diferentes áreas do conhecimento. Esse aspecto torna-se ainda mais relevante ao considerar que vivemos em um mundo mediado por ciência e tecnologia e que é fundamental para o Ensino de Ciências e Biologia a promoção de uma educação para a participação social e para a tomada de decisões em relação aos desenvolvimentos científicos e tecnológicos. Contudo, mesmo com as discussões acerca da importância das relações CTS para o Ensino de Ciências e Biologia, estas muitas vezes não são inseridas ou aprofundadas no contexto da sala de aula devido às próprias inseguranças e dificuldades da formação dos professores em trabalhar de um modo mais contextual e interdisciplinar. Desse modo, objetiva-se nesse trabalho analisar o processo de construção de algumas sequências didáticas, pautadas em uma abordagem CTS, elaboradas por acadêmicos do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas – UNIOESTE/CASCAVEL, sob orientação dos coordenadores do subprojeto, professores universitários colaboradores e professores supervisores das Escolas de Educação Básica envolvidas. Para tanto, foi analisado o processo de construção das sequências didáticas com as seguintes temáticas: Gripe; Enchentes; Alimentação; Engenharia Genética e Eugenia. Essas sequências iniciam-se por meio de discussões sociais, buscando caracterizar conhecimentos científicos de diferentes áreas e conhecimentos tecnológicos envolvidos. Todas as sequências didáticas analisadas propõem estratégias metodológicas que possibilitam aos alunos refletirem sobre a tomada de decisões, colaborando para o desenvolvimento de uma efetiva alfabetização científica. Palavras-chave: Formação de Professores; CTS; Ensino de Ciências. As relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade e o Ensino de Ciências O mundo contemporâneo está completamente imerso em ciência e tecnologia. Ao pensar sobre os aspectos do cotidiano e os objetos que são utilizados nas atividades diárias - TV, computador, eletrodomésticos, medicamentos -, percebe-se que a ciência e tecnologia estão completamente integradas no modo de vida atual (KRASILCHIK; MARANDINO, 2007). Ao refletir sobre esse contexto, nas últimas décadas o Ensino de Ciências tem debatido a necessidade da promoção de uma alfabetização científica da

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população de modo a proporcionar a participação dos cidadãos no debate público e na tomada de decisões em situações que dizem respeito ao desenvolvimento da sociedade. Ao analisar os aspectos históricos do desenvolvimento da sociedade, verifica-se que o papel da ciência e da tecnologia na vida cotidiana se intensificou após a revolução industrial, sendo as ideologias, estilos de vida e sentimentos morais remodelados pela produção industrial (WALKS, 1990). Essa dinâmica de transformação da sociedade foi articulada ao discurso de que quanto maior o desenvolvimento científico/tecnológico maior seria o progresso e bem estar social, desencadeando uma intensa valorização da ciência e da tecnologia no mundo globalizado atual (SANTOS; MORTIMER, 2002). A percepção salvacionista da ciência e tecnologia, que se configurou após a revolução industrial e que ainda é, muitas vezes, reafirmada pelas grandes mídias, começa a receber críticas na metade do século XX, quando alguns pesquisadores iniciam um trabalho de conscientização em relação aos problemas ambientais, éticos e de qualidade de vida. Desse modo, pesquisadores americanos e europeus começam a defender que o desenvolvimento científico, tecnológico e econômico não estava conduzindo linear e automaticamente ao progresso e bem-estar social. Assim, iniciam um trabalho de conscientização em relação aos problemas ambientais, éticos e de qualidade de vida, reivindicando a tomada de decisões democráticas em relação à ciência e a tecnologia (AULER, 2007). Santos e Mortimer (2001) indicam que o movimento CTS surgiu como forma de contestar a crença da ciência como verdade imutável, sendo que a crítica a tal percepção levou a uma nova filosofia e sociologia da ciência ao reconhecer a ciência e a tecnologia como processos sociais, dependentes das limitações e responsabilidades dos cientistas. Com a expansão do movimento CTS, que pensa de maneira articulada os elementos da tríade Ciência, Tecnologia e Sociedade, evidencia-se na década de 80 a necessidade de promover a alfabetização científica e tecnológica da população de modo a capacitar os cidadãos a participar do processo democrático de tomada de decisões sobre problemas relacionados à tecnologia e sociedade industrial (MITCHAM, 1990), além de promover o desenvolvimento de uma consciência ecológica (WALKS, 1990). No âmbito educacional, construiu-se a compreensão de que embora a sociedade esteja impregnada por ciência e tecnologia, os cidadãos têm sido incapazes de entender ou participar com informações suficientes dos temas que perpassam a agenda pública (KRASILCHIK; MARANDINO, 2007). As discussões no âmbito do Ensino de Ciências passam de uma perspectiva da ciência sendo apresentada como atividade

