O Teatro como ferramenta salvacionista de almas

July 14, 2017 | Autor: Rodrigo Contrera | Categoria: Theatre Studies, Spirituality, Arts Education, Theatre, Teatro, Teatro Latinoamericano
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O Teatro como ferramenta salvacionista de almas
Lido com artistas ligados ao teatro há alguns anos, e desde então tenho conseguido aprender algo sobre peças, autores e estilos, assim como conhecido bastante gente do meio. Já participei de várias peças do Grupo Cemitério de Automóveis, de São Paulo, e tenho um grupo próprio, que reúno em duplas ou trios para apresentações avulsas em bares, por exemplo.
Pode parecer anacrônico eu falar de teatro, uma arte em profunda decadência no país, tanto em termos criativos quanto ideológicos (quem faz teatro não influencia mesmo quase nada), neste momento, no município, em que os temas candentes são greves, ações contra o atual prefeito, problemas graves na Saúde e nos Transportes. Mas sigam meu raciocínio.
A partir dos anos 90, devido a diversos fatores, virou uma febre no meio teatral a inclusão, em projetos de fomento, da chamada "contrapartida social". Isso aparentemente tem a ver com o fato de que passou a ser entendido como insuficiente ensaiar e apresentar peças para com isso dar por certo o retorno do capital investido pelo poder público ou pela iniciativa privada nesses programas. Daí tornou-se padrão pensar no teatro como forma de inclusão – de populações desfavorecidas, públicos mal-atendidos, jovens em idade de risco, jovens com problemas de delinquência e envolvimento com drogas, etc. Inclusão virou a palavra da vez.
Diversos amigos e amigas do setor são ora favoráveis ora desfavoráveis a esses parâmetros. Ninguém é contrário a utilizar membros de populações pobres ou sem formação adequada em programas de teatro. Mas ora me dizem que o aproveitamento real desses jovens na sociedade é ínfimo (há diversas matérias jornalísticas a respeito, assim como relatos de ex-atores mirins de cinema que não conseguem sair do buraco), ora dizem que centrar os esforços em oficinas pode desvirtuar a busca de novas formas de expressão (ou retirar-lhes o foco), ora dizem que os recursos expressivos desses jovens e populações são tão comprometidos que não dá para fazer nada muito bom – olhem os critérios – com eles.
São contra-argumentos elitistas, claro, e nada contra o elitismo. São elitistas porque supõem que para existirem políticas compensatórias deva haver necessariamente um retorno esperado ou economicamente sustentável (é como dizer que ao construir ciclovias elas tenham necessariamente de ser bastante usadas). São elitistas também porque consideram que o aproveitamento real de alguém na sociedade deva se dar necessariamente por meio do mercado (em filmes, peças, etc.), desconsiderando que o simples aprendizado pode contribuir para a melhoria do ser humano e para sua maior conscientização diante de situações-limite. São elitistas também porque supor que boa qualidade deva necessariamente desconsiderar limitações expressivas é algo, no mínimo, discutível, quando não polêmico (até no mau sentido).
Ocorre que meu próprio caso e o de muitos colegas demonstra a utilidade do teatro como ferramenta inclusiva, sem necessariamente fazer jus a esse tipo de "contrapartida social". Tímido, bastante isolado intelectualmente, com poucos amigos, eu poderia ter me tornado uma espécie de eremita de condomínio se não houvesse sido atraído por diretores diversos, de diversas tendências, para o setor, e daí me tornado, após diversas oficinas e cursos (muitos deles gratuitos, bancados indiretamente por programas de fomento), ator bissexto (6 peças no currículo), diretor de grupo alternativo e – mais importante de longe – um sujeito ao menos reconhecido por poucos pares e com amigos e amigas, de identificação intelectual e artística, que me ajudam a lidar com a vida.
Mas ouso citar outro caso para terminar esta defesa do teatro como ferramenta de inclusão. Temos, lá no teatro, um amigo ainda mais macambúzio do que eu. Ele sempre chega e sai sozinho. Ele bebe, mas parece não aguentar muito. Tem dificuldade em participar das conversas, assim como em expressar emoções ou – mais ainda – em se enturmar, principalmente com mulheres. Mas do jeito seu, intransferível, esse nosso amigo encontrou seu lugar nos corações de todos. Há um mês, ele fez um papel (nem tão pequeno assim) numa peça de amigo. Saiu-se bem (foram dois dias de apresentações). Agora divide conosco o elenco de uma peça em que faz um cara estrangeiro que dá em cima de uma garota numa festa e sai gritando umas palavras incompreensíveis – em nossa língua. Claro, a garota é uma amiga dele, e uma amiga que ele "preza" bastante. Mas seja como for. É uma alegria toda especial vê-lo se superando a cada apresentação, jogando o corpo como a gente nunca imaginaria que ele pudesse fazer, e tal. Ele é um cara que o teatro salvou. Como muitos outros.
O teatro é um ambiente especial nesse quesito: salvar pessoas. Isso em qualquer parte do mundo. E aqui também. E nesse sentido tem de ser considerado objeto de políticas de Estado, permanentes e inalienáveis, em todos os níveis governamentais. Prefeitura de Taboão da Serra, por favor, sua posição. Afinal, não nos cansamos de ver jovens sem direção aqui e acolá, não é mesmo?
Rodrigo Contrera é jornalista, ator e diretor de teatro, além de bacharel em Filosofia, com formação em Ciência Política, e conselheiro (reeleito) de um condomínio em Taboão da Serra.

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