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neutra para uma visão interdisciplinar, em que o contexto no qual a pesquisa científica é realizada e suas consequências socioambientais, políticas e culturais são vistas como elementos marcantes para o ensino (KRASILCHIK; MARANDINO, 2007). Como afirmam Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002), as discussões sobre os problemas CTS permitem a compreensão da não neutralidade da Ciência, da utilização múltipla de seus produtos, de sua política de financiamento e, por conseguinte de seus interesses, suas relações com outras instâncias sociais, dos diferentes impactos resultantes da utilização maciça de tecnologia e das questões éticas geradas. Nas últimas décadas é crescente o número de educadores que reivindicam como um dos objetivos centrais da educação a formação para a cidadania mediante um enfoque CTS que explicite as mudanças que impactam o cenário contemporâneo, contextualizando os conteúdos científicos e tecnológicos no dia-a-dia do aluno (TEIXEIRA, 2003). Nesse contexto, em diversos países começam a aparecer iniciativas para se introduzir nos currículos escolares de ciências tópicos relacionados à perspectiva CTS, possibilitando o encurtamento da distância entre o currículo escolar de ciências e as questões de natureza socioambientais decorrentes de impactos da ciência e tecnologia (CARVALHO et al. 2004). Contudo, embora o movimento CTS tenha se consolidado nas últimas décadas, é possível perceber a existência de dificuldades dos professores para trabalharem a ciência de forma mais contextual. Essas dificuldades, como destacam Krasilchik e Marandino (2007), revelam-se: nas inseguranças para tratar dos assuntos de modo interdisciplinar; no medo de acarretar perda de rigor ao trabalhar os conteúdos de forma não tradicional; e no medo em tratar de temas polêmicos que envolvam valores e divergências. Como argumentam Krasilchik e Marandino (2007), as inseguranças do professor advêm, muitas vezes, da própria formação inicial e da tendência de reproduzir na educação básica o padrão em que eles foram ensinados. Além de uma formação inicial fragmentada, como destaca Trivelato (2000), os professores sentem-se limitados por estruturas curriculares estanques, influenciadas por avaliações externas, orientações institucionais e posicionamentos dos pais de alunos. Para superar esses obstáculos da formação docente, é importante que desde a formação inicial se tenha espaço para refletir de maneira fundamentada sobre a prática docente, o contexto escolar, as teorias e crenças implícitas e os desafios do sistema de ensino. Ao considerar a importância dos professores trabalharem no Ensino de Ciências e Biologia de maneira articulada e interdisciplinar, bem como as dificuldades apontadas

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na literatura (TRIVELATTO, 2002; KRASILCHIK; MARANDINO, 2007) em relação à formação de professores para alcançar um Ensino de Ciências que promova a alfabetização científica, entende-se como primordial a existência de espaços de formação inicial e continuada que promova a reflexão crítica sobre todas essas questões. Considera-se que o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência (PIBID) possa constituir-se nesse espaço de formação e reflexão. Desse modo, o Subprojeto PIBID Biologia – UNIOESTE/Cascavel ao buscar a formação de docentes capazes de trabalharem de forma contextualizada e reflexiva adotou como abordagem articuladora as relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). No trabalho aqui apresentado analisa-se o processo de planejamento e construção de sequências didáticas, pautadas em uma abordagem CTS, elaboradas por acadêmicos

do

Curso

de

Licenciatura

em

Ciências

Biológicas



UNIOESTE/CASCAVEL, sob orientação dos coordenadores do subprojeto, professores universitários colaboradores e professores supervisores das Escolas de Educação Básica envolvidas. Isto é, avalia-se um recorte das múltiplas atividades que o PIBID propicia, nesse caso, o processo de planejamento de ensino. Para tanto, foram analisadas: 1) as sequências didáticas construídas, com as temáticas: Gripe; Enchentes; Alimentação; Engenharia Genética e Eugenia; 2) as respostas dos acadêmicos para questões referentes à construção das sequências didáticas e a articulação dos conteúdos. Segundo Sanmartí (2002), uma sequência didática caracteriza-se pela forma em que se selecionam e organizam determinadas atividades de ensino-aprendizagem ao longo do tempo para que se contemplem determinados objetivos de ensino. De acordo com Matos, Motokane e Kawasaki (2005), a forma como o professor organiza e seleciona conteúdos pode revelar o processo de transformação do saber científico de referência em um saber a ser ensinado, pois quando se faz um planejamento de atividades ocorre uma seleção de conhecimentos, condicionado pelas características do universo escolar ao qual se destina. Assim, a avaliação das sequências didáticas propostas desvela o processo de organização do conhecimento nas atividades de planejamento por acadêmicos em formação inicial para a docência.

Metodologia A abordagem metodológica deste trabalho foi qualitativa, cuja característica principal consiste na riqueza de dados descritivos e um enfoque de investigação flexível e contextualizado (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). Desse modo, foram analisadas quatro

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sequências didáticas (denominadas como módulos didáticos) elaboradas por acadêmicos participantes do PIBID, Subprojeto Biologia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus de Cascavel. As sequências didáticas analisadas foram: Gripe; Enchentes; Alimentação; Engenharia Genética e Eugenia. A análise dos textos de planejamento dos módulos didáticos constituiu-se em uma análise documental. Para Lüdke e André (1986), “os documentos constituem também uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas evidências que fundamentem afirmações e declarações do pesquisador” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 39). Além dos planejamentos das sequências didáticas, foram analisadas três questões respondidas pelos acadêmicos referentes ao processo de construção e planejamento de suas sequências didáticas. As questões foram: 1) Como foi a escolha da temática social apresentada no módulo didático? Justifique. 2) Quais conteúdos científicos, tecnológicos e sociais foram articulados durante o desenvolvimento do módulo didático? 3) Como você relacionou os conteúdos científicos, tecnológicos e sociais entre si e com o tema escolhido?

Análise das sequências didáticas A estruturação das sequências didáticas é discutida mediante a análise dos planejamentos dos acadêmicos e das respostas aos questionários. A discussão dessas duas fontes de dados é realizada de maneira articulada a seguir. Para a elaboração das sequências didáticas os alunos foram previamente orientados a planejarem atividades que contemplassem uma diversidade de estratégias/modalidades de ensino. Além disso, de acordo com a fundamentação teórica desenvolvida no Subprojeto PIBID Biologia – UNIOESTE destacou-se que essas sequências deveriam contemplar um tema de relevância social, integrando as relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade. A sequência didática “Engenharia genética e Eugenia” foi elaborada por três acadêmicos a partir da problemática social: Se existisse uma forma de melhorar biologicamente a população humana, qual seria sua posição a respeito? De acordo com os autores da sequência, a escolha deste tema foi mobilizada a partir da reflexão do avanço da ciência da engenharia genética e sua divulgação na mídia, sendo de extrema importância sua abordagem nas escolas de modo a garantir a tomada de decisão crítica e consciente sobre a temática. Outro ponto que justificou a elaboração da sequência “Engenharia genética e Eugenia” foi a relação estabelecida entre aspectos éticos que

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envolvem a discussão sobre a utilização da engenharia genética atual e o movimento eugênico que emergiu no final do século XIX e início do século XX iv. Ao abordar o movimento eugênico é possível evidenciar que a busca de um ideal humano de perfeição estava fundamentada em ideologias, tais como o racismo e discriminação. Assim, ao investigar um contexto histórico distante e fazer aproximações com a ciência atual é possível desmistificar visões da ciência como neutra e objetiva, destacando as múltiplas influências entre ciência e sociedade. Estas constatações podem ser observadas nas respostas dos acadêmicos à questão 1. P1: [...] falar da eugenia no contexto escolar ajudaria a trabalhar conceitos difundidos atualmente na mídia sobre uma ciência neutra e objetiva. [...] trabalhar o tema na escola, ajudaria, além de trabalhar os aspectos da objetividade e neutralidade da ciência, trabalhar com contextualização histórica a respeito da discriminação. P2: A escolha (do tema) foi feita a partir de um tema que fosse pouco abordado na escola, como a relação entre a Engenharia Genética e Eugenia.

A sequência didática proposta contemplava diferentes modalidades didáticas e recursos, estando de acordo com Sanmartí (2002), pois o uso dessas diferentes estratégias possibilitam a participação ativa dos alunos e o constante diálogo reflexivo, buscando a aproximação dos conteúdos trabalhados no contexto escolar com a vida cotidiana da sociedade. Sendo assim, os autores da sequência didática buscaram organizar as atividades utilizando diferentes modalidades didáticas: discussão sobre a problemática social; leitura e debate a partir de reportagens de divulgação científica sobre o tema; exposição dialogada sobre o tema; estudo de textos dos Boletins de Eugenia (Fontes Primárias); debate; sessão de filme; e elaboração de texto de reflexão para a tomada de decisões sociais que envolvem o tema. As atividades propostas ao longo da sequência buscavam delinear o estudo da problemática social elencada inicialmente e integrar conhecimentos científicos, tecnológicos e sociais. A importância das relações CTS foi evidenciada ao discutir sobre: as possíveis consequências sociais e éticas da engenharia genética; as ideologias que buscaram o melhoramento biológico humano ao longo da história; a busca da cura e prevenção de determinadas doenças pela engenharia genética; a discussão ética envolvida nas pesquisas de fertilização in vitro. Os conteúdos científicos foram abordados a partir do tema social, contemplando: cromossomo; DNA; gene; variabilidade genética e evolução (incluindo a não existência de progresso e nem melhoramento em termos evolutivos); projeto genoma humano. Os autores da sequência didática destacaram a importância de trabalhar os conteúdos científicos e tecnológicos de forma articulada ao problema social, como pode ser visto na fala de P1:

7 P1: [...] iniciamos o módulo com a problemática de relevância social, em seguida trabalhamos os conteúdos científicos com os alunos de forma a relacionar com o problema social, de maneira a oferecer um maior entendimento do assunto, possibilitando assim uma visão mais crítica e a tomada de decisão, e sempre relacionando com a tecnologia, que esteve presente quase em todas as aulas, sendo trabalhada junto com os demais conteúdos.

A sequência didática “Gripe” foi desenvolvida por uma acadêmica mediante a problemática “O que de fato causa gripe?” A motivação para pesquisar e elaborar um módulo sobre este tema, segundo a autora, foi bastante pessoal, tendo em vista sua experiência de trabalho na área da saúde, como pode ser visualizado em sua fala: P4: Por trabalhar em hospital e ter um contato maior com a área da saúde [...] decidi que trabalharia com um tema que pudesse vir a prevenir e conscientizar os alunos sobre alguma doença. E então, depois de analisar várias doenças, eu optei por escolher a gripe, pois por ser algo tão rotineiro, presente no nosso dia-a-dia e tão comum acaba por ser mal julgado, mal interpretado e não ganha a atenção que necessita.

Na elaboração desta sequência didática, para trabalhar a integração de conteúdos científicos, tecnológicos e sociais, a autora buscou diversas estratégias que motivassem a participação ativa dos alunos da educação básica, como: discussão sobre o problema social “gripe”; entrevista semiestruturada realizada pelos alunos da Educação Básica com seus pais e familiares sobre o tema; discussão sobre o resultado da entrevista; pesquisa na internet sobre gripe orientada pelo acadêmico e pelo professor regente da turma; debate da pesquisa realizada; exposição dialogada sobre vírus e sistema imunológico; e construção pelos alunos de um panfleto informativo sobre gripe pra a distribuição para a comunidade escolar. Envolver os alunos da Educação Básica em atividades de pesquisa e discussão é fundamental para motivá-los e desenvolver a autonomia, colaboração e compromisso enquanto sujeitos responsáveis pela própria aprendizagem. A necessidade de integrar conhecimentos científicos, tecnológicos e sociais está presente na fala da acadêmica: P4: Eu iniciei trabalhando a gripe de modo geral e busquei as respostas dos alunos sobre o que é, o que causa, como se adquire, como ela age no nosso organismo e a partir da tentativa deles de explicar esses questionamentos foi possível ir inserindo o conteúdo científico passo a passo. Quanto aos aspectos tecnológicos, a abordagem foi feita no que se referiram à produção das vacinas, medicamentos para o combate e ainda o isolamento do vírus para que pudesse ser estudado. Tudo isso estava ligado, relacionado com o que os alunos já viveram ou presenciaram alguém vivendo. Então, por meio de suas próprias experiências com o vírus da gripe ou com alguém próximo eles puderam responder todas as questões que lhes foram feitas. Foram relacionados os sintomas da gripe com a ação do sistema imunológico, as pandemias e epidemias com a capacidade de mutação do vírus, a prevenção e passagem de pessoa a pessoa foi relacionada com o ciclo viral, a profilaxia e o tratamento da doença se relacionaram com a tecnologia.

Observa-se na proposta desta sequência a integração de conhecimentos científicos (vírus, sistema imunológico), tecnológicos (desenvolvimento de vacinas e produção de medicamentos) e sociais (informação e prevenção da doença e o uso de medicamentos), corroborando, assim, com a abordagem CTS.

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A sequência didática “Enchentes” foi desenvolvida por duas acadêmicas, partindo dos seguintes questionamentos: “Será que as ocorrências das enchentes nas cidades podem diminuir? Quais alternativas podem ser utilizadas para minimizar este problema?” Diferentemente da sequência didática anterior, a motivação para a escolha do tema, se deu em função do planejamento da professora regente da turma, ou seja, procuraram um tema com o qual tinham afinidade, mas que pudesse ser relacionado com o conteúdo já previsto, como é perceptível na fala a seguir: P5: Nosso módulo deveria ser desenvolvido com um dos próximos conteúdos que a turma fosse trabalhar, então escolhemos reino vegetal por afinidade com o tema, para escolher então o tema social pensamos o tema enchentes, pois durante chuvas fortes que ocorreram em nossa cidade, diversas regiões foram alagadas, a partir disso, percebemos a falta das plantas e que o mau funcionamento dos sistemas construídos para controlar estas enchentes estava interferindo na ocorrência deste problema.

Na fala da acadêmica é possível verificar que mesmo o tema advindo por uma aproximação com o conteúdo a ser trabalhado, há a preocupação de que fosse um tema social relevante. Isso ficou evidente na fala da outra acadêmica responsável pela sequência didática: P6: Queríamos trabalhar com as plantas, mas não conseguíamos achar um tema social. Escolhemos o tema enchentes após uma chuva forte que ocorreu em Cascavel e inundou algumas regiões. Mediante a essa situação, percebemos a falta das plantas, e outros problemas, e a implicação nas enchentes.

Para iniciar o módulo as acadêmicas propuseram a discussão de um vídeo que apresentava situações, nas quais se observava a ocorrência das enchentes. Também solicitaram que fosse realizada uma pesquisa sobre as tecnologias desenvolvidas para o controle das enchentes nas cidades, tais como a construção de casas em palafitas, as redes pluviais, calçadas de paver, telhado ecológico e aproveitamento de água de chuva captadas dos telhados. Nessa parte é possível verificar a preocupação com os aspectos tecnológicos envolvidos no tema. Os conceitos científicos foram enfocados por meio da realização de três atividades práticas no laboratório de ciências, envolvendo os assuntos capilaridade da água, tecidos vegetais e tipos de solo. Em todas as práticas há sempre a ligação com o tema social, ou seja, na primeira em relação ao entendimento da coesão e adesão e de como estes fenômenos interferem na absorção de água do solo pelas plantas, na segunda porque se espera que haja o entendimento das principais características das plantas e como estas por meio de seu metabolismo contribuem para o funcionamento do ciclo da água e na terceira pela questão da influência dos tipos de solo sobre o processo de infiltração da água da chuva.

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Para a finalização dessa sequência didática foi proposta uma atividade em grupo, no qual o aluno mediante a criação de cartazes deveria evidenciar: as tecnologias pesquisadas inicialmente e sua relação com os conteúdos científicos abordados; identificar a influência das plantas na diminuição da água no solo e os impactos ambientais agravados pela retirada das plantas; considerar diferentes fatores, entre eles a diminuição de áreas verdes, que influenciam nas enchentes urbanas. A preocupação em abranger conteúdos científicos, tecnológicos e sociais, bem como relacioná-los, sempre esteve presente, como é possível verificar respectivamente, nas falas a seguir: P5: [conteúdos abordados] Degradação do meio ambiente, extrativismo vegetal, desmatamento, metabolismo vegetal, ciclo da água, tipos de solos (argiloso, arenoso, terra preta, terra roxa). Tecnologias para minimizar os problemas das enchentes urbanas como paver, telhado ecológico, redes pluviais, diferença entre redes pluviais e de esgoto, casas de palafitas, espaços verdes. Conteúdos sociais foram os efeitos das enchentes nas cidades. P5: Através de discussões e correlações durante as aulas, em todas as aulas foram realizadas discussões onde os alunos puderam expor seus conhecimentos prévios auxiliando assim no desenvolvimento do tema. P6: [...] discutimos a relação entre o metabolismo vegetal e o processo de absorção da água do solo com os impactos ambientais agravados pela retirada das plantas e sua influência no aumento das enchentes urbanas. Relacionamos as tecnologias disponibilizadas para amenizar esses impactos.

Ressalta-se também na segunda fala da P5 a preocupação em propiciar que o aluno possa expor seus conhecimentos prévios, o que é importante para que ele estabeleça conexões e o conteúdo seja significativo, contribuindo com a tomada de decisões. Outra sequência didática elaborada teve como tema “Má alimentação na adolescência” e foi construída por uma acadêmica que escolheu o tema por afinidade e pela relevância, conforme relatou: P7: A escolha para a temática do trabalho foi devido ao interesse pela área de nutrição e alimentos. Também, pesou o fato de adolescentes se alimentam de maneira errada, consumindo gorduras e açúcares em todas as refeições do dia. Ver esta realidade influenciou muito à escolha, pois senti a necessidade de esclarecer dúvidas e apresentar situações para que haja uma tentativa de mudança de atitude.

Na fala acima é notável a preocupação com a tomada de decisões dos alunos, algo que deve sempre ser intentado quando se trabalha na perspectiva CTS. Para a realização dessa sequência, a acadêmica propôs para a problematização inicial a construção de um cardápio, no qual os alunos deveriam descrever o que consomem ao longo de um dia. Em seguida, a discussão do vídeo “Muito Além do Peso”, buscando dialogar com os alunos sobre os hábitos alimentares na infância e adolescência e o papel da mídia nesse processo. Além da discussão do vídeo, a sequência propõe ainda a realização de uma aula prática para identificar a quantidade de açúcar em diferentes

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alimentos. Também foram propostas aulas expositivas dialogadas, nas quais houve problematizações de diferentes conteúdos científicos, destacando a importância de uma alimentação equilibrada para a manutenção da saúde. No excerto de fala da acadêmica P7 foram indicados os diferentes conteúdos abarcados pela sequência: P7: Conteúdo científico: Sistema digestório, boca, esôfago, estômago, Intestino grosso e delgado e ânus. Também suas glândulas anexas: pâncreas, vesícula biliar. Tecnológico: tecnologias ligadas à alimentação como a industrialização de alimentos e a conservação. Equipamentos tecnológicos ligados à medicina como câmeras e aparelho de endoscopia e remédios como insulina. Social: Foi abordada a obesidade e transtorno alimentares: bulimia e anorexia.

Na fala a acadêmica relata conteúdos que se enquadram dentro da proposta CTS, e quando indagada como os relacionou, responde da seguinte forma: P7: O conteúdo científico sistema digestório foi articulado com o tecnológico por meio da endoscopia. Já na parte social e tecnológica a relação foi feita por meio dos remédios usados nos transtornos alimentares e a obesidade. A temática má alimentação foi relacionada com a CTS em vários momentos, como por exemplo: a influência da má alimentação no aparecimento de doenças, como a industrialização dos alimentos influencia na temática, e como o social sofre com isso com a discriminação das pessoas que sofrem anorexia, bulimia e obesidade.

Ao final da sequência didática foi proposta a elaboração de um novo cardápio pelos alunos, com a intenção de produzirem uma distribuição equilibrada de alimentos e nutrientes ao longo do dia. Assim, percebe-se que a sequência didática contemplou a proposta CTS e permitiu a proposição de um ensino de ciências contextualizado socialmente, com a devida preocupação com a tomada de decisões.

Considerações Finais Compreende-se que os acadêmicos na proposição das sequências didáticas buscaram não só trabalhar conteúdos científicos, tecnológicos e sociais, mas também relacioná-los, ou seja, almejaram superar a fragmentação que, muitas vezes, tem sido apontada no ensino de ciências e biologia. Uma das contribuições da abordagem CTS identificada nas sequências didáticas analisadas é o seu papel na compreensão da ciência de forma sistêmica e contextualizada, auxiliando a superar visões estereotipadas da ciência na Educação Básica, pois ao desvelar a complexidade das relações CTS, percebe-se que a ciência e a tecnologia sofrem influências de aspectos políticos, ideológicos e econômicos. Outro ponto a ser destacado é que as sequências didáticas trouxeram uma diversidade de modalidades didáticas e recursos, o que, juntamente com uma abordagem contextual do ensino, contribui para um ensino motivador e significativo para os alunos da Educação Básica.

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Nas respostas dos acadêmicos em relação à construção das sequências didáticas, foi possível notar que os acadêmicos que tiveram maior liberdade na escolha do tema, devido à flexibilidade da escola quanto à sequência curricular, não encontraram dificuldades em delimitar a temática e propor a sequência didática. Contudo, aqueles que tiveram que definir um tema que se encaixasse em um conteúdo pré-definido apresentaram maior dificuldade para a sua proposição. As sequências didáticas propostas foram desenvolvidas ao longo do ano de 2014. Contudo, a análise detalhada do desenvolvimento das mesmas ainda está em processo de construção pelos acadêmicos. Estas análises subsidiarão a construção e publicação de relatos de experiências pelos acadêmicos mediante uma reflexão crítica sobre o trabalho de docência desenvolvido ao longo das sequências didáticas. A investigação da própria prática é fundamental para repensar estratégias e para uma formação docente permanente. O Subprojeto Biologia PIBID – UNIOESTE/ Cascavel-PR, fundamentado em uma abordagem CTS para o ensino de Ciências e Biologia, tem auxiliado na formação de um professor reflexivo, por meio do desenvolvimento de diferentes atividades, tais como: planejamentos; iniciação à docência; avaliação da prática pedagógica; divulgação das atividades desenvolvidas em congressos e eventos da área; intercâmbio de ideias entre os participantes do PIBID e em eventos da área. O texto aqui apresentado enfatizou o processo de construção e organização das sequências didáticas, evidenciando as possibilidades de integração do conhecimento mediante a abordagem CTS.

Referências AULER, D. Enfoque ciência-tecnologia-sociedade: pressupostos para o contexto brasileiro. Ciência & ensino, v. 1, número especial, p. 1-20, 2007. CARVALHO, L. M. O.; CARVALHO, W. L. P.; ALVES, J. A. P.; ZOCOLER, J. V. S.; MOMESSO, N. F. G.; PEREIRA, A.; PIPI, R. R. Alfabetização científica através de uma rádio comunitária na escola pública. 2004. Disponível em: http:. Acesso em: 15 jun. 2010. DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A.; PERNAMBUCO, M. M. Ensino de ciências: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002. KRASILCHIK, M.; MARANDINO, M. Ensino de Ciências e cidadania. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2007. (Cotidiano escolar: ação docente).

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Doutora em Educação para a Ciência. Docente da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Coordenadora do Subprojeto PIBID Biologia – UNIOESTE/ Cascavel. E-mail: [email protected] ii Mestre em Educação para a Ciência e a Matemática. Docente da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Coordenadora do Subprojeto PIBID Biologia – UNIOESTE/ Cascavel. E-mail: [email protected] iii Doutoranda em Educação para a Ciência e o Ensino da Matemática. Docente da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Professora colaboradora do Subprojeto PIBID Biologia – UNIOESTE/ Cascavel. Email: [email protected] iv O movimento eugênico ocorreu no final do século XIX e início do século XX, sendo considerado, na época, uma “ciência” do melhoramento humano.

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